30/03/2024

Crítica do filme: 'Sem Pressão'


Acertando as contas com a vovó. Partindo de um falso enterro e usando a arte da culinária como ponto de apoio para interligar personagens com uma relação esquecida ao longo do tempo, chegou na Netflix a comédia romântica polonesa Sem Pressão. Dirigido pelo cineasta Bartosz Prokopowicz, com roteiro escrito pela dupla Carolina Frankowska e Katarzyna Golenia, o longa-metragem é simpático ao apresentar a cultura local de uma cidadezinha rural com menos de 2.000 habitantes mas não consegue se desprender da previsibilidade em uma narrativa que navega pelo convencional.

Na trama, conhecemos Oliwka (Anna Szymanczyk), uma jovem chef de cozinha, num presente bem impaciente, com uma promissora carreira pela frente e que já trabalha em um restaurante badalado de um grande centro da Polônia. Quando recebe a notícia de que sua avó faleceu, ela volta até a cidadezinha onde foi criada e lá vai precisar cuidar dos negócios da fazenda que pertence à sua família. Nesse caminho, acaba encontrando o mais forte dos sentimentos na figura de um empresário e fazendeiro local.

História de amor? Drama existencial? O roteiro busca na desconstrução de um sonhar, aqui visto como epicentro dos conflitos, criar pontes emocionais que vão do ressurgimento de memórias afetivas até as novas descobertas que surgem de maneira surpreendente. O amor é um variável constante, seja na forte ligação entre uma vovó fofa que nunca saiu do lugar onde nasceu com sua única neta, seja na descoberta de que abrir o coração para uma nova paixão pode ser um caminho para o equilíbrio imposto pelo destino.

Nesse projeto açucarado, percebemos uma tentativa constante de se mirar o desabrochar dos reais sentidos da vida. Os valores materiais ganham novos entendimentos, sem o peso da imposição da corrente capitalista que acaba sendo um termômetro para instabilidades e desequilíbrios. De que vale ter sucesso se você pode não ser completamente feliz? O sedutor universo da culinária também é um elo importante, através dessa arte a protagonista começa a perceber que aquele lugar onde está não é somente um pedaço de Terra.

A narrativa apresenta suas versões para tudo isso de forma leve e ingênua. A direção segue sua receita de bolo, vista em tantas outras comédias. Não há margens para se arriscar. Sem Pressão é um filme água com açúcar bem honesto, sem pretensões, previsível do início ao fim. Pode ser considerado um passatempo para você que busca um filme para assistir com a família.

 

 

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29/03/2024

Crítica do filme: 'Descanse em Paz'


Quando a última saída é a solidão. Tendo como elemento importante para uma reviravolta chave um fato real marcante ocorrido na Argentina em julho de 1994, o longa-metragem Descanse em Paz, nos apresenta um doloroso personagem principal com um enorme peso na alma que a partir de suas escolhas vê rotações constantes de seu mundo. Dirigido pelo cineasta Sebastián Borensztein, produzido por Ricardo Darín e baseado na obra Descansar en paz: ¿nunca soñaste con dejar todo y empezar de nuevo? de Martín Baintrub, esse longa-metragem argentino enumera reflexões sobre várias formas de tragédias e suas consequências.

Na trama, conhecemos Sérgio (Joaquín Furriel) um empresário de classe média, pai de dois filhos e casado com a dentista Estela (Griselda Siciliani). Em meados da década de 90, sua situação é alarmante, dívidas e mais dívidas se acumulam na sua frente, a mais complicada delas é a que fez com um agiota chamado Brenner (Gabriel Goity), esse último, um homem inescrupuloso que começa a ameaçar o protagonista. Buscando alguma luz no fim do túnel, certo dia acaba passando na hora e lugar de um atentando à associação Israelita (AMIA). Aproveitando a oportunidade em meio ao caos instaurado, resolve fugir e acaba durante anos se afastando de tudo e todos. Mas quando a vontade de reencontrar seus parentes bate à sua porta, uma série de consequências acontecem.

O destino é traiçoeiro, o acaso uma oportunidade. Com uma construção ligada ao foco no emocional destroçado de um homem e sua brusca mudança de vida somos jogados para uma trama bem amarrada, onde a narrativa se desenvolve de forma objetiva rumando gradativamente para os fortes conflitos que se seguem a cada passo do protagonista. A fotografia do filme merece destaque, a atmosfera das emoções ligadas aqui à uma solidão forçada são vistas em cada canto captado pelas imagens.

A trajetória do personagem principal acaba estando associada à muitos argentinos na questão econômica, numa década de 90 ainda preocupante com os índices altíssimos de inflação, altos riscos em rendimentos de tempo curto, além das manobras político-econômicas que se amontoavam na frente da população. Pensando nesse ponto, é possível enxergar uma crítica interessante a todo esse cenário mesmo que uma contextualização não seja efetivamente mostrada. Taxado por muitos como caloteiro, o protagonista é um reflexo de seu próprio país.

Antes de entrar na ficção e prestes a começar o segundo momento da jornada de seu personagem principal, o roteiro encosta na realidade ao retratar o atentado mais mortal em solo argentino, o ataque inesperado na Rua Pasteur à Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) em julho de 1994, que deixou centenas de feridos e dezenas de mortes. Uma página triste da história de nossos Hermanos.

O ‘descansar em paz’ do título é algo que ficamos pensamos sobre. O amor vira saudade, a escolha vira desilusão, o sentido de família é congelado. Existe realmente alguma paz nesse descansar? Sentimentos antagônicos vão se misturando apresentando diversos olhares para a tragédia pessoal de um homem que nunca soube lidar com seus conflitos e deixando margens para mais reflexões. Exibido pela primeira no Festival de Málaga, no início desse mês, Descanse em Paz chegou ao mais poderoso dos streamings, a Netflix.

 

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28/03/2024

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Pausa para uma série: 'Desejos S.A.'


Chegou nesse final de março ao catálogo da Star Plus uma série de antologia brasileira que se agarra na tentação como forma de provocar os dilemas na visão de conturbados personagens se jogando no mar das inconsequências. Criada pelos ótimos cineastas argentinos Gastón Duprat e Mariano Cohn, Desejos S.A. busca o olhar pela fechadura sobre os desejos não verbalizados, aqueles guardados a sete chaves, expondo a intimidade e seus embates fervorosos com a moral. O projeto é baseado em uma ideia do autor Horarcio Convertini.

A trama dessa minissérie gira em torno de seis histórias independentes que possuem um único elo: uma empresa misteriosa chamada Desejos S.A. que seduz vítimas realizando qualquer desejo por apenas 9,90 (custo da ligação que a pessoa realiza). Mas para toda ação há uma consequência, uma contrapartida indigesta que é preciso realizar para concluir a pedido. Na linha do: ‘o que você faria?’, sonhos podem se tornar verdadeiros pesadelos nessa análise profunda sobre os limites do ser humano. Algo que escancara verdades da sociedade.

Entre os ótimos personagens, conhecemos um homem da tecnologia e sua obsessão pela companheira do irmão, uma cuidadora que trabalha faz mais de duas décadas para um acomodado coronel aposentado, uma criança que deseja voltar a reunir os pais recém separados, uma mulher bem sucedida querendo descobrir possíveis segredos do marido, um frustrado motorista e seu incômodo com o novo vizinho além de uma religiosa que secretamente é fã de um famoso cantor. O elenco tem ótimos nomes: Carol Castro, Silvero Pereira, Marcos Pasquim, Daniel Rocha, Rocco Pitanga, Gilda Nomacce, Nelson Freitas e até mesmo a participação do cantor Diogo Nogueira.

A narrativa busca no detalhe, na imersão de uma trilha sonora chiclete, deixar todos os elementos em cena com a faceta da tensão refletindo para o espectador. Há muitos pontos interessantes na direção de arte que serão captadas pelos olhos mais observadores. Parece que há uma necessidade, muitas vezes excessiva, de qualquer elemento dizer alguma coisa. A condução da trama não se apressa para buscar seu clímax, com um ritmo dosado, busca uma profunda construção dos personagens antes de qualquer ação.

A consequência é um ponto a ser analisado, algo que se aproxima muito com a realidade, trazendo paralelos aos montes. O ser humano como vitrine dos erros e acertos, do certo ou errado, do egoísmo e até mesmo da acomodação pelo caminho mais fácil sempre gera bons debates. Fantoches nas mãos de algum grupo secreto, o desejo corre anos luz à frente de qualquer situação que possa chegar no fim do túnel das decisões dos protagonistas. Aqui percebemos que o egocentrismo, esse olhar para si mesmo, reverbera à beira do abismo dos conflitos.  

Com episódios durando cerca de 30 minutos, daqueles projetos para se maratonar em uma parte de um dia, essa série de antologia esmiúça casamentos em crise, relações deterioradas com o tempo, a expressão ‘até as últimas consequências’, mas se fortalece mesmo nos seus dilemas, jogando perguntas ao vento, a principal delas: O que você faria se pudesse realizar qualquer desejo não importando as consequências?

 

 

 

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Crítica do filme: 'Instinto Materno'


Da angústia à paranoia. Do luto à necessidade de culpar. Chegou aos cinemas nesse finalzinho de março um suspense psicológico que instaura uma intrigante Guerra Fria entre duas amigas que após um grave acidente doméstico vivem uma relação despedaçada e imprevisível. Primeiro trabalho na direção do experiente diretor de fotografia francês Benoît Delhomme, Instinto Materno joga seus esforços para apresentar adultos lidando com uma situação incontrolável onde a terceirização da culpa se torna uma constante. Baseado na obra homônima da escritora belga Barbara Abel.

Na trama, ambientada na década de 60, conhecemos duas amigas, vizinhas, praticamente inseparáveis: Celine (Anne Hathaway) e Alice (Jessica Chastain). Quando uma tragédia acontece, essa relação entre as amigas é completamente abalada. Assim, ao longo dos dias, entre o luto e a culpa, no campo das suposições uma série de desconfianças encontra o caminho das personagens.

As diferentes formas de lidar com a tragédia. A interessante e necessária introdução parece apresentar de forma bem prática alguns dos traços de personalidade das protagonistas além de um olhar para os seus respectivos relacionamentos. Assim, vemos Celine, tendo o filho como grande tesouro, que após o nascimento dele se contentou em ser dona de casa, uma vida que parece levar com bastante leveza e felicidade ao lado do marido que trabalha com produtos farmacêuticos. Já Alice tem uma personalidade forte, não deseja no momento um segundo filho, sonha em voltar ao trabalho e seguir carreira no jornalismo, algo que o marido, um gerente de contas, machista, não apoia.

Após o grande evento do filme, o conflito que apresenta a virada na trama, as peças meio que se embaralham. A tristeza da culpa se torna um elemento enigmático como se o roteiro buscasse o imprevisível dentro de um leque de conflitos emocionais que entram em choque com personalidades, se atualizando a partir do gatilho que passam. Nesse ponto entram em protagonismo uma direção de arte impecável e uma fotografia que ganha destaque com fortes cores que expressam os cruzamentos de emoções que circulam entre a desconfiança e os fortes traços de amargura.

Mesmo derrapando num desfecho que vai se moldando previsível, Instinto Materno apresenta de forma eficiente o confronto com a dor, com a perda, pontos catalizadores da inconsequência não só aos olhos de uma mãe e sua busca por culpar alguém mas também no de terceiros e a necessidade quase absurda de controlar o incontrolável. 


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27/03/2024

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Pausa para uma série: 'Rainha Vermelha'


O contraponto da genialidade e a maldição. Baseado na obra homônima do escritor e jornalista espanhol Juan Gómez-Jurado, o primeiro de uma trilogia, chegou recentemente no catálogo da Prime Video um seriado empolgante, que parte da jornada de heróis brilhantes e imperfeitos até o encontro com um caso macabro que vai se moldando através de pistas sobre um psicopata enigmático. Rainha Vermelha tem todos os seus conflitos chegando através dos laços entre pais e filhos, esse sentimento forte, vívido, conflitante, muitas vezes dependente, que se torna a base dos sete episódios, com duração perto de uma hora.

Na trama, conhecemos Antônia Scott (Vicky Luengo), uma jovem considerada uma das pessoas mais inteligentes do mundo (com um altíssimo QI) que faz parte de uma organização que só entra em operação em casos complexos onde a polícia não consegue resolver. No passado, um trauma abala todas suas estruturas emocionais ficando longe de qualquer agitação. Mas tudo isso muda com uma série de acontecimentos horripilantes que percorrem as ruas da cidade mais famosa da Espanha. Assim, seu destino se interliga com o de Jon (Hovik Keuchkeriano), um carismático policial que se junta ao time com a função de escudeiro da nomeada Rainha Vermelha. Juntos, precisarão resolver esse sinistro caso que envolve violência e o sequestro de uma milionária.

Antônia Scott é um personagem fascinante mas só vamos descobrir isso lá pelo meio da temporada. Então, paciência! A série esquenta mesmo a partir do terceiro episódio. É importante toda a costura do contexto que é feita nos primeiros episódios, de peças da organização fantasma que corre em paralelo às forças policiais até os arcos do antagonistas, passando pelo brilhante e carismático policial Jon, Rainha Vermelha posiciona peças que serão importantes nesse desfecho e até mesmo nas sequências dos outros livros que muito provavelmente virarão novas temporadas (a segunda inclusive já está garantida).

O mundo é um enorme texto a ser decifrado. Superdotada e refém de um experimento, Scott é uma jovem com uma mente brilhante que sempre se viu distante de uma sociedade que prega valores por meio de muitas hipocrisias. Isso não a deixou longe de ter uma família, criar laços. Andando em uma corda bamba com sua observação apurada parece conseguir esconder em um lugar sombrio seus embates absurdos com o exigente e influente pai e todo um passado ainda ser contado. O seriado começa exatamente no seu despertar, através de um forte trauma.

De um outro extremo, conhecemos Jon, um policial gay, marcado por um passado repleto de situações que o deixaram de lado na força policial. Sua forte relação com a mãe é o caminho para entendermos sua capacidade impressionante de agregar valores positivos numa relação e seus princípios ligados à uma análise sentimental. Um homem de uma inteligência emocional apurada que muitas vezes estaciona nas dores de causas perdidas. Hovik Keuchkeriano, está fabuloso no papel. Você pode lembrar dele como ‘Bogotá’ do mega sucesso mundial La Casa de Papel.   

A razão e a emoção moldam as personalidades distintas desses dois protagonistas formando um encaixe perfeito dentro de uma fórmula de ação e suspense onde a trama nunca é deixada de lado e sempre guiado por eles. A maneira como a história é contada (narrativa) deixa o ritmo dinâmico ampliando o campo de visão do espectador, muitas vezes através de um raio-x do subconsciente da protagonista e as reações espontâneas do outro.

Um ótimo vilão, e as surpresas quando nos deparamos com a sua história, se juntam a essa trama repleta de mistérios, reviravoltas, segredos inconfessáveis, relacionamentos abusivos, psicopatia e suas esferas. Rodado todo na cidade de Madri, Rainha Vermelha é o pontapé inicial de um arco maior. Há muito para se desenvolver. A segunda temporada já está garantida e será a adaptação de Loba Negra, segundo livro da brilhante trilogia de Juan Gómez-Jurado. Para quem se interessar, essa primeira temporada está disponível no catálogo da Prime Video.


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Crítica do filme: 'A Filha do Rei do Pântano'


O olhar imaturo e as releituras das relações. Buscando um olhar minucioso numa relação conturbada entre filha e pai dentro de um doloroso confronto com o passado, A Filha do Rei do Pântano busca uma constante tensão através de uma forte conexão com o medo e as dificuldades de confiar. Dirigido pelo cineasta norte-americano Neil Burger, do ótimo O Ilusionista, um jogo de caça e caçador é estabelecido através dos conflitos emocionais, algo que domina o tempo de tela, se perdendo em sua narrativa que carece de ritmo.

Na trama, conhecemos Helena (Daisy Ridley), que no passado viveu isolada ao lado do pai Jacob (Ben Mendelsohn) e da mãe Beth (Caren Pistorius) sendo criada de forma selvagem pelos ensinamentos do primeiro. Certo dia, durante a infância, após fugir com sua mãe, é revelada a ela que o pai as mantiveram em cativeiro durante anos. O tempo passa e Helena vive nos tempos atuais, casada, já com uma filha, mas como se não encontrasse um lugar para viver em meio aos seus intensos traumas que voltam com frequência. Quando seu pai consegue fugir da prisão, o pesadelo aparece de novo na sua frente.

O que se vê no reflexo dos olhos? A narrativa se desenrola a partir do forte elo estabelecido entre pai e filha, com a segunda sendo colocada em um caminho de desconstrução quando cai na sua frente as verdades desse pai. A composição da protagonista é bem feita, atormentada pelos traumas parece em total desequilíbrio como se uma página do livro de sua vida estivesse sempre aberta. Essa questão da relação encosta no melodrama e aqui a direção se perde, buscando movimentos para personificar os traumas. Aliado a isso, o ritmo é inconstante, deixando o caminho até o clímax uma viagem sonolenta pelo desequilíbrio emocional.

Com o lema: ‘Sempre proteja a família’, e suas diversas interpretações que vão mudando conforme conhecemos mais dos personagens, A Filha do Rei do Pântano não alcança todo seu potencial, deixando que uma interessante construção da protagonista afundasse em uma narrativa que não alcança o fôlego para sustentar a releitura de uma relação.  



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Crítica do filme: 'Pandorum'


Imagina você acordar em uma nave espacial após um longo sono profundo e não conseguir se lembrar como e os motivos de ter ido parar ali? Seguindo as pistas desse primeiro mistério, o longa-metragem Pandorum, lançado 15 anos atrás, mistura drama existencial com ficção científica em uma intensa luta pela sobrevivência que reserva boas surpresas para o espectador. Escrito por Travis Milloy e Christian Alvart (esse também o diretor), o projeto, filmado em uma usina abandonada na cidade de Berlim, na Alemanha, solidifica seu caminhar nos disparos de gatilhos emocionais em uma narrativa envolvente com um desfecho marcante.

Na trama, ambientada perto do ano 3.000, conhecemos o Cabo Bower (Ben Foster), um homem que acorda numa nave chamada Elysium, com grandes avarias, sem lembrar direito como foi parar ali. Ao seu lado, o sargento Payton (Dennis Quaid) também é acordado. A dupla então começa a busca entender o atual cenário da nave espacial em que estão, e entre alguns lapsos de memórias, precisam descobrir uma nova maneira de reestabelecer o controle da nave que está ocupada por seres nada amistosos. Assim, o cabo Bower parte para as partes mais distantes da nave, já que uma solução pode ser a de chegar ao reator principal da nave, e assim descobre muitas surpresas pelo caminho.

Sem leis, um lugar onde a moralidade não existe. Explorando o conceito de colonização interplanetária, Pandorum parte do suspense para navegar seus conflitos numa luta pela sobrevivência num período onde nosso planeta está à beira do caos. Dentro desse cenário, 60.000 pessoas são recrutadas das formas mais diversas para uma viagem de muito anos, com direito a hipersono prolongado, compondo uma nave de colonização até um planeta chamado Tanis (esse com condições parecidas com a da Terra), encontrado bem longe daqui. A questão é que algo dá muito errado, fruto de uma ação à uma reação emocional na qual chamam de Pandorum. Essa base teórica do filme é algo que percorre todo o discurso sendo visto em cada detalhe da excelente narrativa proposta.

Programado para ser uma trilogia, pode ser que isso não aconteça (infelizmente) já que o desempenho em bilheteria na época de seu lançamento fora longe do esperado, o longa-metragem diz muita sobre a humanidade e as diversas reações em situações extremas. Há muito a se refletir por aqui. Longe de casa, vemos os pulos pelos obstáculos dentro de uma jornada do herói aos olhos de um protagonista carismático que precisa encontrar soluções, mesmo completamente perdido, sem entender direito o real sentido de tudo que vive.

Empolgante até seu último minuto, com direito a reviravoltas constantes, Pandorum é um daqueles filmes que poucos conhecem mas deveriam ir atrás. Pra quem se interessar, o filme está disponível no catálogo da Prime Video.


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Crítica do filme: ' Shirley para Presidente'


As lembranças que teremos amanhã, são reflexos dos esforços de hoje. Navegando por um momento marcante da política eleitoral norte-americana durante a década de 70, com jovens já aos 18 anos tendo a possibilidade pela primeira vez de participar do ato democrático que é a eleição, conhecemos um pouco da vida e personalidade de uma mulher buscando a oportunidade de fazer a diferença. Shirley para Presidente, escrito e dirigido por John Ridley, busca um retrato intimista de Shirley Chisholm, congressista de Nova Iorque por sete mandatos, em um país e época de fortes preconceitos. No papel principal, a excelente atriz Regina King.

Na trama, ambientada no início dos anos 70, conhecemos um pouco da história de Shirley Chisholm (Regina King), primeira mulher negra a ser eleita para o Congresso dos Estados Unidos, durante os sete meses de sua campanha para presidente no confuso sistema eleitoral norte-americano. Trazendo um olhar íntimo sobre essa parte de sua trajetória, a narrativa atravessa o preconceito e o machismo, as alianças políticas, os fortes discursos, os problemas familiares, de uma inesquecível mulher que buscava ser um importante catalisador de mudanças.

A importância do voto ainda mais num país onde desde 1800 e pouco possui um método de votação confuso e cheio de possibilidades para manobras políticas. O sistema político dos Estados Unidos é realizado de forma indireta, com a atuação de delegados em uma prévia eleição onde são escolhidos o colégio eleitoral que, esses sim, escolhem que governará a maior potência do mundo. Confuso? Sim, bastante!

Dentro do contexto apresentado acima, a narrativa busca um amplo recorte sobre a vida da famosa congressista, com ênfase no período mais marcante de sua trajetória política, durante toda sua campanha para presidente dos Estados Unidos passando pela convenção dos democratas. O papel que a sociedade impõe à mulher, o preconceito racial, traições políticas, tentativa de assassinato, se misturam com a própria vida pessoal de Shirley, uma mulher com uma relação conturbada com a irmã e, casada há quase duas décadas, enfrentando sérios problemas no casamento.

Com o preconceito e o machismo batendo na porta a todo instante durante uma trajetória vitoriosa de 14 anos no congresso norte-americano, país esse que ainda vivia em época de Guerra, a do Vietnã, Shirley para Presidente apresenta os fatos que marcou a trajetória de uma mulher, professora, política, que abriu portas e nunca deixou de lutar pela igualdade.


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23/03/2024

Crítica do filme: 'Heroico'


A iminência do desequilíbrio. Escrito e dirigido pelo cineasta mexicano David Zonana, em seu segundo longa-metragem na carreira, Heroico é um projeto que escancara as linhas tênues entre a disciplina e a punição na visão de um jovem soldado, no limite do descontentamento, que sofre com o treinamento e os atos sádicos e desumanos de um dos superiores. Exibido nos Festivais de Berlim, Sundance e San Sebastian do ano passado, o filme busca um retrato de um pesadelo, onde a violência é um elemento para uma série de tragédias.

Na trama, conhecemos Luis Nunez (Santiago Sandoval), um jovem que acabou de entrar em uma escola militar no México em busca de uma estabilidade e também do seguro médico militar para ajudar a mãe que luta contra uma avançada diabetes. Logo nos primeiros dias, se depara com abusos e situações constrangedoras de seu oficial direto Eugenio Sierra (Fernando Cuautle) e embarca em uma jornada sem volta com conflitos que se seguem.

Como lidar com os absurdos que presencia? Contendo cenas fortes em sua narrativa, utilizando o recurso do chocar para refletir, Heroico navega na desconstrução de um protagonista que se vê perdido, completamente afetado pelos abalos emocionais que sofre. A direção busca nos detalhes a crítica social contundente, algo que se aproxima a uma lupa constante dos precipícios dos limites morais.  

O universo militar ganha contornos na visão do recrutas, suas expectativas e quanto a essa rotina. Muitos estão ali por necessidade, pelos benefícios que essa vida pode entregar. O choque com a realidade que se apresenta é um banho de água fria, com a hipocrisia de oficiais rolando solta. As mãos sujas de sangue, acaba sendo apenas mais um capítulo dessa história que vira peça chave na iminência do desequilíbrio.

Heroico é um filme que causa impacto. Abre nosso refletir para valores morais e instituições que deveriam ser uma saída para quem quer uma mas acabam sendo um reflexo constante da sociedade.  


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Crítica do filme: 'Gosto de Sangue'


Até o limite das inconsequências. Escrito e dirigido pelos irmãos Joel Coen e Ethan Coen, em meados da década de 80 chegava aos cinemas um filme que mostra relações repletas de tensão onde mal entendidos viram desconfianças trazendo a violência e várias de suas formas permeando as trajetórias de personagens que se desprendem da felicidade de forma constante. Gosto de Sangue é um retrato sobre a psicopatia, o desprezo pelo outro, em uma narrativa submersa a detalhar cada canto de conflitos que estão em iminente rota de colisão. O filme marca a estreia nas telonas da três vezes vencedora do Oscar de Melhor Atriz Frances McDormand.

Na trama, conhecemos Marty (Dan Hedaya), o dono de um bar no Texas que descobre a traição da esposa Abby (Frances McDormand) com Ray (John Getz), um funcionário do estabelecimento. Tomado pelo ódio, contrata um detetive inescrupuloso (M. Emmet Walsh) para matar a mulher e o amante. Só que uma série de situações começam a acontecer, com errôneas verdades impostas por achismos.

As reflexões sobre o lado psicológico dos personagens é uma ferramenta importante dessa engrenagem. Tudo é muito bem construído. A crueldade de alguns desses, está associada à uma ingenuidade, outros ao desprezo pelos valores morais. O limite emocional é o ponto de chegada onde limites são cruzados e o caos dos conflitos internos reina sobre as ações. A traição, a vingança são as consequências.

Uma mulher em busca da felicidade com um novo amor, um marido possessivo, um amante que se coloca em uma posição de incertezas, um detetive condenável. Mexendo esses elementos em uma trama que envolve o acaso como ponto intercessor, os irmãos Coen, com certo brilhantismo e uma direção primorosa, conseguem navegar em gêneros cinematográficos, de filme policial aos poucos vai se tornando um sufocante suspense que caminha de forma imprevisível para um desfecho marcante.


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