06/07/2020

Crítica do filme: 'Ninguém Sabe que Estou Aqui'


Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente. Mas às vezes é necessário. Há alguns dias atrás, sem muitos alardes, estreou na poderosa do streaming Netflix o primeiro longa-metragem do cineasta Gaspar Antillo, Ninguém Sabe que Estou Aqui. O filme é um poderoso drama, envolvente com uma atuação marcante do Jorge Garcia (conhecido por muitos por seu importante papel no seriado Lost). Falar sobre sentimentos profundos é sempre muito complicado quando pensamos em cinema, as linhas tênues entre o exagero e a superfície estão a cada linha do roteiro e por nossa sorte, nesse caso, os contornos entre os arcos são belíssimos levando a um desfecho satisfatório e impactante.

Na trama, conhecemos o introspectivo e solitário Memo (Jorge Garcia), um homem já adulto que vive distante do grande centro em uma ilha com seu tio Braulio (Luis Gnecco). Aos poucos vamos conhecendo mais a fundo a peculiar personalidade dessa alma amargurada que na infância foi descoberto por ter uma voz maravilhosa mas que a ganância dos outros fraudaram seus sonhos o levando a uma depressão e distância de tudo aquilo que pensara que iria acontecer com sua vida. Mas, a chegada de Marta (Millaray Lobos), fará Memo ter uma nova chance de mostrar ao mundo quem ele realmente é.

De maneira objetiva, ao longo dos curtos 91 minutos de projeção somos levados aos sentimentos do protagonista através de pensamentos, dança, sonhos e arte. É uma imersão que o espectador precisa estar querendo fazer para que a experiência seja algo que toque o coração de todos. Um homem de poucas palavras e com o coração machucado, Memo é um personagem intrigante, um dos mais interessantes desse início de segundo semestre nesse ano pandêmico que vivemos.  O filme por si só já vale por ele. Ao redor do protagonista, vemos a ganância e a fraude que foi vítima na infância, o distanciamento do complicado pai, a relação paternal com o tio, um sentimento vivo dentro dele de viver algo feliz em sua bolha triste. A chegada de Marta na história enche a tela de cores e força, você percebe uma enchida de combustível no coração de Memo e essa válvula de esperança culmina em um desfecho emblemático e bastante merecido para esse belo trabalho.

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Crítica do filme: 'Force of Nature'


O Beabá de uma trama desinteressante. Tendo o veterano Mel Gibson como coadjuvante de luxo, o longa-metragem dirigido pelo cineasta californiano Michael Polish é uma tentativa de mistura explosiva ao estilo The Raid (2011) com os piores roteiros de ação dos últimos tempos. O resultado é um projeto pouco criativo, previsível e com clichês que deixam o público distante de uma interação com o que acontece na tela. Force of Nature é candidato a um dos piores filmes de ação desse peculiar ano que vivemos.
Na trama, conhecemos o Cardillo (Emile Hirsch) que após um grande trauma no passado se isola como policial de baixa patente na polícia de Porto Rico. Certo dia, em busca de resgatar a população de um prédio da tempestade que está chegando, acaba envolvido em uma linha de tiro com bandidos comandados por John (David Zayas) que está atrás de um idoso que possui em seu apartamento obras milionárias. Contando com a ajuda de um ex-policial doente chamado Ray (Mel Gibson), a filha desse, a médica Troy (Kate Bosworth), e sua nova parceira Jess (Stephanie Cayo), Cardillo precisará ter sangue nos olhos para enfrentar as tempestades que o esperam.
A confusão de idiomas nas falas dos personagens que vivem em Porto Rico já indicava a complicada experiência de entender essa história que se nutre por cenas de ação mal dirigidas dentro de um roteiro com baixa inventividade. Esteriotipado até o último suspiro, os personagens não são nada marcantes e correm de andar em andar do prédio flutuando nas mesmices dos clichês mais usados no mundo do cinema. A falta de um forte protagonista também ajuda ao péssimo andamento dos arcos. Emile Hirsch (Na Natureza Selvagem) tem em Force of Nature uma de suas piores atuações da carreira assim como a talentosa Kate Bosworth.

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29/06/2020

Crítica do filme: 'Caçada Mortal'


Para determinados assuntos, somente alguns conseguem ter êxito. Baseado na obra do escritor nova iorquino Lawrence Block, A Walk Among the Tombstones, Caçada Mortal, lançado no já distante ano de 2014 é um drama com pegada forte policial que une o submundo da lei e das ilegalidades em prol de uma vingança após um brutal assassinato. No papel principal, o astro Liam Neeson entrega mais uma vez um competente personagem, intrigante e com camadas profundas de problemas emocionais. Destaque para a boa direção de Scott Frank (um dos roteiristas de Logan e Marley e Eu).

Na trama, ambientada em uma nova Iorque nos anos 90, conhecemos o solitário ex-policial e agora um detetive sem licenças chamado Matt Scudder (Liam Neeson) que passa seus dias lutando contra terríveis traumas de seu passado como homem da lei. Certo dia, é procurado por um viciado dizendo que seu irmão, um traficante de alto escalão da região, precisa da ajuda dele pois sua esposa foi brutalmente assassinada. Assim, Scudder acaba entrando em uma guerra entre lunáticos serial killers e o submundo da ilegalidade do mundo das drogas.

Um dos pontos a se analisar que consegue ser bastante interessante é que fica bem definido que não há heróis ou mocinhos nesse filme, há uma luta entre a margem da lei e serial killers. Completamente destroçado pelo trauma de ter ferido uma inocente anos atrás, o protagonista embarca em uma jornada onde o medo acaba não existindo tendo apenas forças na sua maneira de pensar o que é o correto, e também, por conta da entrada em seu cotidiano de um jovem sem teto que precisa de uma referência.

O tom sombrio e as cenas de ação são muito bem construídas, mesmo o roteiro beirando ao confuso em algumas partes dos arcos, os personagens e seus mistérios levam bem essa jornada rumo a vingança.  

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Pausa para uma série - #4 Upload (1ª Temporada)


As razões do ser e entender em conjuntura com a dificuldade em dizer adeus. Criado por Greg Daniel, Upload, que está disponível na Amazon Prime é uma sátira séria sobre aonde vamos quando morremos. Repleto de conceitos e paradigma para lá de interessantes, a comédia de ficção científica preenche suas lacunas complicadas com pitadas generosas de comédia trivial impulsionando inclusive um romance ente consciência e pessoa real. Tem uma pegada meio Ela mas acaba sendo muito mais profundo por conta do tempo que consegue para explorar suas ramificações criativas/futurísticas.

Na trama, conhecemos Nathan Brown (Robbie Amell) um criativo programador de computadores que está no auge de seu grande futuro sucesso quando de repente, em um acidente muito duvidoso acaba morrendo. Sua namorada, a patricinha Ingrid (Allegra Edwards) parte para incluí-lo em um lugar onde a consciente ganha renovação de vida no pós morte, um lugar onde ele ainda pode se conectar com os que ainda estão vivos. Nesse lugar projetado, paradisíaco, ele conhece sua ‘anja’ Nora (Andy Allo), a responsável pelo seu bem estar nesse novo lugar.  Assim o protagonista, com novas variáveis, vai conseguir entender melhorar toda sua vida.

Com leves críticas aos produtos capitalistas oriundos de uma inovação tecnológica desenfreada e sem limites, Upload é uma inteligente série disfarçada por muitos tons cômicos muitas vezes bobos que acabam mascarando sua ótima evolução nos curtos dez episódios da primeira temporada.  O elenco é ótimo, sempre em grande sintonia. A subtrama de Nathan e o amor diferente com sua anja é muito bem desenvolvido sendo start para várias reviravoltas dentro do que entendemos ser o plano principal da história. Um interessante, cheio de ramificações com potencial de desenvolvimento nas próximas temporadas, projeto que vale a conferida.

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28/06/2020

Crítica do filme: 'Little Joe'


Indicado a dois prêmios no festival de Cannes do ano passado (inclusive, vencendo na categoria de melhor atriz) Little Joe é um filme que busca sua originalidade no universo dos sentidos e os contornos de um gap entre o inusitado e o subconsciente. O roteiro se aproxima um pouco das loucuras criativas de novos modos de pensar que encontramos nos estranhos cantos de roteiros de alguns episódios de Black Mirror. A cineasta austríaca Jessica Hausner assina a direção, bastante competência na maneira de contar essa história.
Na trama, conhecemos a viciada em trabalho Alice (Emily Beecham), uma bióloga que trabalha em uma clínica de engenharia genética que lida com diversas experiências com plantas. Um dos mais prolíferos, Little Joe, é uma planta vermelha que busca mudar sensações de humor. Tudo ia bem até que algumas reações inusitadas com todos que se aproximam dessa planta acontece, deixando a protagonista em uma curiosa linha tênue entre o acreditar ou não no poder de sua criação.
Por conta da ênfase no inusitado, numa tentativa com êxito na maior parte do tempo de tentar passar aos olhos do espectador um frescor de originalidade, o projeto adota um ritmo bastante lento, cheio de detalhes e cores que se solidificam marcando um plano muito bonito composto por uma pega da de criatividade necessárias num universo cinematográfico dos últimos anos cheio de mais do mesmo. A profundidade chega forte com as sessões de terapia da protagonista, no seu labirinto de emoções e pensamentos, o que pode ser real ou não, transforma a jornada de Alice em uma tarefa cheia de obstáculos mas que acabam de certa forma deixando ela entender melhor seus desejos e como leva sua vida.
Exibido no último Festival do Rio, Little Joe é um filme para os que curtem detalhes. Uma mescla argumentativa entre o subconsciente e a nossa necessidade de preencher todas as lacunas de nossa vida.

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26/06/2020

Crítica do filme: 'Até que você me Ame'


Acreditar ou não? Com simples elementos, força na fotografia e uma objetividade perspicaz, o longa-metragem de estreia do cineasta e roteirista Edward A. Palmer, Hippopotamus no original, é um thriller, uma espécie de suspense cheio de camadas onde o espectador enxerga o jogo mental criado pelos olhos de uma frágil personagem com sérios problemas de memórias. Na fronteira entre média e longa, em pouco menos de 80 minutos de projeção, assistimos a essa ‘peça filmada’ com muita atenção aos detalhes que vão aparecendo a cada novo avanço da protagonista.

Na trama, conhecemos Ruby (Ingvild Deila), uma jovem que acorda em um cativeiro com poucos elementos dentro dele, somente uma cadeira, duas imagens desenhadas e sua bolsa com os pertences. Suas pernas estão imobilizadas e sem poderem se mexer. Quando tentamos entender o que acontece surge Tom (Stuart Mortimer) e um jogo psicológico é instaurado onde acreditar ou não será uma tarefa árdua para Ruby.

A construção dos simples arcos nos levam a um desfecho cheio de reviravoltas e com muita tensão. Os méritos do diretor vem exatamente nesse ponto: o do clima da tensão. Nos sentimos aflitos a todo instante buscando respostas sobre o que seria aquela inusitada situação vivida por uma perdida personagem que aos poucos começa a se desenvolver de maneira impactante na telona.

Exibido em alguns festivais online desse ano, como o Brasilia International Film Festival que ocorreu em abril, esse projeto britânico vai surpreender a muita gente que conseguir assistí-lo.

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21/06/2020

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Pausa para uma série! - #3 - Em Defesa de Jacob (Defending Jacob)


Os mistérios de um mente e os segredos a quatro paredes. Quase desapercebia, estreou no dia 24 de abril (dia do meu aniversario inclusive J ) na ainda pouco conhecida Apple Tv (streaming que já tem no Brasil mas somente para algumas tvs samsungs e dispositivos apple) a minissérie Em Defesa de Jacob, Defending Jacob no original, o projeto é baseado numa obra de sucesso escrita pelo escritor William Landay. Durante os intensos oito episódios vamos conhecendo uma família perfeita norte-americana que se vê envolvida em um crime bárbaro mudando para sempre a rotina dentro e fora dessa casa. Viciante, impactante e com reviravoltas eletrizantes. Além disso, atuações impecáveis de Chris Evans, Jaeden Martell, da ótima atriz britânica Michelle Dockery e da veterana Cherry Jones. Do primeiro inclusive, podemos afirmar que é a grande atuação de sua carreira.

Na trama, conhecemos a família Barber: Andy (Chris Evans), o pai, principal promotor da cidadezinha onde vivem e bastante querido pela comunidade; Laurie (Michelle Dockery) um profissional exemplar e super mãezona; Jacob (Jaeden Martell), o único filho do casal que possui uma personalidade introspectiva e não tem muitos amigos. Tudo desmorona em pouco tempo para essa família quando Jacob é acusado de assassinato de um colega do colégio. O pai, no início, promotor titular do caso, é dispensado e praticamente usa todo seu tempo e conhecimento para tentar inocentar o filho. A mãe, desmorona aos poucos e a cada episódio que passa, desconfiando mais do filho.  Assim, a série vai caminhando para uma decisão no tribunal que deixará marcas em todos. A minissérie conta com a participação de um brasileiro, o ator goiano Guilherme Vieira que atua como um ‘paralegal’ e repórter.

Uma minissérie viciante, impactante e com reviravoltas eletrizantes. Não só sendo um drama de tribunal, conhecemos a fundo os problemas e segredos da família Barber. Claro que numa série com a premissa inicial envolvida no tema se Jacob matou ou não o amigo, queremos descobrir o que houve. Porém, por incrível que pareça a minissérie toma rumos tão profundos sobre a família que o julgamento até certo ponto fica em segundo plano, pois, há uma lógica conclusiva de que não importa o resultado do julgamento, muita coisa caminhou para estradas sem voltas e as dúvidas sempre vão permanecer através dos fatores que impulsionaram as acusações sobre Jacob.

Confissão ou fantasia? Como todo bom advogado, o pai, (interpretação de gala do ex-Capitão América Chris Evans) usa de todos os argumentos possíveis para se fazer acreditar na inocência de seu único filho. Mas percebemos que há um sério conflito nessa questão. Toda a família é culpada? Dna Assassino? O drama caminha por diferentes estradas para nos apresentar a visão e pensamentos dos pais sobre o ocorrido. É como se Jacob já fosse culpado ou inocente na visão de cada um deles.
Com nota de 8.1 no Imdb (até o momento e merecidamente) e aclamada pela crítica, com todos os méritos, Defending Jacob é um dos melhores projetos que lançaram nesse difícil ano para a indústria cinematográfica e televisiva do mundo.

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20/06/2020

Pausa para uma série! #2 – Peaky Blinders


Para uma série ser boa não basta uma boa trama, precisa de um elenco competente, seguro que saiba exatamente todas as características de seus respectivos personagens. No já longínquo ano de 2013 foi anunciada sem muito alarde pela BBC Peaky Blinders um seriado de apenas seis episódios por temporada que conta a saga violenta de uma família criminosa oriunda de Birmingham logo após a primeira grande guerra. Mal sabia a BBC que esse seriado seria hoje um dos mais aclamados ‘show’ televisivos muito por conta de se principal protagonista, Tommy Shelby, um possante personagem interpretado pelo excelente ator irlandês Cillian Murphy (Extermínio, Sunshine – Alerta Solar). Suas temporadas até o momento estão no Streaming Netflix. Vale muito a pena!

Na trama, ambientada em um pós guerra na Inglaterra, conhecemos a ascensão da família Shelby, conhecidos como Peaky Blinders, envolvida em violência e corridas de cavalo na cidade de Birmingham. O líder não é o irmão mais velho e sim o do meio, Tommy, um ex-soldado de guerra que possui uma frieza e punho firme necessários para o crescimento de sua família. Abordando inúmeros temas importantes que vão desde a corrupção na polícia (já naqueles tempos), até a luta das mulheres por direitos mais equivalentes aos homens no mercado de trabalho, Peaky Blinders possui intenso episódios por temporadas sempre com um grande desfecho impactante.

O molde da personalidade de Tommy é a grande chave do sucesso da série. Extremamente diferente de seus irmãos, os caçulas Finn (Harry Kirton), John (Joe Cole) e Ada (Sophie Rundle), principalmente do mais velho Arthur (Paul Anderson), ele é o epicentro da história, o começo, meio e o fim de cada temporada que partem de suas complicadas escolhas que nem sempre agradam a sua família, principalmente a Polly (Helen McCrory, espetacular no papel), tia da turma e quem ajuda Tommy a liderar os Shelbys.

Entre idas e vindas de amores e casos amorosos, a família Shelby é unida da sua forma por mais que as escolhas de Tommy gerem controvérsias. Criando problemas com a máfia italiana na Inglaterra, com Churchill, com o comissário impiedosos da Polícia (interpretado pela lenda Sam Neill), com os ciganos, tentando passar a perna no maior negociante de corridas de Londres, avançando sempre a cada temporada de território para os negócios (como se fosse um tabuleiro de War), Peaky Blinders envolve o espectador a todo instante, méritos do showrunner Steven Knight e de toda a competência dos artistas envolvidos nessa belíssima produção de época.

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19/06/2020

Crítica do filme: 'Piedade'


As lições de uma vida que não vivemos. Cercado sempre de muito entusiasmo, o quinto longa-metragem de um dos mais corajosos cineastas brasileiro, Cláudio Assis, teve sua exibição permitida via streaming no dia de hoje, em homenagem ao Dia do Cinema Nacional, uma forma de comemorar com arte dentro da quarentena social a qual vivemos nesse inusitado ano de 2020. Exibido na Mostra Competitiva da última edição do Festival de Cinema de Brasília, o filme possui todos os elementos de um projeto assinado por Assis, verdades corporais, intensidade, sexualidade e mensagem bem forte e contundente. Vale o destaque para Cauã Reymond (que vai se desenvolvendo como um ator melhor a cada projeto que passa), o veterano do cinema nacional Matheus Nachtergaele (que esteve em todos os filmes lançados pelo polêmico cineasta) e a maior de todas, Fernanda Montenegro.

Na trama, rodada no Litoral do Cabo de Santo Agostinho e no Centro do Recife, conhecemos dois núcleos familiares que acabam se encontrando por conta de segredos de um pai que já faleceu. Dona Carminha (Fernanda Montenegro), seus filhos Omar Shariff (Irandhir Santos) e Fátima (Mariana Ruggiero) vivem seu sustento a partir de um bar da família na beira d’água que acaba sendo alvo de uma empresa que quer comprar o terreno e envia o executivo Aurélio (Matheus Nachtergaele) para negociar com eles. No meio da investigação, para ver se usa algum elemento que o ajuda a negociar com mais margem, Aurélio descobre um terceiro irmão que sumiu da maternidade e nunca mais se soube dele. Esse irmão é Sandro (Cauã Reymond) que vive com seu filho Marlon Brando (Gabriel Leone) no centro de Recife onde é dono de um dos poucos, talvez o único, cinema pornô da cidade. Quando um lado descobre sobre o outro, momentos de aflição e emoção envolverão a todos.

Em pouco mais de 90 minutos, de forma bastante objetiva, com tempo para críticas sociais, expressão da liberdade do sexualismo e os contornos da delicadeza envolvida nas linhas do roteiro Piedade fala muito sobre família. Percebemos um Assis com o pé no freio em relação ao chocar e mais no acelerador em relação ao emocionar. É uma bonita forma de enxergar essa história quando pensamos na dor e no sofrimento que todos os personagens de certa forma vivem, até mesmo Aurélio e sua dependência emocional da mãe que como fica evidente não sabe de sua orientação sexual. As atuações são marca forte desse projeto, além de contar com a grande Fernanda Montenegro, Assis reúne um elenco bastante consistente como Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele, Gabriel Leone e Cauã Reymond que quebra o esteriótipo de galã de novela com uma atuação bastante segura.

Quando esse bom projeto chegará aos cinemas ninguém sabe. Seja em que plataforma ou ‘janela’ vale a pena conferir, mesmo não sendo o melhor trabalho de Claudio, há muito méritos nesse. É a força do cinema nacional, principalmente o oriundo de um nordeste tão criativo quando pensamos em sétima arte com força, amor e muito cinema.

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10 Filmes bastante originais que você provavelmente não viu


Todo ano são lançados centenas de títulos no concorrido mercado exibidor mundial. No Brasil, poucos são os cinemas que realmente possuem um carinho necessário com sua programação. Para vocês terem ideia, alguns dos programadores de cinema por aqui nem assistem filmes. Absurdo? Talvez. Cada empresa segue sua linha de raciocínio (lembrando que é na pipoca o grande lucro de um cinema) e o mercado acaba de alguma forma absorvendo todo tipo de pensar.

Algumas ótimas distribuidoras tentam trazer o melhor do cinema nacional e mundial para cá, mesmo sabendo a dificuldade que será entrar com esses títulos em cartaz pelo Brasil. Pena que não dá pra trazerem a maioria dos filmes. Temos muito poucas distribuidoras e muito menos cinemas de qualidade na programação do que tínhamos anos atrás. Sendo assim, muitos títulos acabam passando desapercebidos ano após ano, sendo, talvez, descobertos futuramente em plataformas de streamings, ou de outra forma...

Muitas dessas produções tem uma pegada bastante original, contando histórias que pouco vemos em filmes por aí. Pensando nisso, segue abaixo uma humilde lista de ótimas produções originais que tiveram poucas ou nenhuma chance de serem vistas por brasileiros, no Brasil.

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#1 Canastra Suja

Quando em momentos de conflito não existe nem um alma estranha para aconselhar. Escrito e dirigido por Caio Sóh, Canastra Suja é um drama, um retrato nu e cru de uma família recheada de problemas, onde muitos se blindam na dependência alcoólica do pai, Batista, interpretado pelo ótimo Marco Ricca. Impressiona a capacidade do roteiro em prender o espectador. Talvez pelos ‘plot twist’ existentes, talvez pela curiosidade do olhar do público em saber qual o final de cada personagem. É um filme sobre família, seus problemas, seu cotidiano. Cada personagem é uma peça nesse tabuleiro. A eminência da tragédia é algo que percorre todos os intensos 120 minutos de projeção.

Batista (Marco Ricca) e Maria (Adriana Esteves) são casados e são pais de três filhos: Emília (Bianca Bin), Ritinha (Cacá Ottoni) e Pedro (Pedro Nercessian). Eles levam uma vida de aparências, regados de problemas do cotidiano, muito por conta do fato de Batista ser um alcoólatra. Sem confiança de ninguém de sua família, o pai desconta toda sua raiva e frustrações da vida bebendo e no relacionamento repleto de dificuldades com o filho. Alguns acontecimentos surpreendentes vão contornar essa história.

As reviravoltas do roteiro são importantes para o ritmo da trama, vamos aos poucos vendo faces ocultas dos personagens que causam surpresa e mudam nossa ótica sobre eles. Cartas de baralho definem arcos. Extremamente complexos individualmente, completamente desalinhados como família, Canastra Suja apresenta um leque de portas se abrindo ao mesmo tempo que muitas outras se fecham. O olhar para o futuro com alegria vai virando um pequeno feixe de luz na porta mais distância que conseguimos enxergar.

As subtramas são muito bem elaboradas, exploram as características de cada personagem. Os dramas tomam camadas densas e profundas. Muitos personagens parecem estar no limite. Pedro usa os problemas do pai como justificativa para sua falta de rumo na vida, colocando-o sempre em evidência. Emília é um epicentro importante da família. Parece que todas as variáveis passam por ela, possui um papel de equilíbrio, pelo cuidado que tem pela irmã Ritinha. Namora Tatu (David Junior), mas também gosta do seu chefe dentista. A partir do segundo arco, conhecemos um pouco mais a fundo a dama do baralho, que parece esconder segredos, sonhos e objetivos, Maria, a mãe. Quando a família volta do trabalho, seu papel permanece como outra vertente de equilíbrio, principalmente na relação conturbada entre o filho e o marido. A batalha entre pai e filho percorre todos os arcos. Um coloca no outro a culpa pelos seus problemas. Batista é um pai rígido mas não consegue se livrar de seus fantasmas com a bebida, o que coloca em xeque todo o respeito que os outros poderiam ter por ele.

A bela apresentação inicial, ao melhor estilo teatral, onde a câmera passa pelos personagens já indicava um certo tipo de ciclo que veríamos, talvez com uma redenção, talvez com esclarecimentos sobre os futuros dos personagens. Canastra Suja é um trabalho sólido, surpreendente e, desde já, podemos afirmar ser um dos grandes trabalhos do cinema nacional dos últimos anos. Pena que teve uma carreira relâmpago em algumas poucas cidades e em alguns poucos cinemas pelo Brasil.


#2 Bait

Quando a técnica de filmagem se sobrepõe e faz tudo ganhar sentido na características dos personagens. Bait, tá aí um filme extremamente interessante! O cineasta Mark Jenkin, que assina a direção e roteiro dessa pérola com passagem pelo Festival de Berlim e vencedor de um BAFTA, resolveu usar 130 rolos de filme Kodak que viraram um 16mm todo em preto e branco para mostrar aos cinéfilos as possibilidades de criatividades, não só narrativas mas de técnicas quando pensamos sobre um filme. Simples e complexo, dramático e pulsante, um baita achado na galeria dos bons filmes exibidos em festivais nos últimos anos.

Na trama, conhecemos o emburrado pescador Martin Ward (Edward Rowe), um homem de poucas palavras, que possui um sonho de ter um barco só dele para ganhar mais dinheiro e buscar uma felicidade ainda distante. O protagonista possui um péssimo relacionamento com o irmão Steven (Giles King), pois, esse usa o barco que foi do pai deles como transporte turístico e não para pescar conforme as tradições da família. Além disso, Martin confronta a tudo e a todos buscando preservar a parte da cidade que mais conhece da maneira como ele sempre conheceu. Mas, no meio tempo de tudo isso, uma tragédia acontece e isso pode mexer nos planos do destino de Martin.

O modo como fora filmado, belíssimo, que teve até que ter todos os diálogos dublados em estúdio, às vezes pode atrapalhar nossa análise sobre essa pequena relíquia cinematográfica. Há um complemento entre a técnica utilizada e as características dos personagens. Tudo se encaixa muito bem principalmente quando conhecemos os porquês e as consequências de tudo que assistimos. Ainda há tempo do roteiro abordar como subtrama jovens e descobertas do amor, os impactos e embates da mudança de rota do turismo de uma região tradicional, relacionamento familiar, ciúmes de irmão.

O interessante é que se formos analisar a fundo, percebemos que dá para se entender o filme de trás pra frente, ou ao contrário. Jenkin mostra aos cinéfilos que a simplicidade usada com criatividade, é uma arma impactante de quem busca uma originalidade tão necessária na mesmice de nossos tempos.


#3 Atlantique

Em seu primeiro trabalho como diretora, a cineasta francesa Mati Diop consegue reunir elementos físicos e sobrenaturais para nos contar uma história de amor pouco convencional que acontece em Dakar, no Senegal. Em meio a uma paisagem e arcos que remetem ao grande oceano que banha a parte da cidade onde se passa a trama, Diop e suas lentes conseguem uma incrível conexão com quem assiste do lado de cá da telona. Disponível no catálogo da Netflix, o filme levou o grande prêmio do Júri em 2019 no prestigiado Festival de Cannes.

Na trama, conhecemos a jovem Ada (Mame Bineta Sane), uma mulher que vive seus dias atuais na expectativa do casamento arranjado por um homem que não ama. Ada, esconde outra paixão, se encontra escondida com seu grande amor Souleiman (Ibrahima Traoré) sempre que possível. Quando Souleiman resolve, sem avisá-la, partir pelo oceano atrás de uma vida melhor, a vida de Ada ganha novas e curiosas passagens.

Abordar o sobrenatural de maneira interessante é um trabalho para poucos, e esse fato é a grande reviravolta do filme que caminha lentamente pelos detalhes do ambiente deixando surpresas como migalhas em uma trilha até o seu clímax. Dentro do contexto desse bom projeto, o amor é visto de uma ótica bonita através do sentimento, das afinidades, além claro de ótimas pitadas de críticas sobre a condição social da região, costumes e crenças.

Atlantique é um trabalho para ser apreciado. Um pequeno tesouro perdido nos milhares de lançamentos dos streamings. É um filme que cinéfilo tende a gostar, os contornos narrativos transbordam emoções puras que viram paralelos à nossa realidade.


#4 Nefta Football Club

Nas linhas da ingenuidade, propósito e razão nunca desaparecem. Indicado ao Oscar de Melhor Curta, Nefta Football Club usa da criatividade de um assunto comum com a fragilidade do olhar ingênuo. Sacada bastante interessante do cineasta Yves Piat que entre outros pontos incorpora à sua história a essência do futebol pelo olhar das crianças.

Ao longo dos quase 17 minutos de projeção, conhecemos rapidamente dois irmãos que estão sozinhos andando de moto por uma estrada deserta da Tunísia (próximo à fronteira com a Argélia) até que eu deles precisa urinar e acaba avistando um burro com um headphone e uma carga curiosa: um pó branco que, no modo deles enxergarem, parece sabão em pó. Tentando descobrir ao certo o que é aquele produto, o mais velho bola um plano para tentar negociar aquilo, enquanto o mais novo acaba tendo outros planos.

Todo curta bom precisa ser impactante em algum momento, pois são poucos minutos para se fazer o público se interessar pelo que acontece em tela. Nefta Football Club consegue reunir elementos que juntos constroem um desfecho com mensagem positiva, pra lá de emblemática, onde a pureza e a ingenuidade vencem qualquer tipo de caminho.


#5 Buoyancy

A falta de perspectiva em um mundo que se distancia das emoções positivas. Indicado da Austrália ao Oscar de Melhor filme estrangeiro no ano passado (não chegou entre os cinco
finalistas), Buoyancy, ou Empuxo como alguns denominaram por aqui, é uma forte e dramática saga de um jovem sem rumo que buscando oportunidades na liberdade das escolhas acaba envolvido no submundo absurdo do tráfico de pessoas. Com uma fotografia impecável e um roteiro com bastante profundidade, o projeto dirigido e roteirizado pelo cineasta australiano Rodd Rathjen (debutando em longas) nos guia para uma metáfora de sobrevivência cruel e impactante.

Há muitas verdades sobre o mundo lá fora que nem imaginamos ou nunca paramos para pensar. O dia a dia de milhares de jovens sem oportunidades de renda, alimentação e estudo básicos é o pontapé inicial dessa cruel história de um jovem de menos de 15 anos chamado Chakra (Sarm Heng) que resolve abandonar a família no Camboja para tentar a sorte de ser alguém no mundo e assim acaba sendo enviado para um barco de pesca em alto mar onde o capitão é uma alma bastante cruel. Buscando sobreviver após humilhações e testemunhando atos cruéis do capitão, Chakra precisará ser forte e lutar com todas suas forças para sobreviver ao pesadelo.

Existem filmes onde a profundidade da maldade é colocada dentro de uma profundeza difícil de acessar. Humano até o limite de qualquer borda de alma, os princípios de raízes da sobrevivência viram a única solução para a situação caótica enfrentada pelo protagonista. Há um jogo de emoções conturbado por situações extremas, como o fato de ter que trabalhar quase o dia todo para comer um potinho de arroz. O protagonista vai se modelando, inflando dentro de suas emoções para se tornar amadurecido a ponto de tomar decisões vitais para ter alguma chance de sobreviver em meio a essa maldade toda.

O arco final é intenso e condiz com tudo que o filme se mostra. Exibido no Festival de Berlim do ano passado, Buoyancy vai até seu último minuto nos mostrando as escolhas e como e porquê o protagonista resolve suas questões. O que será do futuro dele? Há esperança por dias melhores? Ele se tornara outra pessoa? Depois dessa tempestade, uma coisa é certa, ninguém fica igual ao que era antes. Filmaço, que absurdamente não ganhou chances no circuito brasileiro de exibição.  


#6 Rosie

Da aparente simplicidade em contar a realidade, até a riqueza de chamar a atenção para uma reflexão da sociedade. Daquelas gratas surpresas que nós cinéfilos sempre assistimos ao longo dos anos, aquele filme que você nunca tinha ouvido falar e se por acaso assistiu, se impressionou. Bem, isso acontece com Rosie, dirigido pelo cineasta irlandês Paddy Breathnach (que também assinou a direção do ótimo filme Viva) com roteiro de Roddy Doyle. Uma mãe, um marido e as dificuldades de arranjarem um lugar para morar. Parece simples? Mas não é não, drama dos bons, forte e impactante.

Na trama, conhecemos Rosie (Sarah Greene) e John (Moe Dunford), um casal que enfrenta dificuldades financeiras e não conseguem um lugar para morar tendo que passar dia após dia dentro do carro com seus filhos. Assim, ao longo de uma tentativa e outra, acompanhamos melhor a trajetória dessa jovem mãe, seu passado de brigas com a mãe e a busca por dias melhores para sua família.

Rosie é o tipo de filme com cara de festival de cinema. Reflexivo a todo instante, a protagonista é colocada em xeque a cada minuto, seja pela diretora da escola de seus filhos, seja pelas duras palavras de sua mãe, pelo olhar de outras famílias, pela ótica de amigos próximos que estão com o cachorro da família até eles arranjarem algum lugar. Mas ao longo dos curtos 86 minutos também dá tempo de entendermos a ótica de John, o marido, que se esforça entre um bico e outro para arranjar dinheiro e assim sustentar sua família. 

O filme é duro em muitos momentos, dá uma aflição, encosta na realidade de maneira importante e serve para refletirmos e pensarmos duas vezes antes de julgar as pessoas. Mas, uma mensagem linda de união familiar chega a cada gesto da família, seja com a preocupação com o bichinho adorado de pelúcia de um dos filhos, no afeto entre marido e mulher, ou pela questão da proteção quando o carro está lotado e o pai precisa dormir fora dele mas de perto e observando se todos ficarão bem. Rosie é um filme sobre um retrato de nossa sociedade, importante assistirem.


#7 Guaraní

O que fazer quando nos damos conta de que o que buscamos está ao nosso lado? Escrito e dirigido pelo cineasta paraguaio Luis ZorraquinGuaraní é impactante da maneira mais pura e singela que você possa imaginar já ter visto em um filme nos últimos anos. Falando sobre cultura, tradições e família, o longa-metragem ainda não lançado no Brasil vai conquistando o coração do público aos poucos, de maneira simples e honesta. Somos testemunhas do amadurecimento dos personagens que de maneira linda encontram uma certa redenção a sua maneira de pensar e ver o mundo mesmo tendo poucos recursos. Com um desfecho de deixar você sentado no cinema até o fim dos créditos pensando sobre a vida, Guaraní muito se aproxima, por conta de certos detalhes, do nosso campeão Central do Brasil.

Na trama, conhecemos Atilio (Emilio Barreto), um barqueiro que vive de maneira bastante humilde junto de sua família repleto de mulheres. Sua vida é o rio, em sua profissão já viu de tudo dentro de toda água que já navegou. Seu contato mais próximo mas mesmo assim não tão amistoso é com sua neta Iara (Jazmin Bogarin) com quem passa longas horas ao longo dos dias após a jovem voltar da escola, já que é ela que o ajuda nas travessias pelo rio levando produtos de um lado para o outro. Atilio sempre quis ter um neto homem para passar tudo que aprendeu sobre sua cultura Guaraní mas só mulheres nascem em sua família. Mas a vida pacata de avô e neta mudam quando a mãe de Iara, que mora na Argentina, envia uma carta dizendo que está grávida de um menino. Assim, a dupla parte rumo rios a dentro em uma viagem rumo a Argentina para convencer a mãe de Iara a criar a nova criança no Paraguai com as tradições guaranis.

A simplicidade faz toda a diferença nesse emocionante filme. Usando de poucos recursos mas com uma grande ideia nas linhas de roteiro, Zorraquin foca naquilo que precisava, que era conseguir passar toda a emoção em simples gestos de um protagonista limitado mas que conta com uma rica de viver neta que acaba sendo o contraponto perfeito para que a emoção transborde em cena. Os últimos arcos são fabulosos, chegando a um desfecho poderoso e inesquecível.


#8 Jak Pies Z Kotem

Temos que aprender a viver todos como irmãos ou morreremos todos como loucos. Dirigido pelo cineasta nascido no Cazaquistão Janusz KondratiukJak Pies Z Kotem (sem tradução para o português) é um projeto que fala sobre as fábulas da vida em paralelo a uma realidade cheias de razões para não mais se acreditar. Uma relação conflituosa entre irmãos se transforma em uma jornada de descobertas, onde o brilho dos personagens está contido em cada cena.

Na trama, conhecemos os irmãos cineastas Andrzej (Olgierd Lukaszewicz) e Janusz (Robert Wieckiewicz) que ao longo do tempo nutriram uma relação repleta de altos e baixos. Agora já na etapa final de vida, Andrzej sobre um acidente que o impossibilita de ser sozinho e como não há mais ninguém para ajudar, seu irmão Janusz e sua esposa decidem cuidar dele.

A relação de entre os irmãos navega pela tristeza e nos conflitos emotivos. Janusz guiou sua vida através dos sonhos do irmão e sentiu demais uma longa distância entre os dois que acontece já na chegada do terço final da vida de ambos. Andrzej, mente muito criativa talvez pelo fato de trabalhar com arte, após seu derrame só lhe sobra o ato de sonhar e imaginar situações para tudo que está vivendo e o pouco caminho que ainda precisa percorrer antes de falecer.

Misturando um drama profundo com pitadas de comédia, esse longa polonês se destaca pela alma de seus personagens e pelo ótimo roteiro que nos faz navegar junto a tudo de emocional que aparece na trama. Sem previsão de estreia no Brasil, o filme é quase uma relíquia em torno de tantos lançamentos aos longos dos anos.


#9 Dogman

Como você enxerga as brutalidades da vida? Indicado da Itália ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Dogman é um retrato social, brutal, passado em uma periferia italiana onde vários questionamentos são levantados a cada nova virada no roteiro. O longa é dirigido pelo cineasta italiano Matteo Garrone, do inesquecível e impactante Gomorra, e protagonizado pelo ator Marcello Fonte, vencedor da Palma de Ouro em Cannes de melhor ator.

Na trama, passada em uma cidadezinha na Itália não identificada, conhecemos o carinhoso, peladeiro e boa praça Marcello (Marcello Fonte), um humilde e gentil dono de uma petshop localizada na região central dessa cidadezinha. Marcello vive tranquilo seus dias e adora passar o tempo com sua única filha. Mas Marcello acaba envolvido em várias situações com Simoncino (Edoardo Pesce) um perturbador, baderneiro que incomoda todos na cidade, sempre arrumando confusão. Após uma dessas situações terminar em consequências terríveis para Marcello, o protagonista busca sua vingança da maneira mais radical que poderia.

O bom roteiro é aquele que sabe flexionar sua trama para chegar ao clímax de maneira certa, sem pressa, levando ao público um estrondoso ar de surpresa. É exatamente isso que Dogman faz! De drama, vira thriller em frações de segundos, levando o espectador a ser o juiz das ações de Marcello na segunda parte do filme. A ação e consequência que sofre o dono da pet shop, por ter a reputação abalada e o desespero de não saber o que fazer para acabar com aquela dor são parte desse quebra cabeça psicológico instaurado e muito bem dirigido por Garrone.

Coisas ruins vão acontecer com pessoas boas. É praticamente um versículo vital. Os coadjuvantes dão ótimo tom a todo o liquidificador de pensamentos que chegam até o protagonista quando está em crise existencial, sozinho, tendo que combater o vilão de todos e que fora muito mais para ele. Somos testemunhas de uma desconstrução total do personagem e nos levam a pensar à margem da sociedade, como se vivessem em áreas sem regras, nem leis, onde os homens caminham pelos seus próprios e nublados pensamentos. Um soco no estômago esse belo trabalho que passou rapidamente pelo circuito exibidor brasileiro.


#10 American Animals

‘Em um mundo tão belo, eu queria ser especial. Mas eu sou insignificante. Eu sou um esquisitão. Que diabos estou fazendo aqui?’ Creep da extraordinária banda Radiohead, encaixa muito bem quando pensamos em American Animals. Um dos mais comentados filmes do Festival de Sundance de anos atrás, tem em seu roteiro criativo seu enorme pilar para apresentar ao público uma história real, com diversos pontos de vista e uma auto avaliação dos verdadeiros autores desse curioso roubo que ocorreu nos Estados Unidos alguns anos atrás. Escrito e dirigido pelo excelente Bart Layton (do ótimo O Impostor), o projeto é uma espécie de ação/ficção com documentário. Envolvente do primeiro ao último minuto, é, com toda certeza, um dos grandes filmes que nunca foram exibidos no circuito de salas de cinema no Brasil.

Na trama, conhecemos Spencer (Barry Keoghan), um estudante de arte bastante introspectivo que dorme e acorda pensando em encontrar algum sentido para sua vida. Certo dia, durante uma visita à biblioteca da universidade que estuda, descobre alguns livros raros que ficam em uma sala especial protegidos por uma bibliotecária. Assim, junto com seu amigo Warren (Evan Peters), e mais outros dois, começa a bolar um plano mirabolante para roubar as raridades. Para dar mais ingredientes à trama, realidade e ficção se unificam durante as quase duas horas de projeção, transformando um simples filme de roubo em algo muito interessante e esclarecedor.

Qual o sentido da vida? Viver o sonho americano nunca é fácil. Aos olhos dos dois maiores protagonistas da trama, conseguimos enxergar motivos e razões para entendermos seus atos. A troca entre realidade e ficção, dita o ritmo do roteiro, com pontos de vistas entrelaçados e diferentes sobre determinados detalhes. Um trabalho primoroso de Layton. Indo mais a fundo nas palavras e contextos desse roteiro, se pensarmos em um protagonista, Spencer se encaixa, onde nossos olhos mais se concentram pois é o personagem que se constrói e desconstrói com uma rapidez gigante, divide as atenções com o excêntrico Warren, o motor do filme, o explosivo, dúbio, grande incentivador do roubo e inconsequente em seus atos.

Qual a razão dos jovens realizarem algo tão audacioso? Uma das grandes perguntas do filme, é respondida a toda a instante, pelos personagens reais que aparecem relatando seus pontos de vista. Não só os que participaram do roubo mas também familiares e envolvidos no caso que marcou época na história recente norte-americana. American Animals é muito mais que um simples retrato sobre o panorama jovem norte americano, é um crítica social profunda, repleta de camadas, onde cada um de nós, do lado de cá da tela, recebemos diversos argumentos para chegarmos ao nosso próprio final sobre todas as interrogações que o filme entrega.



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18/06/2020

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Pausa para uma série! #1 - 'Os Contos do Loop'


Tá pra ser adicionada ainda nos mais famosos streamings que temos disponível no Brasil um seriado tão sensível e metafórico que aborda a existência, os erros e os acertos de forma tão detalhista e humana. Os Contos do Loop, Tales From The Loop no original, disponível no bom catálogo da Amazon Prime, é inspirada na obra do artista e designer sueco de 36 anos Simon Stålenhag. Uns dirão ser lenta, outros talvez dirão que não conseguem invocar a paciência necessária para absorver toda a mágica desse projeto. Mas com certeza quem consegue se conectar acaba embarcando em uma jornada tão rica pela alma humana que fica impossível não sair mexido com tantos retratos impactantes e poéticos que conferimos ao longo dos extensos e extremamente competentes oito episódios da primeira temporada.  

Ao longo dos episódios, de quase uma hora de duração e com ótimos diretores assinando cada um deles (como a atriz Jodie Foster, que dá um show atrás das câmeras), além de nomes conhecidos nas atuações (Rebecca Hall e Jonathan Price, principalmente) vamos conhecendo uma pequena cidade norte-americana e seus habitantes que de alguma forma acabam sendo envolvidos pelo The Loop, um experimento que fica debaixo da terra (e que emprega muitos dos habitantes) que possui o objetivo de desvendar alguns dos mais complexos mistérios do universo. Assim, a cada episódio, que se entrelaçam de maneira bastante sutil (então por isso importante assistir em ordem) vamos vendo: realidades paralelas, versões mais jovem da mesma pessoa e as descobertas a partir desse fato, troca de corpos entre amigos, um homem perdido pela tristeza em busca da tecnologia para proteger sua família, o criador do The Loop e sua fase final da jornada da vida, amantes que param (literalmente) o tempo para viver o momento, etc.

Stålenhag e sua original obra (um livro de artes), que mistura imagens/pensamentos futurísticos em ambientes peculiares com uma pegada nostálgica do interior de seu país natal, conquistou não só os produtores e criadores da dramaturgia desse lindo projeto televisivo (encabeçado pelo ótimo Nathaniel Halpern que foi o roteirista da ótima série The Killing) mas também o mundo dos RPGS. Em 2017, Tales from the Loop ganhou 5 Ennie Awards, o Oscar dos jogos de tabuleiro e RPG, naquele ano: Melhor Cenário, Melhor Arte Interior, Melhor Edição, Produto do Ano e Melhor Jogo.

Agora, na TV, essa criação de uma mente brilhante e um showrunner competente chega nesse ano tão diferente para todos nós. Como um oásis para o que podemos pensar (porquê não?!) de um futuro em nossa realidade.

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Crítica do filme: 'Artemis Fowl - O Mundo Secreto'


Quando o mundo que não existe vira um faz de conta mais interessante que a realidade. Extremamente prejudicado pelo caos nos cinemas oriundo da pandemia que vive o mundo, Artemis Fowl - O Mundo Secreto, orçado em cerca de 250 milhões de dólares, e baseado na obra do escritor irlandês Eoin Colfer, é uma aventura onde reúne elementos mágicos, anões, fadas e utensílios secretos. O roteiro é um pouco atrapalhado, as cenas de ação deixam muito a desejar mas como é provavelmente o primeiro de alguns filmes (como foram os livros) ainda dá tempo de nos próximos tornarem a história mais interessante aos olhos de toda a família.

Na trama, conhecemos o genial menino prodígio Artemis (Ferdia Shaw), um recluso estrategista que vive isolado em uma linda casa na Irlanda. Quando seu pai, o negociante e colecionador de artes Artemis Fowl Sr. (Colin Farrell) é dado como desaparecido, o jovem protagonista é levado, a partir de suas pesquisas, a conhecer mais de perto um mundo mágico de lendas, fadas e anões. Assim, buscando o paradeiro do pai, ele contará com a ajuda de uma das líderes das fadas, Holly Short (Lara McDonnell) além do anão cavador de túneis Mulch Diggums (Josh Gad), do fiel segurança da família Fowl Domovoi (Nonso Anozie).

Com Judi Dench e Colin Farrell sendo os grandes nomes do projeto, Artemis Fowl - O Mundo Secreto, que tem Robert de Niro assinando a produção, busca sua essência na simplicidade dos arcos e na força do faz de conta mesmo que o roteiro não consegue criar uma ponte criativa entre o metafórico universo das fadas e a nossa realidade. Sucesso nos livros, Artemis Fowl é uma espécie de mini Indiana Jones com pitadas Tolkianas. Talvez se fosse mais rico em detalhes, o filme ganhava mais interesse de toda a família, não somente do público da criançada.


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13/06/2020

Crítica do filme: 'Caçada Brutal'


A dura constatação da repetição. Com filmagens que duraram menos de duas semanas (um péssimo indício?) está disponível na Amazon Prime o longa-metragem de ação Caçada Brutal, mais um filme com Bruce Willis no elenco (dessa vez como coadjuvante de luxo). Dessa vez, tudo parece fora de sincronia, do roteiro às atuações. Talvez pela pressa em ter que rodar o filme rapidamente, esqueceram-se de elementos básicos de uma boa narrativa para um filme que se propõe ser somente um projeto do gênero ação. No papel principal, Hayden Christensen, que não adiciona absolutamente nada. Um filme sofrível do início ao fim.

Na trama, conhecemos Will (Hayden Christensen), um pai que busca melhorar sua relação com o filho e o projetar para a valentia e coragem levando-o para aprender a atirar numa cidadezinha onde Will tem boas memórias. Durante o passeio, eles acabam sendo testemunhas de uma tentativa de assassinato oriunda de um assalto à banco mal resolvido. Assim, lutando contra o tempo, Will precisará proteger sua família dos bandidos.

É muito triste ver um filme de ação, com Bruce Willis no elenco, sem total inspiração. O roteiro não tem pé nem cabeça, se bobear até erros de continuidade acharemos numa análise mais detalhada. Da pra perceber desde o primeiro arco que tudo foi feito às pressas, sem o carinho necessário para se produzir um bom produto de entretenimento ao público. A direção assinada por Steven C. Miller é muito fraca, não prende a atenção do espectador em nenhum momento. Resumindo: um filme instantaneamente esquecível.

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12/06/2020

Crítica do filme: 'O Paraíso deve ser Aqui'


O sentido de um filme visto pelas entrelinhas. Câmeras estáticas em lugares em movimento, um observador calado que testemunha as coisas simples e novas tendências do mundo em relação ao trato social, preconceito, política, imigração e outros assuntos. Fruto da mente visionária do cineasta palestino Elia Suleiman (do excelente O Que Resta do Tempo), onde ele mesmo faz o papel de observador protagonista, O Paraíso deve ser Aqui explica sentimentos por imagens e situações cotidianas com pitadas saborosas de comédia em muito dos casos. É uma saga de um calado protagonista e suas percepções do mundo tentando entender e encontrar um lugar para descansar.

Exibido na última edição da Mostra Internacional de Cinema de SP, somos testemunhas oculares dos passeios observadores de um homem (Elia Suleiman) e sua busca por respostas sobre o quão diferente ou não pode ser o mundo e suas tendências. É um pouco viagem as vezes, é sim! Mas fruto de uma tentativa clara e objetiva a todo instante de ser original e esse mérito são para poucos no cinema mundial contemporâneo. O filme foi o Indicado da Palestina ao último Oscar, na categoria melhor filme estrangeiro, além de ter sido indicado à Palma de Ouro em Cannes no ano passado.

No universo criativo de um diretor de cinema, enxergamos um mundo completamos diferente do que imaginamos. A sequência inicial em Paris com a trilha de I Put a Spell on You é belíssima, parece que estamos vendo um desfile de forças de gerações e os contrapontos do que pensamos e a atualidade. Um tapa na cara da indústria cinematográfica também não fica de fora, a cena com o produtor francês dizendo que o filme não era tão palestino é algo que chama a atenção e obviamente reflete a mentalidade capitalista de muitos dos que mexem com a arte nesse instante do mundo.

Um observador necessita de um mundo, suas verdades e seus conflitos. E nós meros espectadores precisamos refletir e refletir às oportunidades que a arte nos traz.


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