A amizade como ajuda na cura de feridas do passado. Baseado em fatos reais, uma história muito próxima do diretor desse projeto, o cineasta dinamarquês Jonas Poher Rasmussen, consegue ser muito criativo usando a técnica de animação para criar um ambiente respeitoso e criativo para um homem pronto para contar sua história, esse que escrevia em um caderno velho suas verdades até aqui agora às vésperas de casar ele precisa enfrentar seu passado. Por meio de memórias e até algo parecido com um relaxamento, quase em ponto de hipnose, voltamos ao ano de 1984 em Cabul (Afeganistão), onde toda avalanche de situações dramáticas deram início na vida do protagonista. Descoberta de sua sexualidade, guerras civis, países saindo do comunismo, fugas e mais fugas. Somos testemunhas de uma incrível história que passa por muitas questões globais. Fuga, ou Flee no original, foi o filme de abertura do Festival É Tudo Verdade de 2021.
Não deixa de ser uma história contada por conta da amizade
entre o diretor e seu protagonista, um velho amigo desde os tempos onde não
muitos imigrantes chegavam na capital da Dinamarca, Copenhage. Amin, nosso
protagonista, é um homem já pensando no pós-doutorado em Princeton (EUA) mas
que ninguém perto dele sabe sobre seu passado, só que é afegão e chegou na
Dinamarca e de lá nunca mais saiu. Decidido em enfrentar seu passado para poder
oferecer seu amor em 100% ao seu namorado com quem pretende construir uma
família e morar junto, ao amigo dos tempos de colégio resolve contar as suas
verdades sobre como chegou até ali. Passamos a conhecer o Afeganistão e sua
relação com a família, o misterioso sumiço do pai e uma fuga desesperada para
fugir dos novos domínios da região onde vivia. Chega em Moscou, nessa fuga,
enfrenta outro fato histórico mundial, na época que chega, um ano após o
comunismo e testemunha de situações tristes: pessoas morrendo de fome, mercados
sem nada, moeda desvalorizada, muitos crimes, polícia impiedosa. Nesse período
até a chegada do Mc’Donalds à Rússia ele testemunha.
Paralelo as fugas que dominaram grande parte de sua vida, vamos
conhecendo os pensamentos de Amin desde cedo. As histórias de aviação da irmã,
mesmo que pudessem ser enormes invenções o deixava com as asas prontas para
sonhar, sem nunca pensar que seus próximos dias, semanas, meses e anos seriam
como se fossem um enredo de filme dramático, praticamente lutando para existir,
fugindo de muitos males que encontra pelo caminho, buscando uma identidade
mesmo que para isso a jornada tenha que ser feita sozinha, longe de todos que
ama. Passa por dezenas de constrangimentos, se enche de vergonha sem saber ao
certo como sobreviver em meio ao mundo que consegue enxergar até ali. Descobre
sua sexualidade cedo, mesmo que até a adolescência ainda seja confuso para ele
pois no Afeganistão os homossexuais ‘não existiam’, davam vergonha para a família,
um lugar difícil de se aceitar ser gay.
Fuga (Flee) nos
provoca reflexões que vão desde as políticas mundiais, os horrores de uma
guerra civil descontrolada, sangrenta e impiedosa, o capitalismo, até os
traumas que vivem dentro de nós e muitas vezes nos travam de seguir em frente.
Contando suas verdades, Amin se liberta. É lindo ver isso diante de nossos
olhos, como testemunhas de mais esse renascimento de um homem que merece demais
que a paz e a felicidade nunca mais deixem de estar por perto.