Exibido no Festival de Cannes e no Festival de Gramado de 2023, antes de ganhar as salas de cinemas do sempre conflituoso circuito brasileiro de exibição, o novo trabalho de um dos principais cineastas brasileiros da atualidade, Kleber Mendonça Filho, Retratos Fantasmas, mescla o antes e o depois de um Recife em constante mudanças, um reflexo de outras grandes cidades brasileiras. Com muitas reflexões nesse caminho dentro de um recorte profundo, pessoal, com alta carga de sentimentos ligados à memórias familiares, vamos das euforias às incertezas com a certeza de que o tempo foi alterando os lugares.
Em atos que definem bem toda a estrutura narrativa, essa
jornada repleta de críticas sociais começa com um olhar familiar, no bairro Setúbal
(situado entre avenidas Barão de Souza Leão e Armindo Moura), na zona sul de
Recife, onde o narrador (o próprio Kleber) viveu durante muitos anos acompanhando
as mudanças estruturais, emocionais, políticas, econômicas, sociais. Abrindo o
baú de memórias, com vídeos antigos, lembranças de pessoas importantes em sua
trajetória, percebemos aos poucos a importância desse lugar como um reflexo de
outros tantos.
O que morre mas continua vivo. Não vai ter happy end? No
segundo momento, estacionamos no epicentro da narrativa, o ponto que se liga
com os outros, as memórias dos/nos cinemas. Art Palácio, Veneza, Trianon, São
Luiz, todos grandes salas históricas em Recife, cada um ganha um pequeno espaço
para o mundo conhecer algumas de suas ricas histórias. Alguns viraram igrejas,
alguns viraram cinemas e antes eram igrejas. Lugares que foram alterados com o
tempo, e que antes da extinção de alguns desses, levaram milhões de pessoas
para assistir aos mais diversos filmes em muitas décadas de existência. Kleber
navega em mais lembranças, nos tempos que trabalhou para uma sala de cinema,
nos papos com um amigo projecionista, nas lembranças de filmes que passaram por
ali. Como esquecer de lugares tão especiais? Impossível! Espaços que gosta de
se reencontrar mesmo que atualmente de fora para dentro.
Os centros esquecidos, aqui, chegam quase na conclusão. Nesse
ponto, o campo de reflexão é mais amplo, passando rapidamente numa mudança da
onde o dinheiro circula. Os contextos com os lugares que percorreu se juntam às
suas memórias, levando o espectador a um tour por registros históricos e
culturais importantes, algo que pode traçar paralelos com outras cidades
brasileiras.
Algo que percorre todo o documentário e que se torna uma
certeza sobre Kleber: sua vida conversou com suas obras. Seja em Aquarius, em O Som ao Redor, nas referências de filmes rodados ali naquela
cidade, somos testemunhas de pontos que se encontram entre a ficção e a
realidade, onde a magia do cinema sempre foi uma saída para gerar reflexões mas
sem nunca esquecer o passado, onde tudo começou.
Retratos Fantasmas estreia
dia 24 agosto nos cinemas.