Um curioso quebra-cabeça emocional. Buscando ampliar suas reflexões através de contextos que envolvem um passado sem deixar de tocar em pontos que ligam a atualidade entre dois países, o longa-metragem Greice é um projeto que deixa suas marcas através de uma narrativa divertida e segura que nos leva até uma carismática protagonista, amiga das circunstâncias. Escrito e dirigido por Leonardo Mouramateus, o roteiro abre caminhos para camadas dramáticas que se ligam à uma personalidade, através das ações da ótima protagonista.
Na trama, conhecemos Greice (Amandyra), uma brasileira na casa dos 20 anos, que tempos atrás
embarcou para Portugal. Dividindo sua rotina trabalhando em um quiosque, sendo
da produção de uma artista e avançando no curso de esculturas no curso de Belas
Artes da Universidade de Lisboa, certo dia conhece um jovem português. Durante
uma festa, Greice vê seu nome envolvido em uma situação que acontece, fato esse
que coloca sua permanência no país em risco e ela resolve voltar para o Brasil,
mais precisamente para sua cidade natal, para achar soluções. Em um hotel em
Fortaleza, fugindo de uma possível descoberta da família, reencontra amigos,
conhece novos e assim analisa o que fazer com sua vida.
Greice pode ser
dividido em dois momentos. Numa primeira fase em Portugal, conhecemos um pouco
da rotina de sua personagem principal, imigrante irregular, adepta do ‘deixa a
vida me levar’ que sempre arranja um jeitinho de moldar tudo e todos para suas
necessidades. Quando uma variável incontrolável aparece em seu caminho, chegamos
na segunda fase, já no Brasil, onde a força do roteiro mostra seu valor através
de autodescobertas. Esse arranjo se mostra eficiente em uma narrativa cativante
que usa muito bem o espaço e o tempo a seu favor. A direção também é segura,
com um foco nos paralelos para reflexões sem deixar de apresentar os detalhes
de cada ponto que se soma na imprevisibilidade da trama.
Com um direcionamento total pelos olhos de Greice, somos levados
para uma imersão rumo as incertezas da bolha de mentirinhas compulsivas
instauradas no seu fantástico mundo. Isso torna imprevisível qualquer situação,
uma carta na manga que a narrativa explora muito bem. Subtramas e seus leques
de assuntos importantes para debates vão se somando mas tendo apenas um ponto
intercessor. Ao se aproximar das próprias verdades, aquelas que ela insiste em
se esconder, a protagonista flerta com a necessidade de desconstrução e aí vem
um outro ponto positivo, a inconsequência, mostrada através de fatos onde há a
necessidade de se passar pelo choque da realidade.
Exibido no Festival Internacional de Cinema de Roterdã e
vencedor dos Prêmios de Melhor longa-metragem e Melhor Atuação (Amandyra) no Festival Olhar de Cinema
nesse ano, Greice é um trabalho consistente,
interessante, honesto, que aproxima-se da realidade com ótimas atuações e personagens.
Não duvide que esse filme vai figurar em listas dos melhores filmes brasileiros
lançados em 2024.