Uma das maiores alegrias de qualquer amante da sétima arte é se deparar com uma obra surpreendente e avassaladora durante um evento de cinema. No terceiro dia de exibições do Festival do Rio 2025 nos deparamos com um longa-metragem impressionante que, de forma criativa e envolvente – utilizando a comédia em muitos momentos para nos guiar por assuntos espinhosos ligados a uma família - nos leva até um recorte sobre a violência, crueldade e tradições, ambientada num país africano.
Escrito e dirigido pela cineasta zambiana Rungano Nyoni, esse projeto nos conduz
até o ensurdecedor silêncio de verdades escondidas, ao conflito geracional, à
desigualdade de gênero e ao caos do patriarcado – elos de uma corrente que
insere-se na violência sem punição, na dor e sofrimento capazes de transformar
olhares e redefinições de trajetórias.
Shula (Susan Chardy)
está dirigindo seu carro quando, de repente, percebe um corpo estirado no meio
da estrada – e logo percebe que se trata de seu tio. Quando a família toma
conhecimento do ocorrido, os procedimentos para o funeral se iniciam e, a
partir disso, começamos a entender quem era a pessoa que morreu - além de
segredos chocantes que são aos poucos revelados.
Nessa construção narrativa, executada de forma cirúrgica, as
camadas se abrem também por uma estética cinematográfica inteligente, em que o
diálogo sobre os temas se amplia através do que vemos e ouvimos – uma
verdadeira bomba de emoções que sufoca o coração mais gelado. Sempre pelo olhar
de uma protagonista com marcas no seu passado, o ápice do discurso vai sendo
aos poucos revelado, com um desenvolvimento eficiente de leves subtramas que
rompem a superfície dos assuntos que se apresentam.
Do riso inesperado ao desconforto que choca, tudo é exposto -
e ainda há resquícios pelas entrelinhas. É impressionante como cada peça se
encaixa de forma harmônica para se chegar a erupção de um grito guardado. Andamos
pela corda bamba das emoções reprimidas sem conseguir tirar os olhos da tela. É
muito difícil conseguir um resultado como este, construído através da sutileza
e de um humor que vai direto ao desconforto diante de questões difíceis de
discorrer.
Com seu enigmático e peculiar título, Sobre Tornar-se uma Galinha d'Angola – que pode até afastar os que
não estão abertos a descobertas ou mesmo não fazem questão de refletir sobre os
assuntos que os espera -, esta obra não deixa nossas memórias tão cedo, preenchendo
nosso pensar com um leque de reflexões sociais que alcançam a universalidade das
várias formas de violência presentes em muitos lares. Um dos melhores filmes do
Festival do Rio 2025.