Mostrando postagens com marcador Festival do Rio 2025. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Festival do Rio 2025. Mostrar todas as postagens

06/10/2025

,

Crítica do filme: 'Alice' [Festival do Rio 2025]


Já dizia alguém: é nos pequenos frascos que estão os melhores perfumes! Com uma composição visual deslumbrante, criando significados a partir do desbravar da linguagem, quase um chamado para a imersão de sentimentos que pulsam na tela, o curta-metragem Alice, dirigido por Gabriel Novis é um retrato comovente e profundo de uma mulher trans nascida em Maceió. Embarcando em uma reinvenção de sua própria trajetória, Alice Barbosa apresenta ao público a sua história, que teve estreia nacional no Festival do Rio 2025.

É impressionante como, em apenas 17 minutos, nossos pensamentos se veem mergulhados em reflexões constantes de um retrato muito bem construído e sensível. Tocante e contornando o terror do preconceito, a narrativa nos projeta para conhecer uma história que fala muito sobre família, despertar para suas verdades, o luto, os prazeres através do esporte e também as mudanças com as despedidas. Com uma narração da própria personagem-título, somos conquistados do primeiro ao último minuto.

Contextualizando de forma certeira a violência, o preconceito, a misoginia e a transfobia - traços de uma sociedade em constante medo, e, muitas vezes, incapaz de enxergar a realidade do próximo - Alice apresenta sua protagonista: uma jovem artista trans que desperta para algumas questões de sua vida após a perda, muito sentida, do pai. Esse luto, é uma variável que se torna constante, ganha simbolismo em tela, um elemento que cruza a trajetória que acompanhamos – das memórias da infância ao presente - de maneira acachapante.  

Esse é um filme para ser sentido, debatido, e embarcar na criatividade com que se modela a linguagem. Tudo o que aparece em tela parece dialogar com o discurso e com os pontos que se ligam à emoção. Esse curta-metragem alagoano foi o vencedor de um dos maiores festivais de documentários do planeta, o Hot Docs, no Canadá – feito que o posiciona como uma obra qualificável para a disputa do próximo Oscar. Tomara! Que filmaço!

Continue lendo... Crítica do filme: 'Alice' [Festival do Rio 2025]
,

Crítica do filme: 'Sobre Tornar-se uma Galinha d'Angola' [Festival do Rio 2025]


Uma das maiores alegrias de qualquer amante da sétima arte é se deparar com uma obra surpreendente e avassaladora durante um evento de cinema. No terceiro dia de exibições do Festival do Rio 2025 nos deparamos com um longa-metragem impressionante que, de forma criativa e envolvente – utilizando a comédia em muitos momentos para nos guiar por assuntos espinhosos ligados a uma família - nos leva até um recorte sobre a violência, crueldade e tradições, ambientada num país africano.

Escrito e dirigido pela cineasta zambiana Rungano Nyoni, esse projeto nos conduz até o ensurdecedor silêncio de verdades escondidas, ao conflito geracional, à desigualdade de gênero e ao caos do patriarcado – elos de uma corrente que insere-se na violência sem punição, na dor e sofrimento capazes de transformar olhares e redefinições de trajetórias.

Shula (Susan Chardy) está dirigindo seu carro quando, de repente, percebe um corpo estirado no meio da estrada – e logo percebe que se trata de seu tio. Quando a família toma conhecimento do ocorrido, os procedimentos para o funeral se iniciam e, a partir disso, começamos a entender quem era a pessoa que morreu - além de segredos chocantes que são aos poucos revelados.

Nessa construção narrativa, executada de forma cirúrgica, as camadas se abrem também por uma estética cinematográfica inteligente, em que o diálogo sobre os temas se amplia através do que vemos e ouvimos – uma verdadeira bomba de emoções que sufoca o coração mais gelado. Sempre pelo olhar de uma protagonista com marcas no seu passado, o ápice do discurso vai sendo aos poucos revelado, com um desenvolvimento eficiente de leves subtramas que rompem a superfície dos assuntos que se apresentam.

Do riso inesperado ao desconforto que choca, tudo é exposto - e ainda há resquícios pelas entrelinhas. É impressionante como cada peça se encaixa de forma harmônica para se chegar a erupção de um grito guardado. Andamos pela corda bamba das emoções reprimidas sem conseguir tirar os olhos da tela. É muito difícil conseguir um resultado como este, construído através da sutileza e de um humor que vai direto ao desconforto diante de questões difíceis de discorrer.

Com seu enigmático e peculiar título, Sobre Tornar-se uma Galinha d'Angola – que pode até afastar os que não estão abertos a descobertas ou mesmo não fazem questão de refletir sobre os assuntos que os espera -, esta obra não deixa nossas memórias tão cedo, preenchendo nosso pensar com um leque de reflexões sociais que alcançam a universalidade das várias formas de violência presentes em muitos lares. Um dos melhores filmes do Festival do Rio 2025.

Continue lendo... Crítica do filme: 'Sobre Tornar-se uma Galinha d'Angola' [Festival do Rio 2025]

04/10/2025

,

Crítica do filme: 'Depois da Caçada' [Festival do Rio 2025]


O italiano Luca Guadagnino é um dos mais interessantes cineastas da atualidade - e isso não vai mudar. Seu cinema busca reflexões sociais atuais, dialogando com o público a cada ponto de suas narrativas, como já se viu na maioria dos seus filmes. Em seu novo trabalho, Depois da Caçada, exibido pela primeira vez no prestigiado Festival de Veneza – e filme de Abertura do Festival do Rio 2025 -, ele volta a recortes sociais importantes e, dessa vez, convida o público a embarcar em um elevador para camadas de assuntos que vão se amontoando, sem respiro para reflexões.

Pra embarcar nesse longa-metragem, é preciso atenção. Pelas entrelinhas de diálogos bem construídos, a filosofia surge como base – o principal ingrediente desse molho que busca, no conflito, as pausas necessárias pra expor a ética e a moral em uma sociedade cada vez mais egoísta. Foucault, Locke são citados e servem de gancho para camadas que exploram desde a necessidade de controle e o cancelamento até as relações interpessoais e as linhas tênues que se apresentam no caminho para pensar a existência.

Alma (Julia Roberts) é uma professora renomada da prestigiada universidade de Yale. Casada com Frederick (Michael Stuhlbarg), ela trabalha há anos para ganhar a titularidade e reconhecimento do seu trabalho. Quando Maggie (Ayo Edebiri), uma aluna de doutorado, faz uma acusação contra Hank (Andrew Garfield), outro professor da instituição, Alma se vê perdida em dilemas trazendo à tona um segredo do passado que transforma seu presente num mar de instabilidades emocionais.  

Com uma trilha sonora muitas vezes incessante – um elemento complementar a composição da ebulição das emoções que se apresentam –, somos colocados no papel de observadores de um castelo de cartas que se constrói e descontrói. Tudo funciona em cena para potencializar o caos interno dos personagens a partir dos assuntos que surgem, elevado por um elenco primoroso que sustenta um roteiro denso com o foco nas perspectivas desses personagens.   

O cancelamento e os caminhos para lidar com isso – tanto dos envolvidos quanto por quem está ao redor – é um dos temas que mais se projetam, onde realmente há uma construção mais constante, um assunto que busca lapidar as camadas que se expandem. A questão é que essas muitas camadas que se abrem, deixam o respiro em segundo plano, alongando o tempo de projeção – mesmo que sem redundância. É maçante em muitos momentos, pois enquanto estamos pensando sobre um ponto, logo outro se apresenta, e costurar isso tudo quando se chega ao fim é uma tarefa árdua – talvez até um convite para assistir ao filme de novo.

A partir também da moral e da ética, o roteiro busca com seu discurso cheio de significados pensar o hoje sob muitos olhares. Provavelmente vai dividir opiniões, mas tem méritos que são facilmente absorvidos.  

 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Depois da Caçada' [Festival do Rio 2025]