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10/01/2024

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Crítica do filme: 'Mal Viver'


Não existe band-aid para grandes feridas. Selecionado de Portugal para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro 2024, Mal Viver nos apresenta um intrigante olhar para a figura materna repleto de inquietudes que nos tiram do lugar comum. Escrito e dirigido pelo cineasta João Canijo, baseado vagamente em sua própria infância, o projeto, muitas vezes desafiador, parece querer apontar seu norte para as lacunas do afeto, os conflitos persistentes de uma família, algo como uma página revirada em um mar de recordações trazendo na bagagem momentos de revelações tendo como alicerce uma personagem enclausurada numa bolha melancólica que parece aguardar sem pressa o último suspiro.

Na trama, conhecemos uma família de cinco mulheres que estão prestes a passar alguns dias juntas no hotel da família, numa região praiana, localizado em uma vila portuguesa do Município de Esposende. Entre idas e vindas dos hóspedes, conflitos entre elas se estabelecem tendo o passado como algo desafiador a ser relembrado. O epicentro se coloca na relação entre Piedade (Anabela Moreira) e Salomé (Madalena Almeida), mãe e filha, a primeira cheia de angústias e medos com uma depressão evidente, a segunda já na fase da faculdade, acabou de perder o pai e tenta se reconectar com a mãe com quem não nunca se deu bem.

A incerteza faz parte da vida mas se jogar nela é um passo doloroso para alguns. Partindo desse contexto, o conflito com a figura materna se mostra como a origem de tudo que vemos. Duas tentativas de reconexões de gerações entre mãe e filha, com barreiras entre elas, segue se sustentando nos desabafos desalinhados associados até a última gota de egoísmo. Em todos os casos, uma relação familiar danosa provoca a incapacidade de encarar os problemas de frente.

Vencedor de um importante prêmio na última edição do Festival de Berlim, o Urso de Prata (prêmio do júri), Mal Viver não se encosta em pausas dramáticas, a tensão é constante, mesmo assim há um espaço para o refletir. Subtramas também recheadas de conflitos vão se modelando conforme a narrativa apresenta seu ritmo lento, por vezes com imagens distantes, planos sequências, em busca de complementos do olhar do outro. O quebra-cabeça emocional proposto por Canijo é realmente perturbador, para o olhar mais atento tudo em cena tem um porquê.

 


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02/11/2020

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Crítica do filme: 'Mosquito'


A guerra no pensamento e a pátria no coração. Em seu segundo longa-metragem como diretor, o moçambicano João Nuno Pinto encontra dentro de uma fórmula de um roteiro não-linear, fragmentado, para contar o começo, meio e o fim de uma jornada inclusa dentro de uma guerra que encontra pelo caminho o medo, as incertezas e figuras que fazem o protagonista pensar sobre a própria existência. Mosquito passa pela dura realidade da guerra e termina dentro de lições em busca de uma dignidade. Nos sentimos dentro de uma poesia embaçada, explicando as mais diversas formas de ativação do espírito de sobrevivência. Um trabalho muito interessante que provavelmente não chegará ao complicado circuito exibidor brasileiro. Um belo trabalho, sem dúvidas.


Na trama, conhecemos o soldado Zacharias (João Nunes Monteiro) que por vontade própria se alista no exército português e assim é enviado a Moçambique, na África, com a missão de defender a colônia portuguesa da invasão alemã. Seu pelotão acaba o abandonando porque o protagonista contrai malária. Esse se cura e resolve de maneira inconsequente ir atrás do seu pelotão que está a dias na sua frente. Enfrentando vários tipos de problemas e esbarrando com muitas pessoas, há momentos de silêncio e solidão onde o protagonista precisará encontrar forças para lutar contra sua mente e invocar assim um espírito de sobrevivência. O roteiro de Mosquito é baseado na história real do avô do diretor, que foi um dos soldados mandados a Moçambique na guerra.


Os diálogos se tornam rodadas construtivas sobre inflexões da vida e indagações sobre, desde já, um presente incerto. O fator fé chega forte nos momentos de perda da razão. Há um mix de elementos interessantes que contornam esse drama camuflado de filme de guerra (poucos tiros são disparados inclusive) em um grande espetáculo visual. Filme feito para ser visto em salas de cinema, com certeza a experiência que produz será ampliada, pena que nesse ano de 2020 nossa única oportunidade de conferir esse é pela ótima programação da Mostra SP. Uma pergunta importante seria sobre o mercado audiovisual por aqui. Porque filmes portugueses (ou de países co-irmãos de mesma língua da nossa) insistem em não chegar no circuito exibidor brasileiro? É falta de olhar dos distribuidores? Temos sempre que aguardar um festival que role por aqui para termos acesso.


Atualização (03.11): um amigo disse que o filme tem distribuidora no Brasil. Tomara que essa consiga a janela cinema para esse bom filme. Vamos torcer. 

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