04/07/2025

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Pausa para uma série: 'Raul Seixas: Eu Sou'


Um ídolo e sua eterna metamorfose ambulante. Produzido pela 02 filmes e disponível no catálogo do Globoplay, a minissérie Raul Seixas: Eu Sou nos leva até os detalhes na carreira profissional e da vida pessoal do cantor baiano - e um dos pioneiros do Rock no Brasil - Raul Seixas. Com detalhes conhecidos pelo público e outros nem tanto assim, o roteiro preenche com emoção o misticismo, as angústias, a criatividade, o sofrimento de uma voz que nunca vamos esquecer. No papel principal, o competente Ravel Andrade se entrega de corpo e alma dando vida ao ídolo de toda uma nação.

Recortando sua trajetória entre os anos 1960, 1970 e início dos anos 1980, a obra seriada levanta todos seus tópicos num episódio piloto competente, que preenche as primeiras peças de uma jornada pela vida e obra de um dos artistas mais originais que nossa música já teve. Utilizando leves flashbacks, dentro de uma narrativa que se mantém firme num apresentar em vez de decifrar – opção que se mostra um caminho eficiente e certeiro – ao longo de oito episódios vamos vendo os altos e baixos desse nômade do equilíbrio.

Sem esquecer da amizade de longa data com o escritor e compositor Paulo Coelho, os tempos de censura e ditadura militar, as dificuldades no início de carreira, até os dramas familiares provocados muitas vezes pelos seus vícios que afastaram pessoas que o amaram, podemos definir duas vertentes que seguem num mesmo caminho e fazem relação com suas letras e história. Tendo parte da potente canção Maluco Beleza no subtítulo da projeto, o roteiro se divide em dois momentos (o artista e o pai/marido) que se encaixam numa reta só.

O homem que já foi ‘o medo de amar’ tem relação com suas questões familiares, que ganham muitas camadas ao longo dos episódios – principalmente nos episódios finais. A sua ‘força da imaginação’ apresenta o processo criativo, as dúvidas no início da carreira onde numa decisão acertada, largando a carreira como produtor e embarcando na de intérprete. ‘A luz das estrelas’ está associada ao misticismo, algo bem construído com a fantasia ganhando força em muitas cenas. Há também o ‘tentar outra vez’, algo que fica fixo na época de declínio sempre na esperança de dias com novas oportunidades.

Recriar a vida e a obra de um artista que, mesmo após sua morte, continua vivo por meio de suas canções, é sempre um grande desafio. É possível que alguns detalhes tenham ficado de fora, mas, de modo geral, a série mergulha com força no universo enigmático de Raul Seixas. Ao som do rock and roll que embalou gerações, somos conduzidos por muitas das verdades de um artista que arrastava multidões.

Lançado semana passada, perto da data onde Raulzito completaria 80 anos de vida, Raul Seixas: Eu Sou mostra competência para percorrer a vela que acende e a luz que se apaga. Se interessou? Todos os oito episódios já estão disponíveis no Globoplay.


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30/06/2025

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Crítica do filme: 'Paraíso' [CineOP 2025]


Numa gangorra que varia da sutileza ao escancarado, apresentando verdades que rolam soltas pelo Brasil, o documentário Paraíso é um recorte antropológico, sem respiro, com ritmo acelerado, que busca nos conflitos das relações, no ponto de interrogação aos comportamentos, trazer para debate fragmentos de reflexões sobre a sociedade. Exibido no último dia da Mostra Competitiva do CineOP 2025, esse é o novo trabalho da cineasta Ana Rieper.

Utilizando uma ampla variedade de materiais de arquivo, o filme apresenta situações que expõem a desigualdade social, a violência e colocam a indignação no centro da narrativa. No entanto, em meio a esse mar de contextos complexos, a construção opta por abordar apenas fragmentos desse oceano, deixando de estabelecer conexões mais sólidas. Em alguns momentos, a narrativa se assemelha a um carro desgovernado, carregado de informações que buscam sustentação, mas nem sempre encontram equilíbrio.

Com inúmeras críticas sociais contornando a narrativa, o discurso não chega a se dispersar, nem a ser redundante, mas segue acelerado, sem respiro. Nessa montagem, por vezes confusa, o uso do chocar é interessante e salta aos olhos. Nesse ponto, a indignação se impõe, provocando reflexões imediatas. Todos já sabemos que o paraíso não é aqui — e talvez nunca tenha sido —, mas a forma como o filme apresenta diferentes comportamentos, muitas vezes com um deboche inteligente, é uma escolha acertada que prende a atenção e amplia o impacto.

Não sei se era exatamente essa a intenção, mas o filme funciona como um verdadeiro laboratório social — construído a partir de experiências que, de certa forma, definem a essência da obra. Ao longo de seus 75 minutos, busca-se soluções por meio de reflexões e de um recorte antropológico que atravessa a narrativa. Ainda assim, mesmo levantando debates relevantes para a sociedade, o filme corre o risco de atingir apenas um dos lados da bolha de nosso país polarizado.


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Crítica do filme: 'Meu Pai e Eu' [CineOP 2025]


Após uma longa jornada que remexe, de forma dolorosa, com o passado — desde a concepção do filme até sua estreia brasileira na CineOP, integrando a Mostra Competitiva da 20ª edição — Meu Pai e Eu acompanha a trajetória de um homem que decide, com impressionante coragem, embarcar de peito aberto em busca do perdoar ou, ao menos, de uma melhor compreensão de um alguém próximo que se tornou indecifrável. Ao tentar decifrar esse mosaico emocional embaralhado pelo tempo, o filme nos conduz por intensos contrastes de sentimentos, que ressoam profundamente ao longo dos seus 73 minutos.

Muitos anos após a partida do pai — um acontecimento marcado por sentimentos confusos e dolorosos, que ainda hoje machuca —, um futuro pai decide buscar novos significados para a relação com o homem que tantas vezes o decepcionou. Guiado por relatos de pessoas próximas e por objetos encontrados em uma mala jamais aberta, ele mergulha em uma investigação íntima, ciente de que poucas lacunas serão, de fato, preenchidas.

Perdão só faz sentido para quem o sente. Esse sentimento repleto de espinhos é uma das portas de entrada para uma história que faz uso sensível e preciso de depoimentos de familiares, cartas — algumas de conteúdo muito forte — e fotos antigas, compondo um panorama em busca de qualquer significado que permita lançar um novo olhar sobre uma relação paternal.

O desejo de compreender a figura que tanto fere é o núcleo da estrutura narrativa desta obra capixaba, que explora o amor profundo e o desencontro, moldando-se aos poucos como um retrato corajoso diante das barreiras emocionais de uma relação marcada pela ausência e um surgimento - por conta de um fato marcante – de tentativa de reconexão.

Marcando a estreia de Thiago Moulin na direção de longas-metragens, e logo no arriscado lugar de personagem/diretor, essa obra não é difícil de se entender quando pensamos em roteiro e os caminhos utilizados para preencher cinematograficamente uma narrativa bastante pessoal com camadas profundas. A questão é o amplo alcance das cargas emocionais que caminham em linhas tênues entre a dor e o amor – algo que se sustenta do início ao fim. O impacto é sentido de forma imediata nos momentos em que o filme toca suas duas faces: o desespero explícito e a incapacidade de lidar com ele. É uma obra intensa e angustiante, daquelas que não saem da cabeça tão cedo.

 

 

 

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Crítica do filme: 'Os Ruminantes' [CineOP 2025]


Partindo de fatos curiosos sobre um filme — considerado 'maldito' por muitos — que nunca saiu do papel, o documentário Os Ruminantes nos conduz por memórias de uma época marcada pela escassez de recursos e pela pressão política. A narrativa se constrói a partir da intimidade dos depoimentos e da presença de grandes trechos do cinema nacional, que ajudam a preencher as lacunas deixadas por um cineasta marcante na história do cinema brasileiro, falecido precocemente antes dos 40 anos. Dirigido por Tarsila Araújo e Marcelo Mello, o longa foi selecionado para a Mostra Competitiva da CineOP 2025.

O projeto parte da trajetória de Luiz Sergio Person, mas se expande para retratar todo um cenário audiovisual da época. Com olhar voltado para o final da década de 1960, o documentário se destaca pela sólida pesquisa e cuidadosa montagem. A partir de um roteiro que tinha potencial para se tornar mais uma obra marcante do nosso cinema, a narrativa nos conduz por contextos políticos e culturais do período, revelando curiosidades pouco conhecidas — como a intervenção do regime militar que impediu o sucesso de um dos filmes de Person nos Estados Unidos.

O roteiro em questão é uma adaptação do romance A Hora dos Ruminantes, de José J. Veiga — uma obra que explora a imprevisibilidade da vida por meio das transformações provocadas pela ruptura do cotidiano, após a chegada de misteriosos personagens à fictícia cidade de Manarairema. Os paralelos com a sempre conturbada política brasileira e com temas relevantes da sociedade saltam aos olhos — elementos que despertaram o interesse do cineasta Luiz Sergio Person e de seu grande amigo, o também cineasta Jean-Claude Bernardet.

A construção do documentário parte de perguntas ainda sem respostas sobre os motivos que impediram a realização do filme, e se desenvolve a partir dos depoimentos de Marina Person (filha de Luiz Sergio Person) e Jean-Claude Bernardet. Um de seus grandes méritos está em revelar as dificuldades de se produzir uma obra audiovisual em um contexto histórico adverso, ao mesmo tempo em que reforça a importância de manter viva a memória documentada — funcionando como uma espécie de continuidade da obra de um cineasta que, mesmo décadas após sua morte, segue como referência no cinema brasileiro.

Os Ruminantes mantém os pés no chão, mas não deixa de dialogar com o universo do realismo fantástico presente na obra original — um clássico da literatura brasileira. Por meio do inusitado, o filme abre espaço para aprendizados e provoca reflexões profundas. A história, agora novamente documentada, convida o espectador a olhar com atenção. Basta querer enxergar.



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24/06/2025

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Pausa para uma série: 'As Mil Mortes de Nora Dalmasso'


Um dos crimes mais cruéis de toda história da Argentina, com quase duas décadas desde seu ocorrido, e ainda sem solução. Retratando em uma contextualização profunda os desenrolares desse brutal assassinato, chegou na Netflix As Mil Mortes de Nora Dalmasso, um projeto que por meio de depoimentos de advogados, imprensa que fez a cobertura na época, reportagens da época e da própria família, monta recortes com pontos de vistas sobre todo o circo midiático que se tornou a investigação.

Río Cuarto, província de Córdoba, novembro de 2006. Uma mulher, sozinha em casa, é brutalmente assassinada, enforcada pela corda do seu próprio roupão. Seu corpo é encontrado e logo uma investigação se mostra em ação. O filho estava longe dali, a filha morando em outro país, o marido disputando um campeonato de golf longe dali. A pergunta que logo chega: quem matou essa mulher?

Nos dias que se seguem a descoberta do corpo, nos primeiros passos da investigação, logo se percebe uma polícia completamente perdida, com várias falhas apontadas até ações seguintes. Esse fator é crucial para os desenrolares e acusações infundadas que se seguiram. A produção seriada parte desse ponto para trazer os fatos ao público jogando um foco maior numa guerra entre a família e o quarto poder.

A minissérie documental True Crime consegue trazer para forte debate o papel da imprensa na cobertura de casos de assassinatos que logo se tornam midiáticos de uma forma bem mais profunda que outras produções. Perseguidos e muitas vezes induzidos como suspeitos, jogados aos leões da opinião pública, a família da vítima também ganha importante espaço contando o caos que virou suas vidas após o ocorrido.

Vale tudo pela notícia? As reflexões se acumulam quando pensamos nas linhas tênues que o jornalismo sensacionalista percorre em qualquer caso de grande repercussão. Em alguns casos, opiniões pessoais acabam iludindo e influenciando profissionais que deveriam prezar pela imparcialidade e focar em apresentar o fatos concretos. Momentos chocantes são vistos em relação a isso, como os impactos na vida pessoal do filho da vítima que teve sua vida e questões íntimas completamente exposta.

As Mil Mortes de Nora Dalmasso, ao longo de seus intensos três episódios, parte de uma enigmática morte na alta sociedade argentina para apresentar as hipocrisias em casos de grandes repercussões. Veja e tire suas próprias conclusões!


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23/06/2025

Crítica do filme: '1978'


Trazendo o horror sobrenatural para o centro do palco, com uma construção em forma de crítica social num primeiro momento, o longa-metragem argentino 1978, que entrou recentemente no catálogo da MAX, é uma roda gigante de emoções que vai de um início promissor até virar uma obra sem pé nem cabeça. Dirigido pelos irmãos Onetti (Luciano e Nicolás), esse suspense aterrorizante gera expectativas e decepciona na mesma proporção.

Em 1978, durante o terceiro ano de uma ditadura militar sangrenta na Argentina, um grupo de torturadores inescrupulosos recebem uma informação e invadem um lugar, levando com eles alguns jovens para um centro de detenção clandestino onde acontecem barbaridades diariamente. A questão é que os torturadores levaram as pessoas erradas e logo se percebe que os capturados são parte de um culto sombrio que se manifesta através de uma figura sobrenatural.  

A primeira parte da história é feita com uma construção interessante, mostrando através de cenas chocantes as verdades dos tempos sombrios de ditadura no conhecido país vizinho. Inclusive, o filme abre muito bem seu contexto, com uma história passando em apenas um dia e logo na data que marcou a final da copa do mundo de futebol masculino na Argentina, um evento que buscou camuflar os horrores que aconteciam naquele país. Há uma força na crítica social que envolve todo o primeiro ato.

A questão é que num segundo momento, a trama se perde completamente, virando uma série de cenas espaçadas que não encontram muito sentido. O roteiro se mostra confuso, não conseguindo ligar os pontos, em momentos que não entram em contraponto. A entrada do horror sobrenatural é feita sem muitas explicações, mesmo com efeitos até interessantes e alta carga de tensão. O chocar por chocar acaba não fazendo muito sentido quando não conseguimos entender absolutamente nada no meio do desenvolvimento até o desfecho.

1978 força uma ideia de confronto do ‘mal contra o próprio mal’, achando que só isso bastaria para realizar um obra eficiente nas suas mensagens. Tem o mérito de jogar um olhar crítico importante aos horrores dos tempos de ditadura mas o problema é que a narrativa – a maneira como se conta uma história -  não consegue construir elementos concisos suficientes nos levando através da violência e do banho de sangue para um lugar completamente sem sentido.

 

 

 

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21/06/2025

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Crítica do filme: 'Desastre Total: Prefeito do Caos'


Como ser amado e odiado ao mesmo tempo? Contornando os detalhes de conhecimento público sobre a ascensão e a queda de um dos políticos mais polêmicos que já passaram pelo comando em qualquer cidade do Canadá, Desastre Total: Prefeito do Caos apresenta todos os lados e versões da vida de Rob Ford, ex-prefeito de Toronto. Ao longo de menos de 50 minutos, esse média-metragem, que faz parte do projeto ‘Desastre Total’ da Netflix, nos leva de forma contundente ao seu ápice: uma verdadeira batalha entre o político e a mídia.

Robert Bruce "Rob" Ford veio de um berço estável e logo que pintou uma oportunidade se tornou um político populista de direita, amado e odiado. Em pouco tempo foi vereador e logo chegou até a prefeitura. Mostrando seu caminho até o poder, esse documentário político muito bem produzido abre suas portas para os momentos de sua queda, quando ficou à deriva dos próprios atos impopulares, com vídeos polêmicos usando drogas, que gerou uma verdadeira guerra contra a imprensa.

Dirigido por Shianne Brown, o projeto apresenta por meio de depoimentos e matérias da época o conturbado cenário político que viveu a cidade de Toronto entre 2010 a 2014, quando Rob aproveitou um vazio no cenário político canadense, se elegeu e venceu de forma surpreendente. Ao longo de seu governo, muitas matérias saíram sobre sua vida pessoal, levando Rob a uma queda impressionante de popularidade.

Do lado da imprensa, jornalistas relatam com olhar crítico os ataques cometidos por Rob diante das câmeras, trazendo depoimentos contundentes sobre o impacto de suas ações. Além disso, ex-integrantes de seu gabinete oferecem diferentes perspectivas, ajudando a compor o cenário político da época. Por outro lado, as poucas vozes em defesa de Rob vêm principalmente de seu segurança pessoal, que apresenta um raro contraponto favorável ao ex-prefeito.

Trazendo todos os lados de uma mesma história, como todo bom documentário deve fazer, o público fica com as informações e interpreta. As reflexões causadas por bons projetos documentais servem sempre como uma ferramenta eficaz para entendermos nossa sociedade e a busca por mudanças.  


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20/06/2025

Crítica do filme: 'Cuckoo'


Lançando luz sobre um esquisitismo eficiente, onde as peças embaralhadas de um tabuleiro de suspense são apenas a superfície de conflitos mais profundos, Cuckoo conduz o espectador por uma trama de tensão crescente que transita por diferentes camadas de drama familiar. Escrito e dirigido pelo cineasta alemão Tilman Singer, em seu segundo longa-metragem, o projeto apresenta várias linhas a seguir até o seu decifrar.

Gretchen (Hunter Schafer) é uma jovem de quase 18 anos que, após um acontecimento, precisa ir morar com seu Luis (Marton Csokas), sua madrasta Beth (Jessica Henwick) e sua meia-irmã Alma (Mila Lieu) em um resort nos Alpes Bávaros, na Alemanha, que é o ponto de um futuro projeto de seu pai. Chegando nesse lugar, distante dos dias agitados dos Estados Unidos que está acostumada, Gretchen começa a perceber aos poucos que alguns curiosos segredos estão circulando pelo seu redor.

Cuckoo pode ser visto como um drama familiar que se abre em camadas através do inusitado, do fantástico. A protagonista, muito bem interpretada por Hunter Chafer, é um pilar de todos os enigmas que se mostram do início ao fim dos 102 minutos de projeção. Mas se você está pensando em algo mastigado, com fácil entendimento, procure outro filme.  

A trama pode parecer imprecisa em alguns momentos, demora um pouco pra ‘dar liga’, o que chama a atenção é como a narrativa consegue se desenvolver mesmo assim através dos pontos de interrogação do que vemos em cena. A construção da tensão, feita com uma eficiência quase cirúrgica, se apoia em uma combinação de ruídos ensurdecedores, personagens inquietantes, lapsos hipnóticos e visões trágicas que se repetem em um looping perturbador, nos levando pelo fascinante universo do esquisitismo e referências à algumas obras de Dario Argento.

Exibido no Festival de Berlim no ano passado e lançado diretamente no Prime Video, sem sequer passar pelos cinemas brasileiros, este terror constrói uma atmosfera densa de suspense ao mesmo tempo em que desafia a compreensão imediata de sua trama. Com uma premissa enigmática, o filme instiga a curiosidade do público, que se mantém atento na tentativa de decifrar os segredos que surgem ao longo da narrativa. Por mais estranhos que pareçam, os acontecimentos acabam se encaixando em uma lógica que se revela de forma convincente em seu desfecho.

 

 

 

 

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Crítica do filme: 'Titan: O Desastre da OceanGate'


Os detalhes da catástrofe. Chega à Netflix um documentário que reconstrói, com rigorosa pesquisa e depoimentos impactantes, todo o contexto que levou a um dos desastres marítimos mais trágicos dos últimos tempos. Dirigido por Mark Monroe, Titan: O Desastre da OceanGate organiza seus achados investigativos em uma linha temporal precisa, trazendo reflexões profundas e múltiplos pontos de vista sobre o ocorrido.

Um chefe narcisista que não admitia ser questionado. Assim é definido Stockton Rush, um empresário norte-americano fundador e diretor executivo da OceanGate, grande foco de reflexões desse documentário que logo alcançou o Top 10 da plataforma em alguns países. Sua empresa, especialista em levar pessoas pagantes por meio de submersíveis até alguns limites dos oceanos, percorreu noticiários pelo mundo com avanços nas expedições oceânicas em busca também de estudos e relevância sobre grandes naufrágios.

Visto por alguns como um visionário genial, essa imagem desmorona diante dos relatos de ex-funcionários presentes no documentário. Movido pelo sonho de explorar mais detalhadamente os destroços do Titanic, Stockton tornou-se obcecado pelo projeto do novo submersível Titan, assumindo um papel central em sua continuidade, mesmo após sucessivos alertas sobre os riscos envolvidos. A bordo do submersível que viria a implodir, estavam o próprio Stockton, um especialista no Titanic; um empresário britânico; um empresário paquistanês-britânico e seu filho.

Rico em detalhes, este projeto audiovisual com forte caráter investigativo nos conduz por análises técnicas que vão desde a escolha dos materiais até os testes realizados com o novo modelo de submersível. Os relatos vêm de pessoas que acompanharam de perto todas as etapas do processo. A negligência surge como um fio condutor da narrativa, com o documentário apontando de forma direta para Stockton como o principal responsável pela tragédia. Ao longo de quase duas horas, somos levados a um choque constante, com verdades sendo expostas uma após a outra.

Com estreia mundial no Festival de Tribeca dias atrás, esse documentário de grande impacto emocional, que pode gerar indignações pelos absurdos cometidos por um homem que achava que sabia de tudo, chegou logo em seguida ao catálogo da Netflix de muitos países, inclusive o Brasil.

 

 

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Crítica do filme: 'Nossos Tempos'


Um projeto super secreto, uma história de amor que percorre o tempo. Já vimos algo parecido por aí, não é mesmo? O filme mexicano Nossos Tempos, recém-lançado na líder dos streamings (Netflix), tenta dar um frescor ao tema ao misturar conceitos de física com um drama que transita entre reflexões sobre relacionamentos, choque cultural e questões de sexismo. O machismo estrutural e as inquietações sobre o futuro posicionam o filme diante de temas relevantes, mas, apesar do potencial para ir mais fundo, a narrativa recua e acaba se acomodando na zona de conforto de um romance piegas.

Nora (Lucero) e Héctor (Benny Ibarra) são dois brilhantes cientistas que no ano de 1966, em seus estudos secretos no porão da universidade onde lecionam, descobrem como viajar no tempo. Embarcando na incrível máquina que criaram, acabam indo parar 59 anos no futuro onde enfrentarão situações que nunca imaginaram, além das surpresas com os avanços tecnológicos de um mundo em intensas modificações. Logo, o relacionamento entre os dois enfrenta uma crise provocada pela não adaptação de Héctor ao mundo que se apresenta.

Dirigido por Salvador Cartas, entre expectativas criadas e estereótipos desenvolvidos, Nossos Tempos tem um início promissor seguindo pelo fascinante universo da física, viagem no tempo, buraco de minhoca (espaço-tempo que conecta duas regiões distantes do universo). Quando a física abre espaço para os problemas conjugais, guiados pelos dilemas de entendimento das mudanças importantes e necessárias na sociedade ao longo do tempo o projeto vai desabando aos poucos.  

Em seu clímax, é notório um ‘tilt’ entre o foco na ciência e a história de amor, nos levando para a comodidade da superfície quando se mostram na cara do gol assuntos relevantes para reflexões. As boas intenções no roteiro, ao trazer para debates mudanças necessárias de nossa sociedade, vão por água abaixo. O importante tema que gira em torno do feminismo e do sexismo são jogados para escanteio, definidos de forma decepcionante por um desfecho insosso e contraditório.

Nossos Tempos tinha tudo para ser um importante trabalho audiovisual onde o universo do tempo e espaço encontram suas fronteiras entre as formas de entendimento com manifestações em diversos aspectos da sociedade e cultura. Mas ao preferir seguir uma fórmula de bolo, se torna um produto mais do mesmo.   

 

 

 

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Crítica do filme: 'Improvisação Perigosa'


Trilhando com passos largos o caminho de uma comédia camuflada de ‘nonsense’, acaba de chegar ao Prime Video um longa-metragem que coloca três aspirantes a comediantes, todos flertando com o fracasso, na linha de frente do perigo. Com uma estrutura narrativa simples e um roteiro repleto de diálogos feitos sob medida para o riso fácil e também inteligente, Improvisação Perigosa, dirigido por Tom Kingsley, aposta na ridicularização para construir uma sátira afiada sobre o insucesso.

Na vida profissional, as coisas vão de mal a pior para Kat (Bryce Dallas Howard), Marlon (Orlando Bloom) e Hugh (Nick Mohammed). Kat é uma professora de improvisação que ainda não conseguiu emplacar sua carreira como comediante. Marlon, um ator em busca do papel que mude sua trajetória, vive de pequenas oportunidades que nunca o levam ao estrelato. Já Hugh, um funcionário tímido e deslocado em uma grande empresa, vê nas aulas de improviso uma tentativa de dar algum rumo à sua vida. Certo dia, o destino cruza o caminho dos três e, sob a orientação de um agente da polícia, eles embarcam em uma missão inusitada: se infiltrar em uma perigosa gangue, criando personagens como disfarces. A partir daí, uma série de confusões e situações inusitadas está garantida.

Como inserir a comédia num clássico caminho que percorrem muitos filmes de ação? Com esse foco como objetivo e deixando as entrelinhas brilharem com o insucesso profissional em pauta, Improvisação Perigosa pode ser analisado de forma bastante profunda com camadas ocultas que enxergamos através das incertezas, de uma crise existencial. Num primeiro momento parece estarmos diante de um filme bobo, sem perspectiva, mas aos poucos vamos entendendo a leveza de um desfile de críticas sobre a sociedade, o bom e o mau, o sucesso e o desastre.

Este é aquele tipo de filme que arranca risos justamente quando menos esperamos, comprovando a eficácia de um roteiro provocativo que desafia os estereótipos e subverte a tradicional lógica entre heróis e vilões nos filmes de ação. Aqui, os dilemas reais da relação entre indivíduo e trabalho são transportados para o terreno do absurdo, sempre carregados de desespero, o que cria uma identificação imediata com o público. Mérito de uma história original criada por Derek Connolly e Colin Trevorrow, posteriormente adaptada pela dupla de comediantes britânicos Ben Ashenden e Alexander Owen.


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18/06/2025

Crítica do filme: 'O Último Respiro'


Baseado em uma história real que envolve uma das profissões mais perigosas do mundo, o longa-metragem O Último Respiro vai direto ao ponto, sem rodeios, ao reconstituir um resgate inacreditável – e até hoje considerado inexplicável – ocorrido a centenas de metros de profundidade no Mar do Norte. Sob a direção de Alex Parkinson, o filme conduz o espectador por uma narrativa intensa e cheia de tensão, onde o foco e a precisão exigidos pelo ofício se chocam com variáveis incontroláveis da natureza.

Ao longo de 93 minutos, acompanhamos a trajetória de Chris (Finn Cole), um mergulhador especializado em grandes profundidades, que é escalado para uma missão de manutenção em oleodutos submarinos, ao lado de Duncan (Woody Harrelson) e Dave (Simu Liu). Quando o navio que os leva começa a sofrer com o tempo ruim, Chris acaba ficando para trás com apenas 10 minutos de oxigênio emergencial restante. Correndo contra o tempo, Duncan, Dave e toda a equipe de comando no navio buscam soluções para trazê-lo de volta.

São 30 mil quilômetros de oleodutos – tubulações subaquáticas responsáveis pelo transporte de petróleo – cuja manutenção depende exclusivamente de mergulhadores de saturação, profissionais que passam longos períodos em grandes profundidades. Partindo desse cenário arriscado, o roteiro escolhe um recorte específico: uma intensa história de sobrevivência, que concentra seu foco no clímax e nas decisões cruciais de toda uma equipe, sem se aprofundar em muitas camadas narrativas.

Movimentando-se entre thriller e drama, uma fórmula eficiente acaba sendo imposta, indo direto ao centro de suas questões, algo que se difere de muitos outros filmes que retratam resgate e mostram o sopro da tentativa de sobrevivência. Soma-se a isso uma ótima direção e ótimas atuações. O projeto, com cenas de tirar o fôlego, teve locações em Aberdeen (Escócia) e em Malta, tendo o auxílio do documentário Last Breath como referência – também dirigido por Parkinson (ao lado de Richard da Costa).

Essa história é algo até hoje sem muitas explicações científicas. A água fria e a mistura de gases com alta pressão parcial de oxigênio pode ser algo que explique o retorno intacto do mergulhador. Mas até os dias atuais esse resgate bem-sucedido é um dos grandes mistérios do mundo e aqui nessa obra, que chegou na Prime Video em 2025, vemos com real impacto todo o mix de emoções que trabalhadores numa das mais arriscadas profissões do mundo podem passar a qualquer momento do seu perigoso ofício.  


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Critica do filme: 'Sally'


Em busca de uma história real, marcante e cheia de camadas, o documentário Sally nos conduz pela trajetória pessoal e profissional de Sally Ride, a primeira astronauta norte-americana a viajar para o espaço. Corajosa e pioneira, ela abriu caminhos em um ambiente dominado pelo machismo dentro dos estudos aeroespaciais. Disponível no Disney Plus, o projeto, vencedor de um prêmio no Festival de Sundance deste ano, já desponta como um dos grandes documentários lançados em 2025.

O roteiro é cirúrgico ao revelar os detalhes mais significativos da trajetória de Sally Ride, desde o circo midiático em torno de sua primeira missão até os debates sobre sexualidade em uma década de 1970 e 1980 ainda marcada por forte preconceito contra quem decidia se assumir. Além disso, somos guiados pela própria Sally em muitos momentos, por meio de áudios e vídeos da época. Nessa narrativa em grande parte contada por ela mesma, o documentário nos ajuda a compreender o contexto social da época e as inúmeras pressões que ela enfrentou por todos os lados.

Um dia a NASA colocou um anúncio com vagas para selecionar o primeiro grupo de astronautas femininas do programa espacial norte-americano. Num mundo dominado por homens, Sally foi uma das selecionadas. Num primeiro momento somos convidados a conhecer um pouco sobre a protagonista desta história, como se fosse uma espécie de prólogo sobre o que o projeto abordaria mais pra frente. Esses primeiros minutos são fundamentais para reter nossa atenção, somos logos fisgados pelas dicas de camadas que logo se abririam. Embarcamos em um universo de sonhos e segredos.

Graduada simultaneamente em Inglês e Física pela prestigiada Universidade de Stanford, Sally Ride era altamente qualificada para ocupar qualquer cargo que desejasse na NASA. No entanto, a pressão da opinião pública e o ambiente conservador da época a fizeram manter em segredo, por toda a vida, seu relacionamento com Tam O'Shaughnessy — revelação trazida de forma sensível por este documentário. Ao expor essa parte até então oculta de sua história, o filme propõe um exercício de revisitar os mesmos acontecimentos sob uma nova perspectiva, iluminando os sacrifícios pessoais que Sally precisou fazer em sua trajetória. Tudo isso é conduzido com delicadeza e profundidade pelo roteiro.

Dirigido por Cristina Costantini, Sally chega para mostrar todas as verdades de uma vida dedicada a sua profissional mas também com sacrifícios dolorosos. Depois das soviéticas Valentina Tereshkova e Svetlana Savitskaya, Sally Ride marcou seu nome como uma das poucas mulheres a irem para o espaço. Você precisa conhecer essa história!

 

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15/06/2025

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Crítica do filme: 'Nem Toda História de Amor Acaba em Morte' [CINEPE 2025]


A rotina que mata. Trazendo um importante olhar para a surdez e acessibilidade gerando uma representatividade importante e ainda pouco vista nos produtos audiovisuais brasileiros, o longa-metragem paranaense Nem Toda História de Amor Acaba em Morte, entre beijos e feridas, num cair e levantar, busca um retrato sutil do cotidiano das relações.

Sol (Chiris Gomes) está em um casamento na iminência do fim. Quando resolve tomar essa decisão, acaba conhecendo Lola (Gabi Grigolom), uma jovem atriz surda. Quando as duas resolvem embarcar de forma definitiva nesse relacionamento, conflitos com o ex-marido de Sol se tornam presentes.  

Uma nova fase da vida e os sussurros dos que cismam em não entender, se tornam alguns dos contrapontos que se chocam numa narrativa com um abre alas com o freio de mão puxado mas que de alguma forma utiliza um trunfo interessante, um papo reto, uma mensagem objetiva, que deixa o filme leve, com momentos cômicos e com fácil identificação.

Nessa tragicômica jornada, que ganha força à medida que se afasta de seu início, acompanhamos uma protagonista em crise, descobrindo novas formas de amar e de enxergar as relações. O roteiro adota uma estrutura quase episódica, como pequenas esquetes que se costuram em busca de simplificar o que é, por natureza, complexo. Embora nem sempre alcance maior profundidade e por vezes se embarace em suas próprias propostas, a narrativa mantém um tom leve e agradável que convida o espectador a seguir até o fim.

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14/06/2025

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Crítica do filme: 'Depois do Fim' [CINEPE 2025]


Exibido no antepenúltimo dia das mostras competitivas do CINEPE 2025, o curta-metragem Depois do Fim apresenta um desabafo de emoções reprimidas, desencadeando um inesperado choque capaz de despertar conflitos há tempos adormecidos. Em um recorte profundo – mesmo com poucos minutinhos – sobre ‘O que não durou e as suas causas’, embarcamos rapidamente num universo muito visto nos filmes de Richard Linklater que aqui ganha sua própria originalidade nas mãos de uma habilidosa direção de Pedro Maciel.

Seis anos após o último adeus, Ana (Olivia Torres), uma musicista atualmente em uma relacionamento, dá de frente com o ex-namorado, Théo, oferecendo uma carona. Esse fato leva esses dois ex-pombinhos para preenchimentos de lacunas que ficaram perdidas pelo tempo. Será que há possibilidades para novos capítulos dessa história?

Uma carona, um reencontro, uma história de amor guardada numa caixinha de memórias. Em 19 minutos de duração, o curta-metragem nos convida a um encontro que, na verdade, é sobre desencontros. Entre confissões e desabafos, o filme faz do presente uma ponte para revisitar o passado e propõe uma reflexão madura sobre os labirintos emocionais dos relacionamentos.

Brincando com as incertezas, o roteiro preenche suas linhas com diálogos de múltiplas camadas e significados, encontrando uma cadência certeira e um ritmo envolvente. A narrativa, sempre centrada nos personagens, direciona o olhar do espectador para uma verdadeira explosão de emoções.

Criar um elo com o público não é fácil, há muitos méritos nisso. Esse é um filme que chega no seu desfecho com gostinho de quero mais. Quem sabe não vira um longa, né? Eu correria pra assistir!

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