O grito que ninguém escuta. Abordando conflitos intensos entre a mente e o corpo na perspectiva de uma jovem adolescente, o longa-metragem brasileiro Diário de Viagem começa sua jornada em meados da década de 90, na época de criação do plano real. O recorte aqui é na fase adolescente, no ensino médio, aos olhos de uma personagem em conflito, que não sabe o que gosta, o que quer, se sente perdida em seu pensar com o peso de não conseguir se relacionar, como se todos não a entendessem. O epicentro desses conflitos é em relação ao transtorno alimentar. Viver essa fase em total solidão. É duro, angustiante, a narrativa caminha nessa estrada de forma profunda. Escrito e dirigido pela cineasta Paula Kim, o filme é baseado na adolescência da própria diretora.
Na trama, conhecemos Liz (Manoela Aliperti), uma jovem, filha única, que gosta de Nirvana, Paralamas e está prestes a embarcar para uma oportunidade que poucos possuem, a
de um intercâmbio e conhecer culturalmente um novo país (no caso, a Irlanda),
além de estar em uma reta de oportunidades para trocas de experiências com
jovens de outros países e modos de pensar diferentes do dela. A protagonista
possui um transtorno alimentar, fato que a faz, desde algum tempo, caminhar
numa estrada de não aceitação do seu corpo. Quando ela retorna de viagem, a
situação parece piorar e a protagonista acaba numa profunda tristeza que abala
a si mesma e a todos ao seu redor.
A obra O Retrato de
Dorian Gray, mencionada logo nos minutos iniciais, já mostrava, como uma
espécie de abre-alas, que iríamos caminhar em uma história sobre a mente e os
paralelos com o corpo num corredor de medo e aflição tendo a busca pela
perfeição (no caso aqui: não engordar) sendo algo constante, intenso e muitas vezes
inconsequente. A protagonista não sabe o que gosta, o que quer, se sente
perdida em seu pensar com o peso de não conseguir se relacionar, como se todos
não a entendessem. Viver essa solidão é duro, angustiante. Os conflitos há
levam a estar rodeada de limitações, aos que se aproximam ela logo se afasta. Socializar
acaba sendo uma grande dificuldade para a jovem que se fecha em seu próprio
labirinto. Vale o destaque para a ótima atuação da atriz Manoela Aliperti.
As variáveis que cercam a protagonista acabam encontrando
seu espaço na narrativa de forma contundente. O maior exemplo são os pais dela,
que percebem que há algo de errado mas demoram pra agir, não sabendo na maior
parte do tempo lidar com aquela situação, caminhando para um iminente conflito.
Além disso, toda a situação abala a família, levando a mãe ao desespero e o pai
a momentos de explosão e descontrole (o alcoolismo se
mostra presente inclusive). Com o físico e o psicológico abalado, sua
desgastante rotina a coloca em momentos de mais tristezas na escola, onde o
bullying aparece.
Falado em português e inglês nos primeiros minutos (por
conta da viagem que a adolescente faz), Diário
de Viagem é um profundo drama, borbulha nas emoções dilacerantes de uma
jovem com um distúrbio alimentar que paralisa sua vida. O objetivo de
conscientizar para a anorexia nervosa, que afeta tantos na realidade, é
atingido, deixando o público em uma reta de reflexões sobre o assunto.