O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.
Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de São Paulo. Carlos Anselmi tem 27 anos. É músico, universitário e escreve para a página Argos Crítica.
1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.
Em relação a programação gosto muito do Petra Belas Artes, é um lugar que tem uma ótima seleção, e alguns filmes só ficam disponíveis lá no estado, como foi o caso de The Irishman (2019). Lá é o lugar certo para encontrar filmes que não são distribuídos pelas grandes franquias.
2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.
Acredito que Mulan (1998), foi o primeiro filme que vi no cinema (inteiro, porque meus pais tinham tentado me levar antes mas eu saí na metade com medo), e desde então sempre foi um dos meus programas favoritos.
3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?
Não consigo falar um só, sou muito fã do Fellini, do Coppola e do Godard, acho Kubrick um gênio, amo Wong Kar-wai e Tarantino e admiro muito o Eisenstein. Mas talvez, no momento atual, eu diria que me sinto melhor assistindo aos filmes do Scorsese, por isso hoje (por enquanto) a resposta seria essa, e meu filme favorito dele seria The Irishman (2019), que costumo chamar de “o melhor da década”.
4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?
Juro que tenho muita dificuldade de falar somente um em todas as respostas, e espero que tenha validade mesmo assim. Nesse caso, eu não consigo, de jeito nenhum, falar um só porque cada filme se comunica de uma maneira diferente e os amo por motivos distintos, mas quase que em mesmo grau. Portanto, vamos lá: O Pagador de Promessas (1962), é um filme que te prende do início ao fim e fala muito da relação estritamente brasileira de fé de uma maneira cinematograficamente incrível. Rio, Zona Norte (1957) é um filme que trata de um dos meus maiores amores, a música, mas de um jeito completamente brasileiro, focando em questões de raça e classe, fundamentais para entender o país; e Cidade de Deus (2002), com “a máfia à brasileira”, outra obra prima nacional.
5) O que é ser cinéfilo para você?
Qualquer pessoa que ame Cinema e se interesse por ele como arte. Acho que a relação de “amor” por algo está diretamente ligada ao interesse em querer saber mais, e esse é o ponto que coloca a diferença entre amar algum filme e amar Cinema. Se cabe a comparação, é a mesma diferença entre achar uma pessoa bonita (que é um primeiro interesse) e a partir daí, depois de conhecer e se interessar mais, desenvolver o amor além da aparência. É sobre amar a arte, independente da nacionalidade, ano ou gênero de algum filme, é sobre buscar entender a expressão artística mais profundamente, além do que podemos ver na tela em primeira instância.
6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?
Sim, não acredito que apenas entendam de Cinema os cinéfilos e críticos. Os filmes mais comerciais são feitos para pessoas que também gostam de ir ao cinema e é um público grande e importante. O cinema como entretenimento é feito para a maior parte das pessoas e não cabe juízo de valor ao comparar com o “Cinema de arte” (se é possível separá-los muito claramente). Portanto, essa programação -que considero mais comercial- é feita por pessoas que entendem o cinema como mercado, e é importante para trazer um público grande para a sala, e que pode a partir daí, manter o cinema de pé, e fazer mais pessoas apaixonadas pela arte. Todo amante do cinema de hoje começou com algum filme mais comercial um dia.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
“Algum dia” tudo vai acabar, não é mesmo? Mas acho completamente exagerada a reação de “os streamings estão acabando com as salas de cinema”. Antes, diziam que o cinema iria acabar com a chegada do som, da televisão, das animações, com a internet, com o início da pirataria e agora com os streamings. Spoiler: nunca acabou. O Cinema se reinventa e enquanto houver público, haverá cinema, mesmo que em menor quantidade.
8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Indico todo os filmes que já comentei antes, mesmo que muitas pessoas já viram, mas pensando em filmes que ouço falar pouco, Makala (2017) é um documentário que levou o Grande Prêmio da Semana da Crítica no Festival de Cannes, e que não chega a 700 “assistidos” no letterboxd. Acho muito interessante a relação homem-trabalho que o filme mostra, e é muito bom para ver um pouco do continente africano, mais especificamente no Congo. E fica mais legal se comparar com alguns filmes de Ousmane Sembène (principalmente Borom Sarret), que também indico muito, junto com Black Girl (La Noire de…), de 1966. E dos nacionais: ABC da Greve (1990) de Leon Hirszman, imperdível.
9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Essa é uma questão complexa. Se pensarmos em medidas efetivas, tudo poderia ser reaberto se houvesse um lockdown sério, efetivo, e com o auxílio do governo. Muitos países reabriram tudo controlando o vírus antes da vacina chegar, mas com a situação do Brasil é muito mais difícil. Eu sou dos que não fazem nada antes da vacina, mas nenhuma indústria aguenta mais de um ano e meio fechada (por incompetência do Estado). É complicado defender uma não abertura depois de tanto tempo, enquanto as medidas para fechar (ou não) são quase arbitrárias e sem nenhum plano nacional concreto de controle e redução de danos. Mas como indivíduo, não participo de nada antes das vacinas.
10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Muito boa dentro do que consegue ser, sobrevivendo grandiosamente ao desmanche institucional que vem acontecendo.
11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.
Enquanto houver lançamentos do Fernando Meirelles, Kleber Mendonça, Walter Salles, Anna Muylaert, entre outros, vou estar assistindo a todos.
12) Defina cinema com uma frase:
Cinema é a arte de contar uma estória e trazer emoções a partir da imagem e som de maneira ordenada.
13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:
Nunca aconteceu nada de muito diferente, acho que o mais fora do comum foi assistindo Alladin (2019). Fui assistir ao filme em uma dessas seções VIP, e uma moça, algumas poltronas do lado, pediu champagne e ficou claramente alterada. Depois disso ela cantava todas as músicas bem alto. Na primeira música foi engraçado, depois só ficou muito chato atrapalhando todo mundo. Felizmente, ela foi embora na metade.
14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras…
Meme clássico.
15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?
A função do diretor é conseguir explicar sua visão para a equipe, faz parte saber se comunicar. Particularmente, acho que mostrar referências e ter um grande repertório é um jeito mais fácil de expor sua visão. Mas há outros caminhos que também podem funcionar bem, é uma questão bem individual.
16) Qual o pior filme que você viu na vida?
Não acho que pior seja a palavra certa para eu usar. Mas Dune (1984) do David Lynch e Star Wars: Episódio IX (2019) me incomodam profundamente em diversos níveis, muito mesmo.
17) Qual seu documentário preferido?
Searching For Sugar Man (2012). Dessa vez não vou comentar, apenas peço que assistam.
18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?
Sim. Mas não no sentido de tentar começar um aplauso coletivo, é baixinho e devagar, quase sem som, e comentando pro lado “esse foi incrível, né?”, mas não com desconhecidos, obviamente.
19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?
Adaptation (2002), do Spike Jonze. Esse é um dos meus filmes favoritos (entre os 100 mais, eu diria).
20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?
Não costumo ler muitos sites de cinema, mas gosto bastante de procurar artigos no academics, tenho muito interesse em História do Cinema, e diversas vezes escrevo pensando nessa perspectiva. Mas gosto de ver os “review” dos amigos pelo letterboxd, e às vezes leio algumas críticas no Plano Crítico.
21) Qual streaming disponível no Brasil você mais assiste filmes?
Costumava usar muito o Tele Cine, agora pretendo migrar para o HBO Max, mas uma constante para mim é o Mubi.