08/08/2025

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Pausa para uma série: 'Terra da Máfia'


Com um suspense imprevisível e atuações intensas, Terra da Máfia mergulha no submundo do crime organizado britânico, onde diferentes gerações de gângsteres travam um jogo brutal de poder. A série, que chegou discretamente ao catálogo da Paramount Plus, rapidamente se firmou como uma das grandes surpresas de 2025. Criada pelo romancista irlandês Ronan Bennett - também showrunner do recente sucesso O Dia do Chacal - a trama acompanha o confronto entre duas famílias rivais que entram em rota de colisão após um evento trágico que muda toda a calmaria que se mostrava presente.

Conrad Harrigan (Pierce Brosnan) é um temido mafioso, casado com a enigmática Maeve (Helen Mirren), que comanda os negócios da família em Londres. Seu eterno inimigo é Richie Stevenson (Geoff Bell), com quem nunca se deu bem e divide o poder na cidade. Quando o filho de Richie é assassinado de forma violenta, um banho de sangue vira algo iminente e as atenções se voltam para a família Harrigan. Nesse momento, entra em cena Harry da Souza (Tom Hardy) um resolvedor de problemas e leal aos Harrigans.

A origem deste projeto é, no mínimo, curiosa. Inicialmente concebido como um prelúdio da série Ray Donovan, o conceito tomou novos rumos e acabou se transformando em uma obra independente. A decisão se prova acertada: com episódios bem dirigidos, ritmo firme e um roteiro afiado que conduz o espectador ao clímax a todo momento, a série mergulha com intensidade em temas como laços familiares, confiança, corrupção e traição, atropelando qualquer noção de moralidade. Somos guiados pelo labirinto de poder e influência dos Harrigan, uma família marcada por segredos e composta por figuras complexas e ambíguas, cada uma lidando à sua maneira com o peso constante da tensão que os cerca.

O roteiro avança com ritmo consistente ao explorar parte do passado e os choques do presente por meio de um desenvolvimento de personagens sólido e bem equilibrado. Ao longo dos dez episódios da primeira temporada, é notável como o extenso elenco tem espaço para brilhar, com cada personagem ganhando tempo de tela suficiente para revelar suas camadas e motivações. Sem entregar tudo de uma vez - possivelmente já pensando em futuras temporadas -, a série deixa algumas pontas soltas de forma estratégica, abrindo caminhos promissores para novas jornadas.

Um fator crucial para o ótimo desenvolvimento da trama, Harry da Souza atua como uma verdadeira carta coringa - transitando por todos os núcleos da trama. Assim, através de seus passos, acompanhamos uma narrativa marcada por diferentes formas de violência e pela ruína de qualquer vestígio de moralidade. Insanidade, traições e a já recorrente decadência do poder se entrelaçam, tornando-se o eixo central da história. Não é difícil traçar paralelos com a realidade: lugares onde poderes camuflados tomam o controle, transformando cidades inteiras em reféns daqueles que realmente comandam nos bastidores.

Com uma trilha sonora explosiva - que traz entre seus compositores Matt Bellamy, vocalista e guitarrista da banda Muse - Terra da Máfia oferece um verdadeiro intensivão sobre como capturar a atenção do público pelo choque e pela intensidade. Já renovada para a segunda temporada, a série deixa um leque de possibilidades em aberto após o desfecho eletrizante de sua primeira season finale. Com todos os elementos posicionados nesse jogo de poder, tem tudo para conquistar ainda mais destaque daqui pra frente.

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07/08/2025

Crítica do filme: 'A Última Missão'


A Última Missão, novo filme disponível no Prime Video, aposta em um roubo mirabolante e no humor escrachado como base para uma trama já bastante familiar. Recheado de clichês e situações previsíveis, o longa não se arrisca em novos caminhos nem propõe algo além do que já vimos em tantas outras produções do gênero. Dirigido por Tim Story, com roteiro de Kevin Burrows e Matt Mider, o filme reúne os comediantes Eddie Murphy e Pete Davidson — ambos ex-integrantes do icônico Saturday Night Live — como protagonistas dessa comédia de ação que entrega pouco além do riso fácil.

Russell (Eddie Murphy) é um experiente segurança de carro-forte prestes a celebrar 25 anos de casamento. Já Travis (Pete Davidson) é um novato ingênuo, sem grandes ambições, que acaba de ingressar na mesma profissão. Quando os dois são escalados para trabalhar juntos, tudo parece rotineiro - até serem surpreendidos por um grupo de criminosos liderados por Zoe (Keke Palmer), uma figura misteriosa ligada ao passado recente de Travis. A partir daí, a dupla improvável se vê em meio a um plano perigoso e precisará encontrar uma forma de sair dessa enrascada com vida.

No cenário atual do cinema, ousar é uma qualidade cada vez mais valorizada - afinal, é no risco que muitas vezes nasce a originalidade. Já a repetição excessiva ou qualquer traço de semelhança com obras anteriores pode rapidamente afastar o público. Neste projeto, no entanto, o que se vê é uma jornada rumo à mesmice: uma trama rasa e superficial, repleta de cenas de ação desenfreadas e um discurso limitado. O filme resgata clichês antigos, envoltos em situações forçadas e absurdas, sem conseguir oferecer frescor ou autenticidade.

O filme segue à risca uma velha receita já exaustivamente usada em produções semelhantes — algo que, em outros tempos, foi bem mais lucrativo no cinema norte-americano. O roteiro, por vezes confuso, se apoia em uma estrutura previsível, sem espaço para reviravoltas ou momentos realmente intensos. Tenta encontrar brilho nos diálogos cômicos e no exagero das situações, apostando no deboche e no absurdo como formas de inovação. No entanto, com personagens pouco desenvolvidos e uma narrativa que carece de autenticidade, o resultado é pouco convincente.

Sem grandes momentos e preso a uma linha narrativa previsível, o filme desperdiça a oportunidade de equilibrar ação e comédia de forma envolvente. Com personagens sem brilho ou carisma, o projeto falha justamente onde poderia ter acertado: na química entre os protagonistas. Em vez de explorar o potencial da dupla com energia e tempo de comédia — como por exemplo Jackie Chan e Chris Tucker na icônica franquia A Hora do Rush —, a produção se acomoda no óbvio.

A Última Missão é o entretenimento miojo, rápido e decifrado em 3 minutos. São 90 minutos de explosões, diálogos insossos e personagens em graça. Uma fórmula que não encaixa em momento algum. E podem apostar: Eddie Murphy e Pete Davidson na corrida para o Framboesa de Ouro!

 

 

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06/08/2025

Crítica do filme: 'Uma Vida Honesta'


De vez em quando, a Netflix surpreende com obras que fogem do óbvio - e Uma Vida Honesta é um desses achados. O longa-metragem sueco, dirigido por Mikael Marcimain e roteirizado por Linn Gottfridsson e Joakim Zander, mergulha no espírito anarquista a partir das desilusões de um jovem protagonista. Preso em um labirinto de ideais, ele atravessa um intenso processo de amadurecimento ao se envolver com outros jovens que vivem à margem das convenções sociais. O filme constrói, com camadas bem estruturadas, uma reflexão sobre a inconsequência, os limites do idealismo e as complexidades das relações humanas.

O jovem estudante Simon (Simon Lööf) chega à cidade de Lund com o objetivo de cursar Direito em uma prestigiada universidade, mesmo carregando o sonho de se tornar escritor. Logo se depara com as desigualdades sociais à sua volta, especialmente ao conviver com colegas de quarto abastados, o que o coloca diante de um cotidiano de contrastes. É nesse cenário que conhece Max (Nora Rios), uma jovem carismática e integrante de um grupo que comete pequenos delitos contra os mais ricos. Fascinado pela rebeldia e pelo idealismo do grupo, Simon se vê cada vez mais envolvido — até que eventos marcantes o forçam a encarar as consequências de suas escolhas.

A confusão diante da realidade ao seu redor é o ponto de partida do protagonista — nossos olhos ao longo dessa jornada. Seu amadurecimento, quase precoce, é impulsionado pelos dilemas morais que surgem a cada nova decisão. Inserido em uma narrativa de ritmo envolvente, o personagem tem seus conflitos desenvolvidos com profundidade, sustentando uma história que entrelaça questões de moral, sociologia e capitalismo, enquanto expõe a solidão como um dos pontos mais vulneráveis da experiência humana. Com camadas bem construídas, o filme oferece reflexões densas, equilibrando com habilidade elementos de ação, drama e suspense.

Ao explorar as desilusões por meio de um gatilho disfarçado de oportunidade, o roteiro mantém-se fiel ao seu discurso e ainda acerta ao apostar na imprevisibilidade como trunfo — entregando um desfecho realista, longe de qualquer tom novelesco. Um dos pontos que contribuem para a harmonia da narrativa são as reflexões sobre as motivações por trás de cada ato, abrindo espaço para uma discussão profunda sobre a inconsequência. Mesmo quando alguns clichês surgem aqui e ali, eles não comprometem a força nem a coerência da trama.


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Crítica do filme: 'Quinografia' [Bonito CineSur]


Exibido pela primeira vez no Brasil durante o Bonito CineSur 2025, o aguardado documentário argentino Quinografia nos convida a uma imersão afetuosa na vida e na obra de Quino - o lendário cartunista e humorista conhecido mundialmente por criar a eterna Mafalda. Em 75 minutos de projeção, o filme traça a trajetória desse observador aguçado do cotidiano, passeando por sua arte, suas ideias e pelas curiosidades de sua história. Agradável de assistir, a produção opta por um tom leve do início ao fim, o que pode soar como um céu de brigadeiro - bonito de ver, mas sem grandes turbulências dramáticas no percurso.

Falecido na primavera de 2020, Joaquín Salvador Lavado Tejón — o inesquecível Quino — foi um dos mais influentes criadores de histórias em quadrinhos do mundo. Nascido na região fronteiriça com o Chile, no início dos anos 1930, ele deu vida a personagens que atravessaram gerações, permanecendo atuais pelas situações e reflexões que ainda ressoam nos dias de hoje. Quinografia constrói sua narrativa como um tabuleiro em constante movimento, encaixando peça por peça com certa precisão, rumo a uma cronologia sem conflitos e também reveladora da trajetória desse mestre de sua arte.

O pulo do gato desse projeto é inserir o próprio Quino como contador de sua própria história - algo que sempre é arriscado em qualquer documentário sobre um alguém que já se foi. Mas aqui tudo é feito com maestria. Uma entrevista dada para um veículo seis anos antes de falecer circula a narrativa, juntamente com lembranças a partir de imagens e através de outras entrevistas e depoimentos de familiares e amigos próximos. Assim, o longa-metragem se divide em algumas partes que vão desde sua infância e primeiros traços, passando pelo tempo onde os militares assumiram o poder e logo um forçado exílio se tornou única saída, até a disseminação (legado) da sua obra pelo mundo.

Entre os muitos detalhes que compõem essa trajetória, é inevitável um mergulho mais profundo em sua criação mais emblemática: Mafalda. A personagem nasceu em 1964, a princípio como parte de uma campanha publicitária de eletrodomésticos, mas logo ganhou vida própria — inspirada pelo traço de Charles M. Schulz, criador do Snoopy — e não demorou a conquistar as páginas dos jornais. Tornou-se um fenômeno global, presente até hoje em diferentes cantos do mundo. Mafalda era uma menina à frente de seu tempo: curiosa, questionadora, inquieta com o futuro da humanidade e sempre atenta às contradições da política. Um reflexo direto do olhar crítico e das referências culturais que cercavam seu criador.

Para quem nunca conheceu esse artista, esse filme pode se tornar uma referência, até inspiração. Da simplicidade, até um legado presente em todos os lugares, Quino deixou sua obra como ferramenta de questionamentos de um mundo em constantes mudanças, algo que cada vez se torna mais importante no momento presente. Quinografia poderia ter ido mais fundo nessa trajetória, encontrar camadas mais profundas, mas não deixa de ser uma eficiente maneira de como contar uma história mas com o calcanhar de aquiles de não ser profundo em conflitos.

 

 

 

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02/08/2025

Crítica do filme: 'Chuzalongo' [Bonito CineSur]


Os dois lados do milagre. Chegando com seu tom sobrenatural ao Bonito CineSur 2025, o longa-metragem equatoriano Chuzalongo apresenta para o público uma versão novelesca da lenda de uma criatura mitológica andina, num cenário ambientado no Século XIX, que se mistura com o dilema de um padre em uma região consumida por disputas políticas. Nesse recheado cenário, com um pé no universo fantástico e outro no desencontro com algum clímax, acompanhamos de interessante mesmo somente uma conturbada relação paternal entrelaçada.

Ao longo dos quase 100 minutos de projeção, acompanhamos Melalo (Wolframio Sinué), um homem que vê sua vida desmoronar após a morte de sua filha grávida, logo após o parto. Inicialmente rejeitada por ele, a criança sobrevive e, anos depois, torna-se uma figura sobrenatural que vaga pela região, precisando alimentar-se do sangue de mulheres para continuar viva. Mais adiante, o padre Nicanor (Bruno Odar) cruza seu destino com o da misteriosa criatura e se vê diante de dilemas profundos ao assumir a responsabilidade de cuidar dela.

À primeira vista, parecia que assistiríamos a um épico equatoriano — com longas tomadas de uma paisagem camponesa nos Andes e um clima crescente de vingança. Mas era apenas uma ilusão. O primeiro arco do filme se dedica a retratar o amplo contexto das disputas entre liberais e conservadores por volta de 1888, entrelaçado a dramas familiares que surgem de forma espaçada, tanto na narrativa quanto na linha temporal. O ritmo começa a se arrastar, e quando a trama finalmente vira a chave, ela encontra inesperadamente o Gore — subgênero do terror — levando o drama para outra estrada, onde os dilemas ganham abrigo no suspense.

Escrito e dirigido por Diego Ortuño, o discurso desse projeto apresenta no ponto principal compor uma atmosfera sobre o vazio existencial e as necessidades na falta de esperança, a partir do que se sabe da tal lenda. Logo, a política e a fé se misturam, com a adição de uma trilha sonora viva (que é ‘too much’ em muitos momentos) buscando de qualquer forma dar amplitude a composição dos elementos em cena.

Mesmo com certa coesão narrativa, esse longo novelão aborda os dilemas morais de forma atabalhoada — especialmente no que deveria ser o centro da trama: os conflitos dos dois lados de um dito milagre. O filme se alonga na construção de seu discurso, levanta questões, mas não as resolve de forma convincente, num clássico exemplo de narrativa que perde o fôlego antes da linha de chegada. Em resumo, Chuzalongo é mais um drama arrastado do que um terror, que falha tanto em provocar medo quanto em gerar tensão.

 

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Crítica do filme: 'A Melhor Mãe do Mundo' [Bonito CineSur]


A Melhor Mãe do Mundo
novo longa-metragem de Anna Muylaert é arrebatador! Não há outra forma de começar esse texto! A desconstrução dos laços familiares surge como ponto de partida de uma trajetória que revela os impulsos necessários para, com os pés no chão e uma dose de criatividade, alcançar o início de um novo caminho. Uma verdadeira aula de narrativa, onde cada cantinho em cena ganha potência — seja pela atuação arrebatadora de Shirley Cruz, seja pela delicada gangorra entre dor e amor que atravessa a trama.

Gal (Shirley Cruz) é uma batalhadora. Trabalha como recicladora de lixo. Certo dia, num ato desesperado para fugir dos absurdos cometidos pelo marido (Seu Jorge), foge de casa junto com seus dois filhos. Durante esse período, fortalece seus laços maternos transformando esse momento numa grande aventura para essas duas crianças.

A ilusão palpável da aventura, quando vista por um olhar indefeso, escapa ao contraponto — ela se revela como complemento. Do pesadelo à esperança, o projeto assume um discurso plural, desdobrando camadas profundas e incessantes de reflexão. Aborda com sensibilidade temas como a maternidade, os relacionamentos abusivos e lança uma luz contundente sobre a violência contra a mulher. Somos capturados pela força desse roteiro, atentos a cada detalhe, enquanto ele escancara verdades que reconhecemos no nosso próprio cotidiano.

Cada detalhe em cena ganha intensidade — tudo salta aos olhos, grita, reverbera. A carga emocional toca fundo, entrelaçando compaixão e dor numa mistura capaz de nos desestabilizar. Os paralelos com a realidade surgem como um estalo: imediatos, incômodos, próximos demais. Quantas vezes vimos casos absurdos de violência contra a mulher estampando os noticiários ou vivenciados de perto? Este filme ultrapassa os limites da ficção, nos puxando de volta para reflexões urgentes deste lado da tela.

Selecionado para a Mostra Competitiva Sul-Americana do Bonito CineSur 2025, A Melhor Mãe do Mundo reafirma o talento de Anna Muylaert em um de seus trabalhos mais intensos e emocionantes. É daqueles filmes que tocam fundo, atravessam barreiras e permanecem com a gente. Uma obra necessária, que todos deveriam assistir.

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30/07/2025

Crítica do filme: 'Redención' [Bonito CineSur]


Sendo bem direto, Redención propõe o choque entre dois mundos ao retratar os dilemas de um casal evangélico incapaz de ter filhos. O longa-metragem peruano constrói seu drama familiar a partir de conflitos que tensionam valores morais e revelam camadas controversas. Desde o início, aposta em uma narrativa que cresce em intensidade até atingir um ponto de ebulição, onde múltiplas interpretações se abrem. A sugestão, mais do que a explicação, torna-se o fio condutor — mas essa escolha acaba por comprometer a coesão da narrativa, gerando uma sensação de desarmonia.

Escrito e dirigido por Miguel Barreda-Delgado, o filme nos conduz à tragédia por meio da rotina de um humilde vendedor de sanduíches, casado com uma enfermeira. Devotos fervorosos, o casal leva uma vida simples, pautada pela fé, até que tudo começa a desmoronar com a chegada de uma jovem grávida, que vive com a tia surda. O que parece ser um gesto de acolhimento logo revela seu lado sombrio: a jovem foi, na verdade, violentada pelo próprio trabalhador que agora a abriga — ponto de virada que acende os conflitos centrais da trama.

Logo em seu início, o longa-metragem revela certo potencial, estabelecendo os conflitos a partir de um evento que, à primeira vista, parece um gesto de compaixão, mas rapidamente se revela uma agressão covarde. Esse ponto de partida abre espaço para o desenvolvimento dos personagens. No entanto, ao tentar abordar o comportamento humano sob a lente da fé, o filme se apoia em uma crítica tímida, que evita tocar nas feridas mais profundas. Assim, acaba estagnado em conflitos superficiais, apostando apenas no imprevisível como trunfo narrativo.

Dentro do triângulo proposto, que inclui ainda um pastor intrometido, revolta, esperança, violência e desejo se misturam de forma confusa, prejudicado também por escolhas pouco acertadas na composição das cenas. Diálogos mal construídos e ações que se sobrepõem a explicações apenas sugeridas geram uma narrativa truncada, afastando-se progressivamente de um discurso que, inicialmente, parecia mais consistente e sólido.

Redención foi selecionado para a Mostra Competitiva Sul-americana de Longas-metragens do Bonito CineSur 2025. Um filme que prometia mas se perde em um mar de situações mal desenvolvidas que distancia o espectador a cada minuto que passa. Uma pena.

 

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29/07/2025

Crítica do filme: 'La Falta' [Bonito CineSur]


Com camadas habilmente construídas e guiado por um sentimento profundo de compaixão, o curta-metragem La Falta expõe, de forma crua e sensível, a dor de quem observa de fora uma tragédia em curso. Através do olhar de profissionais da educação, somos levados a enfrentar uma situação devastadora que marca para sempre a vida de uma aluna. Selecionado para a mostra competitiva de curtas sul-americanos do Bonito CineSur 2025, o filme desponta como um dos fortes candidatos ao troféu Kadiwéu.

Escrito e dirigido por Carmela Sandberg, o curta de apenas oito minutos mergulha o espectador em uma atmosfera densa de tensão e incerteza. Tudo começa quando o diretor de uma escola primária recebe um telefonema devastador: a mãe de Bianca, uma aluna de apenas 9 anos, sofreu um grave acidente a caminho da escola e está entre a vida e a morte no hospital. Diante da tragédia iminente, ele e outros professores se veem diante de um dilema delicado — como comunicar à menina uma notícia que mudará sua vida para sempre.

Esta coprodução entre Argentina e Uruguai lança luz sobre um recorte sensível do sistema educacional, explorando suas nuances a partir de uma tragédia familiar. Ao longo de toda a narrativa — ambientada inteiramente na sala do diretor, espaço que por si só carrega o peso de decisões difíceis —, o lado humano dos educadores se sobrepõe aos protocolos. São suas ações, hesitações e dilemas que conduzem nosso olhar, revelando a complexidade de lidar com o inesperado quando o papel de ensinar se entrelaça com o de cuidar.

Impressiona o clima constante de tensão que atravessa o curta do início ao fim, sustentado por uma composição visual precisa e enquadramentos objetivos. A câmera captura com sensibilidade o pulsar emocional dos personagens, revelando um olhar de dentro para fora — uma conexão que se estabelece, sobretudo, nas reações daqueles que recebem a notícia: do diretor à sua equipe, até chegar à própria aluna. Uma dinâmica harmônica que encaixa como uma luva na proposta do filme.

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Crítica do filme: 'Rua do Pescador, nº 6' [Bonito CineSur]


As dores de uma tragédia anunciada. Exibido no segundo dia de mostras competitivas do Bonito CineSur 2025, o novo trabalho da diretora e atriz Bárbara Paz, Rua do Pescador, nº 6 apresenta reflexões em meio a destruição e desilusão narrada por quem viveu os fatos de uma das maiores tragédias climáticas de nosso país. Com pausas reflexivas que buscam ganhar fôlego com uma raiz de conexões do discurso que se mostram amplas, o projeto parte de um olhar de uma comunidade ribeirinha gaúcha remetendo ao passado, sem saber sobre o futuro, mesmo do olhar presente.

Pouco tempo atrás, um fato de conhecimento público deixou o Brasil em choque. 478 das 497 cidades do estado do Rio Grande do Sul ficaram completamente inundadas culminando na maior tragédia climática da história da Região. Rua do Pescador, nº 6 se aprofunda na questão, apresenta novos olhares, a partir de uma Ilha de pescadores e seus moradores.

Esse é um longa-metragem que tem vários caminhos de análise. Dentre os elementos que se mostram em total evidência, o uso da versatilidade do P&B do início ao fim propõe uma imersão intensa por dentro das emoções. Com muitas cenas impactantes, dentro daquele chocar com intuito de gerar mais reflexões, nos levam para uma amplitude atemporal onde a fé e um ponto de interrogação sobre o futuro mostram suas facetas. Soma-se a isso algumas entrevistas que ajudam a contar a história.

A posição de observadora de um fato histórico, proposta feita com eficiência pela diretora, encaixa muito bem na condução desse documento histórico. Mesmo com desencontros narrativos, passando por leve redundância, o discurso é traduzido com imagens e movimentos de forma eficaz e que realmente prendem nossa atenção. Mas uma grande questão se apresenta quando reunimos todas as peças dessa crítica social: questionamentos de alguns porquês não encontram muitas camadas chegando apenas até uma crítica superficial.

O papel de todo documentário é registrar e ampliar debates sobre determinado assunto. No caso de Rua do Pescador, nº 6 soma-se o fato de dimensionar o tamanho dessa tragédia. É realmente muito chocante alguém de fora de toda região atingida perceber cada detalhe desse evento catastrófico. Narrador por quem viveu os fatos, o filme impacta, documenta a dor de forma visceral.

 

 

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28/07/2025

Crítica do filme: 'Oro Amargo' [Bonito CineSur]


Os dribles do destino em pleno deserto do Atacama. Sem oferecer respiros ou alívios, Oro Amargo — coprodução entre Chile, Uruguai e Alemanha — chamou atenção logo no primeiro dia da Mostra Competitiva de Filme Sul-americano do Bonito CineSur 2025. Dirigido por Juan Olea, o filme parte de uma relação aparentemente simples entre pai e filha para mergulhar o público em uma realidade dura e visceral, vista pelos olhos de uma protagonista encurralada em um contexto social opressor.

Carola (Katalina Sánchez, em ótima atuação) é uma adolescente que vive com o pai, o garimpeiro sem licença Pacífico (Francisco Melo), em uma comunidade humilde. Sempre presente nas tarefas do trabalho, ela vê sua rotina mudar drasticamente após um ataque violento ao pai, cometido por um ex-funcionário. Com Pacífico em recuperação, Carola precisa assumir os negócios da família — uma missão desafiadora em um ambiente marcado pelo machismo escancarado, pela misoginia e pela desconfiança gananciosa de quem a cerca.

Um dos aspectos que mais chama atenção é a maneira como o discurso se mantém estático mesmo diante de uma ruptura, impulsionado por um processo de amadurecimento precoce. Com poucas vias possíveis para reflexão, a narrativa aposta em uma abordagem cirúrgica, onde a tensão crescente e as múltiplas camadas de drama emergem com intensidade. Essas diferentes facetas de um mesmo conflito moldam com precisão o arco da protagonista, construindo uma trajetória envolvente e emocionalmente densa, que prende o espectador do início ao fim.

Dentro da harmonia com que conduz uma história pesada — tão dura quanto muitas realidades —, o roteiro rapidamente ultrapassa os limites do drama familiar e direciona o olhar do público para a amargura presente nas relações humanas. É esse o ponto de partida para uma jornada reflexiva sobre desigualdades e condições sociais. Sem espaço para respiros ou alívios, o filme avança de forma visceral, rompendo camadas que giram em torno de um mesmo epicentro. Impressiona como, a partir da amargura, consegue-se extrair algo potente — quase como transformar um limão em uma limonada, mas sem adoçantes.

A Mostra Competitiva de Filme Sul-americano do Bonito CineSur 2025 começou com o pé direito. Oro Amargo seria uma excelente adição ao circuito exibidor brasileiro — pena que, como tantas outras produções potentes, talvez não chegue às salas de cinema por aqui. Quem sabe, futuramente, em alguma plataforma de streaming. Reunindo temas urgentes e relevantes para o debate social, o filme é mais um exemplo da força do audiovisual em refletir e questionar realidades — sejam elas próximas ou distantes da nossa.


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19/07/2025

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Crítica do filme: 'Marcos, o Errante' [Festival Cinemato]


Com simplicidade, faz-se um bom cinema. Selecionado para a Mostra Competitiva de Curtas-Metragens do Festival de Cinema e Vídeo – Cinemato –, Marcos, o Errante conduz sua narrativa com objetividade ao longo de seus 12 minutos, apresentando a autorreflexão como elemento central. Acompanhamos a trajetória de um homem à margem da sociedade, vivendo em condições de subsistência e buscando, em meio a um horizonte incerto, apenas sobreviver.

O filme gira em torno de Marcos, um morador de rua em uma grande cidade baiana, conduzindo o espectador por momentos e lugares marcantes de sua trajetória. Através de suas histórias, revelam-se fragmentos do passado, reflexões do presente e as incertezas que rondam seu futuro. A partir da figura desse nômade que escolhe viver à margem, constrói-se um panorama sociológico potente, capaz de despertar reflexões profundas.

Tendo o próprio personagem como narrador, o filme ganha força ao adotar esse olhar que, longe de estar perdido, enxerga com lucidez os detalhes sociais ao seu redor. Especialmente quando direciona sua atenção ao outro — mais do que a si mesmo —, somos levados a críticas e questionamentos sutis, que emergem mesmo nas entrelinhas. É impossível não refletir, por exemplo, sobre as políticas públicas e suas falhas na prática.

Com a câmera na mão e entregue ao acaso — talvez à espera do inesperado —, o cineasta Thiago Brandão escapa do lugar-comum e acerta ao transmitir com precisão o discurso que deseja. Parte em busca da realidade que se revela diante dele, alcançando muito com muito pouco.

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18/07/2025

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Crítica do filme: 'Cabeça de Boi' [Festival Cinemato]


É sempre gratificante encontrar nos festivais obras criativas que apostam no inusitado para expandir nosso campo de reflexões. Selecionado para a Mostra Competitiva de Curtas-Metragens do Festival Cinemato, o curta Cabeça de Boi nos conduz por uma narrativa bem-humorada e debochada, inspirada em uma sequência de fatos curiosos que se desenrolam a partir de uma curiosa lenda sobre um terreno amaldiçoado em uma cidade remota do país.

Escrito e dirigido por Lucas Zacarias, o filme costura elementos da cultura e da arte por meio de uma fabulação conduzida pela voz de um forasteiro — cuja visão é marcada por constantes desencontros com a realidade. Com um discurso preciso, a narrativa articula três temas centrais que se conectam simbolicamente à figura da cabeça de boi, construindo um imaginário potente que dá forma a críticas sociais relevantes.

Dentro dos vestígios simbólicos que compõem a criativa construção narrativa, as contradições de uma cidade tendo o espiritismo como força, um lugar de descobertas paleontológicas e um espaço de referência ao gado, nos levam até surpreendentes constatações no híbrido entre documentário e ficção.

Essa jornada se mostra fascinante, elementos como a dança e até o inventivo uso de inteligência artificial na composição de um personagem narrador preenchem com força as mensagens. Críticas sobre o poder e a riqueza logo se mostram presentes dentro de um peculiar contraponto ligado as raízes culturais da tal cidade, logo alcançando reflexões variadas.

Tendo sua primeira exibição no circuito de festivais brasileiro no Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá – Cinemato – o filme também fora selecionado para o Festival de Gramado deste ano.

 

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Crítica do filme: 'Arame Farpado' [Festival Cinemato]


Selecionado para o Festival de Cinema de Berlim e um dos curtas que mais vai ser exibido em festivais pelo Brasil, Arame Farpado, de Gustavo de Carvalho, nos conduz por uma narrativa repleta de interseções, mantendo um discurso afiado sobre questões sociais e relações humanas. Impressiona a harmonia de cada elemento em cena, especialmente a fotografia belíssima, que potencializa a força das entrelinhas e traduz, com impacto, tudo o que precisa ser captado.

Uma família leva uma vida simples no interior de São Paulo, batalhando diariamente pelo sustento. Tudo muda quando os dois filhos mais novos provocam um acidente em uma área isolada, obrigando a irmã mais velha a conduzir a vítima até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) mais próxima. Já à noite, ao chegar ao local, através de um silêncio ensurdecedor em muitos momentos, começam a revelar, pouco a pouco, os conflitos internos que marcam essa família.

A culpa — e o que fazer com esse sentimento dilacerante — parece ser o centro desse projeto marcante, que mergulha com sensibilidade em camadas profundas das relações familiares e da compaixão. A forma como a história é conduzida é precisa, com elementos que se harmonizam de maneira natural, permitindo que a narrativa flua com força. Pequenos gestos e escolhas sutis vão gradualmente tensionando a trama, sustentando um clímax contínuo que se estende, com intensidade, por quase todos os 21 minutos de projeção.

Com um retrato nu e cru dos desdobramentos do caso e das brechas para recomeçar, o projeto se destaca por sua abordagem direta, dura mas que encontra um abrigo na sensibilidade exposta. A partir de um acontecimento marcante que desencadeia consequências profundas, a narrativa encontra espaço para explorar os conflitos de uma família abalada pela chegada de um novo padrasto. À medida que verdades são reveladas e vividas, a trama ganha contornos de realidade, estabelecendo paralelos sociais que atingem em cheio o público.

Rodado em Paraguaçu Paulista, no distrito de Sapezal, Arame Farpado se firma como um dos melhores curtas-metragens brasileiros exibidos até agora em 2025. Um filme que nos atravessa com emoção, sem deixar de lançar olhares precisos sobre questões importantes. Vale já anotar o nome de Gustavo de Carvalho — um cineasta promissor que merece nossa atenção para os próximos projetos.

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16/07/2025

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Crítica do filme: 'Concerto de Quintal' [Festival Cinemato]


Menos é mais. Traçando sua narrativa rumo a um interessante recorte sobre a cena musical na cidade de Porto Velho, em Rondônia, tendo os diversos sons como elementos marcantes, o longa-metragem Concerto de Quintal usa o impulso de uma certa nostalgia para debater a identidade cultural de uma região. De histórias dos Beatles da beira da estrada, passando pelo rapper da floresta, uma série de relatos costura um panorama diverso.

O pontapé desse pot-pourri sonoro se dá a partir das memórias de uma família, de um músico e do vínculo afetivo com o pai, preservado em antigas fitas cassete. A partir daí, o filme se abre como um leque, revelando uma mistura de ritmos que ajudam a compor a identidade musical da cidade. De quintal em quintal, o discurso vai ganhando camadas, preenchendo lacunas aqui e ali. No entanto, a falta de aprofundamento em alguns momentos gera uma certa desordem na harmonia narrativa, o que acaba impactando o ritmo do filme.

Nessa trajetória que oscila entre momentos imersivos e outros mais superficiais, o filme também provoca reflexões — e até constatações — sobre o cenário musical local, algo intimamente ligado ao recente processo de formação da cidade (Porto Velho completou 110 anos em 2025). Músicos e compositores transformam o abstrato do som em sentidos concretos, com suas histórias abrindo caminhos que atravessam o social, o ambiental e o político.

É uma pena que o projeto siga uma linha reta, sem grandes clímax. Comedido, não chega a explodir. Faltou aquele grande momento para marcar! Ainda assim, mesmo rompendo a bolha do inusitado de maneira quase ingênua — mas eficaz —, o filme lança ao mundo uma rica expressão da cultura local, ramificando-se entre o legado, as curiosidades e até os desabafos sobre políticas públicas que, simplesmente, não alcançam a cidade.

Selecionado para a Mostra de Longas-Metragens do Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá – Cinemato –, Concerto de Quintal , dirigido por Juraci Junior, constrói um vasto retrato de uma região marcada pelo clima tropical superúmido e por sons que ecoam de todas as formas. Aos poucos, esses elementos se entrelaçam, compondo um capítulo vibrante das curiosidades históricas e culturais do nosso país.


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Crítica do filme: 'Benção' [Festival Cinemato]


Histórias que envolvem o elo entre netos e avós — figuras maternas em dobro — sempre carregam uma força especial, ainda mais quando exploradas com sensibilidade no audiovisual. Esse é exatamente o caso do curta-metragem baiano Benção, selecionado para a Mostra de Curtas-metragens do Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá – Cinemato.

Dirigido por Mamirawá e Tainã Pacheco, este singelo e poderoso curta de 11 minutos nos conduz ao reencontro de um jovem com suas raízes. Após ter saído ainda cedo da comunidade onde foi criado, ele retorna já adulto, em uma espera silenciosa para rever sua maior referência de vida: a avó. Nesse retorno, mais do que reencontrar uma pessoa, ele se reconecta com sua identidade e ancestralidade — marcas profundas que o tempo jamais conseguiu apagar.

O sentimento puro em relação aos avós é apenas o primeiro passo de um filme que ultrapassa as fronteiras de sua primeira camada fazendo uma reconexão com a terra, com a família, com ancestrais. Inspirada em uma história real, a narrativa preenche seu minutos com a força de imagens que dizem no olhar, nas entrelinhas pulsantes de sentimentos que parecem em conflito mas na verdade estão voltando a se alinhar.

Sem espaço para um aprofundamento mais amplo da relação, o projeto segue por uma estrada em linha reta rumo à própria história e raízes, deixando lacunas intencionais sobre o antes e o depois. Essas ausências, longe de afastar, acabam aproximando ainda mais o público da jornada apresentada. Fica uma vontade danada de mergulhar mais fundo e conhecer tudo o que há por trás dessa história.

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