Tendo como protagonista um dos rostos mais emblemáticos do cinema francês contemporâneo — Juliette Binoche — ao lado de atores e atrizes sem experiência profissional, o longa-metragem francês Entre Dois Mundos nos mostra uma observadora dos fatos que se apresentam, que quis viver o próprio tema da sua obra. Indicada ao prêmio César de Melhor Atriz por essa atuação, Binoche interpreta uma personagem envolta em inverdades que logo se vê próxima das histórias que encontra, se colocando de frente com dilemas éticos e a morais.
Dirigido pelo cineasta francês Emmanuel Carrère e baseado no livro de não-ficção Le Quai de Ouistreham, da jornalista Florence Aubenas, o filme constrói-se gradualmente a partir das
descobertas de uma escritora que se envolve de forma íntima em uma investigação
sobre as condições de trabalho no norte da França. Aos poucos somos
apresentados as dificuldades enfrentadas por trabalhadores precarizados — também,
a escassez de oportunidades, a exploração da força trabalhista de classe baixa.
Logo, o cenário se amplia, com reflexões além de uma França atual, se
expandindo para um recorte geral europeu.
Ambientado na região da Normandia, em Entre Dois Mundos conhecemos a escritora Marianne Winckler (Juliette Binoche) que para seu novo
trabalho, resolve abandonar um tempo sua vida em Paris e desembarcar na cidade
de Caen. Lá, busca escrever sua nova obra baseada na experiência de viver como
auxiliar de serviços gerais, escondendo sua identidade. Ao longo desse período,
faz amizades com trabalhadoras que vivem de frente com a exploração da classe
trabalhadora e começa a passar por conflitos pela proximidade que chega em
laços que vai construindo.
A sensação de não existir em contraponto ao egoísmo na
necessidade do ofício. Dentro de conflitos que se estendem ao longo dos pouco
mais de 100 minutos de projeção, vai sendo construindo um alicerce rico cheio de
críticas sociais mas onde a paciência é parte da experiência, tudo chega com um
ritmo desacelerado, resgatando o que poderia ficar na entrelinha. A fluidez
para devolver esses conflitos que se amontoam é um dos pontos altos desse
longa-metragem que roda festivais pelo mundo desde 2021.
A partir de uma inesperada enxurrada de laços verdadeiros baseada
em partes de uma mentira, imerso a um egoísmo na necessidade, enxergamos pelos
olhos da protagonista reflexões dentro da ‘vida como ela é’, um pedaço de
vivência distante de suas experiências até ali. É ético? É moral? Há algumas
interpretações quando pensamos sobre o objetivo da personagem principal, com
seu desfecho que encosta no novelesco mas sem perder a força de suas revelações.
Vencedor do Prêmio do Público de Melhor Filme Europeu no
Festival de San Sebastián, Entre Dois
Mundos finalmente chega aos cinemas brasileiros nesse final de maio. Mais
uma atuação competente, num filme com camadas profundas, de uma das mais importantes
artistas do cinema francês.