03/09/2024

Crítica do filme: 'A Hipnose'


Uma sátira mais que certeira sobre a hipocrisia alheia. Buscando fora da caixa sair das mesmices de outros melodramas com pitadas satíricas e ácidas, o longa-metragem sueco A Hipnose caminha pela desconstrução de uma protagonista que estava em crise e nem sabia. Através de linhas de um roteiro ácido, debochado, que diz verdades pelas entrelinhas, somos levados até as verdades de um relacionamento que também esbarra nas hipocrisias culturais de um mundo que busca o real sentido de algo impossível: a normalidade.

Na trama, conhecemos os sócios e namorados Vera (Asta Kamma August) e André (Herbert Nordrum) que estão prestes a conseguir alavancar um importante investimento para o aplicativo que criaram, focado na saúde das mulheres. Em paralelo, buscando parar de fumar, Vera resolve ir até uma hipnoterapeuta, fato esse que mudará sua maneira de enxergar a bolha em que vive e também suas relação sociais, se tornando o estopim para situações em meio a uma viagem de negócios. 

Os deslizes da moral são vistos aos montes, aqui muitas vezes camuflados por atitudes e ações fora do padrão estabelecido por uma cultura que preza pelo capitalismo e esquece das simplicidades das relações humanas. Esse enorme experimento social, entre seus muitos méritos, possui uma trilha sonora bem encaixada complementar a uma narrativa envolvente que de forma certeira e contundente prende a atenção dos espectadores.

Escrito e dirigido por Ernst De Geer, A Hipnose nos faz pensar sobre um mundo que corre num paralelo onde muitas vezes não o enxergamos. A partir de dois personagens em conflitos que se sucedem, dentro da relação estabelecida de namorados e sócios, acompanhamos com muita atenção e curiosidade uma disputa com tons cômicos, guiado pelo constrangimento onde logo se chega as novas maneiras de pensar e agir. Esse mar de desconstruções é o ponto alto desse longa-metragem disponível na Mubi.


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Crítica do filme: 'Todo o Silêncio'


Daqueles filmes que precisam serem descobertos. Dirigido por Diego del Rio, o longa-metragem Todo o Silêncio explora com maestria a angústia e as camadas que se juntam a partir desse sentimento, tendo como força motora um recurso muito bem utilizado, o silêncio, fato esse que ganha inúmeras possibilidades dentro do contemplar e refletir através das infinidades da linguagem.

Na trama, conhecemos Miriam (Adriana Llabres), filha de pais surdos que trabalha como professora de libras em uma escola. Ela vive uma vida feliz ao lado da namorada Lola (Ludwika Paleta) e investe tempo e dedicação na carreira teatral. Às vésperas de interpretar uma personagem de uma peça de Tchekhov, após uma consulta médica, descobre estar ficando totalmente surda, fato esse que mudará para sempre sua trajetória e sonhos.

Nosso foco é a protagonista e seus dramas, próxima da surdez desde a infância parece se camuflar entre dois mundos com o impacto da notícia que mudará mais uma vez a forma de enxergar tudo ao seu redor. As artes e seus complementos ganham forma poética, com uma ebulição de sentimentos chegando ao mesmo tempo, em uma narrativa imersiva as dores e nos guiando lentamente para uma desconstrução que flerta a todo instante com o renascer.

Entre amores e amizade, antes prestes a realizar sonhos, somos testemunhas de uma rebobinada na vida, onde acompanhamos uma prisão da amargura e desespero tomando conta de cada olhar para fora. Del Rio com bastante delicadeza apresenta essa história com inúmeras pausas para nosso refletir, uma mistura de belas imagens que personificam as raízes dos problemas chegando até uma exposição da emoção muitas vezes difícil de encaixar na tela. Belíssimo filme mexicano!


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Pausa para uma série: 'Depois do Acidente'


Quando a dor vira obsessão. Vou te contar agora de um seriado que chegou ao Top 1 da Netflix rapidamente e nos mostra as consequências de um acidente inusitado, com um pula pula, fato esse que escancara as verdades de muitos envolvidos. Dividido em 10 episódios, Depois do Acidente, seriado mexicano disponível na Netflix possui um discurso que segue para seus desenrolares entre o ódio e a culpa jogando num tabuleiro de traições, ganância, poder e inconsequências personagens com o emocional em desequilíbrio onde o certo e o errado se tornam pontos com várias interpretações.

Na trama, conhecemos algumas famílias de classe alta que se reúnem para o aniversário do filho de um deles. A principal delas, é formado por Dani (Ana Claudia Talancón) e Emiliano (Sebastián Martínez), uma policial e um empresário/advogado prestes a ficar milionário por conta de um investimento valoroso. Durante o evento, um terrível acidente com um pula pula mal instalado acaba deixando mortos e feridos. Após o ocorrido, o personagens embarcam em busca dos culpados o que desencadeia uma série de consequências com outras subtramas que correm em paralelo.

Escrita pelo jornalista venezuelano Leonardo Padrón, autor de algumas novelas de sucesso, Depois do Acidente joga na tela hipocrisias sociais ao mesmo tempo que caminha pelo luto e as camadas da imoralidade. Sem muitos ganchos entre um capítulo e outro, parte da agonia de seus muitos personagens apresentando uma trama ampla com muitas variáveis que algumas vezes se embola. É aquela questão de querer apresentar muitos fatos e suas profundidades mas alguns ficam apenas na superfície, o que acaba esbarra em personagens engolidos por outros.

Entre bons e medianos episódios, nessa primeira temporada vemos, com um ar novelesco, subtramas dominando o contexto principal, fato esse que se torna uma ponte importante para conhecermos melhor alguns intrigantes personagens e seu caráter duvidoso. De um lado a turma do ódio, guiados totalmente e muitas vezes de forma inconsequente por esse sentimento que não e desgruda. Do outro, a turma da culpa, representados na maior parte do tempo pelo personagem principal Emiliano (Sebastián Martínez). Não deixa de ser uma fórmula de bolo que acaba dando certo.

Depois do Acidente é um drama com pitadas de suspense mas sem muitos mistérios, aposta suas fichas no jogo de interesses entre os envolvidos para prender a atenção do público. Aponta seus holofotes um monte de situações enroladas que vão desde os deslizes da imprensa atrás do sensacionalismo, a maldade personificada por um clássico vilão, até as derrapadas do caráter e da honra aliada a uma ganância viciosa.  


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30/08/2024

Crítica do filme: 'Príncipes Perigosos'


Os longas-metragens mexicanos vem ganhando a atenção dos cinéfilos a partir da chegada dos streamings com toda força nos nossos lares, títulos que nem imaginávamos chegar por aqui agora estão constantemente disponíveis. Esse é o caso do forte e pretencioso Príncipes Perigosos, novo filme disponível na Netflix. Longe de ser um filme fácil, há algumas camadas, seu discurso se mantém numa busca constante por destrinchar um cenário distante de muitos que gira em torno de uma certa investigação sobre a psiquê humana aliada a um confuso conflito de classes. O projeto dirigido por Humberto Hinojosa Ozcariz nada de braçada, junto a uma narrativa nada atrativa, para imposições de pontos de vistas deixando distante as reflexões que aparecem sem destaque. 

A trama gira em torno de quatro jovens que tem a riqueza sempre rondando suas vidas. Envoltos em uma bolha onde tudo é possível e constantemente mimados, quando não tem absolutamente nada pra fazer se jogam em ações perigosas e violentas onde o dinheiro acaba sendo uma variável importante (por incrível que pareça!). Assim, entre sequestros armados, brincadeiras sem noção, traições, e passando por cima de quem aparece, a tal da consequência aparece através de outros olhares atingidos. 

O chocar ganhar força, se torna uma peça de impulso superlativa. Violento, sangrento, com cenas que beiram ao impactante, o roteiro busca soluções para não ficar refém de fragmentos de histórias que envolvem jovens em uma bolha privilegiada. Mas aí que mora o calcanhar de aquiles mais evidente, quando pensamos num contexto mais amplo, entre esquemas bem distantes de dilemas. A trama se perde num jogo desleal ditado por quem tem mais poder de manipulação e acesso a recursos, se tornando inclusive redundante em muitos momentos. 

A corrupção e a impunidade, pares complementares da falta de caráter ,são alguns dos elementos na montagem de peças emocionais que se juntam a própria condição social que os protagonistas estão imersos. A trama fica em segundo plano, o foco são os personagens que se desenvolvem rumo as instabilidades emocionais. Mas será isso o suficiente pra prender a nossa atenção? Com ações de uns e consequências para outros, que se perde pela obviedade, a narrativa se desenvolve em campos sombrios buscando mostrar uma andança desgovernada pela corda bamba entre a ganância e a não resposta pelos próprios atos.



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17/08/2024

Crítica do filme: 'Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness)


Críticas sociais profundas camufladas pelo Nonsense. Dividido em três pequenas histórias chocantes, girando em torno de um personagem coadjuvante, com pouquíssimo tempo de tela, quase imperceptível, mas que aos mais atentos logo vira um pivô de tudo que acompanhamos, Tipos de Gentileza, novo trabalho do aclamado cineasta grego Yorgos Lanthimos explora o descontrole na desconstrução. Caminhando em cima de um muro, onde de um lado está o controle e o outro a falta dele, o longa-metragem joga na tela hipocrisias de uma sociedade doente com uma lupa para jogos de imoralidades e a adição de um conceito difícil de definir: a prisão no algoritmo humano.

Com destacadas atuações, com protagonistas interpretando mais de um personagem, não podemos deixar de mencionar a vencedora do Oscar Emma Stone, já no seu quarto filme de Lanthimos, além do também indicado a famosa estatueta do cinema, Jesse Plemons. Ambos fabulosos. O segundo, inclusive, vencedor do prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes desse ano por esse papel. Completando o elenco principal, a ótima Margaret Qualley (do elogiado seriado da Netflix, Maid) e o experiente ator norte-americano Willem Dafoe.

Na trama, conhecemos três história. Na primeira, um homem praticamente vivendo uma vida dada pelo chefe resolve romper essa parceria de anos após um pedido absurdo e se vê perdido com o fim desse laço. Na segunda, um policial entra numa espiral de loucura e desconfiança quando sua esposa, sobrevivente de um acidente, volta pra casa. Na terceira, uma mulher, em busca de alguém com habilidades espirituais, que largou a família por conta de uma seita se vê em dúvidas quando é expulsa desse grupo.

Até onde você está disposto a ir quando se vê em dúvidas ou desprotegido da vida que leva? Levantando essa e outras perguntas, além de utilizar elementos na narrativa que logo nos fazem entrar em um clima de tensão, principalmente uma trilha sonora incisiva (assinada pelo britânico Jerskin Fendrix), tendo as linhas do absurdo como sustentação, ao longo de quase três horas de duração, Lanthimos convida o público para refletir sobre indivíduos congelados no desejo de um outro que culminam num show de loucuras com possíveis várias leituras.

A prisão do algoritmo humano, mencionada no primeiro parágrafo, que diz respeito a pessoas completamente influenciáveis que se acomodam em bolhas imersas numa vida onde são marionetes de um alguém ou um sistema, aqui tem representações que vão desde a paranoia até camadas do luto, com o chocar e estradas de humilhações apresentando as consequências. Essa é a tentativa de Lanthimos de mais uma vez impor a reflexão através de um já conhecido  ar de loucura mas que são completamente adaptáveis a realidades por aí.

 

 

 

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12/08/2024

Crítica do filme: 'Emma e as Cores da Vida'


As novas maneiras de enxergar a vida. Vamos falar agora de um longa-metragem italiano, que está escondido no catálogo da Prime Video, Emma e as Cores da Vida. Camuflado de filme romântico, o intenso drama e suas muitas possibilidades de leituras logo se tornam variáveis dentro de um contexto sobre responsabilidades, avançando no olhar de um protagonista cheio de traumas não resolvidos no seu passado que precisa lidar com a chegada do verdadeiro amor. Pode parecer um conto de fadas mas há a tentativa de trazer as reflexões ao mundo real. A acessibilidade, assunto muito importante, ganha espaço através de uma ótima personagem e sua rotina.

Na trama, conhecemos Téo (Adriano Giannini), um publicitário, sedutor, mulherengo, que vive sua vida amorosa sem compromissos com verdades e se relacionando com algumas mulheres ao mesmo tempo e com a mentira fazendo parte de seu cotidiano. Quando conhece a osteopata Emma (Valéria Golino), uma mulher cega que logo o atrai, Téo passará por reflexões sobre a própria vida e questões do seu passado que sempre foram lacunas sem respostas.

Dirigido por Silvio Soldini, o projeto apresenta a desconstrução de um machista, e seus novos olhares. Aqui pode haver um problema nas linhas interpretativas e o espectador segue por alguma das duas estradas, ou embarcamos nas reais mudanças através de um passado sutilmente apresentado ou ficamos presos nos achismos de uma fantasia. Intenso, profundo, reflexivo, a obra contorna as ações e consequências o que afasta qualquer tipo de pretensão.

A acessibilidade ganha os holofotes através de Emma e todo o contorno de sua deficiência visual. Suas batalhas do dia a dia entram em choque através de uma outra personagem, Nadia (Laura Adriani) uma jovem que não aceita sua condição, além das incertezas de um relacionamento com o complicado Téo. Há poesia para demonstrar os conflitos emocionais mas sem esquecer as verdades mundanas. Um dos méritos de Emma e as Cores da Vida é seguir na linha ‘pés no chão’ para tratar sobre o assunto.  

Dando sentido à um flerte com a melancolia, a narrativa se desenvolve de forma dinâmica. Valéria Golino, em grande atuação, é um dos pontos altos do longa-metragem que reproduz crises existenciais, algumas ligadas à falta de compromisso, que se coloca à disposição como oportunidade de mudanças.


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09/08/2024

Crítica do filme: 'Mais Pesado é o Céu'


O abraço nada distante dos sonhos e do pesadelo. A partir de uma jornada visceral com paralelos contemplativos do ser humano e suas dificuldades inseridas aqui num sertão nordestino que abre o leque de nossas observações, o novo longa-metragem do cineasta Petrus Cariry aponta suas janelas de reflexões através de realidades difíceis, abandonadas, em um Brasil onde o sonho e o pesadelo andam de mãos dadas. Mais Pesado é o Céu, e seu visual deslumbrante, filmado de forma impecável, nos mostra elos de correntes que vão desde a brutalidade da violência até a necessidade, dentro de um contexto às margens da sobrevivência. Esse não é um filme fácil, porém extremamente necessário!

Na trama, conhecemos Teresa (Ana Luiza Rios) e Antonio (Matheus Nachtergaele), dois personagens distantes, sozinhos no mundo, que acabam se conhecendo por acaso, ambos em busca de uma nova vida numa outra cidade. A partir desse encontro, e acolhendo uma criança abandonada, os personagens buscarão encontrar soluções para precariedade que flerta com suas rotinas, dependendo de quando a sorte voltará a sorrir. Mas o que será o suficiente para um é o mesmo que para o outro?

Um dos méritos do roteiro é atravessar muitos olhares para uma mesma obra. Pelas estradas da vida, através de nômades atrás de sonhos distantes, o longa-metragem abre suas reflexões em um leque angustiante onde o final feliz se torna cada vez mais longe em um túnel de angústia e desespero. Assim, percorrendo o presente dos protagonistas, e com uma narrativa afiada onde as imagens dizem muito pelas entrelinhas, chegamos em escolhas complexas, num olhar frio mas também acolhedor sobre a maternidade, nas várias formas de agonia, no machismo sempre presente, no lidar com as esferas de um desespero que insiste em não dar descanso.

A construção de um relacionamento familiar, um núcleo que aqui chega de uma forma ao acaso, acaba sendo um dos pilares para o desenrolar das ações e consequências que se mostram nítidas e viscerais principalmente quando pensamos sobre a necessidade de recursos para ao menos sobreviver. Nos desabafos, em ótimos diálogos, os protagonistas ganham contornos de contrapontos mesmo inseridos na mesma realidade. Assim, as saudades de outrora se misturam com um presente perdido onde as desilusões se tornam um zumbido diário incessante abrindo também camadas emocionais pelas maneiras de enxergar realidades com soluções intricadas.

Exibido em muitos festivais no Brasil e pelo mundo, Mais Pesado é o Céu diz muitas verdades através da infinidade criativa que uma obra audiovisual proporciona, um filme com assuntos universais que aqui ganham moldes de realidades nuas e cruas não se desprendendo de crises que despejam desencantos em vários cantos.

 

 

 

 

 

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27/07/2024

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Crítica do fime: 'Passagrana' [Bonito CineSur 2024]


A arte da mentira abraçando sonhos e a sobrevivência. Com pré-estreia nacional no Bonito CineSur 2024, o longa-metragem do ator, roteirista e diretor Ravel Cabral nos joga para um universo de conflitos sociais, através do olhar de alguns jovens que se viram com suas malandragens pelas ruas de São Paulo, onde os sonhos e a sobrevivência se chocam através de um cotidiano onde a ousadia vira uma marca. Honesto em sua proposta, um ‘heist movie’ adaptado para as realidades brasileiras, o roteiro deixa se levar nessa correnteza de possibilidades se tornando divertido e empolgante. Sem muitas derrapagens em clichês, o projeto atravessa os conflitos emocionais com o brilho dos carismáticos personagens.

Na trama, conhecemos Zoinhu (Wesley Guimarães), Linguinha (Juan Queiroz), Mãodelo (Elzio Vieira) e Alãodelom (Wenry Bueno), um grupo de amigos muito unidos que vivem de pequenos golpes pelas ruas da maior cidade brasileira. Após serem obrigados a pagar uma dívida com um policial corrupto (interpretado pelo excelente Caco Ciocler), aos trancos e barrancos, resolvem bolar um mirabolante plano para assaltar um banco. Durante esse processo, alguns deles passam por reflexões sobre sonhos e a própria vida.

Desde 2017 com uma prévia do roteiro já pronta, Ravel buscou reunir a partir de uma ideia todo um contexto adaptado para a realidade brasileira. Mesmo com uma primeira parte que pode soar um pouco confusa, o filme logo encontra seu norte. Nessa espécie de Onze Homens e um Segredo sem as cifras da ficção e realidade da obra hollywoodiana, percebemos um interessante uso da linguagem que conta com um apoio que se torna a cereja do bolo: uma trilha sonora que vira um elemento de destaque, fundamental para o dinamismo das ações que se sucedem no clímax.

Imersos na criminalidade, os quatro amigos se deparam com o ‘Furo da bolha’ onde se encontram. Essa jornada, que apresenta com simpatia esses anti-heróis mais no sentido de atos moralmente questionáveis, é nos levada até os sonhos, o primeiro amor, onde ganha destaque o personagem Zoinhu, a grande mente pensante por trás da tentativa de assalto a banco com ares cinematográficos.

Pegando gancho nessa última frase, dentro do conceito visto no discurso, imerso na arte da mentira e da malandragem, vemos o uso da metalinguagem aplicada de forma muito criativa que geram muitas cenas com a ironia em destaque. Além disso, o roteiro explora as desigualdades sociais de forma objetiva: as faltas de oportunidades, os sonhos distantes, até mesmo a polícia corrupta são jogados num liquidificador de dilemas.

Essa co-produção entre selos da The Walt Disney Company, que teve 25 diárias de gravações, estreia nos cinemas brasileiros no dia 19 de setembro e tempos depois na Disney Plus. Com um desfecho aberto, a probabilidade de uma segunda jornada dessa turma carismática é mais do que possível, é necessária!

 

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Crítica do filme: 'Neirud' [Bonito CineSur 2024]


Onde está o passado que alguns não esquecem? A partir de um resgate sobre os tempos circenses da própria família, a cineasta Fernanda Faya, em seu primeiro longa-metragem da carreira, nos leva até décadas atrás, com o tempo sendo uma mola propulsora de uma narrativa, com o objetivo de documentar uma história muito próxima que se apresenta aos poucos através do que não tem mas existe. A partir de um vazio, de uma perda, chega-se em memórias recém descobertas através de personagens que sempre estiveram muito próximos dela.

Selecionado para a Mostra Competitiva Filme Sul-Americano de Longa-Metragem do Bonito CineSur 2024, Neirud começa pelas primeiras lembranças, até mesmo de uma personificação da heroína e aqui chegamos num dos alicerces da história, uma misteriosa tia chamada Neirud e seu passado escondido. Através de revelações nunca ditas, onde muitas vezes parece se sentir nômade da própria história, a cineasta, numa espécie de diário de descobertas, adiciona de forma inteligente outros protagonismos dentro das narrativas familiares, principalmente quando encontra novas verdades através dos diálogos com o pai. O desenrolar em cena, se junta a tudo que se encontra de material, fotos, vídeos, cartazes e até mesmo reproduções de lembranças quando criança. Nesse ponto, a narrativa se arrisca em transformar a diretora narradora num protagonismo que desconversa com o discurso proposto no arco introdutório.

Assim, com algumas mudanças de direção mas não um carro desgovernado, o documentário embarca para uma forte contextualização que vai encontrar muitas questões que se abrem em camadas, algumas de forma profundas, outras ficam pela superfície mas que um olhar mais detalhista alcança mais reflexões. Se cerca também de contextos de um Brasil em ebulição entre as décadas de 60 e final dos 80 para imersar ao passado circense, onde chegamos na luta livre feminina, aqui com relatos de perseguições e preconceitos, evento esse que tinha sua tia Neirud como total protagonista. Dentro desse universo, que vai aos poucos ganhando a atenção do público, chegamos em outro ponto explorado, a descoberta de um amor.

Ganhador do prêmio de melhor roteiro no Festival Mix Brasil e vencedor do prêmio de melhor filme no Festival Internacional de Curitiba (Olhar de Cinema), uma das certezas que ficam sobre esse documentário brasileiro é que ele abre um leque de possibilidades para entendimentos e reflexões. Gera bons debates! Essa exposição de histórias de sua família aos diversos ‘observar dos outros’, não deixa de ser um ato de coragem de uma cineasta que em seu primeiro projeto opta por uma forma de dialogar através de uma imaginário diário que vai preenchendo com as surpreendentes revelações que encontra pelo caminho.

 


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Crítica do filme: 'Las Fieras' [Bonito CineSur 2024]


O passo a passo que precede o esporro. Com uma construção lenta, proposital, que apresenta um local e todo seu alcance, palco esse de uma certeza para um conflito, o longa-metragem argentino As Feras (Las Fieras, no original), dirigido pelo cineasta Juan Agustín Flores, joga um curioso olhar para as dúvidas e incertezas de personagens. Essa imersão gradativa ao campo abstrato de sentimentos obsessivos, de forma contemplativa, requer a atenção do espectador que pode ser fisgado ou não pela obviedade do desfecho.

Na trama, ambientada na parte da Argentina na região da Patagônia, conhecemos o casal Clara (Mariana Anghileri) e Julián (Andrés Ciavaglia), que resolvem fazer uma viagem até as terras do pai do primeiro já que o mesmo está em estado terminal. A questão que se soma é a de que algumas questões mal resolvidas pelo dono daquelas terras acabam explodindo em Julián, o levando para um provável dilema e relações conturbadas, distantes e inconsequentes com os funcionários do pai.

Em seus curtos 75 minutos de projeção, somos guiados por uma narrativa que dá pistas dos próximos passos mas que demora a acontecer. Muito bem filmado, encaixa-se no quadro e na composição das cenas, cores que levam o público até um clima de drama que surfa num suspense. Mas acontece uma situação inusitada, o trunfo e o calcanhar de aquiles são o mesmo elemento, o tempo de absorção de uma situação em iminente conflito.

Aqui, a graça é entender e refletir sobre os meios que se seguem até os conflitos. Longe de ser um filme descartável, o projeto encontra um clímax quase constante através dos deslizes dos acoados, ampliando assim o leque reflexivo através dos personagens, que mesmo não tendo um profundo desenvolvimento, chegam até o ponto para entendermos razões e emoções que se seguem.

Selecionado para a Mostra Competitiva Filmes Sul-Americanos de Longa-Metragem do Bonito CineSur 2024, As Feras mostra o passo a passo para um caminhar até o precipício e a amargura de um labirinto social.


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