Continuando nossa pesquisa do ICGE (‘Instituto Cinéfilo de Geografia e Emoções’) para refletirmos sobre filmes que abordam a temática ‘Pais e Filhos’ das mais diversas formas. Com trajetórias percorridas, profundas ou não, conseguimos extrair um pouco das mensagens de cada um dos variados 13 filmes dessa quarta parte de nossa jornada. Nessa, temos filmes de Luxemburgo, Japão, Itália, EUA, Austrália, Brasil, Espanha, China, Austrália, França e Dinamarca. Vamos a ela:
Barrage (Luxemburgo)
Como percorrer 10 anos em alguns
dias? Buscando responder a essa e a muitas outras perguntas, Barrage, dirigido pela cineasta de Luxemburgo Laura Schroeder (em seu segundo longa-metragem) é
um recorte de uma mãe e sua tentativa de recuperar anos perdidos na criação e
afeto da filha. O ritmo é lento, sem muitas informações sobre o passado da
protagonista, vamos pela dedução de acordo com as migalhas de memórias que nos
apresentam o roteiro. Há um paralelo interessante entre o jogo de tênis
(assunto que mãe e filha possuem em comum) e a maternidade, sobre a questão
existencial da ‘obrigação x pelo amor’. O projeto conta com a participação
especial da fabulosa atriz francesa Isabelle Huppert.
Na trama,
conhecemos Catherine (Lolita Chammah), uma mulher que
possui abalos psicológicos ligados a seu passado e volta após dez anos morando
na Suíça a frequentar a mesma cidade de sua filha Alba (Themis Pauwels), que fora criada e mora com sua avó
materna Elisabeth (Isabelle Huppert). Buscando essa
reaproximação, mãe e filha embarcam em uma jornada de mágoas e ressentimentos
sobre tudo que não viveram.
Co-produzido
por Luxemburgo, Bélgica e França, o projeto explora em pouco mais de 100
minutos, uma dupla ótica, que é a grande sacada do roteiro. Com seu primeiro
ato tenso e sem muitas informações, percebemos as dificuldades iniciais de
Catherine de se entender minimamente com a filha. Há um divisor de águas nessa
relação, que começa muito distante, logo nesse arco inicial. Contando histórias
de sua família pela sua visão, Catherine embarca com Alba em uma viagem pelas
emoções que foram vividas separadamente durante todos esses tempos. Já que as
memórias acabam machucando muito, há algumas cenas sem diálogos, onde o olhar
diz bastante.
Barrage é
mais um filme que explora relacionamentos entre pais e filhos. O final aberto
deixa margens para interpretações: será que elas algum dia vão se entender?
Será que elas já se entenderam?
Três
Solteirões e um Bebê (EUA)
Há mais de 30 anos atrás, uma
comédia atemporal e que transpira carisma chegava a vista dos cinéfilos.
Dirigido pelo eterno Spock, Leonard Nimoy (sim, ele mesmo!), Três Solteirões e um Bebê fala de forma leve e
engraçada sobre a paternidade na visão de três adeptos do ‘solteirismo’ que
precisam readequar suas vidas quando um bebê de poucos meses é deixando na
porta de onde moram. Disponível no streaming Disney+ (assim como sua
continuação), o longa-metragem de enorme sucesso é protagonizado pelos ótimos Tom Selleck, Steve Guttenberg e Ted Danson. A trilha sonora, com a música
chiclete Bad Boy, segundo single lançado pela banda
americana Miami Sound Machine liderada
por Gloria Estefan, é excelente.
Na trama,
conhecemos três amigos muito bem sucedidos que moram em uma cobertura em Nova
Iorque. Peter (Tom Selleck) é arquiteto, Michael (Steve Guttenberg) é desenhista e Jack (Ted Danson) é ator, todos eles são adeptos da vida boa
e cultivam sua solteirice como modalidade de vida. Tudo muda quando um bebê é
encontrado na porta da casa deles dizendo ser filha de Jack. Como o papai
viajou para a Turquia para rodar um filme, Michael e Peter precisarão passar
dias muito intensos, confusos e engraçados tentando cuidar da nova hóspede.
O foco
principal é a paternidade em uma visão muito bem elaborada dentro de um roteiro
simples onde a própria história ganha seu brilho através das lentes de Nimoy. Os personagens são ótimos, se encaixam com
perfeição dentro de um contexto importante para a época mas a história não
deixa de ser atemporal mesmo após mais de três décadas. O relacionamento pais e
filhos pode ser mostrado de muitas formas, Três solteirões e um Bebê nos
apresenta uma forma muito descontraída que o amor de quem
cuida é o que vale no final das contas.
Verão Feliz (Japão)
Quando a tristeza pela decepção
encontra as metáforas da vida. Indicado à Palma de Ouro em Cannes em um ano que
tinha como concorrentes Almodóvar, Lynch, irmãos
Dardenne, Greenaway, Manoel de OLiveira, Jarmusch, Sokurov, Egoyan, Bellocchio entre
outros, Verão Feliz mostra a saga de um homem sem trabalho
e um garoto criado pela avó que, quase sem direção, e contando com a ajuda além
de caronas de desconhecidos, embarcam em uma aventura à procura da mãe do
garoto que levarão na memória por toda uma vida. Contendo a força da delicadeza
em todas as esferas, Takeshi Kitano, que
escreve e dirige esse lindo trabalho, consegue encher de emoções e alguns risos
as duas horas de projeção. Poucos são os diretores que com bastante sutileza
nos mostram emoções com suas lentes.
Na trama,
conhecemos Masao (Yusuke Sekiguchi) um triste menino,
de olhar para baixo, que está sem amigos para brincar durante as férias. Ele é
criado desde sempre pela sua avó já que sua mãe nunca aparece pois trabalha em
uma outra cidade para poder sustentar ele. Certo dia, Masao resolve ir atrás de
sua mãe e para isso vai contar com a inusitada ajuda de um amigo de sua avó,
Kikujiro (Takeshi Kitano) um homem que vive seus dias sem muitos
objetivos ao lado da esposa (Kayoko Kishimoto). Assim, passando por diversas situações, ambos
embarcam em uma saga à procura da mãe do menino.
Exibido no
Festival do RJ e na Mostra de SP em um ano antes da chegada dos anos 2000, com
planos longos e definindo arcos mostrados na tela, acompanhamos a junção
equilibrada de um profundo mundo das emoções e situações de riso fácil, o drama
e a comédia. Kitano fora conhecido no início de carreira pelos seus trabalhos
como comediante e joga na tela todo seu talento além de mostrar uma grande
habilidade em trabalhar os sentimentos principalmente na parte dramática do
projeto.
Podemos
enxergar esse lindo filme por duas perspectivas, a do menino que se protege da
realidade dentro dos sonhos que são compostos por pessoas ou situações que
encontra pelo caminho, ou do homem desajustado, trambiqueiro, no início nada
simpático, que com uma transformação pura e bonita se torna uma referência para
alguém que ele nunca imaginou. Ambos os personagens, nos brindam com uma
história que irão contar por toda uma vida.
Bænken
(Dinamarca)
Até aonde vai à redenção de alguém
que pensara em não ter mais nada a perder? No início dos anos 2000, lançou-se
na Dinamarca o longa-metragem Bænken que
nunca pousou por aqui. O filme, escrito (Kim Leona também
assina o roteiro) e dirigido pelo cineasta Per Fly conta a trajetória dura sobre um
homem sem destino que achava que estava sozinho no mundo mas acaba indo buscar
algum tipo de redenção quando encontra de maneira inesperada a filha que não
via faz 19 anos. Tocando em muitos pontos polêmicos sobre alcoolismo, abandono
e assistência social, o projeto se torna aos poucos reflexivo drama sobre
escolhas da vida.
Na trama,
conhecemos Kaj (Jesper Christensen), um rabugento
alcóolatra na fase final de sua vida que vive gastando seu dinheiro de trabalho
com cerveja. Sem ter mais ambições na vida e tratando mal a todos ao seu redor,
acaba sendo surpreendido pela chegada de Liv (Stine Holm Joensen)
e Jonas, mãe e filho que buscam abrigo no condomínio de apartamentos onde Kaj
mora, mas especificamente no apartamento de um frustrado e lunático escritor.
Um curto tempo depois, Kaj descobre que Liv é sua filha que não via a quase
duas décadas e assim embarca em uma tentativa de jornada de redenção,
principalmente, protegendo sua filha e neto do ex-companheiro de Liv e pai de
Jonas, um homem ciumento e violento.
As lacunas
à preencher após a chegada da dor na consciência. Completamente perdido em sua
mesmice, o protagonista sofre com o alcoolismo, uma fuga sempre que não
consegue enfrentar o mundo que construiu ao seu redor. As mudanças que chegam
em sua vida acabam trazendo memórias perdidas/esquecidas que acabam se
reativando por conta dos erros do passado cometidos por ele. Não sabendo lidar
com a situação imposta pelo destino, busca se redescobrir como ser humano de
maneira simples e objetiva, contando inclusive com a ajuda de alguns que pensas
ser amigo. Tocando em assuntos delicados como a violência contra a mulher, a
falta de assistência dos governos para determinadas situações emergenciais que
muitos sofrem por aí, a trajetória do bom projeto se encaixa em sua essência
como um profundo drama sobre relacionamentos entre pais e filhos.
Pieces of a
Woman (EUA)
Quando os sentimentos viram uma
série de portas fechadas. Com um abre alas angustiante, antes do título
aparecer na tela, onde não conseguimos tirar os olhos das ações que
acontecem Pieces of a Woman é um
poderoso drama que mostra desenrolares da vida de um jovem casal e os passos
seguintes que precisam caminhar durante o luto. Dirigido pelo cineasta
húngaro Kornél Mundruczó e com roteiro assinado por Kata Wéber, o filme, disponível no catálogo da Netflix,
é um dos mais badalados projetos desse ano: merecidamente! É tenso, polêmico,
excelente para reflexão. Poderosas interpretações, personagem principal
interpretada magistralmente pela atriz britânica Vanessa Kirby, um roteiro com bastante profundidade e
uma excelente direção tornam esse longa-metragem um dos fortes concorrentes a
algumas indicações em categorias do Oscar (inclusive já levou o prêmio de
Melhor Atriz no Festival de Veneza do ano passado).
Na trama,
conhecemos um jovem casal, Sean (Shia Lebouf) e
Martha (Vanessa Kirby) apaixonado e com alta expectativa com a
chegada da primeira filha. Eles optaram por um parto domiciliar, feito por uma
parteira. No dia onde a chegada do bebê se torna iminente, a parteira que faria
o parto não consegue chegar a tempo e uma outra vai no lugar dela. Durante o
processo do parto, uma alta tensão acontece, um nervosismo de todos, pai, mãe e
parteira. Infelizmente uma tragédia acontece. Nos meses após o corrido, a
maneira como o casal lida com a terrível tragédia é o que vai moldando a
trajetória desse impactante filme.
Como lidar
com a perda? Os personagens são os grandes motores do filme. Levados ao limite
após a tragédia que acontece em suas vidas, nada vai ser como antes e eles já
sabem disso. Conflitos antes suportáveis, se tornam estopins para discussões ou
intromissões injustas nas escolhas que os dois devem tomar juntos. Sean é um
homem que trabalha com construções e em especial nas pontes, está a seis anos
sóbrio, possui um relacionamento conflitante com a sogra, assim precisa lutar
contra seus demônios após a tragédia. Já Martha é introspectiva, de fala mansa,
de família com mais dinheiro que a do companheiro, mostra um controle na
aparência para os outros mas um descontrolado ninho de sentimentos conflitantes
por dentro após o ocorrido, principalmente lutando contra as interferências de
sua mãe Elizabeth (Ellen Burstyn, em atuação também
digna de aplausos). A habilidade de Mundruczó em
mostrar as entrelinhas através da expressão dos personagens é digna de
aplausos, emocionante em muitos momentos, nos sentimos próximos das dores dos
personagens.
O filme
toca em alguns pontos polêmicos. A questão da comunidade médica vs parteiras e
os dilemas sobre doação de corpos para estudos médicos. As partes jurídicas de
uma dessas questões são colocadas como ferramenta de ‘justiça’ por Elizabeth,
insensível e intrometida, em muitos momentos. O projeto chega fácil aos
corações dos espectadores, dentre os dilemas e os sofrimentos, vamos tentar
entender como é possível (ou não) reunir peças de uma vida despedaçada.
Babyteeth (Austrália)
O drama comum de alguém que não
querem que se vá. Debutando na direção de longas-metragens, a cineasta Shannon Murphy apresenta ao público seu olhar para
um tema difícil, doloroso, uma doença terrível em uma adolescente e como tudo
muda muito rápido para todos que estão ao redor da corajosa protagonista que
busca em suas ações fugir de rótulos dando lindos e emocionante gritos de
liberdade. O roteiro, assinado pela também debutante em roteiros para
longas-metragens Rita Kalnejais, possui arcos
divididos em situações de encontros e desencontros dos personagens, fator muito
interessante. Babyteeth, made in Austrália,
emociona bastante, principalmente nos últimos 10 minutos com cenas maravilhosas
e inesquecíveis.
Na trama,
conhecemos a jovem Milla (Eliza Scanlen) que
mora em um bairro de classe media com seu pai, o psiquiatra Henry (Ben Mendelsohn) e sua mãe Anna (Essie Davis). Os três, cada um à sua maneira, precisam
enfrentar a doença de Milla que tem um câncer agressivo em evolução. Certo dia,
Milla conhece Moses (Toby Wallace), uma desregulado alma
que acabou a escola, praticamente um nômade que é expulso de casa pela mãe, mas
por quem Milla logo se apaixona. Assim, enfrentando a cada dia uma dura batalha
pela vida mas também para sair de vez do ninho montado pelos pais, a personagem
principal encontra em Moses, um importante companheiro na luta pelas suas
fortes tomadas de decisões.
A
princípio os personagens parecem excêntricos mas é que a troca da apresentação
do filme vai nos confundindo um pouco, muito até para quem nem leu a sinopse.
Mas isso faz parte do ótimo roteiro de Babyteeth, produção australiana
ganhadora de muitos prêmios, que fala sobre a vida de uma jovem, sua visão do
seu entorno e como a doença que tem afeta a todos. Buscando ser quem sempre
quis, começa a tomar decisões que fogem da normalidade que os pais se
acostumaram, vivendo intensamente como se fosse o último dia de sua vida. Os
pais, procuram entender a situação, eles estão em um casamento cheio de amor
mas abalado pela situação da filha. A mãe é medicada pelo pai e vive em crise
constante. O pai também, muitas vezes perdido no seu pensamento se equivoca mas
tenta logo consertar.
Com muitos
assuntos de bem ampla reflexão, ao longo das duas horas de projeção, há espaço
para um ótimo debate sobre o uso de medicamentos controlados para problemas de
todos os tipos. Babyteeth ainda nos brinca com
dez minutos finais arrasadores, com uma força impressionante, de tocar nossos
corações.
Minari (EUA)
Quando rezamos, podemos ver o céu
enquanto dormimos? Exibido em muitos festivais e premiado com os dois
principais prêmios do Festival de Sundance ano passado, Minari fala sobre os poderes da fé e até onde pode
ir um sonho de uma família que enfrenta obstáculos de todos os tipos quando
resolvem se mudar para Arkansas após saírem de uma grande cidade
norte-americana. Escrito e dirigido pelo cineasta norte-americano Lee Isaac Chung o projeto, super badalado pela
crítica internacional, também é um delicado retrato sobre tradições e culturas.
Na trama,
conhecemos Jacob (Steven Yeun) e Monica (Yeri Han), um casal descendentes de coreanos com raízes
nos Estados Unidos que estão de mudanças em busca de sonhos em uma terra de
oportunidades junto com seus dois filhos Anne (Noel Cho) e David (Alan S. Kim), esse último possui um problema no
coração. Chegando lá, as primeiras dificuldades aparecem, a questão da água, da
terra... Jacob tem um grande sonho, de ter um enorme jardim onde cultivará
vegetais coreanos, só que os obstáculos chegam e colocam seu casamento em
risco. Mas a chegada da avó Soonja (Youn Yuh-jung), mãe
de Monica, pode adicionar mais algum tempero positivo ou não para essa
história.
Os
diferentes simbolismos sobre a fé percorrem todo o filme. Podemos exemplificar
as questões na figura do amigo Paul (Will Patton) ou
mesmo na forte influência de Soonja sobre o cotidiano da família. A chegada da
avó coloca em contrapontos valores e tradições, além de comparações sobre o
modo de viver no seu país de origem e nos Estados Unidos. Durante boa parte do
longa, os conflitos entre avó e neto preenchem a tela com muita delicadeza
mostrando todas as etapas desse relacionamento repleto de amor e um pouco de
desconfiança à princípio.
Os
conflitos dos pais sempre chegam aos filhos de alguma forma. Jacob é orgulhoso,
parece sempre estar em uma encruzilhada na qual lida muito mal com o revés, por
mais que seja um amoroso pai e marido. Os irmãos sempre escutam os temas de
discussão dos pais e conversam entre si sobre isso, um processo de
amadurecimento precoce em meio a uma instabilidade emocional que a família
passa, principalmente quando pensamos no universo da incerteza, terreno que o
Jacob mais se encontra.
Lee
Isaac Chung consegue transmitir os sentimentos de diversas
maneiras, da fé à terra, das escolhas ao ponto de interseção entre todos: o
amor.
Felicità (França)
Quantas variáveis existem na
relação entre pais e filhos? Um dos filmes disponíveis no ótimo festival online
e gratuito My French Film Festival desse
ano, Felicità, é um road movie descontraído que nos conta a
saga de uma família de três integrantes, meio nômades, que se mete em diversas
confusões antes do início das aulas da jovem filha do casal. Parece simples e
sem muitas saídas para reflexões mas o projeto consegue avançar a superfície
principalmente quando analisamos o que assistimos pela ótica de Tommy, a jovem
filha. Um trabalho interessante escrito e dirigido por Bruno Merle.
Na trama,
conhecemos o ex-presidiário Tim (Pio Marmaï) e Chloé
(Camille Rutherford), dois jovens sem muitas projeções
na vida que vivem do dinheiro que a segunda recebe trabalhando na limpeza de
casas para uma empresa. Eles tem uma filha, Tommy (Rita Merle), que
acaba embarcando sempre nas loucas aventuras que os pais se metem ao longo dos
dias que antecedem o início das aulas.
Os
absurdos e as peculiaridades que navegam pela história não deixam de serem
ingredientes interessantes para conseguirmos enxergarmos conflitos emocionais
profundos. Um bom exemplo é a curiosidade da filha, e tudo o que sente quando
percebe que seu pai repete os mesmos erros que o levaram para a prisão. As
questões de dúvidas de Chloe quanto ao futuro da família e atabalhoadas
tentativas de viverem uma vida repleta de amor mas longe de um ‘normal’. Tim é
quem possui mais dificuldade em nos fazer refletir sobre suas construções
emocionais, não há exatamente uma desconstrução mas algo é buscado para que
tudo saia como melhor que ontem, mesmo que as velhas inconsequências não
consigam estarem longe de suas ações.
Felicità é
um recorte de uma família que se ama muito mas sempre fica distante de uma
estabilidade. Sempre bom assistir a filmes que
possuam um bom desenvolvimento na temática muitas vezes vistas na telona que é
a relação entre pais e filhos.
Mirador (Brasil)
A roda gigante entre a
responsabilidade e o sonho. Selecionado para a Mostra de Tiradentes 2021, o
longa-metragem Mirador conta a estrada
percorrida por um lutador, em muitos sentidos, que precisa reajustar seu
destino em uma nova jornada de vida pois agora precisa ser o responsável pela
filha em tempo integral após a mãe da criança sumir do mapa. Buscando reflexões
para a situação, parecida com muitos do lado de cá da telona espalhados pelo
Brasil, o projeto dirigido por Bruno Costa é
um drama existencial, profundo em muitos momentos. Belo trabalho, do Paraná
para o Brasil.
Na trama,
conhecemos Michael (Edilson Silva), um rapaz batalhador
de trinta e poucos anos, vindo de Pernambuco para o sul do país anos atrás.
Entre um bico e outro, envolve seu cotidiano juntamente com os treinamentos
para uma eventual competição no Boxe, uma de suas grandes paixões. Ele tem uma
filha chamada Malu. Certo dia, quando a mãe da menina some do mapa, Michael
precisa aprender muitas coisas para criar sua filha.
Um dia a
dia de batalha. O paralelo entre o ringue (boxe) e as duras batalhas da vida é
ótimo, gera reflexões de várias maneiras, dentro do foco: a paternidade. O
protagonista entra em construção muito bonita, após buscar se desconstruir da
figura do pai que só vê a filha as vezes. Com seu cotidiano sendo afetado vemos
uma luta constante dele para dar o seu melhor, sem desistir da vida,
encontrando forças no amor e carinho pela única filha. A situação abandono de
uma criança pela mãe (ou pai) não é fato raro infelizmente, sempre há notícias
sobre o assunto nos noticiários.
As
dificuldades legais na inscrição da creche da filha, problemas com o conselho
tutelar, com quem deixar a criança para ir trabalhar, várias ótimas questões
são levantadas pelo roteiro. Mirador merecia ser visto no cinema com debates
após as sessões. De lição ganhamos que a verdadeira luta do protagonista, um
homem honesto e trabalhador como muitos de nós é vencer a batalha da vida ao
lado de sua filha.
Little Boxes (EUA)
O pré-conceito e o preconceito na
busca pela compreensão ao olhar do próximo. Disponível no catálogo da Netflix, Little Boxes é
um recorte simples e objetivo de uma família inter-racial que se muda de Nova
Iorque para uma cidadezinha do interior de outra cidade norte-americana e precisa
enfrentar todas as diferenças navegando pelos pré-conceitos e com receio dos
preconceitos em uma incógnita parte da sociedade norte-americana. Escrito
por Annie J. Howell e dirigido por Rob Meyer o filme teve exibição no Festival de
Tribeca anos atrás.
Na trama,
conhecemos Gina (Melanie Lynskey) e Mack (Nelsan Ellis), um casal apaixonado que resolve se mudar
para o interior dos Estados Unidos ao lado de seu único filho Clark (Armani Jackson). Gina é fotógrafa e conseguiu um
emprego muito bom no departamento de artes de uma universidade dessa nova
cidade, Mack é escritor e busca inspiração para seus novos textos ligados à
culinária. A vida dos três passará por uma profunda mudança e tentativa de
adaptação nessa nova cidade.
Um dos
pontos interessantes desse filme é a trinca de ótica que consegue definir,
entendemos melhor como essa família se sente individualmente (e também em
conjunto), seu modo de pensar e os porquês de pensamentos defensivos em
determinadas situações que logo surgem nessa nova cidade que se mudam. A mãe é
branca e com o novo emprego na universidade vê sua carreira decolar, Mack é
negro e está infeliz com o desenvolvimento de sua profissão após um livro de
sucesso anteriormente, fica na defensiva sempre quando percebe algum tipo de
pré-conceito em relação a ele ou a sua família. O jovem Clark também está
passando por uma fase de mudanças, conhece outros jovens de sua idade e de
alguma forma tenta conhecer melhor o universo de uma cidade do interior mesmo
que isso gere alguns conflitos dentro de si.
Com menos
de 90 minutos de projeção, essa fita norte-americana também pode ser
considerada um filme sobre relacionamentos entre pais e filhos pois em algumas
situações vemos como os pais tentam entender todas as ações (algumas
inconsequentes) de seu filho. Little Boxes é
bastante inteligente em navegar em cima do cismativo e tentar de alguma forma
descontruir isso através de ótimos diálogos.
King of
Peking (China/Australia/EUA)
Educar é aprender. Colocando em um
liquidificador uma singela homenagem ao mundo mágico do cinema e abordando as
curiosas saídas que um pai consegue encontrar para ter a guarda de seu
filho, King of Peking, dirigido pelo cineasta
australiano Sam Voutas é cômico e
reflexivo. Sem ser tão profundo mas deixando à margem uma dezena de pontos para
pensarmos sobre, se divide em duas vertentes que é a da relação entre pai e
filho e as dificuldades do pai na busca de alguma saída para seus problemas
aproveitando o início do que podemos chamar de entretenimento doméstico na
década de 90 na China.
Nessa
co-produção China, EUA e Austrália, acompanhamos a saga de Wong Pai (Jun Zhao) e Wong Filho (Wang Naixun) em
busca de diversão e felicidade através das confusas ideias do primeiro. Wong
Pai é projecionista e sem ter muito trabalho em um país repleto de crises,
consegue um trabalho como zelador de um enorme cinema e logo em seguida tem a
‘brilhante’ ideia de piratear os filmes que são exibidos nas telonas através de
gravações clandestinas espalhadas pela sala de cinema.
Exibido no
Festival de Tribeca em 2017, King of Peking é
quase uma mistura de alguns filmes dos Trapalhões com
a fita norte-americana Rebobine, Por favor,
só que consegue buscar sua luz própria no embate educacional causado pela
situação do pai e toda a problemática sobre a guarda do filho. De longe, o
ponto de vista mais interessante dentro do às vezes confuso roteiro.
Não é um
filme para se emocionar e sim de riso fácil. Jogando os paradoxos da inconsequência
para o lado cômico, o filme acaba perdendo pausas dramáticas importantes que
somente os mais observadores conseguirão chegar ao ponto de reflexão.
Mais Outro
Filho (Itália)
As eternas lições do aceitar.
Escrito por Mattia Torre e dirigido
por Giuseppe Bonito, Mais Outro Filho, Figli, no original, é um filme italiano que de maneira
hilária aborda as dificuldades inesperadas de um casal apaixonado na chegada do
segundo filho. Há um equilíbrio entre a comédia e o drama, além de hilárias
metáforas em formas de pensamentos muito bem encaixadas que nos fazem entender
melhor os personagens e seus conflitos. A paternidade, a maternidade, os medos
dos pais, suas angústias e dificuldades na criação dos filhos, um ótimo filme
vindo da Itália e disponível na HBO Go.
Na trama,
conhecemos o casal Sara (Paola Cortellesi) e
Nicola (Valerio Mastandrea) que ‘estão grávidos’ pela segunda
vez. Ela uma inspetora sanitária de estabelecimentos, ele um dono de um
frequentado armazém, são surpreendidos pelas dificuldades que enfrentam pois
achavam que seria mais fácil que na primeira gestação. À flor da pele com as
emoções, o casal começa a observar um novo mundo ao redor, inclusive outras
formas de se entenderem em busca de soluções para os conflitos que muito se
devem aos problemas de comunicação entre ambos.
Buscando
soluções em teorias que chegam para eles quando sonham acordados, que vão desde
a criação que tiveram oriunda do modo de pensar de outras gerações até
conversas em sonhos com uma espécie de Deus e hilários ‘saltos para o lado de
fora da janela’ quando querem sumir das discussões que os rodeiam. Exaustos
emocionalmente tem ótimas cenas com a pediatra ‘guru’. O filme pode ser
considerado uma grande análise sobre o universo que rodeia a mente dos pais com
a chegada de uma nova criança a uma família. Várias situações eles enfrentam na
tentativa de encontrarem ajuda: seja com os sogros, na busca pela babá
perfeita, os conselhos dos amigos, as idas na caríssima pediatra, tudo é
composto por um humor agradável que geram risos mesmo nas reflexões mais
sérias.
Com ótimas
sacadas, como a troca do choro por melodia do Beethoven, Mais Outro Filho é um dos bons filmes lançados em
2020 que falam sobre o universo de pais e filhos.
Thi Mai (Espanha)
Até aonde vai o amor de uma mãe na
busca pelas concretizações dos desejos de uma filha que não está mais por
perto? Escrito pela roteirista Marta Sánchez e
dirigido pela cineasta Patricia Ferreira, o
longa-metragem espanhol Thi Mai consegue
mesclar com muita objetividade as superfícies de momentos cômicos com uma profundidade
elegante para falar sobre luto e desejos não realizados. Camuflado de filme
água com açúcar, o projeto é sobre a renovação de algum sentido na vida de uma
mulher na terceira idade após uma perda terrível. Disponível no catálogo
da Netflix.
Na trama,
conhecemos a comerciante Carmen (Carmen Machi) que
vive seus dias ao lado do marido Javier (Pedro Casablanc)
gerenciando uma loja de materiais de construção e pequenos reparos. Certo dia,
recebe a terrível notícia do falecimento da filha, que mora na capital, depois
de um acidente de carro. Tentando entender os rumos do destino, acaba
descobrindo que o processo de adoção que sua filha iniciou para adotar uma
criança no Vietnã foi concluído e assim resolve partir para Hanói ao lado das
inseparáveis amigas Rosa (Adriana Ozores) e
Elvira (Aitana Sánchez-Gijón).
Há uma
certa poesia acoplada na ótica da perda, do luto. O contraponto de uma nova
vida depois de um trágico acontecimento em uma família acaba se tornando
complementar para aliviar as dores que o destino causou. Colocando uma lupa
sobre o processo de adoção internacional, onde famílias mundo à fora buscam
mais a cada ano, (principalmente na figura do personagem de Eric Nguyen, Dan), entendemos os lados dessa jornada
através também dos profissionais que organizam a burocracia e acompanham todo o
processo.
Com
direito a belas paisagens, situações a lá filmes da sessão da tarde, diálogos
inusitados e pra lá de engraçados, ótimo espaço para coadjuvantes brilharem em
suas respectivas subtramas, Thi Mai é uma
ótima surpresa no catálogo da mais famosa rede de streamings disponível no
Brasil.