04/11/2024

Crítica do filme: 'O Que Tiver que Ser'


Quais as lições que aprendemos em meio ao caos? Por dentro de emoções sobre as verdades doloridas de um presente incerto, o filme O Que Tiver que Ser, abraça o labirinto angustiante da melancolia mostrando versões de um sufocar que encontram as reconexões através do mais forte dos sentimentos. Escrito, dirigido e protagonizado pela artista sueca Josephine Bornebusch, essa produção europeia, lançada sem grande divulgação pela Netflix, é um grande achado que logo chegou ao Top 3 da plataforma. Um recorte maduro sobre relacionamentos.

Na trama conhecemos o casal Stella (Josephine Bornebusch) e Gustav (Pål Sverre Hagen) que estão em um relacionamento de anos, já em ruínas. Ela uma mulher amargurada pelo rumo do seu casamento com uma notícia que esconde da família, ele um psicólogo que deixou faz tempo de ser presente como pai e marido. Juntos embarcam em uma viagem para acompanhar a filha adolescente Anna (Sigrid Johnson) numa competição de pole dance. Durante esse tempo, aprenderão mais uns sobre os outros e dilemas aparecerão, principalmente por conta do segredo que Stella esconde de todos.

Comovente e destrinchando seu discurso de forma profunda, o roteiro estabiliza no seu recorte sobre esse relacionamento em crise abrindo um leque de camadas que chegam forte na emoção. A narrativa busca complementos nas imagens e movimentos para enfatizar os fortes e conflituosos sentimentos que surgem a cada nova descoberta. Percebemos um olhar profundo para o contraste entre o controle e o descontrole, elementos frequentes nessa gangorra de situações. Os diálogos, alguns bem intensos, provocam as reflexões através do desencontro e de conflitos por todos os lados.  

Quais as lições que aprendemos em meio ao caos? Essa é uma pergunta que chega com força, principalmente para quem consegue se aproximar bastante do que é visto. Relacionamentos não são fáceis, isso é uma questão que sempre gera boas considerações. Em O Que Tiver que Ser, as respostas chegam por meio de desconstruções, do baixar a guarda para o diálogo, no cair da ficha sobre prioridades da vida. Um dos méritos da produção é ampliar esse novo renascer para os relacionamentos através de todos os personagens que compõem essa família.


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31/10/2024

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Pausa para uma série: 'Assassino Zen'


As formas de lidar com o cotidiano. Sentimentos que nós seres humanos julgamos ser conflitantes, como: a raiva, o medo, a insegurança, se tornam elementos centrais dos oito excelentes episódios de Assassino Zen, produção alemã disponível na Netflix. Com uma narrativa dinâmica, usando - sem abusar - da quebra da quarta parede, esse projeto mostra a desconstrução de um protagonista, na corda bamba da moral e da ética, sendo parte de um contexto curioso onde lições em meio ao caos vem de encontro a muitas considerações existenciais.

Na trama, conhecemos o advogado Björn Diemel (Tom Schilling) que trabalha em um grande escritório de advocacia na função de liberar bandidos para um chefão local. Infeliz no trabalho, com dificuldades em reestruturar os laços afetivos da própria família, vive seu cotidiano com a corda no pescoço. Tudo isso muda quando resolve fazer um intensivão num curso de ‘atenção plena’ com um guru que lhe entrega saídas para momentos difíceis. Assim, colocando em prática tudo que aprendeu, se envolve em uma série de situações conflitantes a partir da morte de um famoso criminoso, cliente dele.

Fazer coisas boas para pessoas ruins. Esse, que é o gatilho do personagem principal não deixa de ser um reforço da premissa de um roteiro que transborda observações sobre as Inter-relações dentro do sentido da mutualidade. Longe de buscar explicações simplórias, nos joga numa corrente de comportamentos, de pensamentos, através de um escancarado paralelo nas derrapadas da psiquê humana, num choque de interpretações entre o consciente e o inconsciente. São brilhantes as conexões que surgem, sempre tendo como foco principal o estalo na vida de seu protagonista.

Aqui acontece o caso da narrativa sendo fielmente ao proposto pelo discurso. E com uma importante contribuição, a da criatividade. Com a maioria dos episódios – com cerca de 35 minutos de duração cada um – vemos o depois e voltamos ao antes, um flashback em forma de rebobinada que cria um ritmo intenso, além de reviravoltas realmente inesperadas. A cereja do bolo é a quebra da quarta parede de forma inteligente, lúcida, e que nos ajudam a entender melhor todas as camadas de um personagem fascinante. Uma aula de atuação de Tom Schilling.

Como lidar com o tempo? Como equilibrar a atenção entre trabalho e família? Um ponto como âncora nos momentos de pânico, o controle da raiva, as ilhas de tempo, a atenção ao que geralmente não se percebe. Passando por incertezas, e certezas com novos significados, dentro de uma nova forma de enxergar o que sempre esteve na frente, as consequências ganham contornos sombrios pelas ações duvidosas que se seguem. Diemel se veste de anti-herói e conquistará a muitos de nós, jogando reflexões para o lado de cá da tela também.

Assassino Zen com tantos méritos, se consolida como uma das melhores séries de 2024. Golaço da Netflix!


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29/10/2024

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Pausa para uma série: 'Territory'


O poder e os egos inflados em meio a uma paisagem deslumbrante. Pegando carona na fórmula de bolo certeira definida pela aclamada Yellowstone, a minissérie australiana Territory é um novelão, com alguns núcleos, que busca sua força nas intrigas, traições e desencontros que são vistos ao longo dos seis episódios.

Criado pela dupla Ben Davies e Timothy Lee, se constrói a partir de uma premissa simples: Uma dinastia indo pro precipício a largos passos e os problemas de comando para uma reviravolta. Mas a solidez no seu discurso vai de encontro a uma narrativa muitas vezes desinteressante e sonolenta, com um calcanhar de aquiles alarmante: a falta de força e carisma nos personagens. É difícil uma forte conexão.

Na trama, acompanhamos os Lawsons, uma família que domina Marianne, a maior propriedade rural (estância) de gado do mundo, situada no norte da Austrália. Assim, conhecemos o chefe da família Colin (Robert Taylor), o filho mais velho Graham (Michael Dorman) e sua esposa Emily (Anna Torv), além da filha deles Susie (Philippa Northeast) e o filho distante de Graham, Marshall (Sam Corlett). Quando o filho que tomava conta dos negócios morre de forma surpreendente, a família passará por enormes atritos para manter o controle e legado de toda região.

Os núcleos compõe as peças em ebulição. É quase um tabuleiro de War com jogadas movidas também pela oportunidade e sorte. Aqui, o contexto é amplamente revisitado, deixando a narrativa numa redundância perceptível, alguns personagens parecem que não saem do lugar. Há os ladrões de gado, os poderosos de olho em Marianne, os nativos e suas reivindicações ligados fortemente ao lado cultural da região, as questões políticas e os jogos de influência.

Decisões tomadas na emoção moldam características em subtramas afastadas e que são forçadamente colocadas em confronto. Por meio de reviravoltas e algumas surpresas que são apresentadas em momentos chave, rumamos até o sexto - e último episódio - com uma série de incertezas e pontas soltas.

É muito difícil não vir logo uma comparação com Yellowstone. Família poderosa em eterno conflito interno, um chefe de clã impiedoso, empresários cheios da grana querendo uma parte das terras, questões com os nativos da região. Mas indo a fundo, algumas questões se afastam na maneira como chegamos até essas histórias.

Com um elenco encabeçado pela atriz Anna Torv – protagonista de uma das séries mais lembradas dos anos 2000, Fringe Territory peca na construção de seus personagens. Isso é uma flecha danosa em qualquer alicerce que se baseia nas relações conflituosas que se seguem.

Com suas paisagens deslumbrantes, rodado no Território do Norte e na Austrália do Sul, incluindo o Parque Nacional Kakadu, considerado Patrimônio Mundial da UNESCO, Territory usa da dinastia do gado para mostrar a ganância e o ego inflado. Se você conseguir se distanciar de Yellowstone, pode ser que ache mais méritos. Mas em resumo, é uma minissérie visualmente chamativa mas com carência no desenvolvimento de seus inúmeros personagens.  


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Crítica do filme: 'O Chef'


Um noite intensa e exigente. Baseado em um curta-metragem, o projeto de um tiro só O Chef nos leva do banal ao complexo em dramas que se acumulam num restaurante que tem uma noite de altos e baixos. Dirigido por Filipe Barantini, o projeto nos mostra o raio-x de uma descarga intensa de emoções onde dilemas precisam serem resolvidos em frações de segundos, tendo como foco um protagonista em total crise existencial. No papel principal, o ótimo Stephen Graham.

Na trama, filmada em plano sequência (sem cortes), acompanhamos uma noite conturbada na vida do experiente Chef Andy (Stephen Graham). Precisando lidar com problemas da sua equipe, e algumas questões inesperadas, como a visita de um ex-sócio celebridade, além de momento de vícios no seu presente – fato esse que vai destruindo a relação com a família – ao longo de uma noite, que parece não acabar, o esgotamento se torna uma questão de tempo.  

Rodado em um restaurante que existe no bairro londrino de Dalston, O Chef é impulsionado por uma adrenalina constante, um ritmo frenético, em torno dos embates que ocorrem em vários pontos do local. Cada detalhe se torna um elemento importante nessa avalanche de situações. Engraçado e trágico na mesma proporção, com inúmeros diálogos complementares e interessantes, serve ao público uma dezenas de questões sociais para reflexões.

Indicado para quatro prêmios BAFTA, o longa-metragem, entre outros méritos, tem uma direção brilhante, consegue fazer com que o espectador consiga sentir-se numa daquelas mesas elegantes do estabelecimento e assim acompanhar uma série de ações e reações em torno de uma caótica pressão que é uma cozinha de um restaurante premiado. Esse é um daqueles filmes que ficam nas nossas lembranças.


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25/10/2024

Crítica do filme: 'Assalto Brutal'


Muito além de um crime. Baseado - em partes - numa história real, em Assalto Brutal, vemos embates a partir de um irmão próximo do abismo emocional após a ruptura de laços, um caótico evento num banco que está sendo privatizado e os fantasmas do passado de um brilhante policial que se tornam ferramentas para lidar com um caso repleto de violência. Rapidamente chegando ao Top 10 da Netflix Brasil, o projeto possui camadas muito bem amarradas pelo cineasta Michal Gazda, com um roteiro assinado por Bartosz Staszczyszyn.

Na trama, ambientada na época onde os VHS dominavam as prateleiras das milhares de locadoras pelo mundo, um misterioso assalto a banco, com vítimas, deixa Varsóvia em estado de alerta. Com uma proposta para voltar à ativa na forças da lei caso consiga desamarrar a investigação do crime, o policial Tadeusz Gadacz (Olavo Lubaszenko) fará de tudo para chegar as verdades.

A narrativa opta por explorar as consequências com as peças já encontrando rápidas definições. Sabemos quem é o responsável mas o motivo se torna um atrativo pronto pra ser alcançado pelo clímax. Por esse caminho, há uma visão fria dos relacionamentos caracterizada por cores carregadas, transmitindo sentimentos que vão dá raiva ao remorso, conversando com o passado nebuloso de mais de um personagem. O roteiro é preciso ao destacar o lado psicológico dos conturbados personagens e ganham destaques a fotografia e direção de arte.

Seguindo o rastro de violência deixado pela inconsequência através de uma premeditação assustadora de um personagem chave, essa história – também – sobre traumas mal resolvidos, se cerca com todas as peças no entorno do principal suspeito, logo chegando em desdobramentos surpreendentes. Com o passar dos dias marcando mini capítulos dentro de todo o recorte proposto, a narrativa e seu ritmo cadenciado chega com consistência nas respostas para o motivo e o como ocorreu o crime, encontrando assim algumas surpresas pelo caminho.

A partir dessa visão fria sobre a realidade e os alcances das inconsequências, chegamos em críticas sociais importantes que envolvem a política de segurança pública em uma Polônia de tempos atrás, as consequências de traumas mal resolvidos do passado, até mesmo o papel da mídia em casos de grande repercussão. Assalto Brutal cumpre seu papel de apresentar as causas e efeitos, se consolidando como um bom filme policial. 


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22/10/2024

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Crítica do filme: 'Centro Ilusão' [Festival do Rio 2024]


Quando o som traduz o sentimento. Direto e reto em seu discurso, o longa-metragem cearense Centro Ilusão ultrapassa as camadas superficiais com um nocaute nas levitações até o sonhar. Dando ênfase à cena cultural e musical nordestina, esse novo trabalho do excelente cineasta Pedro Diógenes também apresenta as diferenças do pensar no tempo, num choque de gerações, numa busca de um mesmo repouso para as interpretações dos momentos de devaneios.

Na trama conhecemos, Caio (Brunu Kunk) e Tuka (Fernando Catatau), dois músicos, de duas gerações diferentes, que estão em uma audição para uma vaga que pode mudar suas vidas. Na espera pelo resultado, durante um tempo rodam pelo centro de fortaleza entre os sonhos e as desilusões sobre o próximo passo na vida.

Há uma generosa poesia em cada momento de reflexão, aproximando as verdades com a realidade. Num choque proposto entre o tanque cheio para o sonhar e a pane seca acumulada por frustrações, somos testemunhas de um encontro urbano tendo a música como um satélite que personifica os conflitos emocionais de cada um dos personagens. Como um tradutor das camadas emotivas, através de um roteiro que não se desgruda de contextos para validar o presente, Diógenes joga para o centro do palco a angústia e muitas verdades de duas almas artísticas.

Amores perdidos, abandono de relações em busca da carreira musical, a luta diária pelo reconhecimento, confrontos com a família, as incertezas e as muitas interpretações de um atual momento. Esses são alguns dos muitos assuntos que ganham tons e ritmos através de números musicais marcantes, alguns brilhantes. Em quase declamações, sem esquecer de imagens que contemplam a cidade e seus movimentos, pegamos uma reta rumo ao valor da arte urbana, da poesia das ruas, além de todo o significado que as marcas do passado podem ter nas perspectivas de um futuro.

Vencedor do Prêmio de Melhor Longa da Mostra Competitiva Novos Rumos da 26a edição do Festival do Rio, Centro Ilusão deve estrear em breve no circuito exibidor. Um filme para você ficar de olho.

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21/10/2024

Crítica do filme: 'Lá Fora'


Destrinchando o desespero através de uma história que envolve uma distopia repleta de zumbis que correm e um desenrolar sombrio de um casamento por um fio, Lá Fora, lançamento filipino da Netflix que logo alcançou o Top 10, é uma obra tensa, violenta, que alcança seu primor no suspense psicológico. Seguindo a frase: 'não há beleza no caos', nos aproximamos de uma história dura, um soco no estômago que explora o estado de sobrevivência. O projeto é escrito e dirigido pelo cineasta Carlos Ledesma.

Na trama conhecemos o casal Francis (Sid Lucero) e Iris (Beauty Gonzalez), que junto dos dois filhos, encontram abrigo na casa da família do primeiro após o mundo ser dominado por zumbis. Um fato importante é que essas duas almas estão com o casamento por um fio e situações de um passado recente começam a aflorar nesse presente de caos e incertezas. A partir de inconsequências a história toma um rumo imprevisível.

Com suas mais de duas horas de projeção, o filme se prolonga mas não chega a ser repetitivo, encontra algumas formas de concluir subtramas familiares que fazem parte do alicerce dos conflitos dos personagens. Com uma narrativa detalhista, onde a obsessão, os traumas, a opressão, os deslizes da psiquê, são características jogadas pelo caminho, logo nos deparamos com a verdadeira prisão que começa a se revelar. Esse último ponto, se aproxima de temas atuais como a violência doméstica.

De suspense em poucos passos encontra o terror através também dos gatilhos emocionais. Tentando elucidar os pesadelos nas memórias, o roteiro logo se mostra em paralelos a um presente real e opressor. O carro quebrado, o mundo destruído, tornam-se espelhos de um relacionamento na iminência do fim. Percebemos a todo instante um cuidado para a imagens (referências) conversarem com os conflitos emocionais dos personagens. Aqui chegamos na quebra do psicológico, por meio do descontrole, o trauma não trabalhado.

Somando-se ao exposto no parágrafo anterior, em um lugar onde parece que todos os dias são noites, percebemos o declínio do consciente, amargurado pelo choque de desequilíbrios. Indo até camadas profundas, percebemos a proximidade - quase necessidade - de uma aproximação do que acontece na realidade.  Tudo é bem conduzido pela direção primorosa de Ledesma. Esse é um dos mais interessantes filmes lançados nesse segundo semestre de 2024 na Netflix.

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15/10/2024

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Crítica do filme: 'Ainda não é Amanhã' [Festival do Rio 2024]


A ida até a instabilidade das incertezas que chega num novo mundo de possibilidades. Trazendo um recorte profundo de uma jovem estudante de direito que é surpreendida por uma gravidez indesejada, Ainda não é Amanhã passa suas reflexões através das rupturas dos sonhos e o atropelo das interpretações da moral. Escrito e dirigido por Milena Times, o projeto tem como um dos acertos um ótimo desenvolvimento do roteiro que impulsiona uma narrativa que vai direto ao ponto levando o público para inúmeras reflexões sem esquecer de apresentar por completo a desconstrução de sua protagonista.

Na trama, conhecemos Jana (Mayara Santos), uma esforçada jovem que é orgulho de sua avó e da mãe – com quem mora num conjunto habitacional da periferia de Recife - sendo uma das primeiras da família a conseguir ir pra faculdade. Mas a alegria de um presente cheio de sonhos se transforma em desespero quando descobre estar grávida do namorado. Pensando em encontrar alguma solução, em meio as incertezas de ter ou não a criança, a protagonista precisará enfrentar alguns dilemas com respostas que levará por toda a vida.

Da simplicidade e bons diálogos até as fortes camadas que nos levam até importantes reflexões sobre um dos temas mais polêmicos da sociedade. Contornando a circunstância intimista, com um forte conflito imposto por um dilema, a narrativa navega pelas dores e incertezas, como se abrisse um leque de possibilidades a partir das dúvidas sobre uma gravidez. Totalmente pelos olhos de sua protagonista – muito bem interpretada por Mayara Santos - enxergamos toda a dor e sofrimento de uma situação que pode muito bem ser o reflexo de muitas outras do lado de cá da tela.

Ganhador de um prêmio no Festival do Rio 2024 (Melhor Atriz, na Mostra Novos Rumos), o filme levanta o foco para a maternidade como escolha, um caminho que traça um paralelo na pergunta: Como encarar essa situação? Não é uma abordagem inovadora, vai de encontro ao centro do conflito – no caso, o aborto - deixando também fortalecido os contextos sociais, com a cidade em movimento ao redor da rotina, e as questões do desenvolvimento urbano através de críticas sociais.


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Crítica do filme: 'Continente' [Festival do Rio 2024]


Já na reta final do Festival do Rio de cinema, nos deparamos com um filme brasileiro pra lá de louco que a partir de uma distopia busca reflexões sociais imersas a um clima de tensão recheado de cenas chocantes e com sangue de sobra. Dirigido pelo porto-alegrense Davi Pretto, que 10 anos atrás estreou seu primeiro longa-metragem, Castanha, no Festival de Berlim, Continente peca por uma falta de clareza sobre o discurso, com uma premissa que busca nas entrelinhas os embates sobre classes sociais, entre outros pontos. Se mantém lúcido até as respostas sobre a pergunta: O que estaria acontecendo naquele lugar? A partir daí, é um show de desencontros.

Na trama, ambientada numa região do sul do país, conhecemos Amanda (Olivia Torres), que depois de muitos anos no exterior, volta para casa para se despedir do pai – perto da passagem – que é dono de uma enorme fazenda numa região isolada. Logo quando chega ao lugar, ao lado do namorado francês Martin (Corentin Fila), percebe que as coisas estão esquisitas e logo a tensão toma rumos inesperados quando descobrimos sobre as incertezas de um certo acordo que gera ações desesperadas entre os trabalhadores do local.

Filmado logo após a pandemia, financiado por cinco países e com um orçamento modesto, esse filme de horror brasileiro se joga sem muita direção nas rupturas do lógico com pitadas do sobrenatural. Com um clima onde gradativamente chegamos na tensão, o filme pode ser dividido em duas partes complementares onde na primeira se camufla o desespero e a extrema opressão, e na segunda transforma as consequências em ações desenfreadas, e bem vampirescas!

Selecionado para o Festival de Cinema de Sitges, na Espanha, um dos principais eventos cinematográficos de filmes de horror do mundo, Continente tem como ponto positivo a fotografia, que joga a atmosfera da tensão pro centro do olhar. Não há dúvidas que é bem filmado. Mas tem uma questão que envolve esse elemento. As sensações e a transmissões dos conflitos emocionais são notórios mas como a narrativa naufraga com a falta de lucidez sobre o discurso, que envolve as interpretações sobre as regras de uma imposição local, até mesmo um ritual denominado ‘a hora do certo’, acaba virando um achismo atrás do outro testando a paciência do espectador.

 

 

 

 

 

 

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11/10/2024

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Crítica do filme: 'Malu' [Festival do Rio 2024]


Explorando uma história sobre as dores da existência, do não saber lidar com as relações próximas, Malu foi um dos filmes selecionados para a competição de longas-metragens da Première Brasil no Festival do Rio 2024. Escrito e dirigido pelo cineasta Pedro Freire, que apresenta em sua estreia na direção memórias sobre a própria mãe, ao longo dos 103 minutos de projeção somos testemunhas de conflitos intensos, que vão de um extremo ao outro, do afeto até a indiferença, entre gerações de mães e filhas tendo como ponto de interseção a personagem título.

 Na trama, ambientada nos anos 1990, conhecemos Malu (Yara de Novaes), uma atriz desbocada com dias de sucesso no passado, que após se separar muda-se para uma casa em construção que comprou com o marido tempos atrás. Morando com a mãe conservadora (Juliana Carneiro da Cunha) e com a visita da filha (Carol Duarte) iniciando a fase adulta, uma série de conflitos se estabelecem e que logo rumam para a descoberta de uma cruel doença.

Tendo como único cenário uma casa em construção, que logo vira o reflexo de relações conturbadas que se estabelecem a partir da figura central, o filme busca no embate seu alicerce para preencher essa ciranda de atritos potencializado pelo tripê: conservadorismo, orgulho e imaturidade, representado pela mais forte característica de cada uma das personagens. A questão é que o discurso da revolução de um viver se perde com uma narrativa que apresenta os desafios do resolver os conflitos com as ações sendo mais fortes que os significados. Talvez seja mais marcante para quem já conhece essa história, ou conheceu Malu.

Ao longo de três meses de gravações – com o mesmo tempo anterior de ensaios – um fato que fica em evidência é a proximidade do diretor com a história. Fato que pode ser um trunfo ou mesmo um calcanhar de aquiles. Entre memórias emotivas, desabafos, e lapidado pelo orgulho como característica mais forte da personalidade explosiva de uma protagonista brilhantemente interpretada pelo furacão de emoções Yara de Novaes, o projeto se consolida como uma carta aberta do diretor para si mesmo sobre a mãe diagnosticada com uma doença neurodegenerativa.

Exibido em festivais que alcançaram cinco continentes, incluindo uma passagem pelo Festival de Sundance, Malu não deixa de ser um filme corajoso de Pedro Freire. Abrir as portas de uma história que o diretor conhece como poucos e deixar o público receber as mensagens íntimas que propõe deve ter sido uma jornada repleta de emoções. O ponto é se o público vai conseguir se conectar com tudo que queria ser transmitido. 



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