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22/10/2024

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Crítica do filme: 'Centro Ilusão' [Festival do Rio 2024]


Quando o som traduz o sentimento. Direto e reto em seu discurso, o longa-metragem cearense Centro Ilusão ultrapassa as camadas superficiais com um nocaute nas levitações até o sonhar. Dando ênfase à cena cultural e musical nordestina, esse novo trabalho do excelente cineasta Pedro Diógenes também apresenta as diferenças do pensar no tempo, num choque de gerações, numa busca de um mesmo repouso para as interpretações dos momentos de devaneios.

Na trama conhecemos, Caio (Brunu Kunk) e Tuka (Fernando Catatau), dois músicos, de duas gerações diferentes, que estão em uma audição para uma vaga que pode mudar suas vidas. Na espera pelo resultado, durante um tempo rodam pelo centro de fortaleza entre os sonhos e as desilusões sobre o próximo passo na vida.

Há uma generosa poesia em cada momento de reflexão, aproximando as verdades com a realidade. Num choque proposto entre o tanque cheio para o sonhar e a pane seca acumulada por frustrações, somos testemunhas de um encontro urbano tendo a música como um satélite que personifica os conflitos emocionais de cada um dos personagens. Como um tradutor das camadas emotivas, através de um roteiro que não se desgruda de contextos para validar o presente, Diógenes joga para o centro do palco a angústia e muitas verdades de duas almas artísticas.

Amores perdidos, abandono de relações em busca da carreira musical, a luta diária pelo reconhecimento, confrontos com a família, as incertezas e as muitas interpretações de um atual momento. Esses são alguns dos muitos assuntos que ganham tons e ritmos através de números musicais marcantes, alguns brilhantes. Em quase declamações, sem esquecer de imagens que contemplam a cidade e seus movimentos, pegamos uma reta rumo ao valor da arte urbana, da poesia das ruas, além de todo o significado que as marcas do passado podem ter nas perspectivas de um futuro.

Vencedor do Prêmio de Melhor Longa da Mostra Competitiva Novos Rumos da 26a edição do Festival do Rio, Centro Ilusão deve estrear em breve no circuito exibidor. Um filme para você ficar de olho.

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15/10/2024

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Crítica do filme: 'Ainda não é Amanhã' [Festival do Rio 2024]


A ida até a instabilidade das incertezas que chega num novo mundo de possibilidades. Trazendo um recorte profundo de uma jovem estudante de direito que é surpreendida por uma gravidez indesejada, Ainda não é Amanhã passa suas reflexões através das rupturas dos sonhos e o atropelo das interpretações da moral. Escrito e dirigido por Milena Times, o projeto tem como um dos acertos um ótimo desenvolvimento do roteiro que impulsiona uma narrativa que vai direto ao ponto levando o público para inúmeras reflexões sem esquecer de apresentar por completo a desconstrução de sua protagonista.

Na trama, conhecemos Jana (Mayara Santos), uma esforçada jovem que é orgulho de sua avó e da mãe – com quem mora num conjunto habitacional da periferia de Recife - sendo uma das primeiras da família a conseguir ir pra faculdade. Mas a alegria de um presente cheio de sonhos se transforma em desespero quando descobre estar grávida do namorado. Pensando em encontrar alguma solução, em meio as incertezas de ter ou não a criança, a protagonista precisará enfrentar alguns dilemas com respostas que levará por toda a vida.

Da simplicidade e bons diálogos até as fortes camadas que nos levam até importantes reflexões sobre um dos temas mais polêmicos da sociedade. Contornando a circunstância intimista, com um forte conflito imposto por um dilema, a narrativa navega pelas dores e incertezas, como se abrisse um leque de possibilidades a partir das dúvidas sobre uma gravidez. Totalmente pelos olhos de sua protagonista – muito bem interpretada por Mayara Santos - enxergamos toda a dor e sofrimento de uma situação que pode muito bem ser o reflexo de muitas outras do lado de cá da tela.

Ganhador de um prêmio no Festival do Rio 2024 (Melhor Atriz, na Mostra Novos Rumos), o filme levanta o foco para a maternidade como escolha, um caminho que traça um paralelo na pergunta: Como encarar essa situação? Não é uma abordagem inovadora, vai de encontro ao centro do conflito – no caso, o aborto - deixando também fortalecido os contextos sociais, com a cidade em movimento ao redor da rotina, e as questões do desenvolvimento urbano através de críticas sociais.


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Crítica do filme: 'Continente' [Festival do Rio 2024]


Já na reta final do Festival do Rio de cinema, nos deparamos com um filme brasileiro pra lá de louco que a partir de uma distopia busca reflexões sociais imersas a um clima de tensão recheado de cenas chocantes e com sangue de sobra. Dirigido pelo porto-alegrense Davi Pretto, que 10 anos atrás estreou seu primeiro longa-metragem, Castanha, no Festival de Berlim, Continente peca por uma falta de clareza sobre o discurso, com uma premissa que busca nas entrelinhas os embates sobre classes sociais, entre outros pontos. Se mantém lúcido até as respostas sobre a pergunta: O que estaria acontecendo naquele lugar? A partir daí, é um show de desencontros.

Na trama, ambientada numa região do sul do país, conhecemos Amanda (Olivia Torres), que depois de muitos anos no exterior, volta para casa para se despedir do pai – perto da passagem – que é dono de uma enorme fazenda numa região isolada. Logo quando chega ao lugar, ao lado do namorado francês Martin (Corentin Fila), percebe que as coisas estão esquisitas e logo a tensão toma rumos inesperados quando descobrimos sobre as incertezas de um certo acordo que gera ações desesperadas entre os trabalhadores do local.

Filmado logo após a pandemia, financiado por cinco países e com um orçamento modesto, esse filme de horror brasileiro se joga sem muita direção nas rupturas do lógico com pitadas do sobrenatural. Com um clima onde gradativamente chegamos na tensão, o filme pode ser dividido em duas partes complementares onde na primeira se camufla o desespero e a extrema opressão, e na segunda transforma as consequências em ações desenfreadas, e bem vampirescas!

Selecionado para o Festival de Cinema de Sitges, na Espanha, um dos principais eventos cinematográficos de filmes de horror do mundo, Continente tem como ponto positivo a fotografia, que joga a atmosfera da tensão pro centro do olhar. Não há dúvidas que é bem filmado. Mas tem uma questão que envolve esse elemento. As sensações e a transmissões dos conflitos emocionais são notórios mas como a narrativa naufraga com a falta de lucidez sobre o discurso, que envolve as interpretações sobre as regras de uma imposição local, até mesmo um ritual denominado ‘a hora do certo’, acaba virando um achismo atrás do outro testando a paciência do espectador.

 

 

 

 

 

 

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11/10/2024

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Crítica do filme: 'Malu' [Festival do Rio 2024]


Explorando uma história sobre as dores da existência, do não saber lidar com as relações próximas, Malu foi um dos filmes selecionados para a competição de longas-metragens da Première Brasil no Festival do Rio 2024. Escrito e dirigido pelo cineasta Pedro Freire, que apresenta em sua estreia na direção memórias sobre a própria mãe, ao longo dos 103 minutos de projeção somos testemunhas de conflitos intensos, que vão de um extremo ao outro, do afeto até a indiferença, entre gerações de mães e filhas tendo como ponto de interseção a personagem título.

 Na trama, ambientada nos anos 1990, conhecemos Malu (Yara de Novaes), uma atriz desbocada com dias de sucesso no passado, que após se separar muda-se para uma casa em construção que comprou com o marido tempos atrás. Morando com a mãe conservadora (Juliana Carneiro da Cunha) e com a visita da filha (Carol Duarte) iniciando a fase adulta, uma série de conflitos se estabelecem e que logo rumam para a descoberta de uma cruel doença.

Tendo como único cenário uma casa em construção, que logo vira o reflexo de relações conturbadas que se estabelecem a partir da figura central, o filme busca no embate seu alicerce para preencher essa ciranda de atritos potencializado pelo tripê: conservadorismo, orgulho e imaturidade, representado pela mais forte característica de cada uma das personagens. A questão é que o discurso da revolução de um viver se perde com uma narrativa que apresenta os desafios do resolver os conflitos com as ações sendo mais fortes que os significados. Talvez seja mais marcante para quem já conhece essa história, ou conheceu Malu.

Ao longo de três meses de gravações – com o mesmo tempo anterior de ensaios – um fato que fica em evidência é a proximidade do diretor com a história. Fato que pode ser um trunfo ou mesmo um calcanhar de aquiles. Entre memórias emotivas, desabafos, e lapidado pelo orgulho como característica mais forte da personalidade explosiva de uma protagonista brilhantemente interpretada pelo furacão de emoções Yara de Novaes, o projeto se consolida como uma carta aberta do diretor para si mesmo sobre a mãe diagnosticada com uma doença neurodegenerativa.

Exibido em festivais que alcançaram cinco continentes, incluindo uma passagem pelo Festival de Sundance, Malu não deixa de ser um filme corajoso de Pedro Freire. Abrir as portas de uma história que o diretor conhece como poucos e deixar o público receber as mensagens íntimas que propõe deve ter sido uma jornada repleta de emoções. O ponto é se o público vai conseguir se conectar com tudo que queria ser transmitido. 



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09/10/2024

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Crítica do filme: 'Baby' [Festival do Rio 2024]


O juízo de valor no centro do tabuleiro para vencer a solidão. Depois de uma passagem positiva pelo Festival de Cannes esse ano, o longa-metragem brasileiro Baby desembarcou no Festival do Rio. Colocando para reflexões embates dolorosos entre duas almas que o destino une movidos ao centro do tabuleiro de emoções intensas, o filme dirigido por Marcelo Caetano aborda de forma visceral as segundas chances e, principalmente, passa a limpo as camadas do juízo de valor. Com uma narrativa hipnotizante, nua e crua sobre as facetas do sobreviver, esse é um daqueles filmes que demoram a sair de nossas memórias.

Na trama conhecemos o jovem Wellington (João Pedro Mariano), que ao sair de um reformatório vai em busca dos pais que não mantiveram contato enquanto ele estava em reclusão. Ao se ver perdido na maior cidade do país, certo dia seu destino se cruza com o de Ronaldo (Ricardo Teodoro), um homem que sobrevive se prostituindo e traficando. Aos poucos esse relacionamento se estabelece com muitas fases que vão desde amor intenso até caóticos desencontros.

Com uma belíssima construção de personagens que não saem de uma zona de conflitos, o roteiro minuciosamente transforma as esperanças de um inusitado encontro nas dores de desencontros. O caminho para isso é feito através de uma narrativa com um desenvolvimento que mantém o clímax constante, passando por construções simbólicas e representativas de opostos – mas nem tanto assim – que se atraem. Há também uma inversão entre a maturidade e a imaturidade, no meio de um sofrer pela solidão, em alguns momentos revertidos para a dubialidade entre as ações antagônicas de explorar e proteger.

Em camadas que vão se desenvolvendo através do profundo alcance na história dos personagens, principalmente na de Ronaldo – interpretado de forma magistral por Ricardo Teodoro, que levou o prêmio de Ator Revelação na Semana da Crítica em Cannes – vamos rumando a uma conclusão imprevisível, em meio aos agitos de uma badalada cidade repleta de diferentes visões e olhares, onde o juízo de valor, na linha das emoções e experiências de vida té ali, ganham o centro das atenções.

Baby estreia no circuito exibidor brasileiro no dia 9 de janeiro. Podemos afirmar com toda certeza que esse é um dos grandes filmes da seleção desse ano do Festival do Rio. 

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Crítica do filme: 'O Silêncio das Ostras' [Festival do Rio 2024]


Um importante olhar para as atividades predatórias. Partindo para uma impactante crítica social através dos conflitos emocionais de uma jovem que acompanha as mudanças de tudo e todos ao seu redor, O Silêncio das Ostras, novo trabalho do cineasta Marcos Pimentel, fortalece o debate sobre as ações das mineradoras. Com uma belíssima fotografia assinada pelo craque Petrus Cariry, o projeto alimenta seu discurso através da tentativa de sobrevivência de uma representante de seres deslocados em meio à destruição.

Na trama, ambientada algumas décadas atrás, principalmente na época da copa do mundo de 1990, conhecemos Kaylane (Bárbara Colen, na fase adulta), uma jovem que mora com a família em uma comunidade de operários de uma mina, vivendo e crescendo a partir das ações da mineradora da região. Quando algumas partidas contornam sua trajetória, o tempo passa e ela se vê sozinha em meio ao caos que se tornou a região após o rompimento de uma barragem. Sem destino, vítima do êxodo da própria história, ela busca novos caminhos tendo como direção o resistir.

Mesmo com um ritmo demasiadamente lento, essa interessante filme encontra uma importante ponte entre um recorte familiar e as questões da mineração. A estrutura da família disfuncional é apresentada por camadas e conflitos girando em torno das ações da empresa que comanda o ir e vir da região. Isso influencia irmãos indo em busca de novos caminhos, uma mãe se deslocando rumo ao egoísmo do abandonar, o pai sofrendo as consequências de anos de um trabalho insalubre, sem assistência. Kaylane se coloca como os olhos do público em uma narrativa onde as imagens viram complementos, não só traçando paralelos com as emoções, mas também para todo um contexto que fortalece o discurso.

Outro ponto chave são os importantes recortes temporais – longe de gerarem redundância - reforçam a solidão pelas partidas, as histórias apagadas, focando nas consequências de pessoas excluídas do próprio berço. A partir disso, em meio a montanhas deixando de existir e a vida se modificando por ações predatórias que só ganham proporções mais críticas quando uma enorme tragédia acontece, chegamos a um desfecho com significados importantes e reflexões que ligam os pontos para a necessidade mais do que urgente para uma forte política ambiental.

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Crítica do filme: 'Sem Pudor' [Festival do Rio 2024]


Um amor sem direção que leva duas almas aos limites. Buscando um forte recorte sobre um amor proibido entre uma mulher amargurada e uma jovem que embarca na descoberta da sexualidade, Sem Pudor navega pelas estruturas emocionais de conflitos que se seguem entre as diferentes dores e vícios. O roteiro busca em seu discurso um olhar para a ruptura do sonho pelas escolhas da realidade em um ambiente hostil, preconceituoso, machista, chegando também ao contorno sobre tradições, laços familiares próximos da ruptura e o lado cultural de uma região da Índia. O grande destaque vai para a atuação de Anasuya Sengupta, vencedora do Prêmio de Melhor Atuação na Mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes desse ano.


Na trama, conhecemos Renuka (Anasuya Sengupta), uma prostituta com um passado doloroso que após assassinar um comissário da polícia precisa fugir do lugar onde vive e acaba indo para o norte da Índia onde acaba conhecendo uma jovem chamada Devika (Omara). Logo, de uma improvável amizade, a relação se aproxima para um amor intenso que para se manter precisará ultrapassar várias barreiras que se acumulam num frequente enfrentamento de tudo e todos.


Escrito e dirigido pelo cineasta búlgaro Konstantin Bojanov, esse longa-metragem nos leva numa gangorra de emoções – com uma alta carga de tensão – onde os sopros da felicidade e também do caos se misturam nas inconsequências. As intrigantes protagonistas, duas mulheres completamente diferentes, buscam uma felicidade que nunca viveram, traçam planos que se mostram cada vez mais distantes. As dores, os vícios, a opressão se tornam capítulos de uma história de rupturas onde se caracteriza uma relação destrutiva mas também de descobertas.


Esse confronto com a própria rotina, apresentando ao longo da relação que se estabelece, é apresentado por Bojanov através de cenários que conversam com o estado emocional das personagens. Do caos familiar e da intolerância marcante de muitos de uma região, esses paralelos com as sensações são eficientes quebrando o clima de amargura e fazendo a ponte com a tensão. Ao longo das duas horas de projeção, cenas fortes de violência buscam uma rápida conexão com as reflexões que se apresentam pelo caminho.


Sem Pudor não é um filme fácil. É preciso de paciência para entender e buscar reflexões sobre o labirinto que se encontram duas almas que vivem intensamente o mais forte dos sentimentos marcadas por espinhos vindos da realidade dura que vivem. 

 

 

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Crítica do filme: 'Kasa Branca' [Festival do Rio 2024]


Um delicado recorte sobre amores, afetos e família. Partindo de um drama familiar e abrindo um leque de camadas contextualizadas por dilemas da vida, o longa-metragem Kasa Branca, que teve sua estreia no Festival do Rio 2024, é um passeio sobre verdades da realidade. Escrito e dirigido por Luciano Vidigal, de forma simples, objetiva e sem esquecer do bom humor, somos apresentados a carismáticos amigos, seus dramas e cotidianos.

Na trama conhecemos o jovem e gente boa Dé (Big Jaum) que está passando por um momento delicado. Sua avó, a única parente de seu presente, está numa estrada sem volta com a doença de alzheimer e, precisando cuidar dela, as contas só acumulam. Morador de um bairro de Mesquita, Chatuba, no Rio de Janeiro, ele resolve enfrentar esse momento vivendo o máximo de experiências com ela, contando com a ajuda de seus dois melhores amigos Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco).

O alicerce é a relação do protagonista com a avó. Abandonado pelo pai na infância, Dé se vê em um ponto crítico, sem dinheiro para o básico, prestes a ficar sozinho no mundo, se tornando refém do apenas sobreviver. Todo dia vendo o trem passar - um óbvio paralelo com suas memórias e na busca por algo que não o faça desistir e seguir em frente - acompanhamos sua história com um ritmo dosado, chegando nos demonstrativos de medos e aflições, esses, contidos em cada ponto da narrativa que, trazendo um assunto duro envolvido muitas vezes pela falta de esperança, traça suas reflexões sociais.

Tocando em temas delicados, que são amenizados pelas pausas dramáticas a partir da contagiante amizade dos três amigos e suas questões, esse é um filme sobre verdades. Indicando certeiros paralelos com o mundo real, não é esquecido uma contextualização que vão desde descasos do sistema de saúde pública, mílicia, a corrupção policial, até a falta de um facilitador via políticas públicas na compra de remédios caríssimos.

Como um cronista do cotidiano carioca, trazendo a força da simplicidade na estrutura narrativa, exemplificados por gestos de ternuras imensuráveis, Luciano Vidigal mostra que mesmo na falta de esperança é possível respiros. E ao transformar isso tudo num grande mar de reflexões numa tela grande a mensagem chega com força a todos que estão dispostos a conhecer, aprender e dar sua contribuição.

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06/10/2024

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Crítica do filme: 'Os Enforcados' [Festival do Rio 2024]


Apontando o dedo para o alto da pirâmide da criminalidade, o novo trabalho do cineasta Fernando Coimbra – também diretor do excelente O Lobo Atrás da Porta - é um ousado passeio por ações violentas, tramoias sangrentas, tendo no centro das atenções um casal inescrupuloso que entra numa espiral de ascensão e queda na organização criminosa familiar que fazem parte. Selecionado para o Festival do Rio 2024, o projeto tem uma narrativa pulsante, encostando no tragicômico e mantendo-se firme no discurso que logo se mostra uma contundente crítica social com mais que respingos na atualidade.

 

Na trama, ambientada no Rio de Janeiro atual dominado pelo poder de criminosos, conhecemos Regina (Leandra Leal) e Valério (Irandhir Santos), um casal, parceiros de planos, que vive abraçado à uma família de crime, ligada ao jogo do bicho e lavagem de dinheiro, na capital da cidade maravilhosa. Quando resolvem dar um passo nessa hierarquia, cruzando uma série de limites, planejam o que acham ser um plano perfeito. Só que uma série de consequências desse ato tomam conta dos próximos passos desse recorte rumo ao caos.

Coimbra não alivia ao mostrar os detalhes dessa caminhada rumo à ruína, se joga numa reta de ousadia quebrando os paradigmas familiares, adicionando a crítica social focada no poder corrupto, usando o chocar para criar a tensão e reflexão. Um dos elementos importantes, é a composição e desenvolvimento personagens, que encontram suas camadas em um tour pelo psicológico dominados pela inconsequência, envoltos num estado de alerta constante chegando até a validação da iminência onde a ciranda do poder pode girar a qualquer momento.

Para validar o forte impacto das cenas, uma direção de arte impecável se torna quase um personagem, um espelho complementar do que vivem e sentem os personagens – brilhantemente interpretados por Irandhir Santos e Leandra Leal. Sem alívio para as ações inescrupulosas e batendo forte na tecla de uma elite corrupta que se acha intocável, toda essa atmosfera criada deixa o público atento e surpreso ao longo das duas horas de projeção.

Exibido pela primeira vez no Festival de Cinema de Toronto, Os Enforcados tem como carta na manga a imprevisibilidade, algo que soma demais à narrativa, se consolidando através do caos de ações desenfreadas e do minucioso olhar para a elite do crime, como um forte retrato de nossa sociedade. Os vivos que assustam muito mais que os mortos.

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03/10/2024

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Crítica do filme: 'Emilia Pérez' [Festival do Rio 2024]


O filme de abertura da 26ª edição do Festival do Rio é uma constante explosão de brilhantismo que se joga em uma impecável estrutura musical, sem limites para profundidades de seus complexos personagens, conversando com um contexto repleto de variáveis que vão desde os fortes sentimentos que afloram, após uma radical mudança, até a ganância e o poder. Não há tempo para escantear a violência. A corrupção, os cartéis, ganham seus espaços e reflexões. Por esse caminho, chegamos na força de sentimentos que entram em conflito, que logo se tornam pulsantes, com números musicais inesquecíveis.

Vencedor de dois prêmios no prestigiado Festival de Cannes desse ano, Emilia Pérez nos apresenta a brilhante advogada dominicana - que mora no México - Rita (Zoe Saldaña), completamente infeliz por estar sempre em casos duvidosos que mesmo com a vitória a deixa com a consciência nada tranquila. Um dia, recebe uma proposta inusitada de um dos mais perigosos chefes da máfia do país, Manitas (Karla Sofía Gascón), que consiste em ela o ajudar a se tornar uma mulher e assim desaparecer, além de abandonar a vida no crime. Mas o que será que o destino aprontará ao longo dos próximos anos?

Livremente adaptada do romance Ecoute de Boris Razon, nesse filme marcante podemos equilibrar a narrativa em dois momentos que logo alcançam ações complementares, dentro do antes e depois de uma cirurgia de total mudança. Criar a desconstrução proposta e manter o discurso afiado, imersos em dilemas, é um caminho que o roteiro segue sem deixar as menções das emoções em cada parte. Através de números musicais que ficarão marcados em nossas memórias, o longa-metragem, fortíssimo candidato para o próximo Oscar – em algumas categorias – conhecemos personagens fascinantes com uma série de descobertas carregadas por sentimentos extremos.

Há um achado psicológico interessante, que navega por toda a trama. Como não existe a transferência de consciência, o roteiro estabelece a chegada da aceitação para se descobrir sentimentos próximos do amar, quase uma reversão em relação ao caos de outrora. Quando nos enxergamos nesse ponto, guiados por uma sensibilidade que salta ao exímio conjunto de imagens que conversam com o abstrato do pensar, temos dois olhares: a de um óbvio álibi e seus dilemas e o de um alguém em busca de mudanças mas não sabe muitas vezes lidar com marcas que acumulou por toda uma outra vida.

Indicado da França para o próximo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e dirigido pelo cineasta francês Jacques Audiard – diretor também do excelente Ferrugem e Osso – esse é um dos filmes imperdíveis da edição do festival carioca.

 


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