31/12/2024

Crítica do filme: 'Piano de Família'


Criada pelo dramaturgo americano August Wilson no final da década de 1980, a obra Piano de Família teve várias adaptações no teatro e até mesmo um outro filme feito para televisão. No no finalzinho de 2024 chegou uma nova leitura agora produzida pela Netflix. Dividida basicamente em dois atos, em grande parte do tempo dentro de uma casa, o roteiro bate forte na tecla do legado resgatando também dores e aflições em torno de pensamentos diferentes dentro de uma própria família que tem num piano um símbolo de resistência.

Na trama, ambientada em uma Pittsburgh (Pensilvânia) em meados dos anos 1930, acompanhamos a chegada de Boy Willie (John David Washington) à casa do tio Doaker (Samuel L. Jackson) onde também mora sua irmã Berniece (Danielle Deadwyler). Quando o motivo da chegada de Boy Willie é revelado, uma briga por um piano antigo desencadeia uma série de lembranças e assim vamos conhecendo toda uma história dessa família.  

Contando com grande parte do elenco que também representou seus respectivos personagens na última montagem da Broadway em 2022, o cineasta Malcolm Washington – em seu primeiro longa-metragem como diretor – apesenta uma narrativa que usa da força de seus personagens para preencher os espaços de reflexões. Tudo é muito interessante na atmosfera criada, mesmo com as limitações que possa vir a existir por entender a importância de uma base no mecanismo teatral se juntando as infinidades de uma obra cinematográfica.

O ritmo chega pelos intensos e constantes diálogos, pela presença em cena e também da importância de reflexões sobre a sociedade. Assim, as dores dos ancestrais revividas por um embate entre dois irmãos abre leques onde até mesmo o sobrenatural encontra um gesto de simbolismo. Conforme vamos entendendo todos os caminhos dessa história percebemos a bela construção dos personagens com toda carga emocional provocada também por lembranças.

Essa obra vencedora do Prêmio Pulitzer de Drama se tornou atemporal e as inúmeras montagens, seja no teatro ou no cinema, só fortalecem os olhares para essa história. Piano de Família pode ser indicado para alguma categoria no próximo Oscar. Será merecido.


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30/12/2024

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Crítica do filme: 'A Música de John Williams'


A magia do cinema do cinema também está associada a elementos que muitas vezes não damos devido valor, como a trilha sonora. E quando pensamos nessa questão não podemos esquecer de John Williams. No documentário, lançado no segundo semestre de 2024 na Disney Plus, A Música de John Williams acompanhamos curtos recortes na carreira e vida pessoal desse genial compositor e maestro de 92 anos autor de temas inesquecíveis: Star Wars, Superman, ET – o Extraterrestre, Jurassic Park e tantos outros.

Nesse glorioso passeio pela criação e emoção de forma preponderante para uma obra cinematográfica nos encontram depoimentos de amigos, músicos, cineastas e sua família, sem esquecer de mostrar as origens de suas mais belas contribuições à sétima arte. A narrativa encontra sentido por meio de uma linha temporal detalhando os primeiros trabalhos, suas referências e o poder que uma orquestra possui. História é o que não falta.

Desde os tempos de pianista seguindo a carreira no jazz, que teve como grande referência o próprio pai, já no fim dos anos 1950, após voltar do exército começou sua estrada associada à Hollywood chegando ao grande reconhecimento anos depois assinado a trilha sonora de Tubarão. E por falar nessa obra, o diretor da mesma, Steven Spielberg marca presença no projeto, praticamente um capítulo à parte, já que John Williams fez a trilha de quase todos seus filmes.

Capaz de entregar a emoção de forma preponderante para um filme, a importância da trilha sonora é um ponto fundamental e amplamente debatido por aqui. Desde os primórdios da adição desse elemento no corte final até as novas tecnologias, além da importância citada do uso das orquestras, esse documentário – que teve um lançamento limitado nos cinemas de Nova York, Los Angeles e Londres - se torna um projeto atemporal para profundos debates.

Indicado mais de 50 vezes ao Oscar, vencendo em cinco oportunidades, John Williams é um daqueles nomes que os amantes da sétima arte nunca irão esquecer. Tendo em vista o sucesso na ampla contextualização dentro da narrativa, que passa pelos principais sucessos do compositor sem deixar de entregar acontecimentos importantes no tempo e discurso proposto, A Música de John Williams é um documentário inesquecível.

 

 

 

 

 

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24/12/2024

Crítica do filme: 'Blitz'


Com chances de beliscar alguma indicação ao próximo Oscar, Blitz parte de um laço que se rompe abruptamente e nos leva até o olhar de uma criança ao terror de um cotidiano de conflitos em plena segunda guerra mundial. Através de uma sensibilidade louvável, o projeto atravessa críticas sociais importantes. A compaixão e respeito tendo que ser defendidos, as barreiras do forte preconceito, não são esquecidos. Flashbacks apoiam a narrativa dando complemento para lacunas de um sonhar, de um pensar, de um adaptar-se a um viver.

Ambientado durante o primeiro ano da segunda guerra mundial, acompanhamos Rita (Saoirse Ronan em mais uma bela atuação), uma operária de munições, e sua escolha difícil de enviar seu filho George (Elliott Heffernan) para ficar em segurança num lugar longe dos conflitos mais intensos. Só que o garoto durante o caminho resolve voltar pra casa e embarca em uma jornada dolorosa onde acaba entendendo melhor todo o contexto que vive.

Blitz, o título, é uma referência à ‘Blitzkrieg’, que consistiu nos intensos bombardeios feitos pela força aérea alemã em ataques surpresas de armas combinadas, durante a segunda guerra mundial, em uma Londres onde mais de um milhão de pessoas precisaram serem evacuadas do lugar. Dentro desse contexto doloroso – bem explicado logo nos créditos iniciais - a construção dos personagens é feita de forma dinâmica, em um gancho após o outro, culminando em uma emocionante jornada de coragem e sorte.

Como seguir em frente em meio ao desespero de um presente sem soluções? O olhar da criança a uma zona de conflitos, a visão da mãe e a dor do desencontro são os elementos que sustentam as duas horas de projeção. Guiados também por uma maravilhosa trilha sonora assinada por Hans Zimmer, o discurso encontra a narrativa rapidamente tendo os rastros de tragédias que não se desgrudam, e os de esperança ficando por vezes perdido.

O ser humano e todas suas facetas também dão as caras por aqui, ampliado por um olhar profundo para os que viveram atingidos pela Guerra. As mulheres e suas contribuições ao momento do país, as indecisões do governo sobre os abrigos possíveis, os que preferem viver à margem roubado de quem perdeu tudo, há camadas que exploram várias dessas situações.

Em sua jornada de descobertas, o protagonista encontra a referência no respeito de um gentil soldado, mas também o desamor de bandidos agindo em meio ao caos. Além disso, o preconceito antes e durante o conflito armado são marcas na vida de um jovem que entra em uma maturidade precoce, dentro de uma necessidade apenas de sobreviver. Esse projeto é uma análise ampla de uma virada de chave na vida de um jovem, do lúdico ao real.   

Dirigido pelo excelente cineasta britânico Steve McQueen, Blitz, disponível no catálogo da Apple Tv Plus, tem a cara do Oscar! É provável alguma indicação.


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22/12/2024

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Pausa para uma série: 'Black Doves'


Com seu ar debochado e narrativa eletrizante, chegou ao catálogo da Netflix nesse final de ano uma série de seis episódios que mistura dramas pessoais e espionagem. Black Doves rompe a barreira da mesmice trazendo camadas profundas de personagens no limite do caótico das emoções. Criada pelo roteirista britânico Joe Barton, essa primeira temporada nos apresenta as fraquezas do papel dos sentimentos profundos em uma teia macabra de egocentrismo onde brilha a construção dos personagens. Todos os seis episódios são curiosos e ótimos.

Recrutada após voltar à cidade natal depois de tempos nebulosos ligados à família, Helen (Keira Knightley) se posiciona como esposa de Wallace (Andrew Buchan) um político em ascensão na carreira. Os anos se passam, e ela vira até mãe. Tudo ia bem até se envolver romanticamente com um misterioso homem que logo é assassinado. A partir desse ponto, Helen sai de trás das cortinas e ao lado do antigo amigo e matador de aluguel Sam (Ben Whishaw) vai em busca das verdades por trás do crime.

Com um capítulo melhor que o outro – daqueles bons de dar uma boa maratonada – o projeto apresenta as ações e consequências num emaranhado que envolve política, amor, traição maternidade e espionagem. Isso tudo com um humor ácido notório e cenas intensas de violência, esse último elemento associado à frieza que logo se projeta numa camada de contrapontos pelos deslizes da moral escancarada nas ações dos personagens.

Com direção dividida entre os cineastas Alex Gabassi e Lisa Gunning – cada um com três episódios sob responsabilidade - do mais excêntrico ao mais misterioso, há um forte brilho para os personagens (não só os ótimos protagonistas) que fazem parte de um peculiar recorte com altas pitadas de críticas ao meio político. É deboche atrás de deboche, o que deixa nosso entretenimento bem mais divertido. Esse refletir por meio do caos se mostra uma fórmula certeira e que aproxima o público. Mas é preciso embarcar nessa viagem, nada é convencional por aqui.  

Com sobras, Black Doves deixa margem para a continuação da história, fato que já está consolidado com a renovação anunciada de uma segunda temporada. Inclusive o projeto já garantiu uma indicação a um prêmio importante, na categoria Melhor Performance de Atriz em Série de Televisão, Drama, para Keira Knightley.


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Crítica do filme: 'Jurado Nº 2'


Se tem uma pessoa que pode ser chamada de lenda da sétima arte com certeza é Clint Eastwood. Aos 94 anos ele lança seu mais recente trabalho, Jurado Nº 2 um thriller jurídico que abraça as linhas tênues entre a justiça e a moral nos jogando de forma instigante para um vai e vem de dilemas. Cheio de rostos conhecidos, e com roteiro assinado por Jonathan A. Abrams, a trama empurra o expectador para reflexões sobre os valores e o comportamento humano, além de abraçar os detalhes chegando até mesmo em críticas sociais importantes.

Com um forte trauma recente em seu passado e com problemas superados com bebida, o jovem Justin (Nicolau Hoult) está prestes a ser pai pela primeira vez e vive seus dias na expectativa ao lado da esposa Allison (Zoey Deutch). A calmaria muda quando ele é selecionado para o júri de um julgamento midiático e aos poucos percebe que está mais envolvido no caso do que imaginava.

Com referências cinéfilas bem notórias, como 12 Homens e uma Sentença e outros filmes onde o tribunal é um elemento importante, quase um personagem, Jurado Nº 2 caminha para ter sua própria marca e uma de suas forças consiste nos ótimos diálogos que ampliam um contexto de acasos que se encontram. Do ponto de vista do protagonista vamos caminhando para as angústias e dúvidas que logo ganham associações com o caso em julgamento. Em cena, um desfile de ótimos artistas dão luz a um imprevisível tabuleiro de xadrez, onde a próxima peça mexida pode ser vital.

Mais uma vez, Clint dirige um filme onde o centro dos holofotes é o ser humano e suas fraquezas. Não há muito espaço para juridiquês, opção acertada da produção. Nessa linha que logo sentimos muito próxima da realidade, a narrativa atinge seu objetivo, prende a atenção, ficamos atentos para as reviravoltas ou não de um dilema – o desfecho é a maior prova disso. O público possivelmente se colocará a todo instante na pele do personagem em total desconstrução sobre valores e verdades sobre a palavra justiça.

O projeto também tem suas curiosidades por trás das câmeras. Como o reencontro de Toni Collette e Nicholas Hoult em cena depois de duas décadas (no ótimo Um Grande Garoto) e Kiefer Sutherland que conseguiu seu pequeno - mas expressivo - papel na história após enviar uma carta ao lendário diretor.

Jurado Nº 2 entrou direto nos streamings aqui no Brasil, na Max. Se esse for o último trabalho de Eastwood, fecha com chave de ouro uma carreira grandiosa também atrás das câmeras.


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19/12/2024

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Pausa para uma série: 'Inferno em La Palma'


Tragédias geológicas na ficção, os ‘famosos filmes catástrofes’ costumam fazer bastante sucesso. Esse é o caso da minissérie norueguesa de quatro episódios Inferno em La Palma, que logo nos dias de estreia na Netflix chegou ao top 10 da plataforma, derrubando inclusive o primeiro lugar da aguardada série sobre Ayrton Senna. Investindo em uma teoria bem na linha do achismo, com subtramas que vão desde estudiosos do ramo, políticos, até às escolhas de uma família de férias num lugar paradisíaco, o projeto completa as peças desse tabuleiro de sobrevivência se lançando aos clichês.

Na trama conhecemos um grupo de pessoas que estão na hora e lugar errado quando o despertar de um erupção vulcânica vira uma questão de curto tempo em La Palma, que faz parte do arquipélago das ilhas canárias. Pra piorar, a possibilidade de um Tsunami se torna iminente. Assim somos guiados por uma família em total crise, uma jovem pesquisadora da região e outros personagens que precisarão fazer escolhas em um curto período.

Com um piloto pouco explicativo e nada empolgante, a minissérie de quatro episódios começa a decolar a partir do meio do segundo episódio onde fica óbvio o ponto de interseção entre a catástrofe e mundo real: focar nos dilemas familiares. Dentro desse contexto, um casamento em crise e a afirmação da sexualidade se tornam duas peças que percorrem os dramas de uma família. Com capítulos longos que batem na redundância, a narrativa segue na linha do trivial, navegando entre as possibilidades no sobreviver e o desenvolvimento de subtramas.

Tentando decifrar as estratégias para tudo que vemos em cena – nem indo muito a fundo na questão física das reais possibilidades dessa catástrofe realmente acontecer – percebemos um objetivo no discurso: Quando deixa de ser ciência e se torna o real, o que pessoas comuns fariam? Seguindo essa pergunta, a desconstrução dos personagens caminham de forma emotiva que alcançam rapidamente a inconsequência.   

As cenas de ação são muito bem feitas, empolgam quem curte filmes do gênero. Um exercício interessante é ir de coração aberto, sem pensar nas reais possibilidades do que realmente é possível. É mentira pra todos os lados mas faz parte do entretenimento cinematográfico dos ‘filmes catástrofes‘.

Inferno em La Palma não desvenda cientificamente as interrogações sobre vulcões e tsunamis, não é essa a proposta. Aqui, o dramalhão toma conta com personagens em conflitos em uma situação onde tem tudo a perder. Simples e objetivo mas com tantos clichês quem pode causar o desinteresse. 

 

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Pausa para uma série: 'O Dia do Chacal'


Escrita pelo britânico Frederick Forsyth no início da década de 1970, a clássica obra político e espionagem O Dia do Chacal já ganhou algumas adaptações cinematográficas ao longo do tempo. Em 2024 foi a vez da obra virar uma série na Disney Plus, com ares novelescos, que se sustenta na força de um camaleônico personagem com uma associação interrogativa com traumas de um passado que se apresentam para inúmeras interpretações. Com direito a cenas de total violência dentro de um enigmático quebra-cabeça emocional, essa adaptação busca nos laços - e na quebra deles - trazer ritmo empolgante para uma geração que nunca ouviu falar desse personagem.

Na trama, trazida para o presente em uma Europa cheia de conflitos políticos, conhecemos um assassino de aluguel de alcunha o Chacal (Eddie Redmayne), contratado para realizar serviços quase impossíveis. Vivendo num casa luxuosa e repleta de mentiras ao lado da esposa Nuria (Úrsula Corberó), o protagonista tem um último serviço para enfim tentar a aposentadoria. Mas Bianca (Lashana Lynch), uma agente do MI6, está cada vez mais perto de descobrir seus planos.

Buscando num embaralhado de referências sobre as origens do personagem adaptados para o mundo de agora, esse seriado de 10 episódios tem alguns lados pouco abordados em outras obras sobre o universo de O Chacal. Um ponto são os laços amorosos dele pela esposa e o filho, fato esse que torna a vulnerabilidade algo nítido o que causa estranheza por conta da meticulosidade e frieza que é conhecida. Algo parece não bater por aqui, mesmo que há a compreensão de ser uma nova releitura. Com essa nova faceta apresentada, alguns episódios rumam para um novelão repleto de clichês mas que são compensadas por um emaranhado de ações alucinantes e sequências de tirar o fôlego.

As cenas de espionagem e ação são muito bem dirigidas, Eddie Redmayne encara seu personagem com competência deixando um monte de interrogações sobre seu modo de pensar e tendo o sangue frio no gatilho quando preciso. Essas características aproximam o espectador sobre a natureza desse vilão. Seus duelos com Bianca, mesmo que de forma confusa e previsível em muitos momentos, são parte de um alicerce que contornam o roteiro do seriado como um todo. A parte política e os outros vilões que se apresentam ficam em segundo plano, sem profundidade, num caminho de achismos.

O Dia do Chacal, longe de ser a obra-prima que poderia, conta com a força de um vilão já vivido por Edward Fox e Bruce Willis nos cinemas, que encontra em Eddie Redmayne um novo norte para camadas que poderão serem exploradas ao longo de temporadas. E por falar nisso, a segunda temporada já está garantida e deve chegar em breve na Disney Plus.


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17/12/2024

Crítica do filme: 'Cidade de Asfalto'


Focado nas angústias e verdades de realidades vistas pelo cotidiano de um jovem que entra para o corpo de oficiais de emergência de uma das mais famosas cidades do planeta, Cidade de Asfalto é um compilado de situações que colocam em xeque a sanidade mental, a ética, e as incertezas sobre a moral. Nessa linha tênue entre o que é certo e o que dá pra fazer, o protagonista enfrenta uma incansável crise existencial buscando galhos de esperança através das referências que encontra pelo caminho. Tudo isso é composto por uma narrativa visceral, nua e crua, que também leva à reflexões.

Na trama conhecemos Ollie (Tye Sheridan), um esforçado novato na função de paramédico que se dedica também aos estudos para uma vida melhor. No seu ofício, no complexo turno da noite, logo de cara enfrenta o caos das emoções que chegam forte por um cotidiano repleto de dor e emoções conflitantes. Aos poucos busca na sua única referência, Rut (Sean Penn), um experiente na função, algum sentido para seu presente. Mas nada será tão simples.

Indicado à Palma de Ouro em Cannes no ano de 2023, esse projeto busca sem sutilezas nos levar para uma situação de luta pela sobrevivência através do psicológico conturbado de um alguém sem diretriz. Partindo desse ponto, logo em subcamadas, percebemos uma imersão no que gira ao redor do protagonista. Um relacionamento distante logo afetado por seu trabalho, um parceiro de turno que de referência vira um ponto de interrogação pela absorção do caos na própria vida, as dificuldades em sobreviver quando tudo desmorona. Essa visão pessimista sobre os desandares urbanos se torna o alicerce de um roteiro que recorta situações para preencher o todo, uma fórmula que pode agradar ou desagradar, sem meio termo.

Dirigido pelo cineasta francês Jean-Stéphane Sauvaire, Cidade de Asfalto joga luz para funções com forte carga emocional, aqui com os holofotes apontados para os paramédicos. Essa profissão tão explorada no mundo dos projetos seriados, ganha nesse longa-metragem algo mais ‘pés no chão’, através de verdades de noites e mais noites no combate para salvar vidas mas abrindo brechas para reflexões sobre os contextos. Guiados pelo ótimo elenco, que além de Sheridan e Penn, tem a ótima Kali Reis e uma participação especial de Mike Tyson, o filme busca as verdades da rua através de heróis que nunca deixam de estar de frente para o que der e vier.


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30/11/2024

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Pausa para uma série: 'Belo: Perto Demais da Luz'


Buscando apresentar retratos de uma trajetória com altos e baixos de um dos mais bem sucedidos cantores brasileiros, o documentário Belo: Perto Demais da Luz ao longo de quatro episódios – todos já disponíveis na Globoplay - joga para o público reflexões sobre as polêmicas e o caminho trilhado pelo paulista Marcelo Pires Vieira. Sem passar pano e jogando na tela versões de fatos que caíram na curiosidade do povo, esse projeto nos mostra um pouco mais do Marcelo e momentos importantes da carreira de Belo.

A narrativa proposta busca preencher seus espaços primeiro com um pouco da história da infância e depois até sua entrada no grupo de pagode Soweto, passando nos episódios finais para as prisões e as mais recentes polêmicas que lotaram jornais e as redes sociais. Em todo esse processo, vemos em grande parte a história contada pelo próprio Belo e pessoas que sempre estiveram próximas a ele. Bastidores de turnês, imagens de arquivos, ilustram os episódios.

Com criação de José Junior, numa parceira entre Globoplay e a AfroReggae Audiovisual, não é esquecida a menção à ascensão do pagode no início dos anos 1990, onde Belo e outros artistas ganharam oportunidades em programas televisivos e um maior alcance de seus trabalhos. Art popular, Negritude Junior, Exaltasamba e tantos outros apareceram ao Brasil nesse período, abrindo espaço para futuros artistas. Para quem tem 30 anos ou mais lembra bem dessa época! 

A impressionante maneira de Belo se reinventar mesmo com os quebra-molas que apareceram na sua frente parece ser um fio condutor do projeto. Midiático desde que alcançou o sucesso e sem nunca perder a fidelidade de seu enorme público, sua vida virou um livro aberto à interpretações. Essa série, segue nessa linha. Com tanta exposição, polêmicas não faltaram ao longo dos seus 50 anos, completados em 2024.

Desde os relacionamentos com outras personalidades artísticas, a famosa dívida com um ex-jogador de futebol, até os problemas com a justiça, são mencionadas com versões que algumas vezes se chocam deixando para o público qualquer veredito. Há dois momentos que se tornam os pontos altos, os bastidores das prisões de Belo e o forte depoimento de Gracyanne Barbosa, ex-esposa de Belo. 

Com direção artística de Jorge Espírito Santo, roteiro e direção de Gustavo Gomes, Belo: Perto Demais da Luz é uma série documental que consegue fugir de ser chapa branca apresentando fatos, versões, numa modelagem de uma quebra-cabeça de uma figura por vezes enigmática que nunca deixou de ser amada por seu público.

 

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Crítica do filme: 'Submissão'


Tentando implementar um suspense sensual em meio a um retrato melancólico de um drama familiar o suspense Submissão caminha de forma desordenada pela redundância, se distanciando do discurso. Dirigido por SK Dale e protagonizado por Megan Fox, a produção que estreou na Prime Video nesse segundo semestre de 2024 é uma junção de peças sem sentido que nos levam até o caminho do desinteresse.

Na trama conhecemos Nick (Michele Morrone), um pai de família que vive um presente conturbado precisando cuidar dos dois filhos pequenos e com a esposa Maggie (Madeline Zima) precisando de um transplante de coração pra sobreviver. Para ajudá-lo no seu cotidiano, ele compra uma robô, Alice (Megan Fox). Aos poucos vai percebendo que essa escolha pode trazer muitos perigos para sua família quando a inteligência artificial começa a descobrir atualizações em seu sistema.

As questões sociais e os impactos da implantação da tecnologia é um tema recorrente no mundo do cinema. Por aqui ganha foco na questão da substituição de humanos por máquinas. Usuário principal, protocolos, sistemas em conflitos, rebelião de IA, há uma tentativa de imersão nesse universo e os contrapontos que atingem a sociedade. A questão é que sem a profundidade necessária, o projeto não encontra camadas, se tornando refém de chamativas cenas sensuais para gerar um clímax sem criatividade.  

A tecnologia como negócio, com as grandes corporações fazendo uso da inteligência artificial via robôs programados para fazerem tudo parece ser uma linha que busca juntar os pedaços dessa narrativa sonolenta, previsível, que se perde ao tentar unir a isso o forte drama familiar instaurado. A questão mais evidente que percebemos é que tinha elementos que poderiam serem melhor explorados. É como se a história estivesse lá mas a narrativa não acontece.

Logo alcançando o top 1 da Prime Video, Submissão (Subservience, no original) é um passatempo pouco criativo que busca chamar a atenção no ardente conflitante de um pai juntando os cacos de um presente caótico com cenas pouco inspiradas de máquinas em busca de atualizações para terem autonomia. Muito pouco para agradar.   

 

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