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14/10/2022

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Crítica do filme: 'Carvão'


Um choque entre dois mundos é a combustão que nos leva para uma estrada de diversos conflitos e escolhas, onde o paradoxo entre a impulsividade e a premeditação vira um reflexo dilacerante da natureza humana. Escrito e dirigido pela cineasta paulista Carolina Markowicz (em seu primeiro longa-metragem), Carvão joga na tela contradições camufladas de dilemas morais e a hipocrisia do julgamento para os que chegam e para os que estão no epicentro dessa história ambientada em uma casa humilde no interior de nosso país. Surpreendente até seu último minuto, somos testemunhas de mais uma grande obra do cinema brasileiro.


Na trama, exibida nos importantes Festivais de Toronto e San Sebastian, conhecemos Irene (Maeve Jinkings), uma mulher que vive com o marido (Rômulo Braga), o filho Jean (Jean de Almeida Costa) e o pai (esse já em estado bastante debilitado) em uma cidade isolada dos grandes centros, no interior do Brasil. A família vive uma vida simples onde a falta de dinheiro é algo frequente. Certo dia, uma mulher aparece com uma proposta inusitada, que consiste na família hospedar um misterioso visitante internacional chamado Miguel (César Bordón), em troca de uma boa quantia de dinheiro. Eles topam. Assim, se seguem dias de muitos conflitos, onde vamos entendendo melhor cada um desses personagens.


Há um raio-x intrigante sobre alguns personagens. Todos tem conflitos, e esses são muito bem aprofundados. Tem a esposa, religiosa, mãe, que começa a perceber uma mudança de comportamento no marido infiel, além de agir conforme o que acredita sobre a situação de seu pai. Tem o esposo, um acomodado, que vive de bicos, que vê na bolada ganha uma oportunidade de se desligar do mundo e agradar o seu verdadeiro amor. Temos o estrangeiro e sua fuga para bem longe dos grandes centros, mal sabia ele que a complexidade encontrada ali seria desafiante. Tem também a visão da criança sobre tudo que os adultos ao seu redor apresentam de exemplos. Essas sucessões de conflitos dos adultos nos levam para um olhar sobre a hipocrisia quase que frequentemente.


O sofrer pra dentro é uma característica marcante da protagonista Irene, interpretada por uma das grandes atrizes do nosso cinema, Maeve Jinkings. Nas tomadas de decisões mais chocantes que assistimos, Irene dribla qualquer compaixão, esconde as dores, busca de propósito não enxergar as verdades que sente. Nessa estrada de emoções não explícitas, isoladas, tudo que faz parte vira imprevisível. Irene marca seu nome como uma das personagens mais intrigantes dos últimos anos no cinema brasileiro.


Os acontecimentos marcantes são inúmeros, alguns destacados por dilemas morais. O roteiro parece abrir estradas na sua trajetória onde nos perguntamos a todo instante: o que vai acontecer na próxima cena?! As reflexões chegam por todos os lados, as cenas chocantes misturam um leque de descobertas sobre mais da personalidade dos envolvidos. Carolina Markowicz cria uma fórmula que explora até o último segundo o agir, o pensar e o sentir.



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12/10/2022

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Crítica do filme: 'O Clube dos Anjos'


Você tem fome de quê? Baseado na obra homônima do escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo, O Clube dos Anjos nos apresenta um inusitado recorte sobre a gula, onde a amizade, o posicionamento político, questões existenciais, reflexões sobre o luto e a morte acabam sendo inseridos em banquetes que geram diversas interpretações. Navegando pelo drama de alguns acontecimentos, o projeto tem sua essência e força na comédia. Exibido, em sessão única, no Festival do Rio de cinema, o longa-metragem é dirigido pelo cineasta niteroiense Angelo Defanti, em seu primeiro filme de ficção.


Na trama, exibida pela primeira vez durante o Festival de Gramado, conhecemos um grupo de amigos, desde os tempos do colégio que por conta do gosto em comum pela comida, criaram um grupo onde se encontravam todo mês para se deliciarem com o melhor da culinária. Mas ao longo do tempo, e com o falecimento do chef que cozinhava para eles, o afastamento foi algo lógico. Só que um deles, Daniel (Otávio Müller), inusitadamente conhece um misterioso chef chamado Lucídio (Matheus Nachtergaele) e assim convida novamente todos os integrantes do grupo para se reunirem mais uma vez. Após o encontro, e de toda comilança, um deles amanhece morto. Buscando entender o que houve, eles entram em grandes debates e nas dúvidas se devem se reunir novamente.


Adaptações de livros para cinema, um fato recorrente ano após ano, sempre tem muito da visão de quem escreve o roteiro e dirige o filme, principalmente em tramas que podem levar ao público inúmeras interpretações. Em Clube dos Anjos, o sarcasmo rola solto, seja na polarização política (que vemos muito nos dias atuais), nos embates sobre a morte, as maneiras de lidarem com o luto, nos conflitos e escolhas de amigos que possuem a comida como um elo na história deles. O público ri e reflete, a interação é constante, da Paella aos Bifes mais saborosos, é fácil embarcar nessa loucura que escancara a natureza humana. Com pouco mais de 100 páginas, lançado no final da década de 90, o livro de Veríssimo pode ser uma boa de se conferir caso você queira traçar paralelos com o que refletiu sobre o filme.


Ao longo do filme, impossível não pensarmos naquela letra de uma música famosa escrita por Arnaldo Antunes, Sergio Britto e Marcelo Fromer... ‘A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte!’ Questões que envolvem a sociedade e suas ansiedades (fator muito ligado à gula) são vistas nas características dos personagens. As escolhas estão à disposição todo instante, se colocam à frente, mostrando os limites do ser humano, até com uma visão pessimista sobre os poucos momentos onde sentem o prazer de viver, aqui representado pela comida.


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09/10/2022

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Crítica do filme: 'Pérola'

Créditos fotos: Marcinho Nunes

Abalou Bauru! Baseado em uma peça de teatro, de enorme sucesso em todo o Brasil, escrita pelo dramaturgo Mauro Rasi, Pérola, segundo trabalho de Murilo Benício como diretor de um longa-metragem, é um projeto cativante, que através de lembranças, memórias, nos leva a olhar pelo buraco da fechadura no campo das emoções e conflitos de uma família, de Bauru, do interior de São Paulo. O principal mérito do roteiro é conseguir fazer rir e chorar de forma constante em uma história de sentimentos diversos ao longo de um recorte de muitos anos. Drica Moraes, uma força da natureza em cena, domina sua personagem com maestria, uma baita atuação dessa fantástica artista brasileira.


Na trama, conhecemos Mauro, já adulto, que recebe uma notícia que o faz refletir sobre uma das pessoas mais importantes de sua vida, sua mãe, Pérola (Drica Moraes). Essa, uma mãe de família, esposa carinhosa, com dois filhos, moradora de Bauru, que tem uma personalidade forte mas nunca deixa de ser amável. Ao longo de alguns anos, onde, entre outras questões, vemos uma curiosa e demorada construção de uma piscina, vamos entendendo os grandes embates dessa família como tantas outras pelo Brasil, que brigam, fazem as pazes, buscam se entenderem nos conflitos mas nunca deixam de se amar.


Nessa comédia dramática, que traça seu objetivo principal em emocionar possui na sua trajetória um encontro com a comédia de maneira brilhante, uma fórmula mágica que parece ser transferida do teatro para a tela grande sem perder sua força. Se no teatro Vera Holtz, Sergio Mamberti e outros excelentes artistas brilharam nesses personagens, nessa adaptação para as telonas não é diferente, com um elenco maravilhoso com destaque para a fabulosa interpretação de Drica Moraes. Impossível não se emocionar!


A passagem temporal é grande e os pontos principais dessa família não se limitam a pai, mãe e filhos, como também há o genro religioso, as tias fofoqueiras, a vovó já idosa que precisa morar com eles, entre outros. Parece que estamos abrindo a janela e assistindo ao desenrolar da trama, como se de alguma forma tudo que vemos já ouvimos por aí, o que transforma a experiência em algo nostálgico. Rasi começou a escrever esse texto para o teatro no dia em que sua mãe faleceu, nos palcos o narrador era Emilio, um alter ego do autor, aqui na adaptação cinematográfica o nome é o do criador dessa história, uma homenagem ao dramaturgo que nos deixou em 2003.


O abstrato universo da lembrança, da memória, é por onde o filme navega, o grande ponto intercessor, com um narrador presente, que nos mostra suas angústias que vão desde conflitos pelo sonho em ser um escritor de peças de teatro até os medos por questões de sexualidade.


Pérola não deixa de ser uma homenagem de Murilo Benício também ao Teatro Brasileiro, como já fizera em seu primeiro longa como diretor, O Beijo no Asfalto baseado na obra de Nelson Rodrigues.




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23/08/2022

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Crítica do filme: 'Marte Um'


O refletir e os choques entre os sonhos e a realidade. O sonho de uma expedição até Marte em 2030 acaba sendo o pontapé de um lindo filme, que detalha os sonhos dentro de um contexto mais amplo, de esperança. Dirigido por Gabriel Martins, Marte Um nos mostra o cotidiano agitado de uma família dentro de um olhar urbano que caminha pelos relatos de uma sociedade que vive seus dias sem saber como será o amanhã. Há também um olhar delicado para o conflito de gerações quando pensamos nas formas de enxergar as mudanças, o sonhar.


Exibido no Festival de Sundance e no Festival de Gramado desse ano, Marte Um, ambientado nos últimos meses do último ano eleitoral (2018), conta a história de uma família que mora na periferia de uma grande cidade mineira. Tem o pai, Wellinton (Carlos Francisco), que é porteiro em um luxuoso condomínio e enfrenta com muita firmeza seus tempos de sobriedade após problemas com a bebida. Temos a mãe, Tércia (Rejane Faria) super alegre e dançante que após uma pegadinha traumática começa a ter sua rotina acompanhada por medos e aflições. Temos a filha mais velha, Eunice (Camilla Damião), uma jovem estudiosa que faz direito na Universidade Federal e está começando um relacionamento com outra jovem e tem o desejo de se mudar mas ainda não tem coragem de contar aos pais. Temos o filho mais novo, Deivid (Cícero Lucas) um jovem sonhador que gosta de futebol e adora astronomia passando horas consumindo esse conteúdo pela internet. Assim, vamos acompanhando a história de uma família batalhadora, que encontra suas respostas entre erros e acertos, na esperança e no refletir.


Os sonhos de uns acabam sendo os sonhos dos outros. O filme bate nessa tecla do sonhar. Deivid não quer ser jogador de futebol, sonho esse de seu pai que acaba deixando o garoto em conflito. Ele quer ser astrofísico, ser astronauta, embarcar em uma expedição de colonização de outro planeta anos à frente do seu presente. Ao mesmo tempo Eunice tem suas dúvidas sobre como será a reação dos pais quando souberem que namora uma outra jovem.  O entendimento mais detalhado sobre esses sonhos acabam passando no fortalecimento da relação dos dois irmãos.


Frustração e desilusão. Sorte e azar. Equilíbrio e desequilíbrio. Cair e se levantar. Aqui nesses duelos acompanhamos sob a ótica dos pais. Tércia parece viver em uma bolha de medo e apreensão provocada por um trauma que ela não sabe quando será o fim, deixando o destino aprontar. Wellinton luta pelo controle mas aos poucos percebe que o descontrole faz parte das incontroláveis variáveis de todas as trajetórias. O alcoolismo, o desemprego, o medo do preconceito, são outros temas que passam pelas linhas do ótimo roteiro.  


Como ficam nossos sonhos em um país polarizado politicamente, ainda cheio de desigualdades sociais, transbordando ainda em preconceito? Os personagens aqui estão à procurar o que todos estão buscando, a esperança. O resto...a gente dá um jeito.





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16/07/2022

Crítica do filme: 'A Felicidade das Pequenas Coisas'


Alguns dos super-heróis do cotidiano são mesmo os professores! Indicado ao Oscar na categoria de melhor longa-metragem estrangeiro representando o quase desconhecido país Butão, A Felicidade das Pequenas Coisas nos mostra a saga de um jovem professor e toda a transformação que acontece em sua vida após ser enviado para dar aulas em uma das escolas mais distantes do mundo. Escrito e dirigido pelo cineasta indiano Pawo Choyning Dorji, o longa-metragem emociona do início ao fim, entre outros refletires mostra ao público a força e a importância da educação.


Na trama, conhecemos o recém nomeado professor Ugyen Dorji (Sherab Dorji), um jovem que mora com sua avó e tem o sonho de seguir carreira na música e ir morar na Austrália. Ele é contratado do governo de Butão exercendo a função de professor e se vê sempre em desilusões nessa profissão. Certo dia é enviado para Lunana, um lugar distante do grande centro, onde para se chegar é preciso caminhar cerca de uma semana. Sem ter o que fazer, ele embarca para o lugar sem saber que lá passará por lições que nunca mais esquecerá em sua vida.


Xô nos confortos do ocidente! Mesmo todos sendo do mesmo país, há um choque cultural muito grande de quem vive nos grandes centros, caso do protagonista, em relação a quem mora nas regiões de alta altitude. Num início tudo é conflito mas a forma de ver o mundo muda bastante para o professor o fazendo entender a importância dos pequenos gestos, das pequenas coisas. Em relações as detalhadas sequências, vemos uma forte passagem sobre as tradições, a fé, o modo simples e objetivo de ver o mundo, o cotidiano com o básico dessa vila de menos de 100 habitantes que fica numa parte do Himalaia. Dentro desse choque cultural, há um diálogo simples mas que faz refletir muito sobre o descongelamento das montanhas do Himalaia por conta do aquecimento global.


A força da educação ganha contornos emocionantes quando pensamos no choque de realidade. Um vilarejo longe das constantes mudanças do mundo, da globalização, das atualizações diárias da tecnologia, possui uma escola sem quadro, sem materiais para o uso básico do aprendizado. Mas o saber, o conhecer, o ensinar, são para os criativos e para os que querem fazer acontecer algo importante e pode acontecer em qualquer lugar, só querer. Conforme vai percebendo o bem que fez aquela comunidade, o protagonista entra em uma auto análise sobre a própria vida, em meio a canções que aprende seus verdadeiros significados.


A Felicidade das Pequenas Coisas é uma pequena obra-prima que nos faz refletir sobre nossas próprias vidas, em tudo que temos e as vezes não damos valor.



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08/04/2022

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Crítica do filme: 'O Traidor'


Os recortes do medo. Depois de mais de 50 trabalhos com sua assinatura ao longo de mais de 60 anos de carreira, chega aos cinemas brasileiros nesse primeiro semestre de 2022 mais um filme do grande cineasta italiano Marco Bellocchio. Dessa vez traz para o público uma história real de um homem que fora um dos primeiros delatores da sociedade criminosa secreta que se desenvolveu na primeira metade do século XIX na Sicília (Itália), a Casa Nostra. Ao longo de mais de duas horas e meia de projeção vamos conferir as consequências dessa escolha na vida de um homem marcado para morrer.

Na trama, conhecemos Tommaso Buscetta (Pierfrancesco Favino) um soldado da mais famosa Máfia Italiana, a Casa Nostra, que após uma série de disputas e assassinatos dentro dessa sociedade criminosa resolve fugir para o Brasil com a esposa, a brasileira Maria Cristina de Almeida Guimarães (Maria Fernanda Cândido). Só que sua estadia por aqui é marcada por perseguição e ele acaba sendo forçado à retornar para seu país de origem onde toma uma decisão que acabaria sendo um dos mais duros golpes que a Casa Nostra já tomou, se tornaria testemunha chave contra muito dos integrantes da organização.


Indicado para mais de 30 prêmios ao redor do mundo, inclusive concorreu à palma de Ouro em Cannes no ano de 2019, O Traidor navega na completa visão de um protagonista e suas escolhas. Em um primeiro momento o vemos se distanciar de uma terrível guerra pelo poder, um duelo de clãs dentro da mesma organização e seus de modos de pensar diferentes. Conhecido por ser mais razão que emoção, o criminoso busca aliança pelas entrelinhas a todo instante, de modo a se sentir protegido mesmo que isso não valha para boa parte de sua família que acaba pagando pelas suas decisões. Num segundo momento, após ser torturado e expulso do Brasil, toma a decisão pela Delação premiada, eu uma série de depoimentos ao juiz Giovanni Falcone (Fausto Russo Alesi), em um caso que ficou conhecido por todo o mundo.


Em meio a cenas de perseguição e ação, muitas sequências de confronto em tribunais, o mérito maior de Bellocchio nesse projeto é conseguir destrinchar o medo e todas suas facetas. Em completa imersão desse sentimento, pois sabe que está marcado a vida toda para morrer, Buscetta passa por fases que vão desde a uma tentativa de suicídio, até a paranoia de comprar um fuzil para se defender a qualquer sinal de perigo. O Traidor pode ser entendido por um recorte profundo de um criminoso que foge para vários lugares, sob proteção dos outros, mas que nunca está seguro.


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02/04/2022

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Crítica do filme: 'Mar de Dentro'


Um poderoso recorte sobre a maternidade. Buscando trazer as transformações do corpo e da vida de uma forte protagonista, a cineasta gaúcha Dainara Toffoli nos coloca diante de várias questões que giram em torno da maternidade. Em dúvidas sobre quase tudo que a cerca, a personagem principal, interpretada brilhantemente por Monica Iozzi, busca dar um passo de cada vez dentro de um universo de possibilidades. Seu sofrer vira luto em uma virada que a trama nos apresenta provocando um recorte cada vez mais íntimo de uma mulher em busca das melhores soluções dentro das variáveis que estão no seu presente.


Na trama, conhecemos Manuela (Monica Iozzi), uma mulher independente, dedicada à carreira como diretora de criação de uma empresa, que se aproxima cada vez mais de Beto (Rafael Losso) um colega de trabalho. Certo dia, descobre que está grávida. Entre dúvidas e medos, dá andamento à gravidez sempre com o apoio do pai da criança e tendo poucos amigos, de mais próxima somente sua irmã Tetê (Gilda Nomacce). Mas uma tragédia coloca todas as questões de seu atual momento em grande conflito.


A construção do roteiro (assinado pela diretora e também por Elaine Teixeira) vai florencendo através de um cotidiano agitado na vida da protagonista e aos poucos nos sentimos dentro de um ciclo, de início proposto, até o infinito. Em um primeiro momento há um conflito quando sabe a notícia da gravidez e entra em um processo de despir-se emocionalmente para rumar a uma aceitação que chega de encontro também com as boas atitudes do seu parceiro. Quando o abalo emocional chega por conta de um grave ocorrido há uma evidente solitude que fica mais necessitada para a personagem após essa reviravolta de sua história. Nesse segundo ponto, há uma dúvida para nosso refletir: se esse estado de privacidade é voluntário ou imposto. Mas qualquer desses caminhos exploram as estradas muito íntimas de um estado emocional em constante altos e baixos.


Muito mais que nove meses, uma vida toda a partir de um momento. Na segunda parte da história, sim podemos dizer que após o plot twist há uma reinvenção da personagem com seu novo cenário, novos conflitos chegam, como, por exemplo, a relação com os avós paternos que querem influenciar onde o bebê nascerá num primeiro momento, e depois, buscando se impor também em cima do cotidiano logo após o nascimento da criança. Mais ainda, as noites mal dormidas, os embates sobre as opiniões de terceiros, o impacto na dedicada vida profissional, as dores de um trauma difícil de esquecer, as transformações do corpo, nesse furacão de emoções para entender a nova vida, a nova rotina, a partir de suas escolhas.


Mar de Dentro é um fascinante retrato de uma mulher, suas dores, seus amores, suas reflexões, seus medos, suas descobertas...dentro de seus encontros com as inúmeras formas de lutar, fazer o seu melhor e acordar para viver novas emoções mais uma vez.

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10/03/2022

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Crítica do filme: 'Belfast'


Conflitos de uma memória sempre presente. Indicado a sete Oscars, escrito e dirigido por Kenneth Branagh, Belfast reativa as lembranças do hoje bastante famoso ator e diretor em paralelo em que a história de seu país era escrita e não de uma maneira muito orgulhosa, cheio de conflitos que duraram (até mesmo duram) por conta de uma intolerância acoplada à política. O preto e branco como uso das imagens mostra um sentido à questão temporal, que remete às memórias, e também ao sentimento que se aproximam das escolhas. Um trabalho primoroso de Branagh.


Na trama, ambientada na década de 60, enxergamos tudo pela ótica de um jovem menino chamado Buddy (Jude Hill) que vê se despedaçar e atravessar inúmeras mudanças o local onde nasceu e foi criado que agora é tomado por intolerância religiosa que geram conflitos agressivos. Em paralelo a esses conflitos vemos sua rotina, seu cotidiano dentro desse cenário mas sem deixar de brincar na rua com os amigos, se apaixonar pela primeira vez, os sonhos e dedicações na sala de aula, as discussões dos pais (interpretados pelos ótimos Caitriona Balfe e Jamie Dornan), as idas e vindas do pai que trabalha num lugar muito longe. Também refletimos dentro dos diálogos com os avós, os indicados ao Oscar Judi Dench e Ciarán Hinds, num misto de pré saudade e aprendizados que ficariam guardados por toda uma vida.


O filme é baseado em fatos reais da infância do diretor do projeto Kenneth Branagh, conseguimos entender uma parte muito falada da história da Irlanda do Norte e os conflitos entre protestantes (a maioria) e católicos. O tempo acaba sendo uma variável importante nas escolhas que precisam tomar os adultos na questão abordada: esperar os conflitos esfriarem ou até mesmo se resolverem, ou se mudar para um outro lugar iniciando uma nova vida também com incertezas?


O cinema também fez parte dessa trajetória com os filmes sendo usados por Buddy para fugir um pouco daquela realidade de incertezas, não só os faroestes de John Wayne que passavam na televisão mas também as idas ao cinema assistindo a filmes como o britânico Calhambeque Mágico (Chitty Chitty Bang Bang) de Ken Hughes. Em uma das cenas, uma leitura dos quadrinho de Thor nos fazem refletir sobre os tempos atuais já que Branagh foi o diretor do primeiro filme do herói de Asgard lançado no atualmente conhecido MCU (Universo Cinematográfico Marvel).


Belfast em resumo é recorte histórico de muitas vezes, em homenagem a tantas outras, dos que partiram e dos que ficaram. Um inesquecível e emocionante trabalho guiada por uma trilha sonora pulsante e um olhar de um diretor que sabe como transforma as emoções em cinema.



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25/02/2022

Crítica do filme: 'Case Comigo'


As ingenuidades de um roteiro que caminha sem pretensões e na superficialidade. Chegou aos cinemas brasileiros nesse início de ano o longa-metragem Case Comigo que marca a volta de Jennifer Lopez às telonas contando a fantasiosa história de amor de uma popstar e um introspectivo professor. Dirigido pela cineasta nova iorquina Kat Coiro, o projeto é um recheado trajeto cheio de clichês, com uma força musical do pop, mas que por não almejar ser profundo no relacionamento vira uma mesmice entediante.


Na trama, conhecemos a estrela da música Kat (Jennifer Lopez), uma mulher muito bem sucedida e atarefada, com seus shows, propagandas e eventos, que está em um momento da vida prestes a se casar com outro popstar, o também cantor Bastian (interpretado pelo cantor colombiano Maluma). Durante uma apresentação lotada em uma grande arena, fica sabendo que Bastian à traiu com sua assistente, o que gera nela uma enorme raiva. Ainda nesse show, ela acaba aceitando se casar com Charlie (Owen Wilson), um pacato professor que estava na apresentação com sua filha. A partir do encontro entre esses dois, uma química acontece e eles começam a se conhecerem melhor.


Parece que há uma tentativa de paralelo com Um Lugar Chamado Notting Hill, ou qualquer filme desses que gera o encontro entre dois mundos, dois universos que precisam se adaptar para poder dar certo. Como se fosse o choque entre a fama e o anonimato. O desenvolvimento aqui é raso, fantasioso que busca nos clichês um apoio para que seus atos de alguma forma passem uma mensagem de otimismo, mesmo que distante da realidade. O problema é que com quase duas horas de filme, a trama não desenvolve deixando muito simplistas suas conclusões.

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14/01/2022

Crítica do filme: 'Benedetta'


O choque para falar sobre a fé. Indicado à Palma de Ouro em Cannes 2021, o novo trabalho do veterano cineasta holandês Paul Verhoeven, que volta as telas do cinema após um hiato de cinco anos, é um filme que pode chocar alguns. Debate a fé em paralelos às incertezas por meio de uma intrigante personagem feminina. O projeto é baseado no livro Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy, de Judith C. Brown. No papel da protagonista, a atriz belga Virginie Efira.


Na trama, conhecemos parte da trajetória da irmã Benedetta (Virginie Efira), uma jovem que desde criança foi levada para o convento por seus pais e assim servindo a cristo desde esse momento. Ela cresce e seus conflitos com sua forte necessidade da fé viram algo intenso, o que causa choques com a líder das freiras, Felicita (Charlotte Rampling). Certo dia, chega ao convento outra jovem, Bartolomea (Daphne Patakia) por quem Benedetta acaba se envolvendo profundamente.


O desejo, o prazer, o entendimento do próprio pensar, do próprio corpo, do dom, tudo uma ilusão ou um milagre não compreendido? Os caminhos para a fé são debatidos aqui com o abstrato, citações sobre a necessidade do sofrimento, o constante medo, o milagre, as visões, as punições, esses e outros elementos vão moldando as linhas conflituosas do roteiro assinado por Verhoeven e David Birke.  O choque chega pelas imagens, no epicentro da paixão e a descoberta do prazer, que dentro de um pensamento conservador da época (e de parte do mundo de hoje) acaba sendo a ponte óbvia para os conflitos que se sucedem.


Há tempo para uma cutucada na ganância sobre a fé, sobre as inúmeras figuras dúbias e suas hipócritas ação e reações dentro dos conflituosos (e interpretativos) entendimentos sobre a fé. As imposições das regras da igreja católica estão envoltas em tudo que se sucede nessa profunda trama, baseada em fatos reais, ambientada na Itália, no final do século XVII.



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25/11/2021

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Crítica do filme: 'Casa Gucci'


A queda das pessoas impulsivas. O tão aguardado Casa Gucci, dirigido pelo experiente Ridley Scott, mostra um recorte da mistura de emoções da poderosa família descendentes de italianos busca conquistar o público com uma trama rasa, personagens mal desenvolvidos e um foco total numa protagonista caricata interpretada por Lady Gaga. Há pouco brilho para os coadjuvantes. Ótimos possíveis personagens contornam a trama de Patrizia e Maurízio mas não se sabe o porquê tem pouco espaço. A minutagem do filme também chama a atenção, são quase três horas de uma novelão sonolento pouco criativo.  Casa Gucci é, sem dúvidas, uma das grandes decepções do ano!


Na trama, conhecemos a ambiciosa Patrizia (Lady gaga), uma mulher de classe média que trabalha com seu pai em um negócio rodoviário. Certo dia, em uma festa, conhece Maurízio (Adam Driver), na época um jovem estudante de direito que é um dos herdeiros da famosa marca Gucci. Perseguindo o rapaz onde ele ia, Patrizia consegue fazer com que o mesmo, no início quase sem ambição nenhuma, entre no negócio da família, mesmo após brigar com o pai (Jeremy Irons) mas abençoado pelo CEO na época dos negócios milionários dos Gucci, Aldo (AL Pacino). Assim, ao longo dos anos, Patrizia e Maurízio vão subindo o degrau do poder mas uma ruptura com final trágico se torna cada ano mais iminente.


As passagens de tempo acabam sendo corridas pois o foco é de alguma forma a relação conturbada que nasce, cresce e desmorona ao longo dos anos entre o casal protagonista. As reflexões sobre como Maurízio (personagem de um Adam Drive muito apagado) pensa e sua desconstrução como personagem podem tornar o filme interessante para alguns, mas o fato dele prezar pelo elo familiar acima dos negócios acaba ficando muito confuso com decisões unilaterais mal desenvolvidas dentro da narrativa. É como se fossemos entendendo os desfechos através de revistas de fofocas, limitadas a um chamativo título mas sem explicações mais profundas. Falando um pouco do roteiro, as rasas explicações para os escândalos fiscais que ficaram conhecidos em todo o mundo acaba sendo uma peça reserva de um quebra cabeça que nunca se completa.


A direção de Scott magnetiza os passos de Patrizia que em muitos momentos da trama não consegue se desenvolver aos nossos olhos. Como se o filme fosse um time de futebol e o técnico mandasse sempre entregar a bola para quem ele acha que é o craque do time e esse vai mal. Caricata, a atuação de Lady Gaga, que esteve tão bem em Nasce em uma Estrela, não mostra um pingo de inspiração. Há uma entrega forte mas que peca pelos exageros, assim como todo o filme em si.

 

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30/09/2021

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Crítica do filme: 'Bonequinha de Luxo'


Considerado um dos clássicos do cinema, Bonequinha de Luxo é um filme que fala sobre sonhos, as maneiras como podemos enfrentar problemas do passado, as desilusões de uma vida rica em alguns sentidos e pobres em outros. Protagonizado pela atriz belga Audrey Hepburn (a primeira escolha era Marilyn Monroe) o projeto lançado em 1961, baseado na obra homônima de Truman Capote teve um orçamento de 2,5 milhões de dólares e arrecadou mais de dez vezes esse valor somente em bilheteria pelo mundo.


Na trama, conhecemos Holly Golightly (Audrey Hepburn) uma jovem que se muda para Nova Iorque depois de uma vida difícil no interior do país. Mora com seu gato em Nova Iorque, em um apartamento agitado mas quase sem nada na geladeira e onde a bagunça reina. Caça milionários que aparecem nos lugares que frequenta para tentar se casar e enfim completar o sonho de ser milionária, talvez a fim de esquecer seu passado na pobreza. Um dia, o escritor Paul Varjak (George Peppard), bancado pela amante, chega no prédio aonde ela mora para ser seu vizinho. Uma amizade quase instantânea nasce logo no primeiro encontro os levando rumo a uma história de amor inesquecível.


O longa-metragem que ganhou dois Oscars, melhor trilha sonora e melhor canção original, conta uma história sobre um amor inusitado o que nos leva ao encontro das teses que existem pelo universo de que o amor pode estar em qualquer esquina. A relação de amizade logo vai se tornando algo mais profundo, mais forte levando os dois para a complicada questão da escolha. Iludida pelo glamour da cidade mais famosa do mundo passa seus dias na inconsequência de sonhos distantes o que a faz ficar distante, todos os primeiros arcos nos mostram como a protagonista pensa e reage quando fica em confronto aos seus objetivos.  É uma maravilhosa atuação de Hepburn, enche a tela com um carisma que conquista gerações e gerações de cinéfilos e cinéfilas de todos os lugares.

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29/07/2021

Crítica do filme: 'Pig'


E se você pudesse recriar momentos com sua arte? E se mesmo assim não fosse suficiente para se ter tudo na vida? Afinal, o que é ter tudo na vida? Em seu primeiro longa-metragem (dirigindo e escrevendo), após três curtas e co-dirigir dois seriados, o cineasta Michael Sarnoski consegue encontrar uma fórmula mágica, intimista, mostrando ao público dentro do inusitado universo de um homem atrás de um porco que lhe fora sequestrado. Aos poucos vamos percebendo que há toda uma impactante história por trás, mostrada na tela tecnicamente de forma sublime, dentro de uma fotografia maravilhosa. É a grande atuação da carreira de Nicolas Cage! É uma profundidade impressionante que alcança para seu complexo personagem. Somos testemunhas da ressurreição de sua carreira. Com trabalhos nos últimos anos, em sua maioria, bastante questionáveis, quando Cage acerta vira algo inesquecível.


Na trama, acompanhamos Rob (Nicolas Cage) um homem que encara sua solitude como algo normal na região de florestas no interior de Oregon, vivendo com seu porco que o ajuda a resgatar trufas e assim vender para um negociante desse produto, o jovem empreendedor Amir (Alex Wolff). Certo dia, em uma noite fria, sequestram seu porco, levando o protagonista a ter que encarar todo seu passado em busca do animal. Parece uma sinopse doida né? Mas saibam, é um filme surpreendente.


O ritmo é lento mas necessário. Refletir dentro da melancolia é algo muito difícil, anda-se em uma linha tênue onde qualquer desinteresse pode chegar na cena seguinte. Mas Sarnoski é um grande habilidoso na arte do surpreender, vai entregando ao público essa história aos poucos, partindo do absurdo até as camadas mais densas. A interseção são as perdas, um luto vestido de várias formas diferente por cada personagem, encabeçados por um protagonista que junta todas as pontas soltas mesmo que seu objetivo seja mesmo travar uma luta interna contra tudo que deixou longe de seu atual viver.


Como o foco é quase total no personagem principal, esse deixa migalhas de uma personalidade forte mas grande respeito de muitos dos que sempre lembram dele. Ele anda pelas ruas todo machucado, sujo, isso não parece importa aos olhos imperceptíveis do seu mundo ao redor. Vira um paralelo profundo de como se sente por dentro, a amargura que transborda. Faz o possível para que a página atual de sua vida seja virada mesmo que isso lhe traga a volta de lembranças adormecidas de um passado que de alguma forma ainda lhe traz muita tristeza.


Essas dores da perda, o emblemático instante do inesquecível chegam de encontro quando quase que poeticamente usa sua carta na manga, a arte de cozinhar, a questão do sentimento trazida à mesa. Um fechamento de um ciclo, uma jornada, de autodescoberta sobre os caminhos que ainda pode conhecer ou simplesmente deitar na sua cama aguardando tudo passar? Mas será que passa? Qual o próximo passo? Ele existe? Pig é um dos grandes filmes de 2021. Imperdível!

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08/07/2021

Crítica do filme: 'Sibyl'


As portas que se abrem na luta constante pelo equilíbrio. Sibyl, exibido no Festival de Cannes em 2019, possui um engenhoso roteiro, onde disseca a personalidade de uma protagonista complexa que de maneira egoísta e inconsequente caminha por realidades longe da sua. Provocativo, reflexivo o projeto consegue em suas entrelinhas criar inteligentes paralelos sobre a rejeição em várias óticas que navegam pelas vidas dos personagens. Escrito e dirigido pela cineasta Justine Triet, também abre espaço para reflexões sobre conflitos éticos bem pra lá da linha tênue imposta na não explícita relação entre paciente e profissional de terapia. Conforme vamos acompanhando a obsessão da terapeuta pela história de sua paciente, a primeira vai abrindo portas bem fechadas de suas memórias que de alguma forma possuem paralelos com o que vemos no presente da segunda.


Na trama, conhecemos a psicóloga Sibyl (Virginie Efira) uma mulher que sempre teve dificuldades em lidar com sua família, seu presente a faz constantemente refletir sobre pedaços de sua trajetória chegando a uma auto análise até certo ponto bastante profunda, fatos que divide nas consultas com o seu próprio terapeuta. Luta contra o alcoolismo, inclusive, frequentando constantemente um grupo de ajuda. Para se concentrar no próximo projeto de sua vida, escrever um romance, acaba tendo que abandonar mais de 20 pacientes, alguns inclusive que já acompanhava fazia anos. Mas nesse processo, o telefone toca e do outro lado da linha é Margot (Adèle Exarchopoulos) uma jovem atriz que está desesperada: grávida de 2 meses de um ator de cinema famoso e ainda casado com a diretora do novo filme que está rodando. A psicóloga então percebe que a história é tudo que procurava para criar o universo do seu livro, assim resolve ajudar a jovem mas sempre gravando todas as consultas.


Um pouco nas linhas do famoso seriado In Treatment (que tem todas as temporadas disponíveis na HBO Max) enxergamos primeiro os conflitos entre Psicóloga e Paciente, as formas de ajudar alguém que sofre tanto você. Mas logo fica evidente a questão chave do descontrole de uma vida com feridas que nunca foram fechadas. E nesse caso, não da paciente mas sim da terapeuta. O ponto de clímax desse inteligente trabalho é juntar as peças rumo a esse descontrole, quando tudo se alinha, paralelos e as tais portas abertas de emoções distantes. Quando tudo isso entra em erupção, as indecisões, as angústias, afloram. Percebemos lapsos de egoísmo e muito sofrimento, principalmente no ponto de um amor não correspondido do passado que insiste em ser um fantasma que ela pensara estar adormecido em seu presente.


Resolve romper com a ética que parece sempre ter defendido por causa do seu egoísmo quase indomável de dar chance a seus sonhos após anos se entupindo de problemas, seus próprios e dos outros. É possível julgarmos tal ato? Existe algum meio termo para a questão? Quais são os limites da ética, da moral? Nos fazendo perguntas a todo instante, quem consegue embarcar nesse caminho espinhoso ligado ao campo das emoções que passa a protagonista consegue entender a genialidade de um filme feito para refletir sobre a vida, sobre a arte do recomeçar e reescrever sua própria trajetória.

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07/07/2021

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Crítica do filme: 'Hava, Maryam, Ayesha'


As possibilidades das próprias escolhas. Escrito e dirigido pela cineasta Sahraa Karimi (primeira e única mulher no Afeganistão que tem um doutorado em cinema), o drama Hava, Maryam, Ayesha nos mostra as dificuldades da liberdade de escolha dentro de uma cultura que ainda é presa a costumes que deixam as mulheres em total segundo plano, principalmente quando pensamos sobre família. Atento aos detalhes ligados a esses costumes, o roteiro navega na história de três mulheres de classes sociais diferentes mas que possuem uma mesma questão: todas estão grávidas e precisam fazer escolhas que podem chegar ao mesmo lugar. Representante do Afeganistão no Oscar de 2020 de Melhor Filme Estrangeiro, o projeto  parece até certo ponto três curtas-metragens mas suaves pontos de interseção acabam dando muito sentido a mensagem que o filme objetiva.

Na trama, conhecemos três mulheres de faixas etárias diferentes e que vivem situações familiares complicadas. Hava (Arezoo Ariapoor) é casada, está grávida do primeiro filho, cuida da sogra e do sogro, vive com o marido machista, acomodado. Infeliz, se abraça na sua fé esperando dias melhores. Algo desperta dentro de sua razão quando o marido, em uma noite de farra com os amigos, não a leva ao hospital. Maryam (Fereshta Afshar) é uma mulher forte e decidida. Jornalista, apresentadora de telejornal, uma das poucas mulheres que falam inglês na emissora que trabalha. Está passando por momentos difíceis no campo emocional após o recente término com o ex, um homem que a traia frequentemente dentro dos sete anos de união deles. Buscando forças dentro dessa parte triste de sua vida, acaba descobrindo que está grávida. Ayesha (Hasiba Ebrahimi), a mais velha de cinco irmãos, está com o casamento arranjado com o primo, sem poder escolher seu pretendente. Ela está grávida de um ex-namorado que a abandonou quando soube da possibilidade da gravidez, busca a ajuda de uma amiga e assim conseguir dinheiro para realizar um aborto antes de se casar.


Há vários pontos de reflexão e todos giram em torno de questões sobre a mulher nos dias atuais no Afeganistão, país conhecido pela rigidez nos seus costumes e que praticamente anula quase todas as possibilidades de um papel preponderante da mulher seja na sociedade, seja na família. Cada uma das protagonistas nos mostram um ponto de vista, quase um recorte contemporâneo sobre muitas situações hoje em dia vividas nesse país tão distante do nosso. A questão do aborto chega para concretizar a liberdade de escolha, seja ela de maneira clandestina, escondida, ou até mesmo de peito aberto como uma certeza, no caso da forte jornalista.  


Primeiro filme independente do Afeganistão totalmente filmado em Kabul com diretora, atores e atrizes que vivem no Afeganistão e exibido no Festival de Veneza no ano de 2019, Hava, Maryam , Ayesha tem estreia confirmada nos cinemas brasileiros no dia 08 de julho.


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14/06/2021

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Crítica do filme: 'Acqua Movie'


No fundo a gente é tudo índio! Falando sobre o luto, relacionamento distante entre mãe e filho, a terra, os indígenas, o extremismo, a conversa na bala, rituais culturais, nordeste semiárido, Acqua Movie, dirigido pelo cineasta pernambucano Lírio Ferreira mostra também a poesia e as metáforas da vida, como conseguem ser reunidas pelos simbólicos momentos da água, quase um plano dentro dos planos, nos conflitantes diálogos, nos momentos de análise e entendimento sobre um monte de porquês que o filme se coloca como reflexão. Protagonizado pela excelente atriz Alessandra Negrini (uma das melhores atrizes do cinema brasileiro), esse road movie vai à fundo nas questões indígenas, no olhar desconfiado e violento do homem branco.


Na trama, acompanhamos Duda (Alessandra Negrini), uma mãe que volta para casa às pressas após a morte inesperada do pai de seu filho Cícero (Antonio Haddad Aguerre), um jornalista renomado da televisão. Mas a tensão está no olhar, na expressão, mesmo em poucas falas entendemos que a relação entre os dois é bem distante por conta dos inúmeros compromissos que sua Duda possui no seu lado profissional, como documentarista, inclusive tendo uma equipe de filmagens esperando ela na Amazônia para rodar um documentário. Buscando uma reaproximação com o filho, a protagonista resolve embarcar junto com o filho, de carro, rumo a cidade de origem do pai de Cícero para deixar lá as cinzas dele. Passando por lindas paisagens, percebem as belezas da natureza mas também a ganância do poder bem evidente.


Aquele que julga também é aquele que será julgado. Dentro do Road Movie, principalmente nos arcos intermediários, vamos conhecendo mais o semiárido nordestino, mais precisamente a cidadezinha de Nova Rocha em Pernambuco, quase separada por um rio da Bahia, que substituiu uma cidade que fora tomada pela água e onde nasceu o pai de Cícero, comandada pela família do pai, que domina essa região no interior de Pernambuco faz muitos anos, o que gera conflituosos momentos com a mãe.


Uma busca por inventar o instante contínuo como se fosse algo acoplado às ações dos personagens é um grande mérito de Ferreira que além de tudo joga uma lupa numa relação nada amistosa de uma mãe distante e um filho com dúvidas sobre o mundo. O projeto navega pela crítica, pelos desdobramentos dessa relação conflituosa entre mãe e filho, pela questão indígena. Mais do que qualquer livro, que muitas vezes não chegam na profundidade pedida para determinadas questões, o jovem Cícero passa por grandes aprendizados pois aprenderá que é difícil fingir que está tudo bem vendo os momentos reais de uma luta pela existência que nada mais é algo que sua mãe acredita e denuncia pelo seu trabalho.  



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13/06/2021

Crítica do filme: 'A Boa Esposa'


Trazendo para os espectadores uma história de força feminina, mudanças em uma época que se soma à famosa revolução social de 1968 na França, marcada por greves gerais e ocupações estudantis que provocaram uma liberdade e força da cultura jovem na Europa, A Boa Esposa mostra o despertar das personagens, de gerações diferentes, para os iminentes conflitos em busca dessa liberdade em um tempo ainda em curtas mudanças no modo de enxergar a mulher na sociedade, na família, no trabalho. Dirigido pelo cineasta Martin Provost e com mais uma bela atuação da musa do cinema francês, Juliette Binoche, o filme, principalmente em seu desfecho, para lá de emblemático, não deixa de ser um grito de força para as próximas gerações.


Na trama, conhecemos Paulette Van Der Beck (Juliette Binoche), que junto ao seu marido Robert (François Berléand) comandam uma escola na Alsácia que basicamente tem o objetivo de treinar adolescentes para se tornarem donas de casa perfeitas. Lá aprendem a cozinhar, a costurar, todos os elementos absurdos sem escolhas para seguirem ordens do marido, só podendo ficar calada. Mas visões feministas chegam para as jovens através do rádio, de algumas experiências escondidas das jovens culminando em uma espécie de revolta ainda tímida mas que ganha força com a união entre elas. Em paralelo a isso, após um acontecimento trágico, Paulette redescobre o amor que fora separado anos atrás pela guerra o que a faz entrar também em uma nova linha de pensar, ensinando o que já não acredita, há um conflito interno pouco exposto que começa a surgir com a chegada desse inacreditável novo amor.


Há reflexões em todos os cantos desse ótimo longa-metragem francês. Na frase: ‘Amaria ser sua esposa, não sombra de sua vida’ fica óbvio a mudança, a atitude, a união das mulheres em relação a como são tratadas por uma sociedade extremamente machista. O uso da comédia em contraponto, ou até mesmo misturada ao drama dão suavidade, leveza, deixando a reflexão chegar de maneira mais mastigada ao espectador. O caótico universo do desespero daqueles que não conseguem se posicionar acabam avançado nas linhas da tragédia mesmo que o filme tenha poucas pausas dramáticas/cômicas.


Em paralelos, dentro do universo temporal mencionado (final da década de 60), vamos vendo uma França como uma pólvora de conflitos sociais, principalmente contra o governo de De Gaulle (já no finalzinho do governo do mesmo). Conseguimos preencher as linhas das lacunas deixadas, enxergamos o horizonte, sobre essa construção de um movimento em diversos lugares do mundo (não só na França). Nesse ponto, a importância da personagem Paulette que entra em uma desconstrução tão profunda quanto o país em sua volta. A partir dessa transformação, rouba a cena completamente, fruto também da competência em cena de Binoche.


O longa-metragem estreia dia 17 de junho. Um belo trabalho, repleto de humor, drama (até musical!) e carismáticas interpretações. Seguir ordens do marido, só podendo ficar calada? Não mais!

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26/05/2021

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Crítica do filme: 'Riders of Justice'


A eterna busca sobre as razões e/ou porquês da vida. Completando cerca de 20 anos de carreira, seja como roteirista ou diretor, o cineasta dinamarquês Anders Thomas Jensen escreve e dirige um profundo drama, puxado inclusive para a psicologia, camuflado de ação. Há leveza didática para nos mostrar os problemas diversos psicológicos que os personagens possuem. Onde há o riso também há reflexão. Tem o pós luto de um militar frio que viveu mais tempo no exército do que com a própria família, estáticos e matemáticos com problemas de aceitação, bullying e traumas de violência no passado. Riders of Justice é dinâmico, vivo e pulsante. Em cena, um show de Mads Mikkelsen, Nikolaj Lie Kaas e cia.


Na trama, conhecemos o militar Markus (Mads Mikkelsen) que após prorrogar sua missão em algum lugar do mundo fica sabendo que sua esposa faleceu em um acidente dentro de um trem onde inclusive estava sua filha que sobreviveu. Aprendendo a lidar com a filha que pouco conhece por estar sempre defendendo seu pais em missões pelo planeta, seu destino acaba se unindo a de Otto (Nikolaj Lie Kaas) um matemático que busca em suas lógicas de softwares paralelos entre ocorridos e pré-disposições de ações anteriores, inclusive estava no mesmo trem que a esposa de Markus e desconfia que não fora um acidente. Assim, essas duas almas, juntamente com outros personagens vão buscar os responsáveis pelo ocorrido. Mas quem é o real responsável?


Os números não mentem. Será? Não é bem uma amizade no início formada pelo excêntrico grupo, é uma aceitação do mesmo objetivo por cada um de maneira única e não igual. Impressionante como as linhas do roteiro buscam nas lógicas matemáticas até mesmo suas aplicações de dinamismo da trama. Em duas retas paralelas acompanhamos dois homens em busca de provação para uma tragédia, as inteligentes analogias com o xadrez, ações atribuindo resultados, com todas as peças na mesa, até mesmo as profundas interpretações da fé no luto (conflito entre realidade e fantasia?). O equilíbrio entre o drama e a ação é feito de maneira muito sutil, ainda com recursos cômicos de um humor ácido e sangrento.


O lado psicológico do intensificado abalo emocional de um luto mal vivido, chega por diversas variáveis, talvez a transformação mais sentida é a de Markus, uma desconstrução sentida já nos arcos finais quando as razões lógicas, as estatísticas e as coincidências parecem de alguma forma fazer sentido para esse ser humano gelado que não expressa um sorriso durante todo o filme. Mais um trabalho muito difícil e sensacional de um dos melhores atores do planeta Mads Mikkelsen.

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25/05/2021

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Crítica do filme: 'O Mundo de Gloria'


Nas dificuldades que conhecemos a dura realidade que nos atinge. Buscando ser sincrônico com a realidade de muitos, O Mundo de Gloria explora a questão do trabalho na França, as oportunidades, as escolhas, uma curta visão sobre dificuldades no empreendimento, também abre um grande holofote para questões e dramas familiares. Indicado ao Leão de Ouro em Veneza no ano de 2019, escrito e dirigido pelo cineasta francês (nascido em Marselha) Robert Guédiguian, o drama busca ser um retrato comovente sobre como é viver nos limites de uma sociedade capitalista e com chances para poucos.


Na trama, conhecemos uma família que começa e buscar sentido em seus problemas após o nascimento de Gloria. A esforçada avó que tem que pegar mais de um turno no trabalho como faxineira de grandes empresas, tem o avô da recém-nascida, que esteve preso por duas décadas após uma situação mal compreendida, A sobrevivência em tempos tão complicados chega também no contexto dos jovens pais de Gloria, a mãe é vendedora de uma loja de artigos femininos, o pai é motorista de Uber. Há também a tia e suas impressões muitas vezes cruéis sobre a irmã, que mesmo criadas juntas possuem distanciamento na forma de pensar. A interseção chega com as dificuldades de cada integrante dessa família e seus subsequentes problemas financeiros que afetam a todos de alguma forma.


Ambientado em uma Marselha nos tempos atuais, Guédiguian, como em outros filmes de sua autoria, busca um olhar mais detalhado sobre as condições sociais e financeiras de famílias em busca de dias melhores. A partir disso, várias situações nos levam a reflexões variadas conforme são feitas as escolhas dos amargurados personagens. Mesmo na superfície em muitas questões, como por exemplo fazer ou não fazer greve no trabalho, as razões em um embate sobre o risco de ser demitido e o justo aumento de mais direitos para o trabalhador são válidos para nos fazer ecoar em nosso pensar sobre esses tempos tão complicados para muitos não só nos países da Europa camuflados de potência econômica.


Vencedor do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza de dois anos atrás (Ariane Ascaride), O Mundo de Gloria mesmo sendo visto como vários recortes reverberando dentro do universo trabalhista secundário (mão de obra não muito qualificada) consegue retratar a beirada do caos emocional de uma família limitada de dentro pra fora e de fora para dentro. Não há margem para perfeição na luta diária de cada dia.  

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22/05/2021

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Crítica do filme: 'Alice e o Prefeito'


Os devaneios do caminhante solitário. Um político cansado, que não consegue mais pensar. Uma jovem que volta à França depois de alguns anos e vai trabalhar nos bastidores da política mesmo não tendo nenhuma experiência dessas antes. Escrito e dirigido pelo cineasta parisiense Nicolas Pariser, Alice e o Prefeito, que chega aos cinemas dia 27 de maio, transforma os maçantes e embaralhados temas da política em crônicas sociais com paralelos utópicos e o entendimento das razões práticas surgindo muitas vezes através de grandes pensamentos desse e de outros séculos.


Na trama, conhecemos Alice (Anaïs Demoustier), uma jovem formada em letras que consegue um emprego na prefeitura de Lyon. Recrutada para uma vaga inexistente e logo em seguida recrutada para outra, acaba sendo uma das pessoas mais próximas do prefeito Paul Théraneau (Fabrice Luchini) sendo responsável em pouco tempo por pautas importantes como discursos dele. Assim, somos testemunhas de debates com argumentações didáticas sobre esquerda, direita, progressistas, socialistas, dentro dos bastidores tumultuados e sempre exigentes da prefeitura dessa grande cidade francesa.


A experiência na política acaba fazendo a protagonista entrar em certo colapso emocional passando a ter mais dificuldades para achar o sentido de como chegou até ali. Crise existencial? Sim, o filme toca nesse tema a todo instante seja na ótica do experiente e já perto da aposentadoria prefeito, seja na da jovem fera em filosofia de 30 anos, com sua visão de fora, não acostumada às práticas políticas. E falando nesses extremos de visões sobre a vida por conta da distância das gerações, o roteiro é sublime em conseguir achar os pontos de interseção e transformá-los em agradáveis diálogos, alguns até mesmo esclarecedores sobre situações políticas europeias atuais. Temas como a modéstia (o mais objetivo contraponto do senso comum da arrogância) e a filosofia como terapia são colocados aos nossos olhos, além de inúmeras definições sobre o que seria uma ideia.


Os contornos desenvolvidos dentro de paralelos elevam a qualidade desse longa-metragem, ganhador do prêmio de Melhor Atriz na última edição do Oscar Francês (o Cesar). Dentro disso, um interessante paralelo com a arte é exibido em forma de debates sobre a literatura de clássicos, pinturas, na ópera até mesmo nas reflexões sobre a perda do crédito local que afeta formas civilizadas de vida. Um filme que poderia ser bem chato se torna uma leve e grande aula sobre a existência.

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