Durante muito tempo dentro de um universo machista na indústria cinematográfica, brilhantes profissionais mulheres, tiveram que lutar bravamente para mostrar seu talento não só para o público mas para quem manda no negócio cinema.
Depois de
diversos escândalos expostos, lutando contra a estereotipagem de personagens femininos,
muitas vezes usadas como âncoras para uma interpretação masculina, também pelos
direitos iguais de pagamento por um trabalho, a mulher tratada como objeto em
cena, essas profissionais conseguiram inúmeras conquistas nos últimos anos,
inclusive duas cineastas indicadas ao Oscar (poderiam até ser três né? Não
esquecemos do trabalho brilhante de Regina
King no filme Uma Noite em Miami)
em 2021.
Ainda longe
do ideal de igualdade que merecem, a luta continua e esse que vos escreve
sempre estará buscando conhecer e mostrar a todos lindos trabalhos dessas
guerreiras da sétima arte. Assim, surgiu a ideia de termos uma lista constante,
de dez em dez trabalhos, para você leitor conhecer alguns fantásticos trabalhos
de diretoras de cinema.
Nessa
primeira parte, temos filmes da França, dos Estados Unidos, da Geórgia,
da Grécia, da Alemanha... cineastas holandesas, francesas, norte-americanas,
gregas...
Espero que
gostem. Abaixo a primeira lista:
The Mustang (França, 2019)
Exibido no prestigiado Festival de
Sundance, The Mustang, primeiro trabalho como
diretora de Laure de Clermont-Tonnerre e
com o já experiente ator belga Matthias Schoenaerts no
papel principal, é um filme bastante sensível que aborda fortes temas
familiares através da mudança de perspectiva de seu protagonista que começa a
se envolver em um trabalho diferente, mesmo dentro de uma prisão. O roteiro
consegue boas profundidades para abordar vários temas que envolvem o
protagonista conseguindo criar um elo importante para entendermos as ações e
consequências ao longo dos 96 minutos de projeção.
Na trama, conhecemos Roman Coleman (Matthias Schoenaerts), um homem condenado a muitos anos
de prisão (a causa conhecemos ao longo do filme). Pai e prestes a ser avô, ele
é bastante quieto e fala pouco mas acaba ganhando a oportunidade de ser
selecionado a um programa de reabilitação ligado a treinamento de cavalos que
serão apresentados em leilões. Assim, Coleman acaba conhecendo um cavalo
Mustang brabo que aos poucos acaba lhe ensinando e completando peças para se
desenvolver em seu quebra cabeça de emoções que sempre guiaram sua vida.
The Mustang não é um filme para
qualquer um, você precisa sentir o filme para gostar. Seu ritmo lento e a
costura para o desenvolvimento profundo das emoções acabam sendo trunfos aos
olhos atentos. A relação dele com a filha que não o perdoa é ótima, emocionante
em vários pontos. Coleman é um protagonista de poucas palavras mas que diz
muito nas suas atitudes de rebeldia e emoção que acaba transbordando com a
entrada do animal em sua vida. O fazer sentido para quem está preso deve ser
algo importante a analisar. Poucos filmes conseguem trazer esse sentido tão bem
como explicado como esse interessante trabalho que infelizmente não conseguiu
chegar ao circuito exibidor brasileiro.
Beginning (Geórgia, 2020)
Visual aos montes, verbal quando necessário. Selecionado para o Festival de Cannes (2020), Festival de Toronto (2020) e vencedor de prêmio no Festival de San Sebastian (2020), Beginning, dirigido e escrito pela cineasta georgiana Dea Kulumbegashvili, fala sobre intolerância religiosa e a luta constante contra traumas difíceis de superar e dúvidas recentes de uma protagonista que busca achar soluções para o que acredita. Há cenas fortes e angustiantes, também longos planos, além de uma inquietante câmera estática onde os personagens compõem a trajetória de ações ou até mesmo a força dos sentidos da natureza. Um impactante e duro filme de Kulumbegashvili. Disponível no MUBI.
Na trama, conhecemos um casal, Yana (Ia Sukhitashvili) e David (Rati Oneli), que
moram numa cidade provinciana, no interior da Georgia, onde ministram uma
comunidade de Testemunhas de Jeová. Um dia, um incêndio criminoso na igreja
deles é causado por extremistas, a partir desse momento, a vida de Yana se
transforma radicalmente.
Uma terra sem lei, um radicalismo que
embaça o óbvio. Totalmente sozinha no forte trauma que sofre, Yana é uma
guerreira solitária que precisa enfrentar até mesmo as desconfianças do marido
que não consegue se desprender de desconexas razões religiosas para enxergar
tudo que aconteceu. Sendo coagidos por um misterioso detetive e uma polícia sem
força em uma região onde a justiça não é para todos, somos testemunhas de uma
derrocada na família de Yana.
Beginning é um profundo drama, que
busca nos seus figurativos das leis que criam sobre o universo (que nem de
longe são interpretadas da mesma maneira) os paradoxos ou até mesmo
contrapontos para nos fazer refletir sobre o óbvio, a religião, a dor, a dúvida
e o sofrimento.
Berthe Morisot (França, 2012)
A beleza das artes e os confortos dos
retratos da vida. Depois de muitos trabalhos como diretora de fotografia, a
cineasta parisiense Caroline Champetier
apresenta um dos seus primeiros trabalhos como diretora principal, nesse
interessante tele filme Berthe Morisot.
O projeto, que rodou muitos poucos cinemas, sendo exibido em outras janelas,
possui uma direção de arte impecável que passa a sensação ao espectador de
estar entrando em uma coleção de museus de todo o mundo. Para dar vida a essa
importante artista francesa, a escolhida foi a bela Marine Delterme (Vatel - Um Banquete para o Rei, Paris-Manhattan), que
explora sua personagem de maneira convincente.
Na trama, baseada na obra Manet, un rebelle en redingote de
Beth Archer Brombert, conhecemos a vida adulta da pintora impressionista
francesa Berthe Morisot (Marine Delterme)
que passa por diversas transformações nos rumos de sua vida, principalmente
quando conhece uma das maiores figuras das artes no século XIX, Édouard Manet (Malik Zidi). Berthe foi sempre uma
mulher a frente de seu tempo e conseguiu o respeito de todos através de sua
forte personalidade e suas obras inesquecíveis.
Uma das grandes damas do
impressionismo, tem parte de sua vida detalhada nesse ótimo projeto. Com foco
no primeiro ato em sua vida familiar e todo o inicial interessante pela
pintura. Berthe nasceu em Bourges, era prática comum das famílias bourgeois em
educar as filhas nas artes. Assim, ela e sua irmã tiveram aulas particulares
com grandes professores da época. No segundo ato, o longa metragem, explora as
transformações que Berthe passa após ter alguns de seus quadros bem comentados
e seu encontro com uma das referências nas artes da época ,Manet. Os contextos
políticos e sociais do século XIX também influenciam sua maneira de pensar e
ver o mundo.
Há uma ênfase no relacionamento
intenso da protagonista com Manet, onde crescem os atores em cena. Os dois são
atraídos pelo contexto das artes mas o filme deixa claro que poderia ter sido
uma grande história de amor também, talvez, atrapalhado porque Manet já era
casado e ter sido diagnosticado com sífilis (causa inclusive de seu falecimento
precoce aos 51 anos. Berthe foi musa inspiradora de quadros famosos do artista
francês.
Nesse belo passeio pela história da
arte europeia, somos testemunhas de uma incrível trajetória de uma mulher à
frente de seu tempo.
Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre
(Eua, 2020)
Nunca, raramente, às vezes, sempre. Seu coração pode estar partido hoje
mas amanhã à luz da manhã. Ganhador de prêmios esse ano nos Festivais de Berlim
e Sundance, um dos filmes mais comentados nas rodinhas cinéfilas dos últimos
anos, Never Rarely Sometimes Always, escrito e dirigido pelo
cineasta nova iorquina Eliza Hittman, traz
ao público um recorte de um tema polêmico, o aborto, de maneira dura e
necessária para gerar a reflexão de todos nós do lado de cá da tela. A
protagonista, interpretada por Sidney Flanigan (em
seu primeiro filme como atriz) é o retrato de muitas mulheres espalhadas pelo
mundo, as escolhas que ela tem e as decisões que toma em um mundo de
informações instantâneas mas tão distante para pessoas que ainda estão
aprendendo sobre a vida. É um filme com cenas fortes, onde se expressa toda a
dor e conflitos da protagonista. Impressiona a captação das emoções pelas
lentes sensíveis de Hittman.
Na trama, conhecemos Autumn (Sidney Flanigan), uma jovem introspectiva de 17 anos
que trabalha como caixa de supermercado enquanto termina a escola e que está
passando por uma situação complicada e difícil, se sentindo sozinha, muito por
medo de contar à família, medo das reações dos que giram ao seu redor. Buscando
entender melhor a situação que vive, vai em busca de soluções que acha as que
tem que tomar, ouvindo especialistas em clínicas femininas. Como mora no
interior dos EUA, resolve embarcar em uma viagem para Nova Iorque, junto com
sua prima e única confidente Skylar (Talia Ryder) para
tomar decisões complicadas e tentar seguir em frente com sua vida.
As causas da reclusão emocional e
suspiros de alegria pela música, um cruzamento de sentimentos. Uma série de
problemas ligados às emoções estão contidas na vida da personagem principal,
não só provocado pela situação da gravidez que se encontra. O filme abre espaço
para outros temas que machucam as mulheres, principalmente sobre o assédio,
exemplificado no da própria protagonista e o no da prima, os exemplos são
muitos que assim como no filme nessa nossa sociedade ainda muito machista.
Deixando claro argumentos profundos e contextualizados sobre dores e
escolhas Never Rarely Sometimes Always possui 100 minutos
de muitas histórias, não só desse recorte. Um filme importante para debates
cada vez mais intensos e necessários sobre os temas abordados. Um belo trabalho
da diretora e roteirista Eliza Hittman.
Olla (Grécia, 2019)
A independência do feminismo contra o machismo descarado. Escrito e
dirigido pela cineasta grega Ariane Labed, Olla é um curta-metragem que deixa sua marca
com paralelos importantes ligados à luta das mulheres e sua liberdade contra o
conservadorismo, o pensamento machista, quase um desabafo do que se pode
encontrar na realidade dos quatro cantos do planeta. Exibido no Festival de
Cannes em 2019, em Clermont-Ferrand e Sundance em 2020.
Na trama, conhecemos Olla (Romanna Lobach), uma jovem que vem de uma parte menor
da Europa, no leste e acaba conhecendo virtualmente através de um anúncio o
francês Pierre (Grégoire Tachnakian), logo sem
seguida a protagonista vai morar com Pierre e a mãe dele em uma casa pequena no
subúrbio mas nada sai conforme o planejado, nem na visão de um, nem na visão da
outra.
Limitada ao conservadorismo, Olla
sente a liberdade quando está sozinha, seu ponto de reflexão, quase um desabafo
de uma indomável mulher à frente do seu tempo que após entender toda a situação
que vive resolve tomar atitudes que a fazem mais feliz. Seu contra golpe contra
a violência e o machismo desenfreado é emblemático. O roteiro é objetivo,
afinal são menos de 30 minutos, mas é preciso uma lida rápida na sinopse para
se situar em pequenas referências que aparecem em quase escondidas entrelinhas.
Spagat (Suíça, 2020)
As quebras na linha do coração. Segredos, imigrantes ucranianos ilegais
na Suíça, uma traição, um estopim inusitado. Dirigido pelo cineasta suíço Christian Johannes Koch, Spagat, que fez parte da ótima programação da Mostra SP
2020 é um longa-metragem suíço com um roteiro afiado (mesmo quando perde um
pouco de fôlego nos últimos arcos com entrelinhas não muito bem resolvidas)
onde consegue manter um clima de tensão sobre as consequências dos atos dos
personagens. O ponto de interseção são as escolhas da protagonista Marina (Rachel Braunschweig em atuação segura) que
descamuflam todas as mentiras em um efeito dominó impactante para os
envolvidos.
Na trama, conhecemos a professora
Marina (Rachel Braunschweig) que vive com sua filha e seu
marido em uma área bem desenvolvida na cidade do interior da Suíça. Só que
parte da vida de Marina é uma grande mentira, ela se relaciona faz meses com
Artem (Aleksey Serebryakov) um imigrante ucraniano que mora na
Suiça faz 6 anos sem documentação ou visto de residência junto com sua filha
Ulyana (Masha Demiri), uma prodígio da ginasta que é aluna de
Marina. Após um roubo de um headphone, uma série de acontecimentos se
estabelecem mostrando a tese de que mentira tem perna curta.
Pra quem você falou de mim? O relacionamento entre pai e filha é conturbado. O primeiro é apaixonado pela amante mesmo sabendo que nunca a terá por completo e busca proteger a filha dos problemas legais por serem imigrantes sem documentação; a segunda imatura e inconsequente acaba não tendo culpa sobre a situação que vive, olha os outros tendo muito e ela limitada. Acontece um cenário curioso, a figura materna de Ulyana vira a amante secreta de seu pai. Confusão formada, os caminhos que cada personagem seguem a partir das cartas todas na mesa, gera dor e escolhas em outros tantos que os rodeiam.
A Odisseia
de Alice (França, 2014)
Acreditar em si mesmo leva a um
destino infinito. Acreditar que falhou pode ser o fim da sua jornada. Assim, é
preciso recomeçar. Escrito e dirigido pela atriz e diretora francesa Lucie
Borleteau, A Odisseia de Alice é uma
jornada em busca do saber amar, do conquistar ser reconhecida em sua profissão
e também do saber esquecer e seguir em frente. A poderosa protagonista,
interpretada pela excelente e bela atriz grega Ariane Labed (vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Locarno), é o centro de todos
esses conflitos e emoções que vão ganhando um certo charme libertário, com uma
pegada feminista, ao longo dos intensos 97 minutos de projeção.
Na trama, conhecemos a jovem
engenheira Alice (Ariane Labed), uma mulher de menos de 30 anos que trabalha na
marinha mercantil. Entre uma viagem e outra, algumas que duram meses em alto
mar, ela acaba reencontrando um dos grandes amores de sua vida, o capitão Gael
(Melvil Poupaud). O problema é que Alice deixou em terra seu noivo, Felix
(Anders Danielsen Lie - do excelente Oslo, 31 de Agosto)
por quem tem grandes sentimentos. Ao longo dos dias, Alice precisará descobrir
realmente para quem deseja entregar seu coração, ou se simplesmente prefere
viver um dia de cada vez sem compromissos.
Alice, mesmo analisando de maneira
trivial, é uma personagem bastante complexa que chega até certo ponto esconder
os sentimentos de si mesmo. Há um conflito dentro dela, praticamente um
triangulo isósceles onde duas posições mudam de posição constantemente. Lutando
pelo reconhecimento em um lugar de trabalho onde vive cercada de homens e
poucas mulheres, a protagonista coloca sua profissão em primeiro lugar.
Fica bem claro logo nos primeiros
minutos de filmes que estamos prestes a sermos testemunhas de uma trajetória
inconsequente de quem não sabe como amar. Há um sentimento bem forte de egoísmo
da personagem principal. Alice é adepta da liberdade e, por causa de sua
imaturidade nos relacionamentos, nunca pensa como o coração dos outros pode
ficar por conta de suas atitudes. Ela sofre, chega próximo do amar mas prefere
ser inconsequente. É uma escolha.
Com uma fotografia belíssima e ótimas
atuações do simpático elenco, A Odisseia de Alice estreou
no circuito brasileiro algumas semanas atrás de vem ganhando diversos elogios
da crítica e dos cinéfilos. Merecido, é um belo trabalho.
The Rider (EUA, 2017)
Sabemos o que somos, mas não sabemos
o que poderemos ser. A difícil decisão de desistir dos próprios sonhos por
motivo de força maior. Escrito e dirigido pela cineasta chinesa Chloé Zhao (atual
vencedora do Oscar por Nomadland), The Rider é uma fábula moderna, muito real, sobre
a arte do se reinventar mesmo que isso vá contra tudo o que sempre conquistou.
Falando sobre amizade, família e sonhos, o projeto foi organizado a partir do
encontro entre e diretora Chloé Zhao e Brady Jandreau durante a pesquisa da primeira para
seu filme anterior, Songs My Brothers Taught
Me (2015).
Com um personagem baseado na vida do
artista que o interpreta, The Rider conta
a história de Brady Blackburn (Brady Jandreau) um
jovem com um futuro brilhante no mundo dos rodeios até que após um grave
acidente em um evento precisa se limitar a determinadas atividades e nunca mais
poder realizar seu grande sonho. Tendo que se reinventar como pessoa, descobre
na força dos amigos e da família novos motivos para se tornar uma pessoa de
bem.
Colorindo nosso olhar com uma bela
fotografia, The Rider é uma trama
envolvente, que busca na profundidade de seu protagonista razões para
entendermos melhor o louco mundo em que vivemos. Mesmo a cultura country sendo
um pouco distante da maior parte das realidades brasileiras, o projeto projeta
o tema como plano de fundo dando exata dimensão do quão fascinante é esse
mundo. Abordando sonhos e as conseqüências das dificuldades que enfrenta o
protagonista, nos identificamos a todo instante. Mesmo sendo lapidado com uma
melancolia permanente, The Rider é
capaz de encantar pela sutileza e as nítidas verdades do olhar do personagem,
elo com o público.
Indicado para mais de 16 premiações
em todo o mundo, incluindo o prêmio do C.I.C.A.E. Award no Festival de Cannes
em 2017, além de indicações ao prestigiado Spirit Awards desse ano, The Rider não deixa de ser a realização de um
sonho, uma singela e bonita homenagem de Zhao a
seu protagonista. Um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é
realidade.
Uma Noite em Miami (EUA, 2020)
Quantas estradas um homem precisará andar antes que possam chamá-lo de
homem? A mudança está chegando, sim ela vai. Dirigido pela atriz e cineasta,
ganhadora do Oscar, Regina King, Uma Noite em Miami... produzido e já no catálogo da Amazon, é um filme que fala sobre amizade,
direitos humanos, causas sociais e que gera uma grande reflexão sobre como era
os Estados Unidos e o mundo no meio da década de 60 em relação a desigualdades
sociais, religião e preconceitos que ainda existem até hoje. Em um inusitado e
ficcional encontro entre quatro amigos, negros, famosos entendemos escolhas
marcantes na história norte-americana. Baseado na peça de teatro de Kemp Powers, que também assina o roteiro da produção. O
longa-metragem, foi selecionado para o Festival de Cinema de Veneza do ano
passado, sendo o primeiro filme dirigido por uma mulher afro-americana a ser
selecionado na história desse festival.
A trama é ambientada em meados da
década de 60, mais precisamente na noite onde o grande pugilista
norte-americano Cassius Clay (Eli Goree), depois
Muhammad Ali, venceu Sonny Liston e conquistou o título mundial de campeão dos
pesos pesados. Naquele mesmo dia, para comemorar, Cassius fora se encontrar com
os amigos de longa data: o cantor Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o
ativista Malcom X (Kingsley Ben-Adir) e a estrela do
futebol americano na época Jim Brown (Aldis Hodge) em um
quarto de hotel em Miami. Nesse encontro, longos debates sobre causas sociais,
ativismo político e a importância deles para mudanças futuras nos direitos
iguais para os negros.
Diálogos acalorados, questões
religiosas, sucessão de argumentos conforme sentimento vivido até ali, linha
tênue entre amizade e imposição de convencimento, tudo isso acontece entre os
quatro personagens em um quarto de hotel. Os rumos e conclusões dessas trocas
de ideias seriam fundamentais para a consolidação do pensar no movimento negro
nos Estados Unidos, já que os quatro eram negros de grande sucesso e exposição
nas suas respectivas carreiras. Regina King, que
antes desse já dirigiu um documentário e alguns episódios de séries como: This is Us, The Good Doctor e Scandal, consegue muito sucesso em transmitir as ideias
dessas brilhantes mentes que foram fundamentais na luta constante pelos
direitos iguais. As argumentações se tornam uma grande aula de história para
todos que não conheciam ou por algum motivo nunca pararam para pensar o quão
caótico era (ainda é!) a questão do preconceito na maior super potência do
planeta.
O desfecho ao som de A Change is Gonna Come, na voz do ator Leslie Odom Jr. (ganhador do Tony por sua atuação
magistral no musical Hamilton) é a cereja do bolo.
Uma música que diz muito sobre o que conversam os quatro amigos. Tem sido um
longo, um longo tempo para chegar, mas quem sabe algum dia...a mudança está
chegando.
Quando Hitler Roubou o Coelho
Cor-de-Rosa (Alemanha, 2019)
O amor é o melhor remédio do mundo. Em mais uma obra sobre os terríveis
momentos que o mundo viveu na chegada de um dos maiores vilões da história da
humanidade no poder na Alemanha, acompanhamos sob a ótica de uma menina, uma
família judia que morava na Alemanha e sua fuga pela Europa em uma época vazia,
deficiente de paz, repleta de ódio, medo e intolerância. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa, baseado no
livro de sucesso (publicado em 20 idiomas) da escritora Judith Kerr, é um longa-metragem repleto de arcos
interessantes mesmo que não haja uma profundidade maior no tema principal que
impactou toda uma legião de famílias pelo planeta. O filme é dirigido pela
cineasta alemã Caroline Link (também diretora do elogiado
filme Lugar Nenhum da África, filme do início dos anos 2000)
e conta com ótima atuação de sua protagonista, a jovem Riva Krymalowski e do ator alemão Oliver Masucci (conhecido por aqui por seu papel
no seriado Dark).
Na trama, ambientada no começo dos
anos 30, em Berlim, conhecemos a família do jornalista Arthur (Oliver Masucci) e da escritora de óperas e exímia
pianista Dorothea (Carla Juri) que vivem junto com
seus filhos Anna (Riva Krymalowski) e Max (Marinus Hohmann). Faltando 10 dias para eleições na
Alemanha, o jornalista, que é crítico de Hitler, é avisado por amigos que fora
colocado em uma lista onde que nessa estiver será perseguido por Hitler caso o
mesmo ganhe as eleições. Se guardando do pior, resolve embarcar para um país
vizinho junto com toda sua família. Assim, durante meses, lutando contra a
falta de oportunidades de trabalho e da perda de toda uma vida material, a
família decide ir se mudando de países e para isso precisará estar unida para
juntos vencerem.
Os diálogos são bastantes
esclarecedores de como os pequenos irmãos enxergavam toda aquela situação
vivida pela família. Ao longo das viagens, que acabam se tornando constante
pelo continente europeu, há a necessidade de rápida adaptação a novas rotinas,
novos costumes, nova cultura. Os horrores do que acontecia na Alemanha com
conhecidos chegavam por interlocutores que os visitavam, como o carismático Tio
Julius (Justus von Dohnányi).
As indagações constantes de Anna ao
pai mostra como o amadurecimento sobre a situação vivida por sua família, em
meio ao barril de pólvora que se tornou a Europa, está sempre em
desenvolvimento. Nesses emocionantes diálogos, a protagonista e Arthur, a quem
tem uma admiração louvável, falam sobre tudo que há no mundo e na sua
existência. Fé, o momento atual, cultura, livros. Sonhos simples e ainda
distantes. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa é
mais um recorte sobre esses tempos difíceis que a humanidade viveu.