02/05/2021

10 Ótimos Filmes Dirigidos por Mulheres - Parte 1


Durante muito tempo dentro de um universo machista na indústria cinematográfica, brilhantes profissionais mulheres, tiveram que lutar bravamente para mostrar seu talento não só para o público mas para quem manda no negócio cinema.


Depois de diversos escândalos expostos, lutando contra a estereotipagem de personagens femininos, muitas vezes usadas como âncoras para uma interpretação masculina, também pelos direitos iguais de pagamento por um trabalho, a mulher tratada como objeto em cena, essas profissionais conseguiram inúmeras conquistas nos últimos anos, inclusive duas cineastas indicadas ao Oscar (poderiam até ser três né? Não esquecemos do trabalho brilhante de Regina King no filme Uma Noite em Miami) em 2021.


Ainda longe do ideal de igualdade que merecem, a luta continua e esse que vos escreve sempre estará buscando conhecer e mostrar a todos lindos trabalhos dessas guerreiras da sétima arte. Assim, surgiu a ideia de termos uma lista constante, de dez em dez trabalhos, para você leitor conhecer alguns fantásticos trabalhos de diretoras de cinema.


Nessa primeira parte, temos filmes da França, dos Estados Unidos, da Geórgia, da Grécia, da Alemanha... cineastas holandesas, francesas, norte-americanas, gregas...


Espero que gostem. Abaixo a primeira lista:

 

The Mustang (França, 2019)


Exibido no prestigiado Festival de Sundance, The Mustang, primeiro trabalho como diretora de Laure de Clermont-Tonnerre e com o já experiente ator belga Matthias Schoenaerts no papel principal, é um filme bastante sensível que aborda fortes temas familiares através da mudança de perspectiva de seu protagonista que começa a se envolver em um trabalho diferente, mesmo dentro de uma prisão. O roteiro consegue boas profundidades para abordar vários temas que envolvem o protagonista conseguindo criar um elo importante para entendermos as ações e consequências ao longo dos 96 minutos de projeção.

 

Na trama, conhecemos Roman Coleman (Matthias Schoenaerts), um homem condenado a muitos anos de prisão (a causa conhecemos ao longo do filme). Pai e prestes a ser avô, ele é bastante quieto e fala pouco mas acaba ganhando a oportunidade de ser selecionado a um programa de reabilitação ligado a treinamento de cavalos que serão apresentados em leilões. Assim, Coleman acaba conhecendo um cavalo Mustang brabo que aos poucos acaba lhe ensinando e completando peças para se desenvolver em seu quebra cabeça de emoções que sempre guiaram sua vida.

 

The Mustang não é um filme para qualquer um, você precisa sentir o filme para gostar. Seu ritmo lento e a costura para o desenvolvimento profundo das emoções acabam sendo trunfos aos olhos atentos. A relação dele com a filha que não o perdoa é ótima, emocionante em vários pontos. Coleman é um protagonista de poucas palavras mas que diz muito nas suas atitudes de rebeldia e emoção que acaba transbordando com a entrada do animal em sua vida. O fazer sentido para quem está preso deve ser algo importante a analisar. Poucos filmes conseguem trazer esse sentido tão bem como explicado como esse interessante trabalho que infelizmente não conseguiu chegar ao circuito exibidor brasileiro.



Beginning (Geórgia, 2020)


Visual aos montes, verbal quando necessário. Selecionado para o Festival de Cannes (2020), Festival de Toronto (2020) e vencedor de prêmio no Festival de San Sebastian (2020), Beginning, dirigido e escrito pela cineasta georgiana Dea Kulumbegashvili, fala sobre intolerância religiosa e a luta constante contra traumas difíceis de superar e dúvidas recentes de uma protagonista que busca achar soluções para o que acredita. Há cenas fortes e angustiantes, também longos planos, além de uma inquietante câmera estática onde os personagens compõem a trajetória de ações ou até mesmo a força dos sentidos da natureza. Um impactante e duro filme de Kulumbegashvili. Disponível no MUBI.


Na trama, conhecemos um casal, Yana (Ia Sukhitashvili) e David (Rati Oneli), que moram numa cidade provinciana, no interior da Georgia, onde ministram uma comunidade de Testemunhas de Jeová. Um dia, um incêndio criminoso na igreja deles é causado por extremistas, a partir desse momento, a vida de Yana se transforma radicalmente.

 

Uma terra sem lei, um radicalismo que embaça o óbvio. Totalmente sozinha no forte trauma que sofre, Yana é uma guerreira solitária que precisa enfrentar até mesmo as desconfianças do marido que não consegue se desprender de desconexas razões religiosas para enxergar tudo que aconteceu. Sendo coagidos por um misterioso detetive e uma polícia sem força em uma região onde a justiça não é para todos, somos testemunhas de uma derrocada na família de Yana.

 

Beginning é um profundo drama, que busca nos seus figurativos das leis que criam sobre o universo (que nem de longe são interpretadas da mesma maneira) os paradoxos ou até mesmo contrapontos para nos fazer refletir sobre o óbvio, a religião, a dor, a dúvida e o sofrimento.

 

 

Berthe Morisot (França, 2012)


A beleza das artes e os confortos dos retratos da vida. Depois de muitos trabalhos como diretora de fotografia, a cineasta parisiense Caroline Champetier apresenta um dos seus primeiros trabalhos como diretora principal, nesse interessante tele filme Berthe Morisot. O projeto, que rodou muitos poucos cinemas, sendo exibido em outras janelas, possui uma direção de arte impecável que passa a sensação ao espectador de estar entrando em uma coleção de museus de todo o mundo. Para dar vida a essa importante artista francesa, a escolhida foi a bela Marine Delterme (Vatel - Um Banquete para o Rei, Paris-Manhattan), que explora sua personagem de maneira convincente.

 

Na trama, baseada na obra Manet, un rebelle en redingote de Beth Archer Brombert, conhecemos a vida adulta da pintora impressionista francesa Berthe Morisot (Marine Delterme) que passa por diversas transformações nos rumos de sua vida, principalmente quando conhece uma das maiores figuras das artes no século XIX, Édouard Manet (Malik Zidi). Berthe foi sempre uma mulher a frente de seu tempo e conseguiu o respeito de todos através de sua forte personalidade e suas obras inesquecíveis.  

 

Uma das grandes damas do impressionismo, tem parte de sua vida detalhada nesse ótimo projeto. Com foco no primeiro ato em sua vida familiar e todo o inicial interessante pela pintura. Berthe nasceu em Bourges, era prática comum das famílias bourgeois em educar as filhas nas artes. Assim, ela e sua irmã tiveram aulas particulares com grandes professores da época. No segundo ato, o longa metragem, explora as transformações que Berthe passa após ter alguns de seus quadros bem comentados e seu encontro com uma das referências nas artes da época ,Manet. Os contextos políticos e sociais do século XIX também influenciam sua maneira de pensar e ver o mundo.

 

Há uma ênfase no relacionamento intenso da protagonista com Manet, onde crescem os atores em cena. Os dois são atraídos pelo contexto das artes mas o filme deixa claro que poderia ter sido uma grande história de amor também, talvez, atrapalhado porque Manet já era casado e ter sido diagnosticado com sífilis (causa inclusive de seu falecimento precoce aos 51 anos. Berthe foi musa inspiradora de quadros famosos do artista francês.

 

Nesse belo passeio pela história da arte europeia, somos testemunhas de uma incrível trajetória de uma mulher à frente de seu tempo.

 

 

Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Eua, 2020)


Nunca, raramente, às vezes, sempre. Seu coração pode estar partido hoje mas amanhã à luz da manhã. Ganhador de prêmios esse ano nos Festivais de Berlim e Sundance, um dos filmes mais comentados nas rodinhas cinéfilas dos últimos anos, Never Rarely Sometimes Always, escrito e dirigido pelo cineasta nova iorquina Eliza Hittman, traz ao público um recorte de um tema polêmico, o aborto, de maneira dura e necessária para gerar a reflexão de todos nós do lado de cá da tela. A protagonista, interpretada por Sidney Flanigan (em seu primeiro filme como atriz) é o retrato de muitas mulheres espalhadas pelo mundo, as escolhas que ela tem e as decisões que toma em um mundo de informações instantâneas mas tão distante para pessoas que ainda estão aprendendo sobre a vida. É um filme com cenas fortes, onde se expressa toda a dor e conflitos da protagonista. Impressiona a captação das emoções pelas lentes sensíveis de Hittman.

 

Na trama, conhecemos Autumn (Sidney Flanigan), uma jovem introspectiva de 17 anos que trabalha como caixa de supermercado enquanto termina a escola e que está passando por uma situação complicada e difícil, se sentindo sozinha, muito por medo de contar à família, medo das reações dos que giram ao seu redor. Buscando entender melhor a situação que vive, vai em busca de soluções que acha as que tem que tomar, ouvindo especialistas em clínicas femininas. Como mora no interior dos EUA, resolve embarcar em uma viagem para Nova Iorque, junto com sua prima e única confidente Skylar (Talia Ryder) para tomar decisões complicadas e tentar seguir em frente com sua vida.

 

As causas da reclusão emocional e suspiros de alegria pela música, um cruzamento de sentimentos. Uma série de problemas ligados às emoções estão contidas na vida da personagem principal, não só provocado pela situação da gravidez que se encontra. O filme abre espaço para outros temas que machucam as mulheres, principalmente sobre o assédio, exemplificado no da própria protagonista e o no da prima, os exemplos são muitos que assim como no filme nessa nossa sociedade ainda muito machista. Deixando claro argumentos profundos e contextualizados sobre dores e escolhas Never Rarely Sometimes Always possui 100 minutos de muitas histórias, não só desse recorte. Um filme importante para debates cada vez mais intensos e necessários sobre os temas abordados. Um belo trabalho da diretora e roteirista Eliza Hittman.

 

 

Olla (Grécia, 2019)


A independência do feminismo contra o machismo descarado. Escrito e dirigido pela cineasta grega Ariane Labed, Olla é um curta-metragem que deixa sua marca com paralelos importantes ligados à luta das mulheres e sua liberdade contra o conservadorismo, o pensamento machista, quase um desabafo do que se pode encontrar na realidade dos quatro cantos do planeta. Exibido no Festival de Cannes em 2019, em Clermont-Ferrand e Sundance em 2020.

 

Na trama, conhecemos Olla (Romanna Lobach), uma jovem que vem de uma parte menor da Europa, no leste e acaba conhecendo virtualmente através de um anúncio o francês Pierre (Grégoire Tachnakian), logo sem seguida a protagonista vai morar com Pierre e a mãe dele em uma casa pequena no subúrbio mas nada sai conforme o planejado, nem na visão de um, nem na visão da outra.

 

Limitada ao conservadorismo, Olla sente a liberdade quando está sozinha, seu ponto de reflexão, quase um desabafo de uma indomável mulher à frente do seu tempo que após entender toda a situação que vive resolve tomar atitudes que a fazem mais feliz. Seu contra golpe contra a violência e o machismo desenfreado é emblemático. O roteiro é objetivo, afinal são menos de 30 minutos, mas é preciso uma lida rápida na sinopse para se situar em pequenas referências que aparecem em quase escondidas entrelinhas.

 

 

Spagat (Suíça, 2020)


As quebras na linha do coração. Segredos, imigrantes ucranianos ilegais na Suíça, uma traição, um estopim inusitado. Dirigido pelo cineasta suíço Christian Johannes KochSpagat, que fez parte da ótima programação da Mostra SP 2020 é um longa-metragem suíço com um roteiro afiado (mesmo quando perde um pouco de fôlego nos últimos arcos com entrelinhas não muito bem resolvidas) onde consegue manter um clima de tensão sobre as consequências dos atos dos personagens. O ponto de interseção são as escolhas da protagonista Marina (Rachel Braunschweig em atuação segura) que descamuflam todas as mentiras em um efeito dominó impactante para os envolvidos.

 

Na trama, conhecemos a professora Marina (Rachel Braunschweig) que vive com sua filha e seu marido em uma área bem desenvolvida na cidade do interior da Suíça. Só que parte da vida de Marina é uma grande mentira, ela se relaciona faz meses com Artem (Aleksey Serebryakov) um imigrante ucraniano que mora na Suiça faz 6 anos sem documentação ou visto de residência junto com sua filha Ulyana (Masha Demiri), uma prodígio da ginasta que é aluna de Marina. Após um roubo de um headphone, uma série de acontecimentos se estabelecem mostrando a tese de que mentira tem perna curta.

 

Pra quem você falou de mim? O relacionamento entre pai e filha é conturbado. O primeiro é apaixonado pela amante mesmo sabendo que nunca a terá por completo e busca proteger a filha dos problemas legais por serem imigrantes sem documentação; a segunda imatura e inconsequente acaba não tendo culpa sobre a situação que vive, olha os outros tendo muito e ela limitada. Acontece um cenário curioso, a figura materna de Ulyana vira a amante secreta de seu pai. Confusão formada, os caminhos que cada personagem seguem a partir das cartas todas na mesa, gera dor e escolhas em outros tantos que os rodeiam.  



A Odisseia de Alice (França, 2014)


Acreditar em si mesmo leva a um destino infinito. Acreditar que falhou pode ser o fim da sua jornada. Assim, é preciso recomeçar. Escrito e dirigido pela atriz e diretora francesa Lucie Borleteau, A Odisseia de Alice é uma jornada em busca do saber amar, do conquistar ser reconhecida em sua profissão e também do saber esquecer e seguir em frente. A poderosa protagonista, interpretada pela excelente e bela atriz grega Ariane Labed (vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Locarno), é o centro de todos esses conflitos e emoções que vão ganhando um certo charme libertário, com uma pegada feminista, ao longo dos intensos 97 minutos de projeção.

 

Na trama, conhecemos a jovem engenheira Alice (Ariane Labed), uma mulher de menos de 30 anos que trabalha na marinha mercantil. Entre uma viagem e outra, algumas que duram meses em alto mar, ela acaba reencontrando um dos grandes amores de sua vida, o capitão Gael (Melvil Poupaud). O problema é que Alice deixou em terra seu noivo, Felix (Anders Danielsen Lie - do excelente Oslo, 31 de Agosto) por quem tem grandes sentimentos. Ao longo dos dias, Alice precisará descobrir realmente para quem deseja entregar seu coração, ou se simplesmente prefere viver um dia de cada vez sem compromissos.

 

Alice, mesmo analisando de maneira trivial, é uma personagem bastante complexa que chega até certo ponto esconder os sentimentos de si mesmo. Há um conflito dentro dela, praticamente um triangulo isósceles onde duas posições mudam de posição constantemente. Lutando pelo reconhecimento em um lugar de trabalho onde vive cercada de homens e poucas mulheres, a protagonista coloca sua profissão em primeiro lugar.

 

Fica bem claro logo nos primeiros minutos de filmes que estamos prestes a sermos testemunhas de uma trajetória inconsequente de quem não sabe como amar. Há um sentimento bem forte de egoísmo da personagem principal. Alice é adepta da liberdade e, por causa de sua imaturidade nos relacionamentos, nunca pensa como o coração dos outros pode ficar por conta de suas atitudes. Ela sofre, chega próximo do amar mas prefere ser inconsequente. É uma escolha.

 

 

Com uma fotografia belíssima e ótimas atuações do simpático elenco, A Odisseia de Alice estreou no circuito brasileiro algumas semanas atrás de vem ganhando diversos elogios da crítica e dos cinéfilos. Merecido, é um belo trabalho.

 

The Rider (EUA, 2017)


Sabemos o que somos, mas não sabemos o que poderemos ser. A difícil decisão de desistir dos próprios sonhos por motivo de força maior. Escrito e dirigido pela cineasta chinesa Chloé Zhao (atual vencedora do Oscar por Nomadland)The Rider é uma fábula moderna, muito real, sobre a arte do se reinventar mesmo que isso vá contra tudo o que sempre conquistou. Falando sobre amizade, família e sonhos, o projeto foi organizado a partir do encontro entre e diretora Chloé Zhao e Brady Jandreau durante a pesquisa da primeira para seu filme anterior, Songs My Brothers Taught Me (2015).

 

Com um personagem baseado na vida do artista que o interpreta, The Rider conta a história de Brady Blackburn (Brady Jandreau) um jovem com um futuro brilhante no mundo dos rodeios até que após um grave acidente em um evento precisa se limitar a determinadas atividades e nunca mais poder realizar seu grande sonho. Tendo que se reinventar como pessoa, descobre na força dos amigos e da família novos motivos para se tornar uma pessoa de bem.

 

Colorindo nosso olhar com uma bela fotografia, The Rider é uma trama envolvente, que busca na profundidade de seu protagonista razões para entendermos melhor o louco mundo em que vivemos. Mesmo a cultura country sendo um pouco distante da maior parte das realidades brasileiras, o projeto projeta o tema como plano de fundo dando exata dimensão do quão fascinante é esse mundo. Abordando sonhos e as conseqüências das dificuldades que enfrenta o protagonista, nos identificamos a todo instante. Mesmo sendo lapidado com uma melancolia permanente, The Rider é capaz de encantar pela sutileza e as nítidas verdades do olhar do personagem, elo com o público.

 

Indicado para mais de 16 premiações em todo o mundo, incluindo o prêmio do C.I.C.A.E. Award no Festival de Cannes em 2017, além de indicações ao prestigiado Spirit Awards desse ano, The Rider não deixa de ser a realização de um sonho, uma singela e bonita homenagem de Zhao a seu protagonista. Um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade.

 

 

Uma Noite em Miami (EUA, 2020)


Quantas estradas um homem precisará andar antes que possam chamá-lo de homem? A mudança está chegando, sim ela vai. Dirigido pela atriz e cineasta, ganhadora do Oscar, Regina KingUma Noite em Miami... produzido e já no catálogo da Amazon, é um filme que fala sobre amizade, direitos humanos, causas sociais e que gera uma grande reflexão sobre como era os Estados Unidos e o mundo no meio da década de 60 em relação a desigualdades sociais, religião e preconceitos que ainda existem até hoje. Em um inusitado e ficcional encontro entre quatro amigos, negros, famosos entendemos escolhas marcantes na história norte-americana. Baseado na peça de teatro de Kemp Powers, que também assina o roteiro da produção. O longa-metragem, foi selecionado para o Festival de Cinema de Veneza do ano passado, sendo o primeiro filme dirigido por uma mulher afro-americana a ser selecionado na história desse festival.

 

A trama é ambientada em meados da década de 60, mais precisamente na noite onde o grande pugilista norte-americano Cassius Clay (Eli Goree), depois Muhammad Ali, venceu Sonny Liston e conquistou o título mundial de campeão dos pesos pesados. Naquele mesmo dia, para comemorar, Cassius fora se encontrar com os amigos de longa data: o cantor Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o ativista Malcom X (Kingsley Ben-Adir) e a estrela do futebol americano na época Jim Brown (Aldis Hodge) em um quarto de hotel em Miami. Nesse encontro, longos debates sobre causas sociais, ativismo político e a importância deles para mudanças futuras nos direitos iguais para os negros.

 

Diálogos acalorados, questões religiosas, sucessão de argumentos conforme sentimento vivido até ali, linha tênue entre amizade e imposição de convencimento, tudo isso acontece entre os quatro personagens em um quarto de hotel. Os rumos e conclusões dessas trocas de ideias seriam fundamentais para a consolidação do pensar no movimento negro nos Estados Unidos, já que os quatro eram negros de grande sucesso e exposição nas suas respectivas carreiras. Regina King, que antes desse já dirigiu um documentário e alguns episódios de séries como: This is UsThe Good Doctor e Scandal, consegue muito sucesso em transmitir as ideias dessas brilhantes mentes que foram fundamentais na luta constante pelos direitos iguais. As argumentações se tornam uma grande aula de história para todos que não conheciam ou por algum motivo nunca pararam para pensar o quão caótico era (ainda é!) a questão do preconceito na maior super potência do planeta.

 

O desfecho ao som de A Change is Gonna Come, na voz do ator Leslie Odom Jr. (ganhador do Tony por sua atuação magistral no musical Hamilton) é a cereja do bolo. Uma música que diz muito sobre o que conversam os quatro amigos. Tem sido um longo, um longo tempo para chegar, mas quem sabe algum dia...a mudança está chegando.

 

 

Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa (Alemanha, 2019)


O amor é o melhor remédio do mundo. Em mais uma obra sobre os terríveis momentos que o mundo viveu na chegada de um dos maiores vilões da história da humanidade no poder na Alemanha, acompanhamos sob a ótica de uma menina, uma família judia que morava na Alemanha e sua fuga pela Europa em uma época vazia, deficiente de paz, repleta de ódio, medo e intolerância. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa, baseado no livro de sucesso (publicado em 20 idiomas) da escritora Judith Kerr, é um longa-metragem repleto de arcos interessantes mesmo que não haja uma profundidade maior no tema principal que impactou toda uma legião de famílias pelo planeta. O filme é dirigido pela cineasta alemã Caroline Link (também diretora do elogiado filme Lugar Nenhum da África, filme do início dos anos 2000) e conta com ótima atuação de sua protagonista, a jovem Riva Krymalowski e do ator alemão Oliver Masucci (conhecido por aqui por seu papel no seriado Dark).

 

Na trama, ambientada no começo dos anos 30, em Berlim, conhecemos a família do jornalista Arthur (Oliver Masucci) e da escritora de óperas e exímia pianista Dorothea (Carla Juri) que vivem junto com seus filhos Anna (Riva Krymalowski) e Max (Marinus Hohmann). Faltando 10 dias para eleições na Alemanha, o jornalista, que é crítico de Hitler, é avisado por amigos que fora colocado em uma lista onde que nessa estiver será perseguido por Hitler caso o mesmo ganhe as eleições. Se guardando do pior, resolve embarcar para um país vizinho junto com toda sua família. Assim, durante meses, lutando contra a falta de oportunidades de trabalho e da perda de toda uma vida material, a família decide ir se mudando de países e para isso precisará estar unida para juntos vencerem.

 

Os diálogos são bastantes esclarecedores de como os pequenos irmãos enxergavam toda aquela situação vivida pela família. Ao longo das viagens, que acabam se tornando constante pelo continente europeu, há a necessidade de rápida adaptação a novas rotinas, novos costumes, nova cultura. Os horrores do que acontecia na Alemanha com conhecidos chegavam por interlocutores que os visitavam, como o carismático Tio Julius (Justus von Dohnányi).

 

As indagações constantes de Anna ao pai mostra como o amadurecimento sobre a situação vivida por sua família, em meio ao barril de pólvora que se tornou a Europa, está sempre em desenvolvimento. Nesses emocionantes diálogos, a protagonista e Arthur, a quem tem uma admiração louvável, falam sobre tudo que há no mundo e na sua existência. Fé, o momento atual, cultura, livros. Sonhos simples e ainda distantes. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa é mais um recorte sobre esses tempos difíceis que a humanidade viveu.

 

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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #402 - Henrique Nuzzi


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de São Paulo. Henrique Nuzzi tem 24 anos iniciou seus estudos na área do cinema aos doze anos de idade em São Paulo. Atualmente é formado em Direção Cinematográfica no curso Filmwork da Academia Internacional de Cinema e Roteirista pela Roteiraria. Participou de diferentes projetos ao longo de sua carreira, nas linguagens de Drama, Suspense, Terror, Fantasia, Experimental e Comédia, ‘videoclipes’ e vídeos institucionais. Como destaque de sua trajetória, dirigiu o curta-metragem Solicita Alma e Anima, roteirizou o média-metragem Boneco de Carne; o Longa-Metragem Sorvete com Tofu e Heróis Corrompidos.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

Na minha formação cinematográfica demorei para conhecer espaços ‘alternativos’ na cidade. Passei mais da metade da minha vida indo em cinema de shopping. Quando busquei me relacionar com o cenário audiovisual descobri a minha sala de cinema preferida em São Paulo, o MIS. O que me possibilitou conhecer um circuito de filmes não convencionais.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Minha vida está ligada ao cinema antes mesmo da minha primeira memória. Sempre existiu dois mundos, os filmes de Hollywood que assistia no cinema e minhas experiências com as câmeras digitais do meu pai. Posso narrar diferentes momentos que pensei ‘o cinema é um lugar diferente’. A cada ano essa questão assombrava os meus pensamentos. Sempre estudei em colégios artísticos e tinha medo do cinema tomar a minha vida. Mesmo nesses espaços havia muita desinformação sobre audiovisual. O meu ponto de virada foi conhecer o cinema de invenção brasileiro. Deu um sentido a minha busca, o cinema que eu fazia desde criança encontrou o seu lar, o cinema experimental.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Posso dizer com convicção que o meu diretor favorito é o Rogério Sganzerla, diretor do O bandido da luz vermelha de 1968. Sinopse: ‘História inspirada nos crimes do conhecido assaltante João Acácio Pereira da Costa, o “Bandido da Luz Vermelha”, que assalta residências, realiza fugas ousadas e gasta o dinheiro de forma extravagante. Encurralado, ele recorre a medidas extremas.’ Amo toda a filmografia do Sganzerla. Os seus filmes podem ser visto como uma grande ‘franquia’ a cada filme ele avança na desconstrução pós moderna. Ao longo da minha vida tive vários mentores no cinema de autor, desde Tim Burton a Tarantino. Sei que esses nomes são batidos no nosso imaginário, mas essas referências me influenciaram por toda a minha vida e contribuíram na construção da minha estética.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Meu filme nacional favorito é Terra em Transe de 1967 do Glauber Rocha. Sinopse: ‘País fictício da América Latina, Eldorado, é palco de uma convulsão interna desencadeada pela luta em busca do poder.’ O filme narra a história de um romântico poeta anarquista de classe média que busca a revolução a qualquer custo. O filme conseguiu quebrar as algemas do experimentalismo tropical influenciando o futuro do cinema mundial. Filmes de grande bilheterias nacionais como Tropa de Elite, Tropa de Elite: o inimigo agora é outro, Bacurau,  jamais teriam sido realizados sem o universo de Glauber Rocha.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Vejo a Cinefilia da mesma forma que os antigos viam. Como uma doença fruto de uma classe média ociosa. Somos viciados em imagem em movimento. Cinefilia está além de amar filmes, é a obsessão pela informação. Não consigo ficar uma semana sem ver um vídeo no YouTube.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Acredito que os cinemas sabem exibir filmes que o público quer ver. Eu vivo em São Paulo, tenho a possibilidade de conhecer circuitos mais Cults. E sei que esse cenário não está presente em todo o Brasil.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

As salas de cinema vão se adaptar, acredito que vai ser como o teatro. As grandes redes perderam a força com os novos acordos com as produtoras. As distribuidoras multi nacionais que intermedeia com o cinema tendem a desaparecer, visto que o espaço físico não tem o mesmo valor. O cinema tende a se tornar novamente o cinema de rua. Podendo locar o espaço para diferentes formatos de exibição.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

A Mulher de Todos de 1969 do Rogério Sganzela.

 

Sinopse: ‘A ninfomaníaca Ângela Carne e Osso convida o amante para visitar a exótica Ilha dos Prazeres. Desconfiado, seu marido contrata um detetive particular, o qual acaba revelando o plano ao se apaixonar pela moça. Desconcertado diante do flagra, o marido traído prepara uma terrível vingança.’ O filme protagonizado pela Helena Ignez, rompe com a dramaturgia clássica e implementa uma nova forma de atuação. O cinema de vanguarda brasileiro ainda não havia rompido com a opressão patriarcal. As figuras femininas nos filmes nacionais nos anos 60 não retratava a mulher moderna. Helena Ignez inaugura a liberdade feminina e expõe as contradições do Status Quo.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Acredito que não devemos reabrir os cinemas antes da pandemia acabar.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

É difícil dizer como está o cinema brasileiro atualmente, estamos em plena pandemia. Não estou tendo muito contato com os filmes produzidos nesses últimos 2 anos. Já que as grandes produções pararam e só quem produz cinema atualmente é o cenário independente. Acredito que estamos passando por mais uma das crises do cinema brasileiro. Nunca tínhamos vistos tantos filmes de qualidade e com diversidade tão ampla nessas últimas décadas. Houve uma democratização desde quem realiza até nas temáticas discutidas graças as leis de incentivo. Agora falta apenas democratização na distribuição dos filmes.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Eu não perco o próximo filme o Kléber Mendonça Filho. Quero ver qual será o próximo passo do seu cinema. Torço pro crescimento do cinema mainstream de autor.

 

12) Defina cinema com uma frase:

A materialização em movimento dos sonhos humanos.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Minha relação com salas de cinemas mudou quando exibi o meu primeiro filme em tela grande com 15 anos. No meu ensino médio tinha aula de cinema e tive a minha primeira experiência dirigindo e roteirizando um filme. No clássico método brasileiro ‘Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão’. Infelizmente perdi esse filme em umas das minhas crises juvenis. Nunca pensei que as brincadeiras com a câmera digital poderiam gerar emoções em pessoas desconhecidas.

 

14) Defina ‘Cinderela Baiana’ em poucas palavras...

O The Room brasileiro.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Para ser um cineasta é preciso conhecer a linguagem cinematográfica, não ver todos os filmes. Claro que quanto mais filmes se vê mas domínio da linguagem se tem. Só que a formação de um cineasta se dá em sua experiência com a câmera, o espaço e os atores. Depois que o artista desenvolve o seu universo o mais importante é o autoconhecimento, vivências reais e o estudo complementar em alguma área humana. É a formação pessoal que constrói um cineasta.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

O pior filme que vi na vida foi 2 coelhos.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Minha experiência com cinema documental não é muito vasta, então não me vem o melhor na minha cabeça. O último documentário que vi e me surpreendeu foi Rocha que Voa. Sinopse: “A partir da premissa de que nenhuma revolução acontece isoladamente, o filme busca reconstituir o diálogo ocorrido entre o Cinema Novo brasileiro e o Cine Revolucionário cubano.”. Retrata a influência do Glauber Rocha em Cuba em seu exílio em 1971 e 1972. O filme retrata desde as intervenções artísticas do cinema Glauberiano, até às técnicas usadas pelos editores cubanos no filme Câncer.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?

Lembro de bater palma nos filmes do Harry Potter, quando pequeno.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Gosto de dois filmes do Nicolas Cage: O senhor das armas e Adaptação.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Quando novo costumava ler o site omelete e com o tempo deixei de acompanhar sites de cinema. Vejo bastante vídeo análise de cinema pelo Youtube como Tela em Transe, Cinema sem Limites e Cinédito.

 

21) Qual streaming disponível no Brasil você mais assiste filmes?

Consumo o Darkflix, o Globo Play, SpCine Play, Canal Curta, Canal Brasil e Looke.

 

 

 

 

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Crítica do filme: 'Diga-me Quando'


Quando a ingenuidade encontra as indomáveis lições do amar. Filme de estreia na direção e roteiro do cineasta mexicano Gerardo Gatica, Diga-me Quando apresenta pequenos exageros costurados com clichês mas nada que gere bocejos ou desinteresse, pelo contrário, o projeto se apresenta muito mais profundo do que aparenta, uma belíssima construção com diálogos criativos, emoções variadas, se tornando uma crônica latina sobre as descobertas do amar. Sem pretensão de ser perfeito, se arrisca com sucesso nas linhas tumultuadas da melancolia. Grata surpresa. Disponível na Netflix.


Na trama, conhecemos Will (Jesús Zavala), um jovem economista de formação, sem amigos, que nunca se diverte, workholic, pentelhado pelo seu chefe inclusive aos sábados, que mora em Los Angeles próximo a seus avós de origem mexicana. Quando seu avô morre no mesmo deserto que atravessou anos atrás quando chegou aos Estados Unidos, o tempo passa e Will encontra uma pequena caderneta que o avô deixou dizendo todas as coisas que ele precisa fazer no México (redescobrir suas origens, cantar com mariachis, ficar bêbado com mezcal, ir até a praça da constituição, ao palácio belas artes...encontrar um amor, fazer amigos...)  para ser uma pessoa mais feliz. Assim, parte em busca desse país multicultural e lá acaba conhecendo pessoas que mudarão sua maneira de ver o mundo, principalmente a atriz de teatro Dani (Ximena Romo), por quem se apaixona loucamente.


Entre uma polaroid e outra, até declamação de poema, passando por quase todas as fases do se apaixonar a comédia romântica apresenta de maneira muito poética o lado bom e o lado ruim de se jogar em uma paixão. Esses contrapontos, dentro de uma Inserção no universo da conquista, ditam o ótimo roteiro a um ritmo de gerar risos e energias boas, talvez pelas belas atuações, talvez por já sentirmos algumas daquelas fases vividas pelo protagonista.


Você precisa aprender a ser, não só a ter. O longa-metragem bate bastante na tecla do importante que é ter experiências que nos moldem como seres humanos e como é a melhor forma de aprendermos a perder e ganhar. O protagonista, antes um desajustado no convívio social, se descontrói e renasce através do mesmo universo que vive mas com uma ótica diferente, vira um constante observador de um novo mundo que já existia mas ele não conseguia enxergar.


Em um programa de perguntas e respostas, se essa mesma história se passasse ambientada nos Estados Unidos, mais precisamente em Nova Iorque, a maioria dos cinéfilos e cinéfilas diria que se tratava de um filme do Woody Allen.

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01/05/2021

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Crítica do filme: 'Raia 4'


As mensagens que o silêncio traz. Exibido em diversos festivais de cinema pelo mundo, como 35º Festival Internacional de Cinema de Santa Barbara (EUA), o 41º Festival de Havana (Cuba), a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o Festival Internacional do Rio e vencedor do prêmio da crítica no Festival de Gramado, Raia 4 possui uma narrativa lenta, perto da amargura, de paralelos com o psicológico, que busca em suas imagens e movimentos revelar o caos emocional de uma jovem, de família de classe média alta do sul do país,  perto de completar 13 anos entre as competições semi-profissionais de natação que participa e as descobertas das primeiras fases da adolescência. Escrito e dirigido por Emiliano Cunha.


Na trama, acompanhamos o dia a dia de Amanda (Brídia Moni), uma jovem que está passando por uma turbulenta fase emocional e divide seu tempo em suas novas descobertas e seu ritmo acelerado de competição na equipe de natação de sua cidade. Em casa, seu relacionamento com os pais é um pouco conturbado, tendo imenso carinho pelo pai e uma certa distância da mãe. Ambos são médicos e vivem sempre com suas agendas lotadas de compromissos. Amanda fica mais confusa com a existência de uma linha tênue entre algum sentimento confuso e a competição na relação com a amiga de treinos Priscila (Kethelen Guadagnini).


Tecnicamente é um filme muito interessante, as metáforas aquáticas, seus movimentos, luzes, mostram uma aflição em crescente com o que podemos fazer um paralelo com a mente da protagonista, completamente confusa nas suas interpretações sobre as escolhas que lhe aparecem. Introspectiva, de poucas palavras, parece não saber lidar direito com suas fases de vida, como a primeira menstruação, o primeiro beijo, a competição. A cada nova saída da água (seu lugar de refúgio), a ansiedade e as cobranças de uma jovem atleta chegam por todos os lados, gerando um caótico recorte emocional que determina as ações, inclusive, do desfecho marcante.



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E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #401 - Márcio Moraes


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de São Paulo. Márcio Moraes tem 28 anos, é Executivo de Vendas América Latina na distribuidora Califórnia Filmes, atua na distribuição de longas nacionais e internacionais para cinema, televisão e plataformas digitais. Trabalhou anteriormente na distribuidora Art-House, Imovision e na Fundação Padre Anchieta – TV Cultura. Também é ator de teatro há 13 anos, diretor-fundador da Trupe Caçadores de Tatu (Taturema) e da Tatu – Escola de Teatro, em Sorocaba no interior de São Paulo. Cursou Rádio, TV e Internet na Universidade Anhembi Morumbi.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

A minha sala preferida com certeza é o Reserva Cultural, além de já ter trabalhado para o Jean Thomas na Imovision, é um dos cinemas que mais frequentei com pessoas muito queridas e que tem uma potente programação alternativa. Acho que as lembranças que a sala de cinema te proporciona pela experiência em si e o ponto de encontro entre pessoas, que vão para além de apenas o filme, também contam muito nessa decisão – então, sem dúvidas o Reserva é minha sala preferida.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Dogville (2003), fiquei dias refletindo sobre o filme e lembro até hoje dessa sensação.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Gosto muito do Lars Von Trier e meu filme favorito é o Dançando no Escuro (2000) com a Björk.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Não tenho um favorito, mas dos últimos que vi que mais gostei foram As Boas Maneiras (2018) de Juliana Rojas e Marco Dutra, Aos Teus Olhos (2017) de Carolina Jabor e Anna (2018) de Heito Dhalia.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

É guardar um espaço especial da sua vida para viver a experiência cinematográfica e ser transpassado por ela.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Com certeza, e entendem de cinema como um todo – tanto quando arte como enquanto mercado. Cada sala tem a sua própria “clientela” e por consequência, temos programações feitas para atender essas demandas. Um programador precisa acompanhar constantemente o cenário e por consequência, assiste muita coisa e isso por si só é “entender de cinema”.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Com absoluta certeza: não, eu não vejo o streaming e as novas mídias conseguindo transpor o “encontro”. Assim como o teatro, a sala de cinema promove uma reunião catártica de pessoas, além de trazer uma impressionante e gigantesca tela onde se projeta a imagem causando um impacto que nem a melhor TV consegue – existe uma mágica nessa combinação que traz a aura de evento para a além da sua reprodutibilidade técnica. Além de que sempre que uma nova mídia chega diz-se que a anterior vai se encerrar e vemos cada vez mais que isso não é verdade, elas coexistem dentro das suas dimensões.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Corpo e Alma (2017) de Ildikó Enyedi, Dentro da Casa (2013) de François Ozon, C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor (2005) de Jean-Marc Vallée e Monsieur & Madame Adelman (2017) de Nicolas Bedos, são filmes que eu gosto muito e sempre falo pras pessoas assistirem.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

As salas já reabriram e fecharam várias vezes ao longo da pandemia. Eu pessoalmente acho que é algo muito sensível de se discutir, porém com as devidas medidas de segurança e conforme permitido pelo governo entre os lockdowns, não me oponho.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Temos uma produção intensa, muito ativa, onde podemos encontrar espaço pra todos os projetos. É fenomenal o que os filmes de comédia da Downtown/Paris conseguem arrecadar de bilheteria, é incrível a visibilidade internacional de projetos nacionais em premiações como os títulos Babenco, Bacurau, A Vida Invisível, etc. Porém hoje atravessaremos um momento muito complicado causado tanto pela pandemia quanto pela ausência das políticas públicas e desmanche da ANCINE. Por mais que muitas produtoras ao longo dos anos conseguiram se estabilizar e produzir constantemente, a ausência dos fomentos governamentais causam efeitos devastadores e afetará o que será produzido e o quanto será produzido daqui para frente no país pois a ausência desses recursos minará a diversidade criativa, e apenas o mercado em si pautará o jogo – quem deter recursos conseguirá produzir, concentrando muito mais o que virá em poucos.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Tudo o que a Fernanda Torres faz, eu assisto.

 

12) Defina cinema com uma frase:

Cinema é encontro, desejo e contar histórias.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema:

Não me lembro de nada muito inusitado, mas teve uma época que eu ia quase todos os dias ao cinema, e teve uma semana em que eu perdi uma lente de contato e demorei uns dias pra comprar, nesse meio tempo eu ficava praticamente assistindo os filmes com um olho só – a triste vida do míope.

 

14) Defina 'Cinderela Baiana' em poucas palavras...

“Vai passarinho, você como as crianças também tem direito a liberdade”

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Eu sempre penso que todos podemos desenvolver a sensibilidade necessária pra produzir uma obra de arte, seja ela em qual mídia for. Não acredito que apenas quem viu tudo (Até porque não se é possível ver tudo) é a única pessoa capaz de desenvolver com talento, a sensibilidade e a exatidão necessária pra executar um longa-metragem, mas com certeza o repertório aprimora o senso estético e criativo e contribui muito para o resultado final do cineasta.

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Muito difícil, eu costumo esquecer e eu já tive que assistir muita coisa ruim por trabalhar com distribuição, não vou conseguir citar um filme.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Eu amo qualquer documentário de espaço do Discovery Channel ou do History, mas meu documentário favorito é Jogo de Cena (2007) de Eduardo Coutinho.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?  

Só em pré-estreias com a presença do elenco, rs.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

Gosto de O Resgate (2012), que sequestram a filha dele.

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Variety, Deadline, TelaViva, Worldscreen/TV Latina e Hollywood Reporter.

 

21) Qual streaming disponível no Brasil você mais assiste filmes?

Globoplay, Amazon Prime Video, WOW Plus, Netflix e DirectvGO.

 

 

 

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Crítica do filme: 'Em Busca de Sheela'


Quando a verdade é uma questão de perspectiva. Uma figura polêmica da história contemporânea indiana. Um Guru. Uma Seita? Culpada ou inocente? Dirigido pelo indiano Shakun Batra, o média-metragem, de pouco menos de uma hora de duração, Em Busca de Sheela traz à luz mais pontos de vistas sobre a história de Ma Anand Sheela ex-porta-voz do movimento Rajneesh (também conhecido como Osho) que fora acusada pelo governo norte-americano de alguns crimes no período que esteve com esse movimento em uma cidade por lá. Tentando decifrar diversos enigmas sobre essa personalidade complicada de se ler, o filme navega pelo faro investigativo mas sem deixar qualquer conclusão evidente.


O filme tem sua trajetória marcada no recorte do retorno de Ma Anand Sheela, agora com 70 anos, à Índia, terra que nasceu. Agora é uma espécie de celebridade local, amada por muitos e odiadas por outros, inclusive a questão da segurança é várias vezes debatidas no enredo da história. Sem deixar de traçar paralelos com o passado complicado de entender da protagonista e na atualidade sua chegada para uma série de entrevistas com jornalistas indianos de prestígio, o projeto busca levantar argumentos, pontos de vistas de muitos sobre essa figura polêmica, controversa que se refugiou na Suíça no início da década de 90 logo após sair da prisão nos Estados Unidos.


Em busca de uma certa cronologia da percepção, Batra atravessa os campos de reflexão focando mais no embate entre a mídia e Ma Anand Sheela, um duelo entre o sensacionalismo e a figura indecifrável, paralelos que caminham durante toda essa jornada. Ma Anand Sheela em julho de 1983 fora condenada nos Estados Unidos a vários anos de prisão acusada de envenenamento, escuta ilegal e agressão. Ela rebate a todo instante as acusações. Mas qual a verdade? Tente tirar suas próprias conclusões. Disponível na Netflix.



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Crítica do filme: 'Olla'


A independência do feminismo contra o machismo descarado. Escrito e dirigido pela cineasta grega Ariane Labed, Olla é um curta-metragem que deixa sua marca com paralelos importantes ligados à luta das mulheres e sua liberdade contra o conservadorismo, o pensamento machista, quase um desabafo do que se pode encontrar na realidade dos quatro cantos do planeta. Exibido no Festival de Cannes em 2019, em Clermont-Ferrand e Sundance em 2020.


Na trama, conhecemos Olla (Romanna Lobach), uma jovem que vem de uma parte menor da Europa, no leste e acaba conhecendo virtualmente através de um anúncio o francês Pierre (Grégoire Tachnakian), logo sem seguida a protagonista vai morar com Pierre e a mãe dele em uma casa pequena no subúrbio mas nada sai conforme o planejado, nem na visão de um, nem na visão da outra.


Limitada ao conservadorismo, Olla sente a liberdade quando está sozinha, seu ponto de reflexão, quase um desabafo de uma indomável mulher à frente do seu tempo que após entender toda a situação que vive resolve tomar atitudes que a fazem mais feliz. Seu contra golpe contra a violência e o machismo desenfreado é emblemático. O roteiro é objetivo, afinal são menos de 30 minutos, mas é preciso uma lida rápida na sinopse para se situar em pequenas referências que aparecem em quase escondidas entrelinhas.

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Crítica do filme: 'Os Quatro Paralamas'


A arte de viver da fé no que acreditam. Amigos de quase toda uma vida, uma das maiores bandas da história da música brasileira. Em Os Quatro Paralamas, documentário disponível no catálogo da Netflix, temos a chance de acompanhar bem de perto, ao longo de um pouco mais de 90 minutos, entrevistas atuais, muitos vídeos de arquivo do diretor Roberto Berliner, fotos aos montes, lembranças de uma história que andou em paralelo com todas as mudanças sociais e políticas de nosso país. Exibido no Festival É Tudo Verdade de 2020, o documentário nos mostra em meio a muito papo, reflexões sobre a vida, desses paralamas, que passaram mais tempo juntos do que com as próprias famílias.


Selvagem, Vital e sua moto, meu erro, alagados, Bora Bora, Trac-Trac...inúmeros sucessos em versões de registro de ao vivos fantásticos que somente quem viveu sabe mensurar fazem parte dessa trajetória fílmica que nos mostra a simplicidade das reuniões dos amigos e colegas de trabalho que sempre viam na música uma saída importante para dizer o que sentem, o que veem, o que pensam. Mas você deve estar pensando, mas a banda não tem somente três integrantes? O quarto elemento é um afigura muito importante, Zé, o primeiro e único empresário da banda, amigo de Hebert desde o início dos tempos de faculdade.


Passando quase que na superfície pela estrutura política de todas as décadas de existência da banda, há a curiosa menção de que eles durante o tempo de Collor e as reformas que afundaram o Brasil os Paralamas do Sucesso faziam mais shows na Argentina do que no próprio país. Sobre a chegada do sucesso, importante ponto é mencionado, o emblemático show do Rock in Rio, quase um divisor de águas na carreira dessa banda amada por todos os brasileiros.


Se o seu mundo for o mundo inteiro, sua vida, seu amor, seu lar, deixe tudo que for verdadeiro e tudo que não for passar. Já caminhando pro arco final, o momento mais triste dessa trajetória dos quatro paralamas, o acidente de avião que levou embora Lucy, a esposa de Hebert, e deixou esse último com muitas sequelas. São emocionantes os relatos que vemos além da força que precisaram ter para continuar, se segurando no que mais amam: a música.

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30/04/2021

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Crítica do filme: 'Os Salafrários'


Impressionismo? Expressionismo? Cubismo? Surrealismo? Não! Vence o ‘Clicherismo’. Mais novo longa-metragem nacional a badalar a cabeça do ranking do streaming mais acessado do Brasil, a Netflix, Os Salafrários, dirigido por Pedro Antônio possui minutos iniciais aterrorizantes: um festival de clichês, trama corrida, uma maquete de estereótipo tosco de comédia pastelão... Um dos graves problemas do roteiro é não encontrar seu clímax, parece uma sequência de esquetes desorientadas e pessimamente organizadas. Mas é aquilo que sempre buscamos deixar bem nítido nos textos por aqui: veja o filme e tire suas próprias conclusões, você pode gostar e não concordar com essa humilde análise.


Na trama, conhecemos Clóvis (Marcus Majella) um homem que teve uma infância difícil passando por vários lares que já adulto resolveu viver de malandragem, mais precisamente um falsificador de obras de arte. Quando um de seus projetos criminosos dá errado, ele acaba encontrando com Lohane (Samantha Schmütz), sua meia irmã que levava uma vida honesta com seu trailer fazendo hambúrgueres em Magé até ser passada pra trás por trambiqueiros. Agora, partindo rumo à região dos lagos no Rio de Janeiro os irmãos precisam se unir para buscar novos objetivos.


Há uma crítica bem na superfície pelo gosto do estrangeirismo caracterizado sob a ótica de uma das falcatruas dos personagens, a hipocrisia é que a própria narrativa se faz em cima de uma batida fórmula norte-americana de comédias escrachadas. De Arrarial do Cabo à Rua Oscar Freire vamos navegando com os personagens rumo ao desconhecido sendo que pelo caminho há um preenchimento de situações próprias para o riso fácil onde buscam o brilho das interpretações dos protagonistas.


Top 1 no ranking da Netflix no momento em que essas palavras estão sendo escritas, Os Salafrários anda na linha da comédia, da mesma fórmula de outros, nem flerta com o drama, sem pretensão de ser profundo (gerar reflexões...), se arrasta na superfície da mesmice.  

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