28/10/2022

,

Pausa para uma série: 'A Garota Desaparecida do Vaticano'


Os segredos por trás das verdades escondidas. Chegou recentemente à Netflix uma série documental que aborda um fato real, um misterioso desaparecimento de uma jovem de 15 anos que morava no Vaticano nos anos 80 que se torna o início de uma história onde acompanhamos a busca de soluções de familiares e jornalistas em um caso que abalou os italianos. A Garota Desaparecida do Vaticano é recheado de matérias da época, entrevistas, depoimentos de quem viveu intensamente essa história. O projeto busca reunir em uma via todos os passos de família e jornalistas em busca das verdades sobre o ocorrido.


Em quatro episódios intensos e com muitas reviravoltas vamos acompanhando o misterioso sequestro de Emanuela Orlandi, em junho de 1983, que rendeu inúmeras teorias que vão desde um falso sequestro que deu errado até mesmo uma enorme conspiração que envolve um antigo banco italiano, a Banda della Magliana (máfia romana) até mesmo o Vaticano. Mas qual a verdade sobre o ocorrido? Tentando desvendar esse mistério ao longo dos anos, vemos um jornalista italiano que sabe muito do caso além de familiares da jovem sequestrada, que sofrem muito até hoje pela desaparecimento dela. 


As variáveis confusas de um caso que segue com questões em abertas até hoje. Dias após o sumiço, a família recebeu telefonemas, espalhou cartazes pela cidade, até pedido de resgate (uma troca por um criminoso que tentou matar o Papa) houve. Mas seria tudo parte de um jogo sombrio para esconder as verdades? Conforme o tempo passa, jornalistas que seguiram investigando o caso começaram a encontrar associações entre esquemas mafiosos ao caso, o que mais tarde levou até um ponto de interseção com pessoas do Vaticano e uma questão complicada sobre prováveis financiamentos através de um banco italiano.


A cada novo episódio, logo de início, se apresenta uma nova peça nesse quebra-cabeça, alguma informação que dentro de seu ineditismo compõe mais uma teoria do que pode ter acontecido com Emanuela. Disponível na Netflix, A Garota Desaparecida do Vaticano é um recorte de um sofrimento de um família dentro de um trauma que nunca será esquecido.

 


 

Continue lendo... Pausa para uma série: 'A Garota Desaparecida do Vaticano'

27/10/2022

Crítica do filme: 'Jaula'


Após dois curtas-metragens como diretor, o cineasta Ignacio Tatay debuta na direção de um longa-metragem em um suspense repleto de variáveis ligados à conflitos emocionais após um casal adotar temporariamente uma jovem que encontram de noite, perdida, no meio da estrada. Algo ligado ao sobrenatural? Um suspense psicológico ou até mesmo uma história que vai nos surpreendendo aos poucos? Nessa gangorra de achismos caminhamos até o ponto onde há uma surpreendente troca de perspectiva onde aprofunda-se um olhar sob determinado ponto de vista em relação ao que vemos, esse detalhe do roteiro acaba sendo a grande sacada dessa produção espanhola chamada Jaula.


Na trama, conhecemos Paula (Elena Anaya, de A Pele que Habito) e Simón (Pablo Molinero), um casal que vive juntos já algum tempo e moram num lugar espaçoso, repleto de natureza e com vizinhos muito próximos. Certo dia, de noite, quando estavam voltando para casa acabam se deparando com uma cena perplexa de uma criança correndo sozinha pela estrada e que acaba causando um acidente. Dias após a levarem ao hospital, e mantendo um vínculo próximo com a garota, chega a eles a sugestão de adotarem temporariamente a jovem. Eles embarcam nesse desafio e aos poucos vão tentando interagir com ela, mas coisas estranhas começam a acontecer, situações que afetam a vida do casal.


As migalhas de informações modelam uma misteriosa trama. É como se soubéssemos que algum plot twist vai se encaixado a qualquer momento, o clima de tensão é constante, aguça nossa curiosidade para saber os desfechos dessa história. A paronoia vira uma característica importante para a trama, dentro do abstrato universo dos conflitos emocionais. Tudo é muito misterioso sobre a história da garota.


Há um amplo olhar sobre a questão maternal. A protagonista é complexa, aplica escondida injeções que ajudam no tratamento para gravidez, utilizando medicamento de tentativas anteriores que foram frustradas, acaba se encaixando em uma poderosa desconstrução com direito à conflitos ligados ao seu desejo de ser mãe. O choque de realidade que leva a esse conflito chega quando a mesma percebe que após os momentos de felicidade com a chegada da nova hóspede as variáveis incontroláveis que a cercam fogem do controle, assim vai de encontro ao atrito, briga com os vizinhos, variáveis que impactam seu casamento. Será que ela está enlouquecendo ou é a única lúcida em um quebra-cabeça macabro e inesperado? 


Jaula consegue um sincronismo importante quando pensamos na virada da trama, que mesmo sendo algo que alguns podem achar previsível, é eficiente dentro da narrativa proposta.




Continue lendo... Crítica do filme: 'Jaula'

26/10/2022

Crítica do filme: 'Journeyman: Fora de Combate'


A incrível capacidade humana do recomeço. Imagine um mundo onde você tem uma linda família, é estável financeiramente, e ainda por cima é campeão mundial de um esporte que você ama. Agora imagine que após sofrer uma lesão na cabeça, você não lembra de mais anda e precisa reaprender sobre tudo que gira em torno da sua vida. Journeyman: Fora de Combate nos leva para em torno desse recorte, de um homem que precisa se reconectar com o mundo que lhe foi tirado. De maneira angustiante em muitos momentos, mostrando as sombrias e difíceis fases de um recomeço o longa-metragem possui uma narrativa detalhista que vai emocionar até mesmo os corações mais frios. Escrito, dirigido e protagonizado pelo excelente Paddy Considine, o filme não é sobre segundas chances mas sim sobre o recomeçar.


Na trama, conhecemos o experiente pugilista Matty Burton (Paddy Considine), um homem que está em um ótimo momento na sua vida pessoal, com a chegada de sua primeira filha, que após a noite onde vence mais uma luta de defesa do título dos pesos médios, quando chega em casa, sente uma forte dor de cabeça e desmaia. No hospital ele fica durante um tempo, onde passa por cirurgia e acaba perdendo parte dos movimentos e da memória. Quando volta para casa, sua esposa Emma (Jodie Whittaker) precisará lidar com difíceis tempos dali em diante, durante a imprevisível recuperação do marido.


Há um detalhamento sobre o recomeço que nos mostra a ótica da esposa sobre tudo que precisa passar durante a recuperação dele. A agressividade é algo que se torna marcante, quase um paralelo de toda dor e angústia que o atleta começa a nutrir dentro dele causando lapsos explosivos gritantes. Emma a princípio lida bem com as situações, até se tornarem algo constante que inclusive, algumas vezes, coloca ela e sua filha em risco. A partir desse ponto, parece haver uma ruptura na relação da família, um desencontro com a felicidade. Importante clímax acontece nessa conflituosa altura dos acontecimentos.


As lembranças viram uma fortaleza nos piores momentos de um presente imprevisível. A amizade com os amigos de muito tempo, que o conhecem desde o início de sua trajetória no boxe, acaba sendo um alicerce, mesmo que a princípio alguns deles não saibam como lidar com a nova situação que passa seu amigo. O roteiro pontua com maestria o desenvolver dessa nova etapa da amizade. Há espaço também para uma intrigante e quase um contrassenso questão sobre a culpa. Há culpados para essa situação chegar onde chegou? Há culpados para quem não soube lidar a princípio com a situação?


Journeyman: Fora de Combate atinge profundo nossas emoções, como se criasse reflexões em formas de paralelos sobre os momentos difíceis que todos nós um dia já passamos e precisamos de ajuda para enfrentar.



 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Journeyman: Fora de Combate'

Crítica do filme: 'Vingança Redentora'


Olho por olho, dor por dor. Em pouco mais de 80 minutos de projeção, Vingança Redentora nos leva para uma ampla e profunda análise sobre o castigo, a punição, acompanhamos a estrada de via única de um homem indo atrás de vingança após sua alma se deteriorar logo em seguida à uma tragédia. Dirigido pelo cineasta britânico Shane Meadows, o filme tem uma trilha sonora marcante além de uma atuação explosiva do excelente Paddy Considine.


Na trama, conhecemos Richard (Paddy Considine) um homem que teve que servir ao exército britânico e assim deixou para trás sua família. Quem mais sentiu sua falta foi seu irmão Anthony (Toby Kebbell), um jovem autista que acabou em seguida se envolvendo com uma inconsequente gangue de outros rapazes que moravam na região. Uma trauma acontece e quando Richard volta para casa resolve se vingar de tudo e todos.


Um homem com apenas um objetivo. O roteiro dilacera o sentido de vingança, usa do medo e dos conflitos emocionais para montar uma série de sequências perturbadoras onde vemos um homem em conflito exatamente porque seu lado bom não existe mais, num presente inconsequente onde se vê enquadrado dentro de um paradoxo de anjo mortal. As leis dos homens já não são mais suficiente para ele, levando-o a romper com os conflitos morais caminhando em uma estrada sem volta. Essa desconstrução do personagem é nítida a todo instante, a frieza nunca encontra um oásis para repousar. Um trabalho impecável de Paddy Considine (em um dos seus primeiros grandes trabalhos no cinema).


Vamos entendendo aos poucos a história, contada muitas vezes através de lembranças de quem causou o trauma. Não há reviravoltas, tudo se encontra no mesmo lugar e mesmo assim consegue-se uma profundidade impressionante em cada cena. Não há redenções, pedidos de desculpas com tons de verdade. Vemos dentro de uma crueldade as ações do protagonista. Indicado ao BAFTA em 2005, esse chocante retrato sobre vingança, que usa do chocar como uma ferramenta para reflexão sobre o abandono da moral, tem um desfecho simbólico. Vingança Redentora é um filme muito objetivo, afinal não há espaço para quebra-cabeças emocionais onde não existe arrependimento.

 




Continue lendo... Crítica do filme: 'Vingança Redentora'

23/10/2022

,

Pausa para uma série: 'O Rei da Tv'


Realidade ou ficção? Chegou recentemente ao ótimo catálogo da Star Plus um seriado que por si só já seria polêmico pois tem a árdua missão de recriar alguns passos para o estrelato do maior apresentador da história da televisão, Silvio Santos. Desde os tempos em que era de uma família humilde que morava na lapa no Rio de Janeiro até a ascensão nos tempos em que a televisão estava surgindo no Brasil, O Rei da Tv apresenta personagens conhecidos (como Roque e Gugu), algumas passagens que ficaram conhecidas por notícias e outros personagens que nunca ouvimos falar.


Na trama, voltamos à décadas atrás, no início no Rio de Janeiro na época dos bondinhos onde o carioca Senor Abravanel vivia com seus pais (uma mãe dona de casa e um pai com problemas com jogos) e começara a entender que tinha um certo dom para vendas e logo se inicia como camelô pelas ruas do centro da cidade maravilhosa. Ele começa a aproveitar as oportunidades que a vida lhe coloca pelo caminho e parte para São Paulo, onde conhece Manuel de Nóbrega (seu grande padrinho) e começa a fazer shows e descobrir o fascinante e recém criado universo televisivo, além do lucro que alcança com o polêmico Baú da Felicidade criado no final da década de 60, nessa fase já era conhecido pelo nome artístico: Silvio Santos. Em paralelo, vamos vendo o protagonista já na sua fase mais velha, buscando soluções para um problema na voz, sempre com a ajuda da esposa Iris (Leona Cavalli), e da crise que se instaura no SBT, além de disputa com a toda poderosa Globo mais presente aqui na figura de Rossi, um alto executivo da emissora. Silvio, nessas três fases é interpretado pelos atores: Guilherme Reis, Mariano Mattos Martins e José Rubens Chachá.


A história de vida do Silvio realmente daria um filme! Nesse seriado de oito episódios que possui uma narrativa longe do linear, que anda em paralelo em três fases na vida do protagonista se perde muitas vezes nessa linha temporal, prejudicando o andamento do enredo que é recheado de fatos que encostam na realidade em alguns momentos e em outros na ficção. Às vezes parece que estamos conhecendo pela primeira vez fatos marcantes da vida desse que é o maior apresentador da história da televisão brasileira. Mas os fatos que são mostrados apresentam linhas tênues onde podemos refletir sobre a ética, moral, principalmente no caso mais complicado de entender que é o Baú da Felicidade, onde um cliente adquire um carnê que dever ser pago mensalmente para assim ser elegível a concorrer a um sorteios de prêmios. Em complemento, após um prazo, esse mesmo cliente poderia trocar o valor pago por mercadorias à sua escolha nas lojas do grupo.


Toda biografia que é traduzida para o audiovisual acaba sendo marcada por polêmicas. Por aqui não foi diferente. Até mesmo para traçar paralelos com a realidade, de como os fatos aconteceram, é importante dar um ‘google’ e pesquisar. Por exemplo, aqui tem um personagem chamado Stanislau que é tipo um CEO do Grupo Silvio Santos e do SBT, algo que é bem complicado de entendermos pois o controle das empresas sempre esteve nas mãos de Silvio, que sempre foi muito presente nos seus negócios. Talvez essa referência chegue por alguém que era próximo no comando das empresas, ou até mesmo uma junção de pessoas que tem sua representação por esse personagem. Esses recortes dos negócios tem momentos tensos e decisões importantes para a carreira do protagonista.


A série consegue um aprofundamento maior quando aborda a família, onde conhecemos num primeiro momento a primeira esposa de Silvio Santos, Cidinha (Roberta Gualda) que esteve com ele desde o início mas se sentiu distante do apresentador porque ele basicamente não a assumia para todos (o seriado deixa claro que muitos que o cercavam nem sabiam da existência da esposa). Anos mais tarde, com Irís o relacionamento é diferente com ela inclusive dando pitacos na programação do SBT.


Andando numa linha tênue entre a ficção e a realidade, O Rei da Tv apresenta um recorte ligado a emoções, sonhos, polêmicas, e muito foco de uma das figuras mais importantes da televisão brasileira.



 

 

 

Continue lendo... Pausa para uma série: 'O Rei da Tv'
,

Pausa para uma série: 'O Urso'


Encontros e desencontros rumo ao brilhantismo! Uma das mais surpreendentes séries lançadas em 2022, O Urso é objetivo, profundo, nos mostrando um novo cotidiano para uma série de personagens que se encontram para trabalhar em uma cozinha caindo aos pedaços em uma das maiores cidades dos EUA, Chicago. Criado por Christopher Storer, ao longo de viciantes oito episódios na sua primeira temporada, numa média de 30 minutos cada, somos testemunhas de fortes emoções e conflitos intensos que passam os excelentes personagens, além de um desfecho brilhante que só faz você querer assistir logo uma bem provável segunda temporada!

Na trama, conhecemos o premiado chef de cozinha Carmen 'Carmy' Berzatto (Jeremy Allen White) que rodou os Estados Unidos aprendendo e aos poucos foi se tornando um renomado na sua profissão. Certo dia, ele abandona tudo (os badalados restaurantes, os melhores empregos) para assumir o restaurante do irmão que acabara de falecer e deixou o estabelecimento para ele. Buscando reerguer o lugar (chamado de the Original Beef of Chicagoland), que está de mal a pior, também entender os funcionários que tinham um cotidiano desorganizado e a maioria inexperiente, ele fará de tudo para encontrar soluções. Para isso ele contará com a ajuda da brilhante Sydney (Ayo Edebiri), a nova funcionária contratada para o lugar. Mas as dificuldades serão inúmeras dentro e fora da cozinha.


De forma brilhante, a narrativa desse seriado consegue costurar em pouco mais de 30 minutos por episódio uma série de conflitos que mostram as personalidades de seus personagens, principalmente seu amargurado protagonista (Jeremy Allen White tá fantástico no papel), um homem em grandes dilemas que se vê preso ao passado pela distante relação nos últimos anos com o irmão que acabara de cometer suicídio. A dificuldade para dormir, os traumas de uma profissão exigente, os tropeços na tentativa de reerguer uma relação com sua família e conhecidos do lugar onde cresceu, a nova função de ter que ser o gerente de um lugar atolado em dívidas além de ser a grande referência em uma cozinha repleta de bons corações mas inexperientes na organização profissional de um estabelecimento que quer ser um sucesso, são alguns dos conflitos que vemos em excelentes cenas, algumas em ótimos planos sequência.  


Uma ótima sacada da série é conseguir ir criando o desenvolvimento de seus coadjuvantes, apresenta-se conflitos mas não todos, deixando margem para outras temporadas. Se a cozinha do the Original Beef of Chicagoland à princípio parece uma grande bagunça e seus conflitos, em sua maioria, chegam oriundos dessa questão, o roteiro brilha por conseguir prender a atenção em meio ao caos emocional e altos níveis de tensão contidos nos excelentes diálogos que se entrelaçam pelos sonhos e medos de trabalhadores que vivem em meio ao competitivo mundo culinário. O Urso deixa um gosto de quero mais. Que chegue logo a segunda temporada!



Continue lendo... Pausa para uma série: 'O Urso'

22/10/2022

, , ,

Pausa para uma série: 'Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder'


Quando o relaxamento do pensar e a descrença dão oportunidade para o mal. Voltando ao surpreendente e expansivo universo criado pelo escritor sul-africano J. R. R. Tolkien, um trabalho que durou grande parte de sua vida, Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder nos leva para acontecimentos ocorridos bem antes das famosas trilogias adaptadas para o cinema por Peter Jackson, numa época chamada de Segunda Era onde uma iminente batalha se dará com o ressurgimento de uma figura cruel, manipuladora, que fará de tudo para atingir seus objetivos. Como toda boa primeira temporada, há peças poderosas se mexendo no tabuleiro, nos levando a segredos e reviravoltas impressionantes. Por mais que algumas subtramas estejam ainda arrastadas, sem muita profundidade na sua narrativa, o resultado é positivo, inclusive com cenas eletrizantes de batalhas.


Para entender melhor a trama, vamos nos prolongar um pouco nesse parágrafo. Morgoth poderoso Valar, que destruiu a luz e trouxe caos para o mundo entrou em guerra com outros habitantes de Arda (aqui na fantasia uma espécie de Terra), assim poderosos elfos foram à guerra para resistirem deixando o continente de Valinor e indo para um outro perigoso e desconhecido chamado Terra Média. A guerra que se instaurou deixou o lugar em ruínas, durando séculos. Morgoth foi derrotado mas os seus orques se tornaram presentes em todo o lugar cada vez mais se expandindo sob o comando de seu braço direito, muito cruel, chamado Sauron. A série começa com a Galadriel (Morfydd Clark) irmã de Finrod (Will Fletcher), um elfo que morreu nas mãos desse temido vilão, buscando vingança, indo a todos os lugares, durante séculos, e caçando Sauron mesmo que uma descrença acaba tomando conta da maioria dos seres que acha que Sauron não existe mais. Depois de ser salva por um humano no meio do mar, Halbrand (Charlie Vickers), sua vida irá mudar após esse momento. Em paralelo conhecemos histórias de um elfo e humanos das terras do sul, a renovação de amizade entre um importante elfo e um anão, a chegada de um poderoso estranho próximo ao alojamento de hobbits. Todos esses personagens terão importância nessa história de encontros e desencontros que mesmo já sabendo o final (ou pelo menos boa parte dele) vai nos surpreender mostrando como se chegou ao mesmo.


Nesse primeiro recorte dessa série, que terá algumas temporadas, somos apresentados a um presente onde a descrença sobre a maldade acaba tomando conta da maioria dos seres desse universo, por conta de muitos anos que se passaram e nenhum indício que Sauron ou qualquer entidade do mal esteja voltando de qualquer lugar onde estejam escondidos. Assim, vamos conhecendo os fascinantes personagens, onde vivem, como pensam, onde moram. Elfos, humanos, anões, hobbits, orques, magos, reis e rainhas que de alguma forma vão se encontrar em um momento para uma enorme batalha contra o mal. A construção disso, mesmo com uma narrativa beirando ao superficial, é feita dentro de um universo cheio de detalhes e fantasia criado pelo famoso Professor de literatura inglesa e fascinado por linguística J. R. R. Tolkien.


Para você que não é tão familiarizado assim com o universo complexo criado por Tolkien, é importante navegar por alguns contextos para não ficar boiando em determinados pontos. Por isso, ir atrás de informações complementares pela internet não é nenhuma vergonha! Antes de O Hobbit e O Senhor dos Anéis, existiram importantes questões dentro desse universo que definiram rumos. Uma das séries mais caras da história do audiovisual televisivo Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder vai te conquistando as poucos e tem tudo para melhorar nas futuras temporadas, quando de fato a história vai acontecer com seus melhores momentos.



Continue lendo... Pausa para uma série: 'Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder'

19/10/2022

,

Crítica do filme: 'O Milagre'


Um mistério ligado à fé ou os deslizes pelas imperfeições da natureza humana? Exibido no Festival de San Sebastian desse ano, The Wonder nos leva para uma investigação profunda sobre o ser humano, mais profundamente em um recorte de um vilarejo que presencia uma situação incomum de uma jovem que deixou de se alimentar e continua viva. Seria isso um milagre ou alguma falcatrua ideológica que encosta nas interpretações da fé?  O excelente cineasta chileno Sebastián Lelio (de sucessos como: Desobediência, Uma Mulher Fantástica, Gloria) brilha na direção. Há um impacto sobre a narrativa, o modo como é contada essa história, desde a primeira cena que abre um leque de possibilidades. No papel da protagonista, uma das melhores atrizes da atualidade Florence Pugh, que mais uma vez desfila seu talento.


Na trama, ambientado por volta de 1860, na região de Midland, na Irlanda, conhecemos a enfermeira Lib (Florence Pugh, em mais uma destacada atuação), uma mulher com um pensar à frente do seu tempo que é selecionada por um conselho para ir até uma pequena vila e investigar algo de inusitado que está acontecendo: uma jovem de onze anos chamada Anna (Kíla Lord Cassidy) não se alimenta faz meses e continua viva, se tornando famosa na região e recebendo turistas, peregrinos, que querem presenciar esse possível milagre. Os que mandam e desmandam nesse vilarejo também estão de olho nessa situação, até mesmo os que defendem o lado religioso. Aos poucos, a enfermeira vai conhecendo melhor essa história, principalmente da família da jovem, e assim muitas surpresas vão aparecer durante sua estadia na região levando-a a dilemas.


Baseado em livro lançado em 2016, escrito pela irlandesa Emma Donoghue (que já teve adaptado para cinema outra de suas obras, A Quarto de Jack), The Wonder é um projeto que une um potente, impactante e artístico longa-metragem com apontamentos à assuntos como violência, a religião (aqui figura da fé) e o lado maternal, nesse último ponto um contraste entre o trauma e o poder das escolhas. O filme prende atenção. Seus mistérios são dissolvidos aos poucos dentro de uma chamativa narrativa (prestem bastante atenção desde os primeiros minutos de projeção) que nos apresenta um ponto de vista de uma protagonista com um passado que acaba a aproximando da situação presente que vive. Lelio detalha ao público seu inteligente olhar sobre as relações, aqui num foco maternal.


Thriller psicológico, drama familiar? O filme pode até ficar confuso se pararmos para associar sobre uma batalha entre o bem e o mal, mas não deixa de ter um certo sentido quando se revelam seus mistérios. Mas o projeto é mais profundo que isso. As imperfeições do ser humano aqui são descascadas, como se máscaras caíssem, em uma investigação também sobre o ser humano, os limites, o lado sombrio. The Wonder chega deve chegar ainda esse ano na Netflix, um filme que vai dar o que falar!



 

Continue lendo... Crítica do filme: 'O Milagre'

16/10/2022

, , ,

Crítica do filme: 'Living'


É preciso saber viver... Adaptação britânica de um filme chamado Viver do genial cineasta japonês Akira Kurosawa, Living é um emocionante drama que nos mostra o recorte final de uma estrada dentro de um universo de possibilidades que se abrem, quando enxergar-se outros sentidos para vida, na trajetória de um burocrata que busca servir de exemplo, sem tempo para raivas ou arrependimentos. O cineasta sul-africano Oliver Hermanus consegue chegar à sua obra-prima da carreira, emocionando o público ao longo de inesquecíveis 102 minutos de projeção. As atuações de Bill Nighy e Aimee Lou Wood (a Aimee de Sex Education) são estupendas! Living pode ser a grande surpresa do próximo Oscar!


Baseado fielmente nas linhas escritas na década de 50 por Kazuo Ishiguro e Akira Kurosawa (só trazendo os paralelos para a Inglaterra), na trama conhecemos o Sr.Williams (Bill Nighy), um homem que trabalha quase toda vida no funcionalismo público, mais precisamente no departamento de obras públicas. Esse homem de fala mansa, pacato, parece ter um cotidiano robótico, monótono, com as responsabilidades bem demarcadas e um relacionamento distante com os filhos. No dia em que recebe a notícia de que está com uma doença terminal e tem poucos meses de vida, praticamente vê o filme de sua vida passar pelas suas memórias e nos dias seguintes vai buscar novos caminhos para sua estrada, se envolvendo em novas relações interpessoais e experiências, mesmo com o pouco tempo de vida que ainda tem.


A visão do outro sobre a situação do protagonista é fundamental para que o filme encontre sentido aos nossos olhos. Os ótimos coadjuvantes que compõe a mesa de trabalho do departamento do Sr. Williams contribuem para uma rápida construção do maçante momento do seu dia a dia. Uma dessas personagens, a sonhadora e atenciosa Margareth (Aimee Lou Wood, em grande atuação) parece entrar em uma desconstrução quando passa a olhar de forma diferente para o chefe, num primeiro momento um zumbi, depois a delicadeza e a troca mútua o transformam em um realizador de momentos. Há um mutualismo nítido nessa relação, um chega com a atenção, o outro com exemplos de sua vasta experiência. Cenas emocionantes surgem nesses diálogos.


O protagonista se apega nas memórias para de libertar, no início é uma navegação sozinha, solitária. Partindo do cotidiano do trabalho, rotina bem construída pelo roteiro, vamos entendendo alguns porquês perdidos na personalidade tímida que muitas vezes não parece ter forças para um sonhar. A disciplina que se mistura com a mesmice, logo se transforma em agarrar o pouco tempo de vida que ainda tem. Ele experimenta a boemia, o presentear pessoas de bem, tirar do estado de indecisão uma obra de um parque que se concluída vai gerar futuras lembranças em outros. Em falar em lembranças, é exatamente por aí o início de seu despertar. Uma das cenas mais lindas de 2022, esse homem sentado em um balanço, sabendo que já se vai, uma emoção que transborda para nossos corações, quanta coisa é dita apenas com o olhar. Nesse momento (e em tantos outros) brilha o veterano Bill Nighy. Não há palavras para definir essa atuação.


Living chega com muita força na corrida ao próximo Oscar, em algumas categorias. O projeto, que ainda conta com uma belíssima trilha sonora assinada pela compositora francesa Emilie Levienaise-Farrouch, nos faz refletir constantemente sobre como vivemos a nossa própria vida. Imperdível!

 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Living'
, , ,

Crítica do filme: 'Bem-Vinda, Violeta!'


Para contar uma história é preciso desprender-se da realidade e embarcar na ficção? Partindo de uma análise bastante ampla sobre o universo sempre peculiar do processo criativo, Bem-Vinda, Violeta! , inspirado no romance ‘Cordilheira’ do escritor brasileiro Daniel Galera, é um filme que navega nas turbulências emocionais de uma protagonista que se descobre em crise através da personagem que está criando para seu novo livro. Fernando Fraiha, um dos diretores do famoso programa Choque de Cultura, volta à direção de um longa-metragem de ficção, após o ótimo La Vingança (2016), nesse filme que é pura reflexão sobre os sentidos da existência humana.


Filmado em Ushuaia, na Patagônia argentina, na trama conhecemos a escritora Ana (Débora Falabella) que resolve embarcar em uma viagem para uma espécie de laboratório criativo onde ela e outros escritores participam de dinâmicas comandadas pelo enigmático Holden (Darío Grandinetti), um homem cheio de personalidade que ficara famoso no mundo literário após queimar exemplares dos seus livros no dia do lançamento. Os dias nesse lugar são intensos e provocantes, há uma necessidade de um abandono de si mesmo e um embarque na personalidade dos principais personagens das respectivas obras. Aos poucos, a forte protagonista começa a se perder, se descontruindo em torno de uma de suas personagens do seu último livro.


O maravilhoso nesse interessantíssimo projeto, que é ambientado na cordilheira dos andes, são as diferentes formas de enxergar todo esse processo criativo. Cada um de nós vai chegar ao desfecho (que tem uma cena emblemática) interpretando o que viu de maneiras diferentes. A produção de ideias em busca de uma certa originalidade é o foco de quem procura os aulões de Holden. Completamente isolados, os escritores passam o pente fino na sua própria personalidade e experiências de vida. A questão para Ana é: embarcar ou não na proposta? Voltar ao passado e enfrentar traumas e situações que estão presas num subconsciente pode ser uma jornada dolorosa que impactará com o seu presente (vemos isso com a desconfiguração do seu relacionamento com o marido).


Um misto de loucura em contraponto ao autoconhecimento chega para a personagem quando se vê perdida, curiosa sobre suas aflições. Bem-Vinda, Violeta não é um filme fácil, ele vai acontecendo aos poucos, então a atenção redobrada é necessária para uma melhor imersão nos momentos reflexivos que chegam pelas entrelinhas, na investigação artística, nos caminhos conflituosos da mente e emoções humanas. Profundo, reflexivo, aborda algumas das infinitas maneiras de explorar a criatividade e ao mesmo tempo chegar em incontroláveis abismos emocionais.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Bem-Vinda, Violeta!'

15/10/2022

, , ,

Crítica do filme: 'Noites de Paris'


Coração de mãe, sempre cabe mais um. Explorando o início, meio e fim da década de 80 numa França agitada em vários campos, na visão de uma mulher com um lado maternal forte, o cineasta parisiense Mikhaël Hers nos apresenta um longa-metragem quase em forma de crônicas que coloca a família no centro dos conflitos. Exibido no Festival do Rio 2022, o drama intimista Noites de Paris é protagonizado pela atriz Charlotte Gainsbourg.


Na trama, conhecemos Elisabeth (Charlotte Gainsbourg), uma mulher de fala mansa, culta, que estudou psicologia e se separou recentemente de um homem que a abandonou. Ela mora com os filhos, Judith (Megan Northam) e Mathias (Quito Rayon Richter) num belo apartamento, com uma esplendorosa vista para uma grande cidade francesa. Mas a situação deles não é tão confortável assim, passando por várias fases e apertos financeiros. A protagonista tem certa dificuldade de adormecer, nessas horas assiste a um programa no rádio e tempos depois, quando procurava diariamente um emprego, acaba conseguindo um trabalho na equipe desse programa. Um dia, durante o período em que busca um mais amplo sentido para sua trajetória, chega na vida dessa família Talulah (Noée Abita), uma jovem que tem problemas com drogas que acabará se sentindo aceita nessa família, mesmo com idas e vindas ao longo de toda a década de 80.


Numa época em que os cinemas franceses não deixavam ninguém mais entrar nas sessões após cinco minutos do início do filme, é o pontapé inicial dessa história onde já conhecemos a protagonista em um momento onde sente que precisa estar próxima dos filhos, ou até mesmo saber ouvir o que eles tem a dizer sobre ela. Há um foco na mãe e no filho (a filha é apenas uma figurante na história). A relação maternal é uma constante evidente que ganha novos caminhos com a chegada de Talulah. Elisabeth se identifica com ela muito por conta da fragilidade (que na protagonista até se desenvolve em coragem ao longo do tempo), algo que as duas tem em comum. A linha temporal segue por dentro da década de 80 onde conflitos ligados à pais e filhos são vistos.


Com um roteiro escrito por três pessoas, uma delas o próprio diretor, percebemos que possa haver uma certa proximidade do mesmo com pelo menos uma parte do que assistimos. A ideia do programa de rádio, por exemplo, um importante momento na trajetória da protagonista, foi adaptado a partir de memórias de Hers sobre um programa antigo, da década de 70, que ficou 20 anos no ar e era exibido ao vivo pelo rádio madrugada à dentro.


O cinema também tem seu cantinho no roteiro, num momento metalinguístico onde até um dos melhores filmes de Nicolas Cage, Birdy (Asas da Liberdade, no Brasil) é a escolha dos personagens para assistirem. A arte parece andar com os personagens que são muito ligados às questões culturais que se desenvolvem na cidade luz. O gosto pela poesia e a escrita de um dos personagens acaba sendo algo que faz parte da trajetória, em todos os momentos, dos diálogos mais felizes da família.  


Indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim e rodado quase todo no bairro Beaugrenelle, em Paris, lugar construído na década de 70, Noites de Paris nos trás uma série de lições que podem servir de reflexão, principalmente para quem, com medo de perder, mantém vivas memórias passadas sem conseguir viver o presente.

 


Continue lendo... Crítica do filme: 'Noites de Paris'
, ,

Crítica do filme: 'Segredos em Família'


Um clima de tensão constante, cenas chocantes, diálogos marcados pelo confronto, assédio sexual. O longa-metragem chileno Segredos em Família nos apresenta de maneira excruciante o retrato de uma família disfuncional, até mesmo parte preconceituosa, que fica presa em uma Ilha no sul do Chile. Exibido no Festival de San Sebastian em 2019 e no Festival do Rio desse ano, dirigido pelo cineasta Jorge Riquelme Serrano (em seu segundo longa-metragem na carreira), somos conduzidos até os conflitos de um ‘big brother’ instaurado que logo aflora o pior lado de relações já conflituosas, mostrando até mesmo uma parte sombria de seus personagens. No elenco, a excelente atriz Paulina García (do sucesso Gloria).


Um ambicioso casal em busca de um empreendimento, leva os pais de uma das partes para uma visita à uma ilha onde supostamente existe um ótimo lugar, onde não falta nada, e daria um ótimo hotel. O intuito desse convite é conseguir uma boa parte do dinheiro de entrada desse negócio. Acontece que o responsável pela casa na ilha, após algumas situações constrangedoras com elementos da família, acaba fugindo, deixando o restante das pessoas sem ter como sair da ilha. O que era pra ser um passeio agradável, regado à vinho e conversas descontraídas logo vira um ambiente hostil, tenso, onde facetas escondidas logo vem à tona.


Partimos do encontro de três gerações: os avós, os pais e os filhos. Só por isso, já dá pra imaginar iminentes conflitos. Os mais velhos parecem analisar o casal mais novo, destilando veneno pra todos os lados, se colocando como os senhores da razão em relação a todos os assuntos. As críticas que não são faladas ‘olho no olho’ vão nos mostrando as verdades de personalidades dúbias. O clima de tensão tem seu início na questão da sobrevivência, por estarem em um lugar inóspito, sem água e outras coisas básicas. Mas logo uma surpreendente questão vira palco de questionamentos, com os personagens já no seu desfecho não sabendo lidar com o ocorrido. O público é surpreendido nos minutos finais, com o roteiro deixando em entrelinhas rasas qualquer desdobramento sobre o chocante fato.


O ritmo é lento, mas há um sentido nisso, aos poucos vamos nos surpreendendo e chocados assistimos uma série de situações destrutivas, absurdas. Rodado na comuna de Calbuco, Região de Los Lagos, no Chile, o projeto bate na tecla de que as aparências enganam, do fato mais que lógico que não existe família perfeita, da pergunta filosófica que acaba fazendo total sentido aqui nessa história: Afinal, as pessoas nascem boas ou más? Ou é o seu caminho de escolhas que te leva para um lado ou outro?  



 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Segredos em Família'

14/10/2022

, , ,

Crítica do filme: 'Carvão'


Um choque entre dois mundos é a combustão que nos leva para uma estrada de diversos conflitos e escolhas, onde o paradoxo entre a impulsividade e a premeditação vira um reflexo dilacerante da natureza humana. Escrito e dirigido pela cineasta paulista Carolina Markowicz (em seu primeiro longa-metragem), Carvão joga na tela contradições camufladas de dilemas morais e a hipocrisia do julgamento para os que chegam e para os que estão no epicentro dessa história ambientada em uma casa humilde no interior de nosso país. Surpreendente até seu último minuto, somos testemunhas de mais uma grande obra do cinema brasileiro.


Na trama, exibida nos importantes Festivais de Toronto e San Sebastian, conhecemos Irene (Maeve Jinkings), uma mulher que vive com o marido (Rômulo Braga), o filho Jean (Jean de Almeida Costa) e o pai (esse já em estado bastante debilitado) em uma cidade isolada dos grandes centros, no interior do Brasil. A família vive uma vida simples onde a falta de dinheiro é algo frequente. Certo dia, uma mulher aparece com uma proposta inusitada, que consiste na família hospedar um misterioso visitante internacional chamado Miguel (César Bordón), em troca de uma boa quantia de dinheiro. Eles topam. Assim, se seguem dias de muitos conflitos, onde vamos entendendo melhor cada um desses personagens.


Há um raio-x intrigante sobre alguns personagens. Todos tem conflitos, e esses são muito bem aprofundados. Tem a esposa, religiosa, mãe, que começa a perceber uma mudança de comportamento no marido infiel, além de agir conforme o que acredita sobre a situação de seu pai. Tem o esposo, um acomodado, que vive de bicos, que vê na bolada ganha uma oportunidade de se desligar do mundo e agradar o seu verdadeiro amor. Temos o estrangeiro e sua fuga para bem longe dos grandes centros, mal sabia ele que a complexidade encontrada ali seria desafiante. Tem também a visão da criança sobre tudo que os adultos ao seu redor apresentam de exemplos. Essas sucessões de conflitos dos adultos nos levam para um olhar sobre a hipocrisia quase que frequentemente.


O sofrer pra dentro é uma característica marcante da protagonista Irene, interpretada por uma das grandes atrizes do nosso cinema, Maeve Jinkings. Nas tomadas de decisões mais chocantes que assistimos, Irene dribla qualquer compaixão, esconde as dores, busca de propósito não enxergar as verdades que sente. Nessa estrada de emoções não explícitas, isoladas, tudo que faz parte vira imprevisível. Irene marca seu nome como uma das personagens mais intrigantes dos últimos anos no cinema brasileiro.


Os acontecimentos marcantes são inúmeros, alguns destacados por dilemas morais. O roteiro parece abrir estradas na sua trajetória onde nos perguntamos a todo instante: o que vai acontecer na próxima cena?! As reflexões chegam por todos os lados, as cenas chocantes misturam um leque de descobertas sobre mais da personalidade dos envolvidos. Carolina Markowicz cria uma fórmula que explora até o último segundo o agir, o pensar e o sentir.



Continue lendo... Crítica do filme: 'Carvão'
,

Pausa para uma série: 'Vale Tudo com Tim Maia'


O Spielberg frustrado que virou um ícone da música brasileira. Com exibição de dois episódios no Festival do Rio 2022, a série documental Vale Tudo com Tim Maia, já toda disponível na Globoplay, consegue por meio de uma ótima edição e montagem contar a trajetória de um dos artistas mais peculiares da história da música popular brasileira, por ele mesmo. Dirigido por Nelson Motta e Renato Terra, com manchetes de jornais, vídeos da vida pessoal, entrevistas na televisão, imagens inéditas, até mesmo uma passagem de um curta-metragem da década de 80 do cineasta Flávio Ramos Tambellini, e também gravações na antiga TV Tupi, o projeto nos mostra vários momentos do eterno síndico.


Caçula de onze irmãos de uma família tijucana pobre dos anos 50, Tim Maia andava muito entre as famosas ruas do bairro da zona norte do Rio de Janeiro, Haddock Lobo e Rua Matoso, por aí começou sua trajetória. Com uma série de entrevistas e papos com amigos, histórias dos tempos que entregava marmita (inclusive na casa do Erasmo Carlos) estão presentes. Já perto dos 12 anos iniciou o fascínio pela música com um violão de presente dado pelo pai, dali formou um conjunto ‘Os Tijucanos do Ritmo’, na igreja onde frequentava. Depois os Sputniks, já com Roberto Carlos.


No final da década de 50 ele foi para os Estados Unidos com um grupo de padres, após a decepção com o término dos Sputniks. Lá ele morou na cidadezinha de Tarrytown, em Nova Iorque, onde trabalhou como enfermeiro, mordomo, trabalhando cerca de 12 horas por dia mas sempre tendo a música em paralelo. No final da década de 60, alguns artistas começaram a gravar suas composições, como Elis Regina que gravou ‘These are the Songs’. Logo começou a aparecer no cenário musical chegando inclusive a ter música em trilha sonora de novela, com ‘João Coragem’ música de ‘Irmãos Coragem’, novela escrita por Janete Clair.


A relação de seu profissionalismo (que às vezes ficava de lado, faltando muitos shows) e a irreverente genialidade musical, ele que não sabia escrever música e tentava transmitir aos maestros o que precisa sair de som para entrar sua voz, marcam presença no projeto. Há relatos curiosos sobre composições marcantes, um deles: o dia que na parede de um lugar onde estava se sentindo sozinho, viu um retrato de uma moça na parede e um mar por trás, assim surgiu o sucesso ‘Azul da Cor do Mar’.


Algumas polêmicas também não faltam por aqui, seu envolvimento com uma curiosa seita, seus problemas com os vícios, com a lei. Ao mesmo tempo, também conferimos trechos de apresentações arrepiantes de um dos criadores do Soul brasileiro que chegam mais presente no desfecho, no último episódio. Vale Tudo com Tim Maia ativa nas nossas memórias sobre esse cantor especial, contador e protagonista de muitas histórias.



Continue lendo... Pausa para uma série: 'Vale Tudo com Tim Maia'
,

Crítica do filme: 'Última Dança'


O luto e as maneiras que o protagonista encontra para passar por essa situação acabam sendo o grande ponto de partida do projeto que foi exibido no Festival de Locarno, Festival do Rio 2022 e foi o filme de abertura do Nono Panorama do Cinema Suíço Contemporâneo, Última Dança. Escrito e dirigido pela cineasta suíça Delphine Lehericey, o filme possui um leve toque de comédia mas não chega às barreiras do melodrama, leva o público por um caminho bastante objetivo encontrando soluções lógicas para os conflitos, além de refletir sobre a aproximação da arte através da saudade.

Na trama, conhecemos o ocioso Germain (François Berléand), um homem já com certa idade, beirando aos 70 e poucos anos, que gosta de escrever e vive dias tranquilos com a esposa em uma casa confortável. Quando ela é chamada para uma remontagem de um espetáculo de dança, dias antes de começar os ensaios, acaba falecendo. Seus filhos se mobilizam para ajudá-lo a passar por essa perda tão recente. Germain fica arrasado e para lidar com o luto, passando por todos os seus estágios, resolve participar do espetáculo no lugar da esposa. Só que ele faz isso escondendo a informação dos filhos, situação que gera mais alguns conflitos.


Há um certo romantismo durante esse recorte sobre o luto, também nas maneiras que o corpo pode representar os sentimentos. Esse rompimento do vínculo do amor, da pessoa que está mais próxima de Germain durante toda sua vida, é a força dessa história. O roteiro explora o abstrato (buscando encontrar sentidos), amor, a ausência, uma redescoberta do viver, também a saudade em alguns momentos. Há um protagonista em conflito, confuso, que usa de sua teimosia para cumprir com o desejo da esposa. A sua caminhada chegando pela arte no combate ao ócio é uma questão existencialista que fica implícita.


Delphine Lehericey conduz com muita delicadeza essa história que esbarra nos clichês mas sem deixar de lado um carisma contagiante. O desabrochar para o fascinante universo da dança não deixa de ser uma inspiração. Germain, que antes de ter coragem para convidar a futura esposa para sair pela primeira vez, trocou cartas com a amada por um ano, era um acomodado, descrente, que acaba descobrindo na dança uma maneira de sempre estar com as lembranças presentes de um alguém que nunca deixará de amar.


 

Continue lendo... Crítica do filme: 'Última Dança'