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14/03/2024

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Crítica do filme: 'A Menina Silenciosa'


Dois mundos e seus conflitos. Indicado para mais de quarenta prêmios internacionais, inclusive chegando até os cinco selecionados ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2023, o longa-metragem irlandês A Menina Silenciosa navega sua trama nas chegadas e partidas de uma jovem que vive situações inéditas na sua curta trajetória de vida ao ser enviada para a casa de parentes de sua mãe. Baseado na obra Foster, da escritora Claire Keegan, o filme, dirigido por Colm Bairéad, é um retrato delicado do início da adolescência e o começo de novos conflitos que se jogam na frente, como o entendimento do luto, da perda e o real sentido de família.

Na trama, conhecemos Cáit (Catherine Clinch), uma menina quieta que vive dias tensos com sua família disfuncional e distante em uma humilde casa. Durante o verão do ano de 1981, ela é enviada para a casa de Eibhlín (Carrie Crowley) e Seán (Andrew Bennett), parentes de sua mãe, um casal que perdeu o filho em uma tragédia. Chegando lá acaba descobrindo um novo sentido de lar, de relação familiar, e assim precisa lidar com novos acontecimentos que abrem o seu leque de percepções sobre a vida.

A esperança que chega e vai embora. A narrativa detalhista segue os passos de sua jovem protagonista, entre descobertas e decepções, vê seu mundo se multiplicar em esperança, renovando as verdades da palavra amor. Entre imagens e movimentos, ambientados em uma zona rural irlandesa no início da década de 80, a cultura local acaba sendo o primeiro ponto conflitante que a confronta sobre a certeza do que é certo ou errado. Com o passar do tempo, e entendendo mesmo de forma superficial a dor dos parentes que a abrigam nesse verão se enxerga em dilemas sobre os dois mundos que é apresentada.

As chegadas e partidas estão implícitas, num iminente ponto futuro. Até quando vai ser possível viver aquelas novas experiências? Será que algum dia seus pais biológicos a tratarão com o amor e carinho? Como vai ser quando o verão acabar? Seguindo em perguntas ao vento, implícitas nas ações e emoções dos personagens, A Menina Silenciosa é um recorte sobre as durezas da vida e os lapsos de esperança que surgem quando se menos espera.


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10/03/2023

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Crítica do filme: 'A Baleia'


Os olhares sobre uma escolha. Indicado para mais de 100 prêmios desde seu lançamento mundial, A Baleia, novo trabalho do cineasta e ex-frequentador da Universidade de Harvard Darren Aronofsky, é um filme que navega nas escolhas de um professor de inglês, que sofre com transtorno da compulsão alimentar e seu caminho para deixar um legado em laços corrompidos, principalmente com sua única filha com quem teve um relação sempre distante. Indo a fundo em uma melancolia durante suas quase duas horas de projeção, o projeto marca o renascimento de um artista muito querido por fãs e pela própria indústria cinematográfica, o indicado ao Oscar Brendan Fraser.


Na trama, conhecemos Charlie (Brendan Fraser), um professor que trabalha home office dando aulas online para alunos de um curso de escrita. Esse personagem é amargurado, com fortes problemas emocionais muitos desses causados por um forte perda no seu passado. Ele se encontra com quase 300 quilos, com grandes dificuldades de locomoção, e parece entregue, sem querer ajuda de hospitais ou médicos especializados. Sua única companhia é a enfermeira, e ex-cunhada, Liz (Hong Chau), talvez a única pessoa que ele escute nessa fase final da vida. Durante essa jornada que marca o provável desfecho de sua trajetória, outros personagens começam a entrar em seus dias, como o enigmático e vinculado a uma religião Thomas (Ty Simpkins), sua ex-esposa Mary (Samantha Morton) e principalmente sua filha Ellie (Sadie Sink). Com essa última, Charlie se esforça para resolver a complicada relação de pai e filha.


Baseado em uma peça teatral homônima, dramaturgo americano de 42 anos Samuel D. Hunter, A Baleia é um recorte introspectivo de um homem que escolheu chegar ao fim de sua jornada (algo parecido do que acontece no filme Despedida em Las Vegas) e tem como objetivo uma última redenção na relação conturbada com sua filha.  Falando abertamente sobre transtorno da compulsão alimentar, o roteiro parece que não alcança seu clímax por completo mesmo recheado de ótimas reflexões pelos pontos de vistas dos ótimos coadjuvantes que complementam demais as lacunas dessa jornada.


Aronofsky não é bobo, seu cinema é muito pensado, vemos por exemplo o uso explícito de suas ideias na maneira como o público recebe seu filme, partindo para a primeira reflexão na  relação entre a largura e altura de como foi filmado, um paralelo com as limitações de espaço que enfrenta o protagonista. Há também lacunas que o próprio olhar e sensibilidade do espectador acaba precisando preencher dentre os achismos que compõe as ações dos personagens.


Com 90% de suas cenas dentro de um apartamento e com um dedicado Brendan Fraser, que teve que vestir um traje protético pesado e foi ovacionado durante a exibição no Festival de Veneza, A Baleia concorre à três Oscars em 2023 com fortes chances de vitória para Fraser.



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07/03/2023

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Crítica do filme: 'Entre Mulheres'


Os traumáticos absurdos para se chegar ao basta. Trazendo para o público reflexões sobre um choque de realidade, que envolve a fé, nascido através da violência cruel de homens contra mulheres, a premiada atriz e cineasta Sarah Polley apresenta um recorte de algumas mulheres  vivendo uma realidade ultraconservadora dentro de uma comunidade, que destrói qualquer ideia de modernidade no seu cotidiano, inclusive onde as mulheres não podem aprender ler, que precisam decidir em pouco tempo como buscar um futuro melhor para elas e seus filhos. Baseado na obra Women Talking da escritora canadense Miriam Toews, e indicado à dois Oscars em 2023, nas categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado, Entre Mulheres é um filme urgente, importante e impactante.


Na trama, ambientada em 2010, conhecemos um grupo de mulheres de uma comunidade religiosa menonita que se reúnem de forma urgente para decidir sobre as opções para seus futuros após serem vítimas de abusos sexuais, sedadas e estupradas por homens dessa mesma comunidade. Elas precisam decidir se fogem ou ficam e lutam antes que os seus agressores voltem.  A história do filme se baseia nos fatos reais relatados no livro de Towes, ocorridos na colônia de Manitoba, uma remota comunidade menonita aqui na América do Sul, na Bolívia, mesmo que na adaptação cinematográfica não seja revelada sua localização.


Como transformar a dor em combustível para mudanças? As visões de mulheres de todas idades são muito bem detalhadas nesse importante projeto. Vemos os sonhos, as desilusões, a angústia, o sofrimento, as dúvidas, os entendimentos sobre a fé, o medo, pelos olhos delas. A questão da fé é muito presente, o choque da realidade em relação ao que acreditam e os absurdos que viveram contornam a narrativa com argumentos expostos em intensos diálogos ao longo de quase 110 minutos de projeção.


Há uma traição da fé por conta do entendimento de pacifismo? Os dilemas são inúmeros, o ódio pelo conhecido e o embarcar no desconhecido se chocam nos medos e dúvidas sobre a única casa que elas já conheceram. Como todo bom filme, há muito nas entrelinhas. Tendo a canção Daydream Believer em sua trilha, que aqui bate na tecla do sonhar acordado a partir do basta para sair de uma situação absurda, a destacada trilha do filme é composta pela artista islandesa Hildur Guðnadóttir que também compôs a trilha de Tár, outro filme concorrente em algumas categorias no Oscar desse ano.


O público não desgruda um minuto do que assistimos na tela, Entre Mulheres é um tocante filme, profundo, que mostra mais um capítulo nos absurdos cometidos contra mulheres. Um enorme e incansável grito de BASTA!



 

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05/02/2023

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Crítica do filme: 'Nada de Novo de Front'


A dura realidade de um conflito armado. Baseado na obra homônima do escritor alemão Erich Maria Remarque, Nada de Novo no Front, indicado para 9 Oscars, mostra a brutalidade dos campos de batalha na primeira guerra mundial pelos olhos de um jovem que junto com um grupo de amigos se alistam voluntariamente mas logo percebem que a expectativa que tinham sobre o desejo de representar seu país no conflito vira uma dura realidade sem volta. O medo, o desespero, o beco sem saída com tragédias por todos os lados, as incertezas cada vez mais fortes sobre se algum dia voltarão para casa, um compilado de terror e tensão nessa visão do lado alemão da primeira grande guerra. Um excelente trabalho de direção do cineasta Edward Berger nessa obra marcante que está disponível no catálogo da Netflix.


Na trama, ambientada no terceiro ano da primeira guerra mundial, num primeiro momento no norte da Alemanha, vemos a chegada à guerra de Paul (Felix Kammerer, em seu primeiro longa-metragem) e seus amigos de escola. Seduzidos pela onda de discursos inflamados e contagiantes sobre a importância de exercer o patriotismo se alistando para defender os objetivos de seu país eles logo se colocariam dentro da dura realidade que é um conflito armado dessas proporções onde a morte está ao lado constantemente. Paralelo a isso, parte da alta cúpula alemã, aqui focado na figura de Matthias Erzberger (Daniel Brühl), propõe um cessar fogo para os franceses enquanto a cada minuto morrem centenas de jovens nas linhas de batalhas.


Nessa terceira versão da obra de Remarque para os cinemas, as outras duas foram: Sem Novidade no Front (1930) e Adeus à Inocência (1979), os horrores do sofrimento que os soldados eram submetidos são mostrados por completo. A fome é algo evidente em grande parte da história, assim como as estratégias militares descontroladas não se importando com as vidas perdidas. A obra é impressionante, impactante, realista ao extremo, fruto das experiências na primeira guerra do próprio autor. Outra questão que chama a atenção é a representação do campo de batalha, para tal a produção utilizou como locações uma área militar na capital da República Tcheca (Praga).



 

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02/02/2023

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Crítica do filme: 'Os Banshees de Inisherin'


Solidão que não encontra a solitude. Escrito e dirigido pelo britânico Martin McDonagh, Os Banshees de Inisherin, indicado à 9 Oscars é um projeto repleto de reflexões. Uma busca pela fuga da mesmice desencadeia o rompimento de uma longa amizade o que acaba trazendo novos conflitos dentro de uma espécie de síntese da loucura, tudo isso em um curto período de tempo numa fictícia pequena comunidade na Irlanda, uma ilha no litoral, chamada inisherin. O elenco é brilhante, não à toa todos os intérpretes dos personagens que vemos em tela com poder de subtramas foram indicados ao Oscar em 2023.


Na trama, ambientada em 1923 num lugar onde tiros de canhões e espingarda são audíveis vindo do continente (pois são tempos de guerra civil), conhecemos Pádraic Súilleabháin (Colin Farrell) um homem confortável na sua monotonia que vive seus dias sem muitas pretensões morando numa casa humilde com sua irmã Siobhán (Kerry Condon). Sua maior diversão (e a de todos ali naquela ilha) é ir até o bar e beber. Ele sempre faz isso com o melhor amigo Colm (Brendan Gleeson). Certo dia, ao chamar o amigo, ele percebe que algo está errado e Colm deseja romper a amizade que eles tem, o que acaba gerando enormes conflitos com variáveis imprevisíveis.


A forma como a história é contada é fundamental para nos vermos em reflexões sobre várias situações. O conflito é logo apresentado, a ruptura de uma amizade e o embarque de dois passageiros em um lamento deprimente, até mesmo não explicado. Reunindo as peças jogadas pelo caminho tentamos entender Colm e suas questões. Morador sozinho de uma casa próximo ao mar se desprendeu da monotonia para a busca de um recomeço, como se tivesse outras coisas a fazer no que lhe resta da vida, o que traça paralelos com o significado de Banshee algo como um espírito do folclore irlandês que anuncia a morte de um membro da família.  


Já Pádraic é alegre com o pouco tem, definido pelos outros como limitado, acredita que vive uma boa vida fato que o faz cair de um enorme abismo emocional quando a amizade é desfeita. A raiva e a violência tomam conta de suas ações quando se vê prejudicado em outros campos e relações. Assim o personagem entra em uma desconstrução profunda. Os Banshees de Inisherin não entrega de bandeja ao espectador os porquês do que são ditos, refletimos em relação ao que entendemos de cada personagem. Essa linha muito pessoal, totalmente interpretativa, deve gerar ótimos debates numa mesa de bar.


Outros ótimos personagens embarcam em suas próprias descobertas a partir da situação inusitada vivida pelos dois ex-amigos. Um jovem perdido que se arrisca na iminente desilusão amorosa de uma mulher mais velha, a irmã de um deles e as escolhas de oportunidades no continente que se colocam em seu caminho.


Tendo sua première mundial no Festival Internacional de Cinema de Veneza, Os Banshees de Inisherin explora os caminhos para a solitude em um filme repleto de personagens carismáticos que mesmo sendo enigmáticos e imprevisíveis, principalmente sobre o que passam por seus pensamentos, não deixam de contagiar o público com uma ótima história.



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Crítica do filme: 'Tár'

 


As respostas que imploram por outras perguntas. O hipnotizante novo trabalho do cineasta Todd Field propõe ao público se jogar em uma imersão pelos fascinantes porquês interpretativos da música clássica através da figura de uma personagem fictícia e completamente impulsiva que parece querer lutar contra sua realidade como se todos tivessem a postos à ela. Como se fosse uma peça de um concerto, o roteiro (escrito por Field) nos leva para uma jornada intensa mas nunca maçante sobre uma tentativa frustrada do exercer o controle de tudo chegando a um esgotamento mostrando que o tempo, essa variável incontrolável pelo menos na vida real, é essencial. No papel principal, brilha mais uma vez Cate Blanchett, novamente indicada ao Oscar, por esse brilhante desempenho.


Na trama, conhecemos a maestrina Lydia Tar (Cate Blanchett) uma das figuras mais importantes da música em nossos tempos, PHD em musicologia pela faculdade de Viena que chegou com todos os méritos ao posto de regente de uma grande orquestra alemã. Próxima de uma aguardada gravação, a quinta sinfonia de Mahler, um dos maiores compositores do período romântico, uma série de conflitos fora dos palcos acontece culminando em uma caminhada da genialidade ao desespero.


Indicado para seis Oscars, incluindo melhor filme e melhor atriz, Tár é pulsante. Explora com maestria os paralelos entre a vida pessoal e a vida profissional de uma figura ícone no meio da música. A belíssima construção, e depois desconstrução, dessa icônica personagem nos leva a refletir sobre os intensos sentimentos que são deixados em cada ação e nas escolhas da protagonista. Quando os bemóis e sustenidos de sua vida evaporam da harmonia desejada, se vê em um caos dominante. Mas será que para ela, nada mais importa senão a música? Nada disso, estar presa com seus sentimentos na realidade que batem à sua porta a transformam a todo instante se mostrando mais exposto no recomeçar de seu desfecho.


O limite é um ponto importante aqui nessa investigação emocional que parece querer muito refletir quando os paralelos já citados se convergem. Estar no topo profissional, inclusive em uma área dominada pelos homens, tendo consigo muitas conquistas escondem um lado de manipulação como sabemos que pode acontecer com quem está com o poder. Conciliar trabalho e família apresentam à sua frente variáveis nada controladas bem diferente das harmônicas perguntas que cativam os ouvintes de Bach. Um castelo de cartas se destroçam quando é rompido os limites, ou pelo menos expostos, em frações as peças se desligam do brilhantismo à loucura.


Pulsante, repleto de intensos diálogos, com um forte paralelo com a música, Tár apresenta em suas quase três horas de projeção um recorte da desmistificação hipotético do poder. Assim como a vida, para entender a música, diferentes e profundos sentimentos indefinidos acabam se jogando à nossa frente. Por todos os lados, com um recheio de imperfeições, buscamos enxergar o regente que há entre nós dentro da nossa própria trajetória.



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14/01/2023

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Crítica do filme: 'Os Fabelmans'


Tudo acontece por um motivo. Passeando, em partes, pela incrível história de uma das maiores lendas da história do cinema, Steven Spielberg, Os Fabelmans nos apresenta a descoberta do mundo mágico da sétima arte aos olhos de um jovem, que por meio de suas lentes da memória, da lembrança do que significa família, se tornou um ícone que transcende gerações. Ao longo de duas horas e meia de projeção, onde transbordam-se emoções por todos os lados, Os Fabelmans nos mostram as estradas, conflitos e escolhas de um eterno sonhador.


Na trama, conhecemos Sammy (Gabriel LaBelle) um jovem que começa a ter suas primeiras experiências com cinema logo na pré adolescência após ficar impactado pelo seu primeiro filme visto numa tela grande. O protagonista mora com o pai, o engenheiro elétrico Burt (Paul Dano), a mãe e pianista Mitzi (Michelle Williams), e suas irmãs. Ambientado nas décadas de 50 e 60, vamos caminhando na sua aspiração em ser um cineasta, fato que encontra paralelos com uma descoberta dolorosa que impacta para sempre sua família. Com versões fictícias de pessoas reais na vida de Spielberg, Os Fabelmans busca um enorme recorte sobre a influência para um sonho e como tudo que aconteceu em sua trajetória, de alguma forma, o levaram por esse caminho.


Desde o primeiro impacto após uma sessão de cinema, passando pelo seu primeiro filme caseiro: um acidente de trem envolvendo seus trens de brinquedo, Sammy percebe que o cinema não sairia de sua vida. Um dos clímax do filme, o conflito com a mãe, algo que impacta sua família, ganha uma melancolia profunda, algo que se torna inesquecível e que de alguma forma moldou o caráter e amadurecimento desse jovem que teve em sua vida muitas mudanças de cidades por conta da profissão em ascensão do pai. Esse sofrimento se junta a outros conflitos como o bullying numa nova escola. Esses momentos de reflexões acabam sendo fundamentais para o nunca descansar de sua vontade de recriar relações pelas lentes. O vazio existencial de em alguns momentos ir contra a real vocação chega numa fase de escolhas definitivas onde o caminho parecia apontar para uma estrada só.


O longa-metragem teve estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Toronto e é de longe um dos filmes mais pessoais de Spielberg. Uma carta de amor ao cinema, à sua família. Mas como criar isso tudo numa tela de cinema? A ideia pro filme, que já vinha perseguindo o pensar de Spielberg, se concretizou durante os tempos de pandemia da Covid-19, onde ele e o co-roteirista Tony Kushner escreveram de suas respectivas casas durante dois meses. O projeto marca o retorno de Steven para os roteiros, fato que não acontecia desde o inesquecível A.I. Inteligência Artificial (2001). Entre algumas curiosidades e liberdades artísticas, até encontra-se brechas para o destino cruzar-se com o lendário John Ford (vencedor de quatro Oscars de melhor direção) e sua contra simpatia camuflada de genialidade interpretado por ninguém menos que um dos maiores diretores de todos os tempos David Lynch.


Será que a felicidade existe? Ou o que existem são momentos felizes? Os Fabelmans contorna olhares e reflexões para uma geração de sonhadores e a busca por um lugar ao sol de uma família de classe média, num período pós segunda guerra mundial, batendo forte na tecla de que na vida, não importa se o horizonte está em cima ou embaixo, o que importa é viver.



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06/01/2023

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Crítica do filme: 'Aftersun'


Uma eterna busca por respostas sobre alguém que achávamos que conhecíamos. Um dos filmes mais dilacerantes que chegaram ao circuito exibidor nos últimos anos, Aftersun nos mostra lembranças de uma mulher sobre um feriado que passou com o pai anos atrás, na época que tinha ainda 11 anos. Há conflitos nesse pai que são aparentes, parece a todo instante controlar-se de algum pensamento, alguma tristeza profunda, algo que o filme se dedica aos detalhes. Depressão? Sim, podemos pensar nessa variável. Escrito e dirigido pela cineasta escocesa de 35 anos Charlotte Wells, em seu primeiro longa-metragem da carreira, o filme muitas vezes acontece no detalhe, quando percebemos a importância daquele momento, tudo isso somado a uma narrativa que deixa nosso refletir respirar. Um trabalho primoroso que vai demorar para sair de nossos corações.


Na trama, conhecemos Sophie (Frankie Corio), uma jovem bastante esperta, curiosa, de recém completos 11 anos, que vai passar férias com o pai Calum (Paul Mescal), que é separado da mãe, na Turquia. Desde a chegada ao local, Sophie registra tudo com uma câmera, as alegrias, as discussões, as dúvidas, as descobertas, os marcantes momentos daquele curto período. Percebemos logo que são lembranças, memórias, com uma carga alta de sentimentos vindos de vários lados.


Durante o filme você se vê perguntando constantemente: o que aconteceu com esse pai? Tudo aqui é importante para você buscar entender as peças embaralhadas da personalidade dele, que tem 30 e poucos anos, e reúne em sua vida algumas frustrações nas quais está preso emocionalmente. Tudo parece ter um significado, como se fosse uma pontinha do iceberg do que dizia internamente, no caos das emoções mais profundas. Por exemplo, a prática do Tai Chi Chuan com o objetivo de meditação e terapia nos mostra uma busca por algum ponto de equilíbrio, algo como se fosse uma segurança para um descontrole dessas tristezas e frustrações constantes.  


Rodado em locações na Turquia, vagamente baseado na experiência pessoal da diretora Charlotte Wells, em um feriado que ela passou com o pai, esse projeto, que demorou quase uma década para acontecer, também gera reflexões sob a perspectiva de Sophie, nos dois momentos de sua vida que parecem entrar em choque em buscas de respostas na tentativa de decifrar o pai, que nos seus momentos introspectivos se fechava sem possibilidades de diálogos.


‘Eu falei demais?’ ‘Eu não disse o suficiente?’ ‘Eu acho que pensei ter visto você tentar.’ Impressionante como a música Losing my Religion, uma das música da trilha sonora, composição da banda R.E.M. , encaixa como uma luva no que assistimos em tela. Há culpa? É saudade? Não há perspectivas de respostas até o desfecho, os arcos conclusivos parecem vir com mais força chegando com alta carga emocional em um clímax interpretativo e repleto de significado, principalmente sobre a importância para a personagem daquelas memórias. Quando deciframos o valor daquelas recordações, nossos corações ficam apertados, como um abraço que nunca termina, uma música que nunca para de tocar.



 

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29/12/2022

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Crítica do filme: 'Pinóquio' (2022)


Espere o melhor, seja o que for! Baseada em partes na famosa história criada pelo jornalista e escritor italiano Carlo Collodi, publicada pela primeira vez no ano de 1883 com o título de As Aventuras de Pinóquio, Pinóquio de Guillermo Del Toro navega em uma profunda melancolia sobre a perda em seus atos iniciais, uma espécie de prólogo para uma aventura contagiante que mistura críticas sociais a um mundo de fantasia e muita aprendizagem sobre a vida. O projeto, que demorou mais de uma década para sair do papel é uma releitura mais sombria de um clássico da literatura infantil, uma fantasia detalhista que aqui esbarra no passado de um mundo repleto de incertezas além de conceitos filosóficos que esbarram na existência e na brevidade. Um trabalho primoroso do genial Del Toro e também de Mark Gustafson, o outro diretor do longa-metragem que está disponível na Netflix.


Na trama, conhecemos Gepeto, um velhinho faz tudo, gente boa, que vive seus dias felizes em uma pequena vila ao lado de seu filho Carlo. Certo dia, já durante os tempos difíceis de guerras entre as nações, uma bomba jogada por um avião atinge uma igreja onde Carlo estava causando o seu precoce falecimento. O pobre Gepeto que viveu apenas 10 anos próximo do filho, para quem tocava sanfona declamando canções de ninar, se tornou também mais uma vítima das guerras dos homens. Um tempo se passa, o mundo mudou, mas Gepeto caminhava na estrada da tristeza, até que um dia, durante uma tempestade, resolve criar um boneco, feito a partir de um pinheiro e quando acorda o boneco tem vida própria. Paralelo a isso, somos introduzidos a história de um grilo metido a romancista que terá papel fundamental nas escolhas que virão pela frente quando Pinóquio, o nome do boneco criado, resolver desbravar o mundo.


A mentira que não tem perna curta e sim nariz em progressão. A família, aqui recortada em um relacionamento muito forte entre pai e filho, é algo sempre lembrado nas linhas do roteiro. O choque nessa relação (aqui já na figura de Pinóquio) tem adicionada o contraste da descoberta, do resgate das boas memórias. O entusiasmo e ingenuidade da vida pelos olhos de cheio de vida Pinóquio vem na contramão da melancolia de seu criador, essa gangorra de emoções acaba sendo parte da estrada que a trama atravessa.


Vezes musical, vezes aventura, o projeto busca contemplar a jornada da vida. A partir da ótica do simpático boneco passamos por vários estágios de conflitos enfrentados por ele. A ganância, o orgulho, a guerra, um nada fácil caminho pela vida numa época de tristes momentos para o mundo, inclusive Gepeto mora numa vila italiana dominada pelo fascismo de outros tempos. A reinvenção dessa clássica história pelos olhos de Del Toro e seu perfeccionista stop-motion, aproxima a história mundial da fantasia, uma forte crítica à tempos nebulosos da humanidade mas sem deixar os pingos de esperança por dias melhores.



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16/12/2022

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Crítica do filme: 'Passagem'


Os aprendizados numa jornada pela melancolia. Filme de estreia como diretora de longa-metragem da cineasta nova iorquina Lila Neugebauer, Passagem, disponível no ótimo catálogo da Apple TV Plus, nos apresenta uma imersão à solidão de uma jovem militar que volta pra casa depois de terríveis sequelas no Afeganistão. A partir de uma amizade com um mecânico, esse também com toda uma estrada de angústia em um passado recente, busca novos horizontes, um novo olhar para frente, numa linha mais positiva sobre o que consegue alcançar no seu pensar sobre existência. Esse poderoso drama conta com atuações emocionantes dos excelentes Jennifer Lawrence e Brian Tyree Henry. Esse último indicado ao Spirit Awards 2023 na categoria Melhor Atuação Coadjuvante.


Na trama, conhecemos Linsey (Jennifer Lawrence) uma militar do corpo de engenharia do exército, especialista em sistemas de águas, que sofre uma complicada lesão cerebral no Afeganistão quando o veículo onde estava é atacado. Ela perde alguns movimentos do corpo e na volta para os Estados Unidos acaba indo num primeiro instante para a reabilitação na casa de uma cuidadora depois ruma para casa, onde tem a chance de resolver (ou pelo menos tentar) problemas adormecidos na relação com a mãe Gloria (Linda Emond) e nesse meio tempo, consegue emprego como piscineira e acaba conhecendo o mecânico James (Brian Tyree Henry) um homem muito bondoso que perdeu a perna em um grave acidente que mudou para sempre o destino de sua família. Assim, essas duas almas iniciam uma amizade com ganhos mútuos numa estrada dolorosa para saírem da solidão.


Um dos principais pontos para refletirmos sobre essa bonita história de superação é a questão do estado de desencanto, da tristeza. A melancolia embutida, muito por conta dos diálogos passarem pela caminhada até ali dos novos amigos, dentro de seus conflitos difíceis de serem superados aqui se torna um raio-x de personalidades que buscam meio que inconscientemente respostas para questões ligadas aos respectivos passados vividos ali mesmo naquela Nova Orleans com altas temperaturas. No caso de Linsey, enxergamos logo de cara uma barreira na comunicação com a complicada mãe e os motivos de uma fuga do lugar de criação. No caso de James, reflexões e a busca de uma redenção em contraponto à culpa que sente por ser o responsável de um terrível acidente.


Há um parábola, uma mensagem indireta, nas cenas tendo a piscina como cenário. A de plástico, que divide com a mãe em uma cena a protagonista passa a pensar sobre o seu redor e logo depois em outros pensares limpando as enormes piscinas de endinheirados da região. Quando se sente curada de qualquer que sejam suas angústias salta numa piscina lotada como se fosse um forte paralelo onde encontra a hora de se jogar na vida novamente e buscar a felicidade.


No projeto, rodado todo em 2019 mas só lançado no segundo semestre desse ano, o tempo e o valor de um abraço também se tornam variáveis importantes em todo esse processo que gera aprendizados. Na jornada desse recorte pós traumático surge uma mola propulsora para preenchimentos de lacunas no campo emocional já que o Afeganistão, no caso da protagonista, não é o único trauma que busca-se soluções.



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28/10/2022

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Crítica do filme: 'Argentina, 1985'


Um dos mais aguardados longas-metragens argentinos de 2022 finalmente chegou ao catálogo da Prime Video. Em Argentina, 1985 voltamos cerca de 20 anos atrás para entender aquele que foi um dos mais históricos julgamentos de toda a história do país sul-americano, onde dois advogados representando a promotoria embarcam em uma jornada para provar a culpa de alguns militares de alta patente durante os aterrorizantes nove anos de ditadura na Argentina. Baseado em fatos reais, o projeto dirigido pelo cineasta de 41 anos Santiago Mitre tem como protagonista a lenda do cinema mundial Ricardo Darín.


Na trama, voltamos no tempo indo para um recorte importante na Argentina, em meados da década de 80 onde logo após um regime bruto de ditadura imposta no país, um promotor chamado Julio César Strassera (Ricardo Darín) tem a missão de juntamente com um grupo de jovens advogados liderar uma equipe de julgamento onde precisam reunir provas suficientes para condenar militares que impuseram o terror na população durante os tempos de ditadura. Strassera contará principalmente com a ajuda de outro promotor público, Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani). Durante todo os meses que cercaram o início, meio e fim do julgamento, sem poderem contar muito com a polícia, que em grande parte era a favor dos militares, os promotores sofrem ameaças e tem a rotina completamente abalada mas sem nunca deixarem de acreditar na importância do que faziam.


Relatos aterrorizantes, dor, sofrimento, tristezas sem fim de parentes de pessoas que sumiram durante a ditadura e nunca mais foram encontrados. A narrativa joga um olhar para o objetivo dos promotores, provar que fora um plano sistemático, que todos os acusados sabiam o que e como estavam fazendo por todo o país nos governos nos tempos de ditadura. Em poucos meses, o protagonista e sua equipe teriam que reunir provas contundentes contra acusados de alta patente do exército argentino que comandaram as ações nas quase uma década de ditadura no país sul-americano. Ao todo foram mais de 4.000 páginas de provas, centenas de testemunhas em mais de 700 casos denunciados durante esse período. A narrativa, de forma complementar, se aprofunda na vida do promotor Julio César Strassera responsável pelo caso mostrando suas dúvidas, medos, sua relação com a família, durante todo o período que está à frente desse caso de grande repercussão.


Há menção às ‘Mães da Praça de Maio’, importante organização criada nos tempos de ditadura que consistia em mães que tiveram seus filhos assassinados ou desaparecidos durante o terror desses tempos sombrios que iam para às ruas em busca de informações. Essas mulheres se reuniam, sempre com um lenço branco na cabeça, na Praça de Maio, em Buenos Aires, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino. Um movimento muito importante que sobrevive até hoje se expandindo para apoios pelos direitos humanos, políticos e civis por toda a América Latina e também em outros países.


Exibido no Festival de Veneza e no Festival do Rio desse ano, o longa-metragem argentino, com grandes chances de beliscar uma vaga no próximo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, é uma aula de reflexão, não só sobre o recorte argentino, mas sobre o recorte sul-americano e todos os países que enfrentaram uma ditadura cruel e covarde. Tempos que nunca devem voltar! A democracia deve sempre estar acordada!



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16/10/2022

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Crítica do filme: 'Living'


É preciso saber viver... Adaptação britânica de um filme chamado Viver do genial cineasta japonês Akira Kurosawa, Living é um emocionante drama que nos mostra o recorte final de uma estrada dentro de um universo de possibilidades que se abrem, quando enxergar-se outros sentidos para vida, na trajetória de um burocrata que busca servir de exemplo, sem tempo para raivas ou arrependimentos. O cineasta sul-africano Oliver Hermanus consegue chegar à sua obra-prima da carreira, emocionando o público ao longo de inesquecíveis 102 minutos de projeção. As atuações de Bill Nighy e Aimee Lou Wood (a Aimee de Sex Education) são estupendas! Living pode ser a grande surpresa do próximo Oscar!


Baseado fielmente nas linhas escritas na década de 50 por Kazuo Ishiguro e Akira Kurosawa (só trazendo os paralelos para a Inglaterra), na trama conhecemos o Sr.Williams (Bill Nighy), um homem que trabalha quase toda vida no funcionalismo público, mais precisamente no departamento de obras públicas. Esse homem de fala mansa, pacato, parece ter um cotidiano robótico, monótono, com as responsabilidades bem demarcadas e um relacionamento distante com os filhos. No dia em que recebe a notícia de que está com uma doença terminal e tem poucos meses de vida, praticamente vê o filme de sua vida passar pelas suas memórias e nos dias seguintes vai buscar novos caminhos para sua estrada, se envolvendo em novas relações interpessoais e experiências, mesmo com o pouco tempo de vida que ainda tem.


A visão do outro sobre a situação do protagonista é fundamental para que o filme encontre sentido aos nossos olhos. Os ótimos coadjuvantes que compõe a mesa de trabalho do departamento do Sr. Williams contribuem para uma rápida construção do maçante momento do seu dia a dia. Uma dessas personagens, a sonhadora e atenciosa Margareth (Aimee Lou Wood, em grande atuação) parece entrar em uma desconstrução quando passa a olhar de forma diferente para o chefe, num primeiro momento um zumbi, depois a delicadeza e a troca mútua o transformam em um realizador de momentos. Há um mutualismo nítido nessa relação, um chega com a atenção, o outro com exemplos de sua vasta experiência. Cenas emocionantes surgem nesses diálogos.


O protagonista se apega nas memórias para de libertar, no início é uma navegação sozinha, solitária. Partindo do cotidiano do trabalho, rotina bem construída pelo roteiro, vamos entendendo alguns porquês perdidos na personalidade tímida que muitas vezes não parece ter forças para um sonhar. A disciplina que se mistura com a mesmice, logo se transforma em agarrar o pouco tempo de vida que ainda tem. Ele experimenta a boemia, o presentear pessoas de bem, tirar do estado de indecisão uma obra de um parque que se concluída vai gerar futuras lembranças em outros. Em falar em lembranças, é exatamente por aí o início de seu despertar. Uma das cenas mais lindas de 2022, esse homem sentado em um balanço, sabendo que já se vai, uma emoção que transborda para nossos corações, quanta coisa é dita apenas com o olhar. Nesse momento (e em tantos outros) brilha o veterano Bill Nighy. Não há palavras para definir essa atuação.


Living chega com muita força na corrida ao próximo Oscar, em algumas categorias. O projeto, que ainda conta com uma belíssima trilha sonora assinada pela compositora francesa Emilie Levienaise-Farrouch, nos faz refletir constantemente sobre como vivemos a nossa própria vida. Imperdível!

 

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13/07/2022

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Crítica do filme: 'Elvis'


Não consigo evitar me apaixonar. Um dos filmes mais aguardados de 2022 finalmente chega as salas de cinema de todo o Brasil, Elvis, novo blockbuster do experiente cineasta australiano de 59 anos Baz Luhrmann é uma jornada por muitas fases da vida do inesquecível cantor e por muitas estradas onde sua trajetória e conflitos encontra a do controverso empresário coronel Tom Parker. Ao longo de impactantes 169 minutos de projeção vamos acompanhando desde a infância, suas referências, seus amores, seus dramas e a carreira meteórica marcada por recordes nunca mais alcançados. No papel título, o ator californiano Austin Butler marca de vez sua carreira com uma interpretação de tirar o fôlego.

Na trama, cheia de recortes de notícias, muito por conta do circo midiático que tinha em cima de sua vida profissional e pessoal, acompanhamos as primeiras referências musicais em Memphis de um jovem que seria uma estrela, um ícone, da música mundial, Elvis Presley (Austin Butler). O encontro com Tom Parker (Tom Hanks, em desempenho também brilhante) indicaria uma relação conflituosa de muitos anos, onde inúmeros sucessos foram criados, shows inesquecíveis foram realizados e calorosos conflitos foram vistos. Em meio ao sucesso, dramas começam a contornar a carreira da estrela mundial, que viveu várias fases e pressões para mudar seu jeito de ser em um mundo repleto de preconceitos, segregação racial, onde Elvis se tornaria uma importante voz além da música.  


Mostrar em um filme de menos de três horas, conflitos, grande parte da carreira, ascensão, declínios, de uma lenda da cultura pop é algo muito difícil. Luhrmann acaba pegando um atalho interessante, transformando a figura de um ganancioso empresário como sendo o narrador, os olhos de uma trajetória que marcou o planeta e gera discussões até hoje. Na verdade o roteiro vira dois rios, que a princípio paralelos, se convergem, mostrando visões, pensares, sobre muitas questões. Num primeiro momento há um resgate dos primeiros passos da inesquecível voz do sul dos Estados Unidos, com grande influência da música feita pelos negros em uma época de preconceitos, onde até mesmo havia divisões em show entre brancos e negros. Em sequência, os dramas familiares, com o pai sendo preso e sendo uma pessoa de pouca confiança aos olhos de muitos, com o forte laço com sua mãe, ganham contornos durante toda a fita. O amor chega de maneira inesperada, dentro do arco narrativo que mostra a ida de Elvis à guerra, uma imposição de políticos que não se agradavam com o mexe e remexe alucinante de seus shows. A consolidação de sua importância como artista mundial chega de forma impactante o levando a conflitos com seu empresário e a todos que o limitavam nos palcos.


Na continuação das linhas finais do parágrafo anterior, chegamos no que posso afirmar ser o grande clímax desse projeto. Onde nos perguntamos e vemos respostas sobre: ‘Qual o papel do artista em relação ao mundo que o conhece?’ Essa discussão é feita até hoje e contorna muito do filme de Luhrmann. Elvis busca se impor a pressão de uma sociedade conservadora, onde quem comanda quer controlar, quer que o destaque se torne algo moldado dentro de um pensamento que interrompe os avanços que precisamos ter como seres humanos. Muitas vezes sozinho em seu pensar, entre um show e outro, se vê cercado por um empresário impostor que só quer lucrar com sua figura a qualquer preço. Nesse momento, quando cai a ficha, os poucos amigos que pode confiar, além de sua amada esposa Priscila, acabam ajudando. Uma ótima sequência mostrada no filme, a amizade com o grande BB King, o leva ao refletir sobre várias questões.


Perto dos 40 anos, o Rei do Rock and Roll chega ao seu limite, situações que o levaram a um quadro do qual nunca sairia, preso em contratos que nem sabia, viciado em remédios, sendo uma marionete nas mãos de um inescrupuloso empresário. Argumentos não faltam para nos fazer pensar sobre os responsáveis pela sua chegada a um labirinto sem saída.


Baz Luhrmann consegue o improvável, colocar mais ingredientes, resgatar sua forte personalidade, para tornar Elvis mais vivo do que nunca para toda uma nova geração que se pergunta a todo instante: qual o papel do artista em relação a tudo que acontece ao seu redor.


 

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