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03/06/2025

Crítica do filme: 'O Grande Golpe do Leste'


Um por todos e todos por um. Trazendo um olhar singular para importantes acontecimentos históricos e políticos que envolveram a Alemanha no início da década de 1990, o longa-metragem O Grande Golpe do Leste une a reconstrução de laços familiares com um duelo de ideais entre o Socialismo e o Capitalismo, passados a limpo de forma bem-humorada. Escrito e dirigido por Natja Brunckhorst, e com o foco nas reflexões sobre um marcante momento da geopolítica, o projeto apresenta seus carismáticos personagens como porta-vozes de olhares do povo ao papel do estado.

Maren (Sandra Hüller) e Robert (Max Riemelt) são um casal que vivem os tempos de incertezas após o início da reunificação da Alemanha, meses depois da queda do Muro de Berlim. Moradores de um condomínio onde outros moradores passam pelas mesmas dificuldades e sem saber o que será do futuro, um dia encontram um bunker cheio de dinheiro prestes a perder o valor. Buscando trocar esse dinheiro o mais rápido possível, a família comunista e seus amigos embarcam numa série de aventuras para conseguir estabilidade num mundo novo que está por vir.

Esse retorno aos tempos em que os desdobramentos tiveram início na Conferência de Potsdam é muito bem construído, com diversos personagens representando pontos-chave para a futura reintegração do território alemão. A crise política e econômica do comunismo soviético e a migração de muitos habitantes da Alemanha Oriental para a Hungria – aqui personificado pelo personagem Volker (Ronald Zehrfeld) - se tornam entrelinhas dentro de todo o contexto. Jannik (Anselm Haderer), o filho do casal protagonista, fica com a missão de entregar o elo com as reinvidicações e protestos que também ajudaram a ruir a ideia do socialismo naquela parte da Europa.

Essa comédia dramática acerta em cheio ao nos levar pelas suas duas horas de projeção para um tour engraçado e reflexivo sobre as formas de olhar o mundo. É aquele filme que nem vemos o tempo passar, com um dinamismo que chama a atenção. O grande achado da narrativa é preencher todos os espaços ao associar a questão social com os desenrolares de problemas familiares, além de algumas subtramas aparecendo e somando-se ao discurso de traçar olhares para a conscientização política – de todas as idades - e uma curiosidade crescente sobre as formas de viver no iminente capitalismo.

Protagonizado pela indicada ao Oscar Sandra Hüller (Anatomia de uma Queda), novamente impecável em sua atuação, O Grande Golpe do Leste busca de maneira criativa e empolgante ser mais que um aulão de história. Estreia dia 12 de junho nos cinemas.


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25/05/2025

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Crítica do filme: 'Entre Dois Mundos'


Tendo como protagonista um dos rostos mais emblemáticos do cinema francês contemporâneo — Juliette Binoche — ao lado de atores e atrizes sem experiência profissional, o longa-metragem francês Entre Dois Mundos nos mostra uma observadora dos fatos que se apresentam, que quis viver o próprio tema da sua obra. Indicada ao prêmio César de Melhor Atriz por essa atuação, Binoche interpreta uma personagem envolta em inverdades que logo se vê próxima das histórias que encontra, se colocando de frente com dilemas éticos e a morais.

Dirigido pelo cineasta francês Emmanuel Carrère e baseado no livro de não-ficção Le Quai de Ouistreham, da jornalista Florence Aubenas, o filme constrói-se gradualmente a partir das descobertas de uma escritora que se envolve de forma íntima em uma investigação sobre as condições de trabalho no norte da França. Aos poucos somos apresentados as dificuldades enfrentadas por trabalhadores precarizados — também, a escassez de oportunidades, a exploração da força trabalhista de classe baixa. Logo, o cenário se amplia, com reflexões além de uma França atual, se expandindo para um recorte geral europeu.

Ambientado na região da Normandia, em Entre Dois Mundos conhecemos a escritora Marianne Winckler (Juliette Binoche) que para seu novo trabalho, resolve abandonar um tempo sua vida em Paris e desembarcar na cidade de Caen. Lá, busca escrever sua nova obra baseada na experiência de viver como auxiliar de serviços gerais, escondendo sua identidade. Ao longo desse período, faz amizades com trabalhadoras que vivem de frente com a exploração da classe trabalhadora e começa a passar por conflitos pela proximidade que chega em laços que vai construindo.

A sensação de não existir em contraponto ao egoísmo na necessidade do ofício. Dentro de conflitos que se estendem ao longo dos pouco mais de 100 minutos de projeção, vai sendo construindo um alicerce rico cheio de críticas sociais mas onde a paciência é parte da experiência, tudo chega com um ritmo desacelerado, resgatando o que poderia ficar na entrelinha. A fluidez para devolver esses conflitos que se amontoam é um dos pontos altos desse longa-metragem que roda festivais pelo mundo desde 2021.

A partir de uma inesperada enxurrada de laços verdadeiros baseada em partes de uma mentira, imerso a um egoísmo na necessidade, enxergamos pelos olhos da protagonista reflexões dentro da ‘vida como ela é’, um pedaço de vivência distante de suas experiências até ali. É ético? É moral? Há algumas interpretações quando pensamos sobre o objetivo da personagem principal, com seu desfecho que encosta no novelesco mas sem perder a força de suas revelações.

Vencedor do Prêmio do Público de Melhor Filme Europeu no Festival de San Sebastián, Entre Dois Mundos finalmente chega aos cinemas brasileiros nesse final de maio. Mais uma atuação competente, num filme com camadas profundas, de uma das mais importantes artistas do cinema francês.  


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06/05/2025

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Crítica do filme: 'Criaturas da Mente'


A partir de uma inquietação e também curiosidade de um consolidado cineasta brasileiro, o fascinante documentário Criaturas da Mente vai de encontro as possibilidades de preenchimentos de lacunas onde um universo fascinante logo se abre. Imerso num curioso paradoxo onde um cineasta não consegue mais sonhar, Marcelo Gomes encontra o neurocientista Sidarta Ribeiro e juntos abrem diálogos para profundos paralelos entre o cinema e os sonhos.

Sob esses dois pontos de vistas, inclusive com Gomes – diretor pernambucano de Cinema, Aspirinas e Urubus, Paloma e outros ótimos filmes - se colocando como um importante personagem, vamos entendendo estudos presentes e a espiritualidade de muitos anos que de alguma forma compõem o sonho como objeto científico. Nesse momento engrandece os desenrolares a chegada de Sidarta Ribeiro, professor, escritor e um dos fundadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, referência mundial na área dos sonhos.

Filme de abertura da 57ª edição do Festival de Brasília, Criaturas da Mente instiga o público para uma jornada onde o acreditar e o descobrir andam lado a lado através de experiências bastante pessoais conseguindo amplo contexto. O alerta dos pesadelos na vida cotidiana, a representação do que seriam as ‘criaturas da mente’, as janelas de percepções, tudo isso vira pauta para uma investigação detalhada que são lapidadas por depoimentos interessantes e imagens que contemplam o refletir.

Um dos mais visíveis méritos dessa obra é que o discurso nunca se desprender dos 80 minutos de projeção. Contornando as dúvidas do diretor-narrador e as experiências que se joga, abre-se portas para os saberes ancestrais de povos originários, um diálogo enriquecedor com um psicanalista Junguiano e as descobertas de culturas afrodescendentes. Além dessa busca incessante por respostas, caminhamos também por parte da obra de Marcelo Gomes, que 30 anos atrás fez sua estreia no universo cinematográfico assumindo a direção e roteiro do curta-metragem Maracatu, Maracatus.

Desbravando e compartilhando o mundo das sensações e interpretações, Criaturas da Mente - coprodução com Globo Filmes e GloboNews e em associação com a Carnaval Filmes - é um dos ótimos documentários que estrearão esse ano no circuito exibidor brasileiro. Não tenham dúvidas de que é um chamado para se pensar sobre o inconsciente! As reflexões chegam por todos os lados.


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02/05/2025

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Crítica do filme: 'Monsieur Aznavour'


A incessante busca pelos aplausos. Com o enorme desafio de contar em cerca de duas horas momentos marcantes de um dos mais populares e longevos cantores franceses da história, a dupla Mehdi Idir e Grand Corps Malade opta pelas pinceladas em atos bem divididos trazendo ao público fragmentos da vida de Shahnour Vaghinagh Aznavourian, também conhecido como Charles Aznavour. E para dar vida a esse ícone musical, o escolhido foi o ator Tahar Rahim que brilha com uma atuação maravilhosa e uma intensidade nítida do início ao fim. Não há dúvidas que esse era o nome certo para o papel.

Em Monsieur Aznavour somos testemunhas da reunião de um apanhado de histórias reais que moldaram a vida pessoal e carreira do conhecido artista das multidões. Passando por inúmeros anos, desde a infância com a instabilidade financeira do pais refugiados, percorrendo os horrores da guerra e também seu lado mulherengo, no longa-metragem selecionado para a 1ª edição do Festival de Cinema Europeu Imovision vemos uma história com altos e baixos de uma trajetória guiada pela força de canções românticas imortalizadas.

O roteiro busca um retrato amplo mas com poucos contextos, fato que deixa lacunas com a falta de profundidade. Mesmo com uma narrativa impulsionada por um dinamismo que funciona, derrapa no bumerangue de informações que envolvem ambições conflitantes e dilemas. Ao apresentar uma personalidade melancólica, um eterno insatisfeito e até certo ponto distante dos laços familiares, vemos de maneira simplória um homem atrás dos seus sonhos, vivendo intensamente a boemia e aproveitando cada lição dos encontros que o destino lhe reservou.

Para os amantes da música europeia, momentos marcantes são reservados. O convívio e aprendizagem com Edith Piaf (Marie-Julie Baup) ganham ótimas cenas dentro do projeto. Ela foi um elemento impulsionador de sua carreira ao levá-lo para abrir seus shows na França e em outros lugares do mundo. Junto a esse ponto, seu convívio e conflitos com o pianista Pierre Roche (Bastien Bouillon) se tornam os momentos de maior destaque. Sobre esse último citado, formou um duo com o protagonista que foi praticamente o início de tudo para Aznavour.

O processo criativo, fator importante dessa caminhada do cantor e compositor que escreveu mais de 800 canções e vendeu cerca de 200 milhões de álbum em todo o mundo, é aqui aliado a sua eterna luta para provar seu talento. Não passando a mão na cabeça do elemento central dessa cinebiografia, é apresentado visões de fatos que culminam numa personalidade workholic e muitas vezes insensível. Será isso algo que possa chocar os fãs?   

Monsieur Aznavour teve quatro indicações ao Prêmio César (o Oscar Francês) e deve chegar ao cinemas brasileiros ainda em 2025.


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Crítica do filme: 'Quando a Luz Arrebenta'


Filme de abertura da Mostra Um Certo Olhar na última edição do Festival de Cannes, o longa-metragem islandês Quando a Luz Arrebenta consegue em um curto ciclo, projetando seu clímax para o luto solitário, dilacerar a dor que sufoca com vários respiros para as reflexões. Escrito e dirigido pelo excelente cineasta islandês Rúnar Rúnarsson - de Vulcão e outros belos trabalhos – somos atraídos a cada minuto de projeção pelas estradas conturbadas de uma protagonista de frente com o caos emocional provocado por uma fatalidade.

Una (Elín Hall) é uma jovem estudante de artes, integrante de uma banda nas horas vagas, que vive um romance não exposto com Diddi (Baldur Einarsson), esse último ainda num outro relacionamento. Quando uma inesperada tragédia acontece com seu amor, a personagem principal precisará enfrentar o luto e as verdades não ditas nas horas que se seguem.

A roteiro explora com delicadeza os contrastes no campo dos sentimentos. Logo, o amor encontra as consequências da traição, a união no esbravejar a perda vira um movimento solitário, um oposto do que o momento pede. Pelos passos e sentimentos da protagonista, em uma cronologia de poucas horas entre os acontecimentos, vamos acompanhando uma história sobre a maturidade forçada pelo destino.  

Com todas suas locações na cidade de Reykjavík (capital islandesa), esse filme, selecionado para a 1 edição do Festival de Cinema Europeu Imovision, mostra como a sutiliza bem aplicada ao vazio existencial provisório nos leva a um mar de reflexões. Para isso, o uso das infinidades da linguagem e seus elementos são notórios. Com uma fotografia exuberante, que ajuda as objetivas composições de cena, encontrando sentido no pulsar das emoções profundas de uma protagonista e seu choque com a realidade, somos premiados com uma história marcante que já ganha a galeria dos melhores filmes exibidos no Brasil em 2025.

O grande trunfo dessa ficção é a facilidade com o se identificar, a relação ‘história x público’. Quem nunca teve perdas na sua vida? Como você lidou com isso? Todo amor que você teve foi vivido intensamente cada momento? Seguindo por esse caminho, as camadas se abrem impulsionadas pelas hipocrisias de regras sociais e o medo do julgamento e olhar do outro. Nesse jogo de experimentos morais que mostra os pormenores das necessidades das interrelações, um ciclo se fecha, afinal a luz que arrebenta é a mesma que ilumina.


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Crítica do filme: 'Dreams'


As angústias e o aprender através de um desabafo. Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim desse ano, o longa-metragem norueguês Dreams busca, ao triangular três gerações de mulheres da mesma família, ótimos debates que vão de encontro aos impulsos nas experiências de vidas e as hipocrisias nas validações da sociedade sobre alguns assuntos tabus. Com seus intensos diálogos – nunca desinteressantes – e uma imersiva narradora-personagem somos convidados ao deleite de reflexões que são apresentadas através do sobe e desce nas escadas que interligam emoções.

Johanne (Ella Øverbye) é uma jovem estudante do ensino médio que após a chegada da nova professora de francês Johanna (Selome Emnetu) começa a desenvolver uma intensa paixão por ela. Buscando uma solução para entender melhor toda essa bomba de emoções que está vivendo, resolve escrever todos seus sentimentos e experiências em um diário. Até que um dia convida sua avó Karin (Anne Marit Jacobsen) e sua mãe Kristin (Ane Dahl Torp) para ler todas as páginas desse amor proibido, causando um choque entre as três gerações.

O cineasta – e também bibliotecário – norueguês Dag Johan Haugerud, de 60 anos, resolveu criar uma trilogia sobre a tão profunda complexidade nos relacionamentos humanos através de sua observação sobre a sociedade. Dreams é o terceiro e último filme desse ciclo. O roteiro – todo escrito por Haugerud – atravessa a exposição radical da intimidade de uma adolescente abrindo camadas de percepções mundanas através do desenvolvimento de todas as ótimas personagens.

A narrativa consegue captar o psicológico com o sociológico, um arranjo corajoso que dentro da fórmula explorada ganha-se muito na curiosidade pelo desfecho. Através de longos diálogos – algo que pode soar cansativo para parte do público - degrau por degrau vamos navegando pelo mar da desilusão de uma juventude sedenta por descobertas (principalmente os impulsos sexuais), os desencontros da meia idade e as validações das certezas da melhor idade.  

Ainda mais a fundo, enxergamos rapidamente o ponto psicológico, muito bem amarrado no roteiro, que parece caminhar paralelo a tudo que assistimos. O enfrentar sozinho, as soluções ao expressar desejos e sonhos, até mesmo a tentativa de abertura com um psicólogo. Já no lado sociológico, vemos um interessante um exercício quando percebemos que o refletir passa para o outro numa gincana de autodescobertas.  

Dreams foi o filme de abertura da 1ª edição do Festival de Cinema Europeu Imovision e deve ganhar espaço no circuito exibidor brasileiro ainda esse ano.

 

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12/03/2025

Crítica do filme: 'É Tempo de Amar'


As sequelas do pós-guerra não é um assunto novo e já foram epicentros de produções audiovisuais ao longo dos anos. Mas como cada história traz um componente contado de sua forma, é sempre uma jornada interessante entender mais sobre esse período marcante da humanidade, principalmente quando o discurso apresenta segundas chances que batem de frente com traumas e nas relações sociais.

Em É Tempo de Amar, filme francês que entrou em circuito nos cinemas brasileiros neste início de 2025, nos deparamos com um retrato baseado em uma história que ocorreu na família da diretora Katell Quillévéré. Envolvendo o público com as euforias de uma oportunidade no amor, misturando-se com segredos e fantasmas do passado, chegamos em dilemas e sacrifícios de duas almas destinadas a viver uma conflituosa relação.

A garçonete Madelaine (Anaïs Demoustier) vive seus dias de luta e tristeza em uma França em meados da década de 1950. Mãe solteira de um menino, fruto de um relacionamento com um soldado alemão durante a guerra, um dia conhece François (Vincent Lacoste) um estudante rico por quem logo se apaixona. Mas ao longo do tempo começa a perceber que ele também esconde alguns segredos.

Exibido no Festival de Cannes em 2023, esse longa-metragem costura sua narrativa numa linha que busca a tensão, percorrendo a amargura, onde personagens em contrapontos buscam sua identidade em meio a um ninho conturbado de variáveis que afetam a todos ao redor. A relação entre mãe e filho e as dificuldades do entendimento de culpa, o casal que descobre novas esferas para declarar seu amor, o julgamento social, são elementos que se tornam a base de um roteiro que coloca nos holofotes as segundas chances.

Podemos definir esse projeto como duas partes que buscam serem complementares, sendo que na primeira, com a ajuda de uma objetiva contextualização, uma narrativa sólida busca o antes para explicar o depois. No segundo momento, com a adição de um triângulo amoroso que abre as cortinas de segredos, o projeto ganha tons novelescos se concentrando de forma redundante nos poucos personagens e caindo nas armadilhas do melodrama.

Longe de ser empolgante, também foge do rótulo de descartável, apresentando com consistência a aceitação, o preconceito e as diferentes formas de amar em uma França movida por intensas emoções logo após um período de caos.


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12/02/2025

Crítica do filme: 'A Lista'


Baseado numa peça teatral de sucesso escrita pelo dramaturgo Gustavo Pinheiro, o longa-metragem A Lista nos transporta para uma história de lembranças, conflituosas relações familiares, encontros e desencontros tendo como cenário o famoso bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Com a essência carioca muito bem captada, um elenco maravilhoso e grande parte experiente, o projeto apresenta relações de riso e emoção na média certa – mesmo com pontas soltas do roteiro - sem esquecer de uma pitada política importante.

A vida da professora aposentada do Estado Laurita (Lilia Cabral) não anda com muito ares de felicidade. Moradora de um prédio em Copacabana, vive seus dias nos embates com outros vizinhos num antes, durante e depois da pandemia. Cheia de medos e aflições, com o estopim gerado pela relação fria e distante com a filha (Letícia Colin), certo dia começa a se aproximar para uma amizade com cantora de música clássica Amanda (Giulia Bertolli), sua vizinha. Assim, entre encontros e desencontros, começa a perceber as oportunidades que a vida sempre colocou à sua frente.

Quinto filme dos Estúdios Globo, o primeiro a ser lançado direto na televisão (dia 17 de fevereiro na Tela Quente), essa dramédia comandada por José Alvarenga Jr. – que assinou a direção de Os Normais e outras comédias - bate na tecla das mudanças no olhar para a vida aos olhos de duas personagens carregadas de decepções no seu campo familiar. As situações do cotidiano – levadas para o lado cômico –  dão um charme ao filme que também cutuca políticas durante a pandemia com um personagem negacionista e até mesmo um pai que não entende o valor do trabalho com as artes.

Ao adaptar uma peça de teatro para o cinema, pode ser comum alguns deslizes. O roteiro junto à narrativa, não consegue criar de forma harmônica o elo para se chegar no epicentro que seria a amizade entre as protagonistas. Há uma certa ingenuidade ao se contar uma história através de uma construção de dois pontos de vistas mas que a interseção fica de escanteio. Por outro lado, ótimos diálogos, uma trilha sonora empolgante, e a relações riso e emoção na média certa dão um certo equilíbrio aos arcos dramáticos, o que faz a narrativa fluir.

Nesse universo de encontros e desencontros, A Lista também joga para destaque a melhor idade. É tão bom assistir novamente em tela nomes como: Rosamaria Murtinho, Zezeh Barbosa, Betty Faria, Reginaldo Faria, Tony Tornado, Anselmo Vasconcelos, Tony Ramos. Um elenco de primeira que ajuda a contar essa história que, mesmo com alguns deslizes, deve agradar a toda família.

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22/01/2025

Crítica do filme: 'Sol de Inverno'


As relações humanas e as estações do ano andam de mãos dadas num filme que apresenta um retrato poético sobre o observar e suas conclusões. Selecionado para a mostra Um Certo Olhar no último Festival de Cannes, o delicado drama japonês Sol de Inverno atravessa um interessante recorte de três pessoas completamente diferentes tendo a referência como elemento que se chega até um despertar.

Numa das 14.125 ilhas geladas do Japão encontramos três personagens que através de um objetivo passam por reflexões sobre a própria vida. Um garoto chamado Takuya (Keitatsu Koshiyama) pratica Hockey mas se fascina pela patinação artística, ajudado pelo professor e ex-atleta Arakawa (Sousuke Ikematsu) começa a treinar junto de Sakura (Kiara Takanashi), uma garota prodígio desse esporte, para uma competição em duplas. Mas algo entre as alegrias, imaturidade e olhares curiosos podem ser obstáculos no forte vínculo criado.

Escrito e dirigido por Hiroshi Okuyama, esse é um filme que acontece no estático, num nada previsível vazio existencial que acaba indo de encontro aos personagens. Tentar traduzir o profundo das emoções - com margens para interpretações - é um dos pontos bem lapidados de um roteiro que possui um discurso que anda pelas estradas da melancolia sem se perder. A narrativa é ponderada, sua força acontece muitas vezes num olhar, num gesto, elementos que ganham intensidade no campo do refletir.

Sobre as águas do oceano pacífico, as relações humanas encontram as várias formas de enxergar situações personificado pela força do sentido das estações do tempo. Assim, logo chegamos no preciso que essa trama nos traz, o elemento que é a interseção dos três personagens, a referência, como ponto que se chega até a paixão e incertezas. No centro de tudo, Arakawa é o vértice que representa os encontros e desencontros, ligando todos os personagens.

Sol de Inverno é uma obra sobre pessoas e suas percepções sobre os próprios sentimentos que se apresentam em conflitos circulando – entre dúvidas e imaturidade - as emoções de gestos carinhosos, as riquezas das amizades, com as dores de preconceitos.


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16/01/2025

Crítica do filme: 'Aqui'


Tem alguns artistas que lançam filmes, não leio nem sinopse e já vou correndo assistir seus próximo trabalho. Esse é o caso de Tom Hanks e Robert Zemeckis. Mas tem vezes que tudo pode dar completamente errado! Chegou aos cinemas brasileiros nesse início de 2025, um longa-metragem que se propõe atravessar décadas tendo o mesmo cenário e mostrando as emoções em conflitos de algumas famílias. A questão da obra Aqui é que se limita ao óbvio, sem ampliar os contextos – fato mortal para qualquer narrativa que se propõe no discurso atravessar gerações.

Ao longo de várias passagens de tempo, que vão desde a era glacial passando pelo século XVIII e chegando até o presente, acompanhamos uma casa que foi a residência de muitas famílias até chegar aos mãos dos pais de Richard (Tom Hanks): Al (Paul Bettany) e Rose (Kelly Reilly). No início um jovem sonhador e com o objetivo de viver com sua arte, Richard conhece Margaret (Robin Wright), ela engravida e sua vida muda de rumo, com altos e baixos até o tempo presente.

Baseado em uma história em quadrinhos intitulada Here, criada pelo designer gráfico americano Richard McGuire, esse filme – que teve o uso de Inteligência Artificial na maquiagem digital dos protagonistas – opta por explorar camadas dramáticas na linha da obviedade deixando em segundo plano o inusitado espaço pouco explorado. É muita informação, há desencontros e pouco desenvolvimento, algo que vai gerando o desinteresse.

A narrativa, para ir de acordo com a proposta da história, opta pelo estático de um só campo a explorar, uma casa. Até aí tudo bem, a questão como é traduzido isso aos olhos cinematográficos. Por meio desse ponto (se limitando a um cômodo apenas), que tem uns elementos indecifráveis que mais parecem que estamos assistindo a um vídeo de playlist no Youtube – com direito aquelas janelinhas e tudo - perde-se força por ir atrás do irrelevante.

O filme, dirigido por Robert Zemeckis (que eu continuo adorando) marca o reencontro de Tom Hanks e Robin Wright, que protagonizaram lindas cenas em Forrest Gump – O Contador de Histórias. Pena que o sono chega forte. Uma abordagem superficial que diz pouco exibindo muito. Pouco para tanto que tinha em mãos. Uma pena.


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15/01/2025

Crítica do filme: 'Meu Bolo Favorito'


Da simplicidade chegam as melhores histórias, sendo assim, é possível achar muitas formas de abordar os sentimentos mais profundos ligados ao amor e o desejo no cinema. O caminho encontrado pelo longa-metragem iraniano Meu Bolo Favorito é uma imersão ao despertar de sentimentos esquecidos trazendo a melhor idade como protagonista e logo chegando até um delicado recorte, sem se esquecer de todo o entorno político de um país marcado pela opressão.

Escrito e dirigido pela dupla de cineastas Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, vencedor de prêmios no Festival de Berlim do ano passado, o projeto lançado nos cinemas nesse início de 2025 opta por falar de amor e solidão na mesma equação, uma estrada que nunca cai na melancolia encontrando sua força numa sutileza louvável. Muitos detalhes em cena se tornam um paralelo marcante com realidades que existem por aí.

A vida da ex-enfermeira e viúva Mahin (Lili Farhadpour), uma mulher que se prendeu em uma solidão faz décadas, caiu na mesmice. Vendo as amigas que adora cada vez menos a cada ano, vive sozinha numa casa tendo contato com as filhas somente pelo celular. Certo dia, algo desperta nela e tomando coragem para se livrar do cantinho solitário que passa o cotidiano, acaba tendo um encontro pra lá de casual com o também solitário, e taxista, Faramarz (Esmaeel Mehrabi), com quem passa uma noite inesquecível, cheia de surpresas.

Sem esquecer do contexto do sistema opressivo do Irã, que não deixa de passar por questões políticas, a narrativa leve e descontraída, costura seu desenvolvimento com pinceladas certeiras em forma de críticas sociais. Misturando comédia, romance e drama vamos sendo conquistados pelos cativantes personagens que embarcam em uma aventura rumo a autodescoberta. Em uma noite como clímax, lições são tiradas aos montes tendo essa reconexão mais viva que nunca.  

Rodado todo na capital do Irã, Teerã, esse projeto da dupla que já havia lançado o interessante longa-metragem O Perdão, é mais um forte grito contra um governo que instaura ‘Polícia da Moralidade’ e outros tantos absurdos. Tendo o cinema como elo para reflexões, encontramos um brinde à vida, dentro de um recorte intimista que diz muito sobre o bico que podemos dar em qualquer lapso de solidão.  


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09/01/2025

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Crítica do filme: 'Herege'


A religião, o terror e as necessidades de sobrevivência. Com um vilão interpretado com maestria por Hugh Grant e buscando criar algo ‘fora da caixa’ mas sem deixar de se fortalecer com as altas cargas de tensão que todo bom longa-metragem de suspense precisa ter, no final do ano passado, chegou aos cinemas um filme que busca no seus diálogos profundos colocar em confronto a fé e os questionamentos sobre inúmeros aspectos da vida. Herege é um filme sobre o obscuro do psicológico cheio de caminhos para reflexões.

Na trama conhecemos Irmã Paxton (Chloe East) e a Irmã Barnes (Sophie Thatcher) duas jovens missionárias mórmons que vão até a casa de um homem para tentar convertê-lo à religião delas. A questão é que logo elas percebem estarem de frente com Mr. Reed (Hugh Grant), um pesquisador pra lá de maluco que as envolve em uma espécie de jogo macabro.

A fé e a tensão se tornam elementos importantes dentro de um contexto que busca nos pontos de vistas agregar paralelos. Sobre o primeiro ponto, uma enxurrada de críticas podem surgir mas o uso de uma direção nessa questão é para elucidar e fortalecer os contrapontos. Sobre o segundo, tudo é muito bem conduzido, com um estabelecido labirinto assustador vamos entendendo camadas dos personagens dentro de um desenvolvimento narrativo que prende a atenção.

Escrito e dirigido pela dupla Scott Beck e Bryan Woods, Herege busca seu próprio caminho em um gênero repleto de repetições. Isso é um mérito. Mesmo com o pecado de tentar dar definições conclusivas elaboradas para seus personagens - o filme termina quando parecia ir ladeira abaixo no seu conjunto de ideias - não deixa de ser um suspense inteligente e deveras intrigante.


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02/01/2025

Crítica do filme: 'Todo Tempo que Temos'


O cinema, entre seus muitos pontos de observação e consolidação de uma obra, consiste numa harmonia entre discurso e narrativa. Exatamente esse é o problema de 'Todo Tempo que Temos' que busca a emoção pelas linhas do roteiro e se perde na melancolia de uma trama que se esconde numa não linearidade constante que deixa mais peças em inércia do que as que chegam como soluções. A direção é do cineasta irlandês John Crowley. 

Na trama acompanhamos Tobias (Andrew Garfield) um jovem recém divorciado que de forma inusitada - após ser atropelado - acaba conhecendo a chef de cozinha Almirante (Florence Pugh). Ao longo do tempo um intenso amor acontece entre os dois até que por circunstância do destino ela é diagnosticada com uma terrível doença. Precisando lidar com a situação, ambos buscam aproveitar ao máximo o tempo que tem. 

De forma não linear, a história anda por uma linha temporal que busca importantes recortes dessa relação. As dúvidas sobre a maternidade, as escolhas no tratamento da doença, os desencontros dos primeiros encontros, são alguns dos pontos que volta e meia circulam a trama que carece de um clímax. As cenas emocionantes, dentro da obviedade de uma situação aflitiva que por si só já toca os corações, não escondem as falhas de uma narrativa que não consegue a imersão se rendendo facilmente à melancolia. 

É sobre relacionamentos? É sobre o tempo que temos? Pode ser que algum desses ganchos consiga fisgar parte do público mas não camufla o confuso discurso, principal alicerce que liga um roteiro a construção da história, se encontrando em total apatia, beirando ao desinteressante por grande parte.


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18/09/2024

Crítica do filme: 'Um Silêncio'


A devastação de uma família através do olhar de cúmplice. Chegou aos cinemas brasileiros um projeto que aborda um tema sensível, um caso real de grande repercussão que ocorreu na Bélgica. Buscando a angústia através de um embaralhar de cartas desordenado, Um Silêncio tem como força as grandes atuações de Emmanuelle Devos e Daniel Auteuil, imersos em uma narrativa lenta que busca apresentar respostas mas sem revelar num primeiro momento quais são as perguntas.  

Na trama, conhecemos Astrid (Emmanuelle Devos) esposa do advogado François Schaar (Daniel Auteuil), esse último trabalhando em um caso midiático onde defende parentes que tiveram os filhos sequestrados. Quando um segredo de décadas da família é aberto, os olhos da justiça se voltam por completo para essa família deixando Astrid em dúvidas sobre o que fazer.

Indicado ao prêmio de Melhor Filme do Festival de San Sebastian do ano passado, o longa-metragem escrito e dirigido por Joachim Lafosse apresenta os fatos através do olhar de Astrid. Cúmplice durante anos dos absurdos concretizados pelo marido e com eternos dilemas que a dominam, parece estalar para a realidade quando o filho adotivo do casal se torna o estopim de alguns acontecimentos paralelos ao grande segredo que ela e o marido mantém. A narrativa busca, e fica girando em torno, através de cenas com diversas interpretações, mostrar a ‘dúvida do que fazer’ como elemento de ações e consequências. Pouco pra prender a atenção do espectador.

As peças desse quebra-cabeça se embaralham a todo instante, é o tipo de filme que tem a história mal contada, que gera confusão. É difícil compreender sobre o que estamos assistindo, principalmente por subtramas mal desenvolvidas, praticamente jogadas ao longo dos pouco mais de 90 minutos de projeção. Inspirada em uma história real, Um Silêncio busca se sustentar nas ótimas atuações de Emmanuelle Devos e Daniel Auteuil.


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17/08/2024

Crítica do filme: 'Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness)


Críticas sociais profundas camufladas pelo Nonsense. Dividido em três pequenas histórias chocantes, girando em torno de um personagem coadjuvante, com pouquíssimo tempo de tela, quase imperceptível, mas que aos mais atentos logo vira um pivô de tudo que acompanhamos, Tipos de Gentileza, novo trabalho do aclamado cineasta grego Yorgos Lanthimos explora o descontrole na desconstrução. Caminhando em cima de um muro, onde de um lado está o controle e o outro a falta dele, o longa-metragem joga na tela hipocrisias de uma sociedade doente com uma lupa para jogos de imoralidades e a adição de um conceito difícil de definir: a prisão no algoritmo humano.

Com destacadas atuações, com protagonistas interpretando mais de um personagem, não podemos deixar de mencionar a vencedora do Oscar Emma Stone, já no seu quarto filme de Lanthimos, além do também indicado a famosa estatueta do cinema, Jesse Plemons. Ambos fabulosos. O segundo, inclusive, vencedor do prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes desse ano por esse papel. Completando o elenco principal, a ótima Margaret Qualley (do elogiado seriado da Netflix, Maid) e o experiente ator norte-americano Willem Dafoe.

Na trama, conhecemos três história. Na primeira, um homem praticamente vivendo uma vida dada pelo chefe resolve romper essa parceria de anos após um pedido absurdo e se vê perdido com o fim desse laço. Na segunda, um policial entra numa espiral de loucura e desconfiança quando sua esposa, sobrevivente de um acidente, volta pra casa. Na terceira, uma mulher, em busca de alguém com habilidades espirituais, que largou a família por conta de uma seita se vê em dúvidas quando é expulsa desse grupo.

Até onde você está disposto a ir quando se vê em dúvidas ou desprotegido da vida que leva? Levantando essa e outras perguntas, além de utilizar elementos na narrativa que logo nos fazem entrar em um clima de tensão, principalmente uma trilha sonora incisiva (assinada pelo britânico Jerskin Fendrix), tendo as linhas do absurdo como sustentação, ao longo de quase três horas de duração, Lanthimos convida o público para refletir sobre indivíduos congelados no desejo de um outro que culminam num show de loucuras com possíveis várias leituras.

A prisão do algoritmo humano, mencionada no primeiro parágrafo, que diz respeito a pessoas completamente influenciáveis que se acomodam em bolhas imersas numa vida onde são marionetes de um alguém ou um sistema, aqui tem representações que vão desde a paranoia até camadas do luto, com o chocar e estradas de humilhações apresentando as consequências. Essa é a tentativa de Lanthimos de mais uma vez impor a reflexão através de um já conhecido  ar de loucura mas que são completamente adaptáveis a realidades por aí.

 

 

 

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13/07/2024

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Crítica do filme: 'O Mal não Existe'


A natureza e suas possibilidades. Vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza do ano passado, o novo trabalho do excelente cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi, bem longe de ser um filme comercial, opta por uma narrativa densa onde apresenta confrontos que envolvem o meio ambiente e seu equilíbrio. A partir de uma pequena aldeia, onde a água é muito importante, e os prováveis impactos de um empreendimento criado por gestores ignorantes sobre a região, O Mal não Existe apresenta fortes argumentos com inúmeros paralelos com a realidade construindo suas perspectivas através de olhares conflitantes.

Na trama, acompanhamos um homem que mora numa região gelada de apenas 6.000 habitantes no interior do Japão. Ele vive com sua filha e trabalha como uma espécie de faz tudo da região, além de ser um grande conhecedor do lugar. Quando uma empresa de Glamping (algo como um acampamento confortável) resolve criar um empreendimento no lugar, uma área para turistas vindos principalmente de Tóquio, o protagonista e moradores entram em desacordo com a empresa.

A relação dos seres humanos com a natureza é algo bem explorável nesse roteiro contemplativo. É preciso paciência, as peças vão se montando aos poucos e cada detalhe é fundamental. As pausas para o refletir se somam às reflexões em relação a ação do homem na natureza e os impactos disso em uma sociedade. Muitas variáveis dão a sensação de comporem um enorme tabuleiro, um jogo da vida onde o capitalismo sempre arranja força para derrubar o que sempre esteve presente. Mas aqui, a luz chega com a resistência.

De um lado famílias que vivem do que a natureza produz, do outro ações desenfreadas, no caso, atrás de subsídios do governo pós-pandemia. Mesmo num dos países mais desenvolvidos do planeta, a ação do homem abraçado à ganância tira da zona de conforto qualquer resolução trivial. Pensando como obra cinematográfica, há uma ponte que pode gerar reações diversas, que liga o certeiro discurso a concepção audiovisual. A mensagem está nítida mas a maneira como se entrega ela vai depender da paciência do espectador.

Com uma impactante trilha sonora composta pela artista Eiko Ishibashi, que já trabalhara com o diretor no sucesso mundial Drive my Car, o cinema como crítica social alcança sua força através do olhar sensível de um dos cineastas japoneses mais elogiados da atualidade.



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05/07/2024

Crítica do filme: 'Divertimento'


Uma caminhada exigente tendo a força do amor pela música. Contando com muita emoção e detalhes a história da brilhante maestrina Zahia Ziouani, Divertimento tem uma narrativa contemplativa, na linha do admirar e pensar, opta pelo desafio de conectar os sentidos aos confrontos de uma grande protagonista em forma audiovisual, transportando imagens e movimentos com paralelos entre os altos e baixos emocionais. Dirigido pela cineasta francesa Marie-Castille Mention-Schaar, o projeto não deixa de tocar em temas como o machismo e o preconceito, além de outras críticas sociais importantes.

Na trama, ambientada em meados dos anos 90, conhecemos Zahia (Oulaya Amamra) e Fettouma (Lina El Arabi), irmãs gêmeas que desde criança possuem um enorme amor pela música clássica. Vindas de um subúrbio francês, tem a chance de estudar em um conservatório prestigiado em Paris. A primeira com o sonho em ser uma maestrina, a segunda em seguir carreira como violoncelista. Ao longo do tempo, enfrentam vários tipos de preconceitos e impedimentos, até que um dia resolvem formar a própria orquestra. Assim surgiu a Divertimento.

Contornando, em uma espécie de novos olhares para um gênero da música clássica predominante no século XVIII que conta com alguns poucos instrumentos, o divertimento, esse longa-metragem liga a teoria à prática através de uma história de superação, uma busca por respeito. De mãos dadas e em harmonia, o roteiro e a narrativa transformam os palcos da vida, e seus paralelos com a disciplina, numa deslumbrante alegoria das emoções. Muitas vezes, ao longo das quase duas horas de projeção, nos sentimos num grande concerto, com atos poderosos, onde menções à Schubert, Beethoven, se mostram como convidados.

A não definição do que é música (uma verdade universal), esse campo abstrato e cultural, abre margens para inúmeras interpretações que se juntam à ficção. A maneira de sentir, de executar as notas rumo à perfeição, entram nos dilemas mundanos. A rigidez, a prática ganham forma e paralelos com a trajetória de vida que acompanhamos. Nesse ponto, um destaque é o ping pong entre mentor e a aprendiz, aqui com a impactante emoção de Oulaya Amamra (intérprete da protagonista) e Niels Arestrup (intérprete do experiente maestro Sérgio Celibidache) se mostra eficiência nos ótimos diálogos.

Lutando contra o machismo, a falta de reconhecimento das mulheres em um mundo dominado pelos homens, as irmãs Ziouani marcaram seu lugar no concorrido universo da música clássica. Essa inspiradora história pode abrir margens para muitos sonhares. É muito bonito quando uma obra cinematográfica consegue chegar nesse ponto, o de inspirar!


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29/05/2024

Crítica do filme: 'Back to Black'


Um filme que não faz jus a um fenômeno. A inesquecível cantora Amy Winehouse ganhou uma cinebiografia e fomos lá conferir, vamos falar agora sobre Back to Black. Estacionando em momentos de sua vida desde a ascensão na indústria fonográfica até suas derrotas emocionais que levaram a cantora rumo a um triste fim aos 27 anos, Back to Black tem um roteiro que caminha pelas histórias das canções mas não consegue fugir do convencional, busca contornar a narrativa pelos momentos inspirados de Marisa Abela, espetacular no papel de Amy.

Na trama, conhecemos Amy Jade Winehouse (Marisa Abela) uma jovem e talentosa cantora do norte de Londres que chega ao estrelato de forma meteórica. Ao mesmo tempo que lida com os avanços da carreira, precisa enfrentar um relacionamento conturbado com o namorado Blake (Jack O'Connell) e os vícios que a dominavam.

O amor é um jogo perdido? Dona de um gosto musical maravilhoso, amante do Jazz e um alguém que precisava viver suas canções, Amy encarava o amor com sua impulsividade chegando de diversas formas nas decepções. O contorno disso como narrativa, um foco desse projeto, acaba frustrando por conta do potencial artístico de uma das maiores cantoras das últimas décadas que poderia ser melhor explorado. Saímos da sala de cinema e um pensamento logo vem: Não é certeza que o filme vai empolgar os fãs da cantora.

O fiasco só não chega com força por conta de uma atuação que busca levar o filme nas costas. Marisa Abela é de longe a melhor coisa nessa produção. Atriz não é muito parecida mas se joga de corpo e alma nessa difícil personagem, um ícone de uma geração.

Do processo criativo às decepções amorosas e a chegada de toda problemática do circo midiático, o olhar para a célebre cantora é rasteiro, vazio, superficial. Dirigido por Sam Taylor-Johnson, o projeto se sufoca na melancolia dando poucos sentidos aos vazios existenciais, resumindo uma icônica personagem a um alguém que tropeça nas próprias fragilidades. Amy merecia mais né? De qualquer forma, vá aos cinemas, veja e tire suas próprias conclusões! Ah, e prepare-se para ficar com as canções de Amy na cabeça durante semanas!


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30/04/2024

Crítica do filme: 'E a Festa Continua!'


Tudo que importa é viver! Trazendo um recorte sobre uma família e encostando nas paredes da realidade social de uma região, desabrochares de pensamentos vão conduzindo uma narrativa leve, agradável, sem deixar de tocar em pontos importantes para reflexões. E a Festa Continua! dirigido por Robert Guédiguian, caminha por encontros: a política se mistura às portas que se abrem para uma nova avaliação sobre a solitude, ideologias se convergem com dramas pessoais.

Na trama, acompanhamos Rosa (Ariane Ascaride) uma enfermeira, ativista, viúva cedo, que aceitou a solidão como uma companheira de sua trajetória de luta na criação dos filhos. No seu presente se embaralha para se dedicar à família, suas possibilidades na política e a chegada de um novo amor. Assim, conhecemos seu cotidiano e de alguns que a cercam.

O começo não pode ser um fim. A partir de uma família, olhares miram um contexto amplo que vão de dilemas, passam por amores inesperados e causas sociais. A arte do recomeçar é algo presente, representada por simbolismos delicados que envolvem diversos sentimentos. Assim conhecemos algumas subtramas envolventes: um pai buscando se aproximar da filha, um homem apaixonado tendo que lidar com uma situação envolvendo uma condição médica de seu grande amor, uma mulher que está em conflito com suas ambições como ativista e a chegada de um novo amor.

O mar sempre acaba se acalmando. Tendo a cidade de Marselha no coração da história, um franco recorte do contemporâneo é visto, exemplificado pelo fato histórico ligado à praça 5 de Novembro e a tragédia provocada pelo descaso. De uma delicadeza louvável, inspiradora, esse filme francês mira muitos olhares onde as direções se tornam ferramentas para reflexões sociais.


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Crítica do filme: 'Rivais'


Nas batidas de tudo que é abstrato. Chegou aos cinemas nos últimos dias uma obra que abraçada com seu ritmo pulsante, mostra um intenso triângulo amoroso que percorre anos, com personalidades conflitantes no centro desse tabuleiro muitas vezes parecendo um vulcão, prestes a entrar em erupção. Sensual, inteligente, reflexivo, Rivais, dirigido pelo cineasta italiano Luca Guadagnino escancara o abstrato, dá um tapa na caretice e mostra uma história com mil e uma possibilidades.

Na trama, conhecemos os inseparáveis amigos Patrick (Josh O'Connor) e Art (Mike Faist) que tem como elo uma paixão pelo esporte favorito, o tênis. Disputando alguns torneios ainda adolescentes, um dia conhecem pessoalmente Tashi (Zendaya), uma jovem promissora nesse esporte. Após algumas idas e vindas, um triângulo amoroso acaba sendo instaurado sem possibilidades de se prever o que aguardaria seus destinos.

Com direito a uma interpretação musical do nosso Caetano Veloso, o filme busca contornar o conflito encostando aos poucos nos dilemas. Há uma opção de ir além da superfície quando o assunto é o sentimento borbulhante do amar, a partir disso chegamos em traições, ambições que nos fazem refletir sobre os valores morais e as imposições de sonhos custe o que custar.

O produzir verdades do que pode acontecer em alguma realidade, as falhas de caráter ligadas à imaturidade, os erros e acertos, a busca por aceitação, são colocados num mesmo pote para se adaptar fortes sentimentos em imagens se juntando assim às infinidades da linguagem cinematográfica. Esses fatores transformam Rivais em um filme fora da caixa, se aproximando de algo original, longe de qualquer taxação de convencional, mais um trabalho deveras interessante de Luca Guadagnino.

O ritmo é intenso, tudo que assistimos tem suas origens mostradas, a narrativa percorre uma extensa faixa de tempo com flashbacks de apoio como se fossem peças de um quebra-cabeça emocional. Com sequências de tirar o fôlego, traçando paralelos entre a vontade de vencer no jogo profissional e no da vida, somos logo jogados a imersão de uma história onde o ponto final pode ser apenas o início de um recomeçar.   


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