11/04/2024

Crítica do filme: 'O Fabricante de Lágrimas'


A eterna fuga das variáveis incontroláveis que a vida coloca no caminho. Buscando traduzir em narrativa audiovisual um conto de fadas sensual que se tornou um dos livros de maior sucesso na Itália, o cineasta italiano Alessandro Genovesi tem a difícil missão de transformar em cinema uma obra com suas peculiaridades, de mais de 500 páginas, que explora um amor proibido e a repulsa a esse sentimento. O resultado é uma narrativa que paralisa sua criatividade no trivial, na receita de bolo de outras obras, nos levando para conflitos de uma piegas objeção ao amar com um desinteressante e mal explorado ar sombrio.

Na trama, conhecemos Nica (Caterina Ferioli, em seu primeiro trabalho no cinema), uma jovem com muitos traumas, orfã aos oito anos, que logo é enviada para um lar adotivo, o orfanato Sunny Creek, chefiado por uma insensível mulher que pratica abusos psicológicos com todos que chegam. Nesse mesmo lugar, está Rigel (Simone Baldasseroni), um introspectivo jovem que implica a todo instante com a recém chegada. A protagonista cresce, e já adolescente, é adotada por um casal que perdeu o filho tempos atrás. Para surpresa dela, Rigel também é adotado pela mesma família. Ao longo dessa nova jornada na vida dos jovens, um laço vai se criando e verdades do passado começam a serem descobertas.

Baseado no romance homônimo de Erin Doom (que também assina o roteiro), O Fabricante de Lágrimas estaciona em uma melancolia sonolenta, que busca nas emoções de seus protagonistas retratar um caótico conflito ligado à cicatrizes na alma. De forma nada profunda, escorregando nos clichês, esse romance adolescente não consegue ter uma narrativa eficiente, fruto de uma construção corrida que envolve traumas, dor, luto, tendo como foco Nica. Rigel é um mero coadjuvante, apenas contorna a trajetória de seu par romântico, uma pífia construção do personagem junto a uma desastrosa atuação de Simone Baldasseroni.

Um filme que poderia explorar, entre outras coisas, lidar com o perdoar de quem você ama. As variáveis realistas, situações e principalmente conflitos que podemos achar na realidade estavam todas ali. Algo que poderia gerar muito mais reflexões. Todas são mal aproveitadas. A maneira como demonstram os traumas, por exemplo, parece um jogo com peças faltando, lacunas não respondidas, tudo isso num ritmo corrido sem deixar interpretações para as emoções e alguns flashbacks que não dizem muita coisa. Se você parar para pensar e chegar até o filme Crepúsculo, não é nenhum absurdo, há semelhanças. E isso, não necessariamente, é uma coisa positiva.

O ar sombrio e sensual nas descobertas do amor buscam trazer um suspense que não se encaixa às generosas doses dramáticas que dominam os 103 minutos de projeção. A direção de arte nesse ponto até que acerta em alguns momentos, há um clima imposto nesse sentido para revelações. Muito pouco para convencer, os personagens mesmo dentro desse contexto não se tornam marcantes em nenhum momento e isso é como uma flecha irreversível no coração da narrativa.

Top 1 da Netflix em muitos países desde seu lançamento recente, e com canções das artistas mundialmente conhecidas, como: Olivia Rodrigo e Billie Eilish, em sua trilha sonora, esse longa-metragem italiano parte do luto, chega na fuga das variáveis incontroláveis ligadas ao amor e encontra a mesmice. Haja água com açúcar!

 

 

 

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Crítica do filme: 'Death Sentence'


Quando o caos é tudo que existe. Dirigido pelo excelente cineasta James Wan, conhecidos pelos filmes de terror do seu currículo, em 2008 chegou aos cinemas um filme de ação brutal com alta doses dramáticas que coloca em evidência uma imersão às consequências de uma vingança. Protagonizado por Kevin Bacon, Death Sentence é sobre o estopim de uma guerra, a destruição de uma família, e as tentativas em vão do equilíbrio de uma equação que não deveria existir.

Na trama, conhecemos Nick (Kevin Bacon) um homem bem sucedido, com uma família feliz. Tudo muda quando, após parar em uma loja de conveniência, seu filho é assassinado de forma brutal. Completamente desnorteado com o ocorrido, logo seu luto vira vingança e assim, sem medir as consequências de seus atos dá início a uma jornada sem volta.

A justiça existe? Causando reflexões nas linhas do ‘o que você faria?’, Death Sentence, de forma sangrenta e sombria, apresenta uma enorme desconstrução de um personagem completamente enfurecido, que se desprendeu dos valores morais para ir atrás da justiça que acredita. Essa confusão no ultrapassar limites entre o que é justiça e o que se encaixa como vingança é o campo mais amplo nesse projeto rodado em apenas dois meses.

O drama familiar ganha contornos profundos na narrativa quando pensamos na relação do pai com seus filhos. O preferido, ganha todos os olhares com o mais jovem ficando de lado. Essa relação conturbada entre pai e seu filho mais novo acaba ganhando muitos olhares. A habilidade de Wan em traçar conflitos emocionais ligados à família ficam em segundo plano mas vão além da superfície.

Inspirado na obra homônima, escrita pelo autor norte-americano Brian Garfield em meados da década de 70, Death Sentence é uma caminhada rumo as certezas do precipício, da não tentativa de se desprender do ‘Olho por olho, dente por dente’. Quando o caos é tudo que existe, a sentença já está assinada.  


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08/04/2024

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Crítica do filme: 'Igualada'


Eu sou porque somos. Exibido no Festival É Tudo verdade 2024, o documentário colombiano Igualada chega para mostrar algumas verdades do mundo político e as possibilidades de como a coragem aliada à uma forte corrente de mudanças buscam se libertar do medo, da intolerância. Partindo de um termo desdenhoso, referido à ativista social Francia Márquez, que logo acende uma chama para um caminho de uma candidatura à princípio sem apoio nenhum, o documentário acende uma luz no fim do túnel virando mais um símbolo de um movimento que ganhou força pelas redes sociais e também nas urnas colombianas.

Quem chora pelos mortos? Através de entrevistas, do relacionamento entre a protagonista e sua aldeia, a contextualização, mesmos nos curtos 70 minutos de projeção, é muito bem feita. Sem entrar em alguns detalhes, entendemos a raiz de um movimento de mudanças encabeçada pela candidatura de uma mulher, mãe, negra, que em sua vida esteve em direto convívio com a violência para todos os lados, massacres, a luta pela terra, vendo a cada dia as dificuldades se tornando regra. Num universo quase sem regras de uma região afastada dos grandes centros colombianos, surge a esperança.

O foco do documentário, é uma visão geral dos meses do envolvimento de Francia Márquez com sua candidatura à presidência do seu país. Num início de campanha sem apoio de partido político, com muitas dificuldades financeiras, seguindo em frente com voluntários fiéis ao movimento criado, ‘Sou porque somos’, percebemos um forte posicionamento para pautas ligadas às causas sociais, ao feminismo, ao meio ambiente. Esses fatores ganharam o mundo através das redes sociais, tornando Francia um fenômeno nas votações e conseguindo, dias próximos às nomeações oficiais, ser nomeada como vice-presidente na chapa do agora presidente colombiano Gustavo Petro nas eleições de 2022.

Mas esse caminho não deixou de ser doloroso, com o preconceito estando próximo em cada esquina. Seus comícios em palanques por toda a Colômbia vinham sempre com uma preocupação com sua segurança e um forte esquema de segurança que em alguns casos até interrompiam suas falas por conta de prováveis ameaças. Uma cena do documentário retrata esse último ponto. Mesmo assim nada parou Francia, na verdade toda a adversidade parece ter servido como combustível para o restante da árdua caminhada, equilibrando os problemas pessoais com as barreiras políticas impostas por muitos que não queriam a ver no poder.

Como todo bom documentário, que não apenas liga a câmera e espera o acaso ou pontos que se acha importantes acontecerem, há uma estrutura narrativa que consegue de forma simples e objetiva traçar um recorte amplo da vida da protagonista e deixar margens para reflexões de todos que acompanham sua caminhada rumo às tentativas (necessárias) de mudanças.

Dirigido pelo experiente documentarista Juan Mejía Botero, Igualada é a jornada emocionante de uma ativista social que virou um símbolo de um movimento que mudou o foco dos olhares de quem está no poder de um país que esteve durante anos no alto dos rankings de violência.


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Crítica do filme: 'Brizola'


A Inquietude na busca por um tempo bem melhor para se viver. Selecionado para o Festival É Tudo Verdade 2024, o documentário Brizola busca através de fatos e depoimentos traçar um recorte profundo da trajetória de vida de um político dono de uma personalidade forte, combativa, marcante, que ao longo dos anos foi se tornando um eterno inconformista com a situação do povo brasileiro. Em cerca de uma hora e meia de duração, o cineasta Marcos Abujamra faz uma ampla cobertura de períodos importantes da política brasileira deixando margens para reflexões para toda uma nova geração.

A narrativa traça seus horizontes no antes, a pausa e o depois. Filho de camponeses do interior do sul do país, criado pela mãe viúva, Leonel Brizola conseguiu alcançar os estudos na década de 40, se formando engenheiro e logo depois já entrando de cabeça na vida política. Dono da marca de ‘exílio mais longo de todos os políticos brasileiros’, mais de 5.000 dias fora do território brasileiro durante os tempos de Ditadura, o criador do PDT tem sua carreira política dividida em duas etapas. Ao longo do anos foi deputado, prefeito, governador (de dois estados), tentou algumas vezes ser o presidente do Brasil. Temido por possíveis competidores em meio ao sempre conturbado cenário político de nosso país.

Numa época, não muito distante, onde alterar o sistema de poder era tratado como um ato comunista, o desencanto dos dias de revolucionário chega quando o personagem central do documentário desembarca no Uruguai (fugindo do Brasil após o golpe de 1964), com a força das desilusões e afastamento com lideranças políticas, inclusive com membros de Cuba dos quais era muito ligado. Tempos depois, a chegada à Nova Iorque (depois Lisboa), sob o aval do até então presidente americano Jimmy Carter, logo após praticamente ser expulso do território uruguaio, acende novamente o desejo de se reunir com lideranças políticas brasileiras e planejar um possível retorno.

Ligado a causa trabalhista e principalmente a educação, Brizola não deixava de expor suas opiniões, além de ações que contrariava interesses. Com isso teve rusga com o famoso presidente norte-americano John F. Kennedy, calorosos embates com jornalistas, sempre tendo como marca uma inquietude para realizar aquilo que colocava na cabeça. O documentário tem um mérito importante: através de fotografias, entrevistas, depoimentos, molda a narrativa de forma a ser um grande aulão sobre a história brasileira.

Já numa segunda parte de sua carreira política, o conturbado cenário de uma de suas eleições para governador no Rio de Janeiro ganha os holofotes em um importante momento do doc. Aqui as influências da imprensa internacional serviria como ferramenta de proteção ao caos do sistema eleitoral à beira de fraudulentas ações. Criação da Passarela do Samba, o popular sambódromo, e a criação dos CIEPS são feitos notórios de seu governo. Esse último ponto, tendo como objetivo a educação como um braço da cultura, algo que seus opositores insistiam em destruir com a elite e suas ideologias indo para um confronto que envolvia até mesmo o quarto poder.

A esquerda e sua eterna divisão (algo parecido com o que vimos recentemente) que acabou deixando a direita elitista assumir com folgas o poder das primeiras eleições democráticas após a ditadura, personificada aqui na figura do ex-presidente Fernando Collor de Mello, marcaria a proximidade do fim de seu sonho de ser presidente do país. Depois novamente governador do RJ, o documentário não deixa de citar sua proximidade com Collor, seu antigo rival de urna, algo que marcaria o início da sua queda como força política.

Figura marcante na política brasileira, Brizola sempre será um nome lembrado. Suas ideias, suas desavenças, ganham olhares e reflexões nesse projeto que consegue resumidamente, mas sem deixar de mostrar importantes detalhes, apresentar um pouquinho do que foi nosso país e muitas verdades que vemos no Brasil de hoje.  

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06/04/2024

Crítica do filme: 'Uma História em Montana'


Os novos passos de uma família. Caminhando pelo estado da solidão forçada, nos laços em dificuldades para uma nova união, Uma História em Montana é uma bomba relógio de emoções onde as barreiras do medo buscam encontrar o perdão. Dirigido pela dupla Scott McGehee e David Siegel, a narrativa possui um ritmo constante, se fortalece pela força dos diálogos, no desabrochar de almas amarguradas com um passado preso em decepções. Haley Lu Richardson e Owen Teague estão absolutamente fabulosos em cena, transbordando emoções para seus complexos personagens.

Na trama, conhecemos Cal (Owen Teague), um jovem estudando para ser engenheiro civil  volta às pressas para o rancho da família no Estado de Montana para ajudar no momento crítico em que se encontra seu pai, à beira da passagem. Buscando resolver os problemas burocráticos, afetado pelas dívidas de seu progenitor, acaba reencontrando seu irmã Erin (Haley Lu Richardson), após sete anos. Os irmãos, que se mantiveram distantes durante todo esse tempo, precisarão encontrar novas formas de entender um ao outro, além de resolver um impactante trauma do passado.

O que acontece com o amar nessa família? Um pai de passado duvidoso, à beira da morte, vira o epicentro para atualizações do hiato entre os irmãos, que se mostram constantes, virando peças numa nova forma de enxergar os caminhos iminentes. Como resolver o que ninguém quer falar? Será que a situação próxima do abismo da vida fará novos pensares chegarem como forma de resoluções? A extensa minutagem, cerca de duas horas de projeção, nos apresenta perguntas que são respondidas entre situações que se chocam, do presente ao passado, através de memórias vivas daquele lugar.      

A fuga é o caminho mais fácil para não pensar em um conflito. Buscando distância do enfrentar, a jornada dos personagens é algo próximo de uma redenção para que seus próprios caminhos se tornem menos dolorosos. A região da gelada Montana ajuda a criar o clima de reclusão das emoções, a fotografia busca nos detalhes e imagens passar a aflição, sentimento que vai de encontro à dor e a culpa. Uma História em Montana é cirúrgico ao relatar as fraquezas humanas, uma necessidade de um equilíbrio muitas vezes perdido pelo tempo.


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05/04/2024

Crítica do filme: 'O Salário do Medo'


A previsibilidade numa corrida contra o tempo. Tendo como referência uma obra homônima lançada no final da década de 40 pelo escritor e ativista francês Georges Arnaud, O Salário do Medo, basicamente, busca explorar uma releitura dos principais elementos de uma história que já rendeu uma Palma de Ouro em Cannes e um Urso de Ouro em Berlim no mesmo ano para uma outra adaptação da década de 50. Só que aqui, nessa versão de 2024, tudo parece ser muito corrido e atropelado, em uma narrativa confusa que estaciona nas emoções associando conflitos familiares à um foco total em explosões pra todo lado. Em muitos momentos, parece que estamos vendo um filme do Michael Bay.

Na trama, conhecemos Fred (Franck Gastambide), um faz tudo em relação à segurança, que no passado, após sua ganância o dominar, acabar vendo o irmão Alex (Alban Lenoir) ser preso. O tempo passa e Fred agora está em um campo de refugiados no meio de um deserto ao lado da esposa e filha do irmão. Quando um poço de petróleo, próximo ao lugar, apresenta graves problemas, a única solução é explodi-lo com uma quantidade enorme de material perigoso. Assim, colocado contra a parede pela empresa responsável pelo poço, Fred tem a chance de reencontrar seu irmão, e, junto a uma equipe duvidosa, precisarão encarar um caminho perigoso à bordo de dois caminhões por centenas de quilômetros transportando a carga.

Esse projeto francês ignora uma premissa básica de todo bom roteiro: explicar com um mínimo de profundidade os motivos para os conflitos dos personagens. Outra questão jogada para escanteio é o olhar macro para seu contexto, muito mal definido. O espectador se sente perdido a todo instante, deixando-se levar por uma correnteza de ações sem pé no freio explorando o deserto e seus riscos incalculáveis. Muitas vezes parece que estamos vendo um gameplay de um novo jogo de videgame onde o controle não funciona.

A ganância parece ser o elemento que percorre com mais eficácia o foco do roteiro. É um ponto estabilizador de onde surgem alguns conflitos. Numa região repleta de riquezas naturais, e seu contraponto com a pobreza, além de reivindicações territoriais e piratas armados pra todo lado, esse eterno conflito, visto em muitos lugares na realidade, é pouco explorado, deixando qualquer lapso de crítica bem distante do alvo.

O obra escrita por Georges Arnaud, já foi usada também em outros dois projetos cinematográficos. Um lá em 1953, também chamado O Salário do Medo, pelas mãos do cineasta Henri-Georges Clouzot. Esse filme, como mencionado no primeiro parágrafo, ganhou dois importantes prêmios da indústria cinematográfica no mesmo ano, um feito único nunca mais conseguido. No final dos anos 70, o longa-metragem O Comboio do Medo, assinado por William Friedkin, também usou como referência a obra de Arnaud.

Com a possibilidade de ser mais eficiente, esse filme lançado pela Netflix nesse primeiro semestre de 2024 e dirigido por Julien Leclercq, se esconde em uma narrativa trivial. As tentativas de validar um relacionamento abalado entre dois irmãos e um arco dramático do protagonista no seu romance em meio caos, deixam tudo fora de contexto, embaralhando muitos porquês rumo a uma corrida contra o tempo que não deixa de ser a representação de um filme convencional de ação.

 

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04/04/2024

Crítica do filme: 'O Homem dos Sonhos'


Um brinde à Jung! Depois do excelente Doente de Mim Mesma, um enorme laboratório de experiências sociais acachapantes, o cineasta dinamarquês Kristoffer Borgli volta as telonas dessa vez ao lado de um ator que adora o universo do peculiar, do exótico, do inusitado, o Sr. Nicolas Cage, no interessantíssimo longa-metragem O Homem dos Sonhos. Forçando o absurdo para dentro da sociedade atual, consumida por valores que vão do idolatrar ao cancelar em frações de segundos, vemos o inconsciente encontrar a vida real em um roteiro que foge do convencional, prezando a criatividade, abordando o incomum numa estranha epidemia de sonhos.

Na trama, conhecemos Paul (Nicolas Cage), um infeliz professor universitário, especialista em biologia do desenvolvimento, que um dia começa a aparecer nos sonhos de milhares de pessoas e logo viralizando após um artigo ser publicado. A peculiar situação mexe com toda sua controlada rotina e a de sua família, o fazendo ir do céu ao inferno, primeiro como um sonho, depois com a chegada dos reflexos dos pesadelos.  

O que você quer ver nos seus sonhos? Nesse obra, que vai dar o que falar, Kristoffer Borgli nada de braçadas rumo ao engenhoso, contemplando visualmente e de forma estonteante o nonsense, criando uma narrativa deslumbrante escancarando as balançadas nos valores morais e alguns pontos que acabam se transformando em estáticos epicentros de conflitos mundanos. Esse é um cineasta que precisamos colocar na agenda para conferir seus próximos filmes, sempre tem algo fora da caixa em seu cinema. Essa fuga do convencional é algo importante para o fôlego criativo que queremos encontrar mais por aí no audiovisual.

Fugindo do: ‘O que você faria?’, esse sexto filme de Cage em 2023 (o cara é uma máquina!), apresenta um roteiro que no seu discurso entrega os pontos interligados, o que fortalece uma crítica social para todos os lados partindo de lapsos dentro de um conceito taxado como absurdo por muitos e amplamente apresentado pelo psiquiatra suíço, fundador da psicologia analítica, Carl Gustav Jung. Se você curte psicologia, esse é um filme que você precisa assistir!

Ainda há tempo para uma outra questão e seus alcances com nosso refletir: Como as pessoas lidam com o inusitado? A política do cancelamento e as diversas maneiras de recepção ao inconsciente coletivo são jogadas para os reflexos dos novos tempos, na era dos influencers, da busca pela viralização nas redes sociais, da imaturidade na interpessoalidade, do absorver e jogar ao mundo (as vezes sem a devida atenção). A possibilidade do sonho virando pesadelo nada mais é que um personificação dos medos e conflitos emocionais que se apresentam na frente de muitos caminhos nos dias de hoje.  

Divertido, inteligente, O Homem dos Sonhos entrega a jornada de um homem comum, que vira um estranho no sonho dos outros, mas que a solidão apresentada causa reflexos quando pensamos em interações do lado de cá da telona. Exibido pela primeira vez no Festival de Toronto esse projeto marca a primeira parceria entre Nicolas Cage e a elogiada produtora A24. Além disso, marca o centésimo filme na carreira vitoriosa desse genial artista vencedor do Oscar.



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03/04/2024

Crítica do filme: 'Uma Família Feliz'


O obscuro no mundo das aparências. Chega aos cinemas brasileiros nesse início de abril um suspense brasileiro que consegue estabelecer suas bases em um clima de tensão constante onde é construída a chegada até um esgotamento, os caminhos da paranoia, a quebra de confiança, um castelo de cartas que vai desmoronando rumo ao imprevisível. Dirigido por José Eduardo Belmonte, Uma Família Feliz coloca para reflexões o mundo das aparências, as verdades imprecisas, o linchamento público, a maldade, novos olhares para uma família taxada por todos como perfeita. No papel principal, Grazi Massafera, muito competente, que consegue encontrar um interessante caminho na construção dessa difícil personagem.

Na trama, conhecemos Eva (Grazi Massafera), uma artesã de bonecos de bebês à espera do terceiro filho, o primeiro menino, que vive seus dias felizes ao lado do marido, o advogado Vicente (Reynaldo Gianecchini), e das duas filhas gêmeas em um condomínio de alto padrão numa grande cidade brasileira. Certo dia, já após o nascimento do novo filho, e em meio a uma depressão pós-parto evidente, suas filhas aparecem machucadas e Eva acaba sendo acusada de ter cometido tal ato. Assim, sua vida muda completamente, desencadeando uma série de conflitos que rebatem em acontecimentos estranhos e duvidosos.

Como combater a maldade? A loucura é uma variável aqui invisível mas que permeia todo o caminho de muitos dos personagens. A quebra da confiança é o primeiro estágio que logo vira uma paranoia caminhando para uma angústia desenfreada onde a inconsequência logo toma conta da razão. A narrativa se constrói ao redor de toda essa tensão e um dos méritos é conseguir manter-se constante. Todo visto em cena: desde as cores, objetos, cenários, o figurino, conseguem ser elementos de impacto, que querem dizer alguma coisa, e se juntam para essa manutenção da tensão.

Há também uma grande lupa no sentido de família colocado para reflexões. Um casamento desmoronando aos poucos, a depressão pós-parto, a falta de entendimento nas lacunas não preenchidas, a imaturidade em lidar com situações conflituosas. Dentro de quatro paredes, a porta é aberta e o espectador percebe, não só nos detalhes, a desconstrução de uma família perfeita.

Cheio de referências a algumas famosas obras cinematográficas conhecida dos cinéfilos, desde Precisamos falar sobre Kevin de Lynne Ramsay até A Caça de Thomas Vinterberg, o longa-metragem encosta bastante na essência de Anjo Malvado de Joseph Ruben. Uma questão interessante é que o roteiro escrito por Raphael Montes, logo após (e somente após) virou um livro onde o universo visto na obra cinematográfica acaba se expandindo. Pode ser uma interessante ação complementar para o espectador.

É tão bom ver o cinema brasileiro explorando o universo do suspense, um gênero tão amado por muitos cinéfilos. O drible no chocar, talvez uma sensação guardada para o estrondo do seu desfecho, fortalece o terror psicológico em uma obra que caminha pelas aflições sem deixar as reflexões em segundo plano.



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02/04/2024

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Crítica do filme: 'Cinema é uma Droga Pesada'


Um divertido e com profundos dizeres sobre uma produção cinematográfica. Exibido no Festival Varilux de Cinema Francês do passado, o longa-metragem Cinema é uma Droga Pesada expõe o processo criativo e joga uma luz nas produções audiovisuais com uma metalinguagem que se amplifica dentro de uma narrativa inteligente apresentando vários olhares dentro de uma mesma situação que se torna ampla, seguindo na lógica convincente de um filme dentro de outro. Dirigido pelo experiente cineasta francês Cédric Kahn, o projeto, que possui um título certeiro, traz reflexões encantadoras e gera boas risadas.

Na trama, somos apresentados a uma nova produção do cinema francês, um filme que aborda uma relação conflituosa entre a classe operária e seus patrões. Assim, atrás das câmeras vemos os bastidores com a visão de Simon (Denis Podalydès), um cineasta que chegou aos limites em muitos pontos de sua vida, inclusive com problemas no relacionamento familiar consumido por sua dedicação intensa ao seu ofício, que percebe aos poucos perder o controle sobre seu novo trabalho. Outras histórias vistas nesses bastidores acabam se juntando aos poucos.

As variáveis humanas dentro de um indústria que preza pelo capital. Triturando as camadas do audiovisual, e toda a concepção de uma série de dias de filmagens, Cinema é uma Droga caminha, através de ótimos personagens, pelo processo criativo de transformar em imagens e movimento as linhas de um roteiro. Mas isso seria muito trivial se estacionasse na superfície, o que não é o caso. Os cortes no orçamento, as variáveis incontroláveis, as relações interpessoais, os longos embates sobre os rumos do processo final, a visão macro da direção e artistas são destrinchadas em ótimos diálogos.

Há um interessante elo, talvez visto por alguns como uma crítica social, sobre o tema do filme que estão gravando e a situação que passa a produção. A classe operária e embates com os patrões e os tais vários olhares dentro de uma mesma situação, antes de mais nada, reflete da ficção à realidade. Dessa forma construtiva, a metalinguagem escancarada se torna um alicerce de conclusões diversas, um ponto importante para fazer sentido tudo que quer ser transmitido.

Outro elemento importante e muito bem conduzido pela ótima direção de Kahn, são as subtramas se encaixando de forma atinada, virando um trunfo de um roteiro que consegue se moldar tendo como ponto em comum o alvo do discurso. O elenco é fantástico, encabeçado pelos ótimos Denis Podalydès e Emmanuelle Bercot ajudam a traduzir os conflitos que passam seus personagens, transformando o caos emocional em carismáticos retratos de almas em eternos embates existenciais.

Cinema é uma Droga Pesada foi um dos destaques da ótima seleção do Festival Varilux de Cinema Francês 2023. Um filme cheio de verdades que os estudantes de cinema precisam olhar com atenção.

 

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Crítica do filme: 'Alma de Caçador'


Quando o passado adormecido encontra o alarmante presente. Baseado na obra ‘Heart of the Hunter’ de Deon Meyer, Alma de Caçador apresenta em sua ação desenfreada uma complexa conspiração política, um jogo de interesses, onde temos um protagonista com sede de vingança. Pena que o roteiro acaba se perdendo pelo caminho com entrelinhas que não dizem muita coisa, personagens mal construídos e subtramas espaçadas que demoram a fazer sentido. Dirigido por Mandla Dube, Alma de Caçador tem como mérito as ótimas cenas de ação que seguem fórmulas criativas (mas repetitivas) já vistas em outras produções.

Na trama, conhecemos Zuko (Bonko Khoza), um homem que encontrou a felicidade ao lado de sua família após anos de intensa ação e sofrimento. Filho de pais adotivos, teve os pais seriamente feridos em uma blitz da polícia de segurança do Apartheid. Quando o passado bate à sua porta, ele, que pertence a um grupo que tem como objetivo atual expor os absurdos cometido por Mtima (Sisanda Henna), um forte candidato para as próximas eleições na África do Sul, munido de sua adaga precisará reunir todas suas habilidades, contatos, em busca de completar mais uma missão.

A jornada do herói aqui é vista de maneira convencional: começo, meio e fim, estruturado em uma narrativa que busca seus pontos de empolgação nas cenas de total ação (muito bem dirigidas). Como drama, não avança da superfície, com conflitos de seu protagonista jogados em um emaranhado confuso onde traumas existem mas dentro de uma construção confusa. Há uma tentativa de trazer aos holofotes a subtrama de um jornalista prejudicado no passado por agentes políticos mas que é jogado para escanteio sendo uma peça nula dentro de um todo.

No roteiro, há uma busca por um contexto mais amplo, chegando até mesmo a menções sobre o famoso regime de segregação racial que durou de meados da década de 40 até 1994 (apartheid), envolvendo assim as lutas políticas e uma curiosa agência de segurança particular que parece refém de um jogo de interesses. Mas como narrativa nada disso traduz a força que poderia ter no seu discurso, algo na linha da reflexão, se perdendo dentro dos conflitos do personagem principal.

Chegando rapidamente ao topo do ranking do mais famoso dos streamings disponíveis no Brasil, a Netflix, essa fita sul-africana pode ser definida como um filme sul-africano americanizado. Não entendam isso como uma crítica, o cinema norte-americano é e sempre será uma referência, é apenas uma constatação. Traições, quebras de confiança, dilemas dentro da linha do previsível que serão resolvidos, são parte dos elementos que envolvem esse projeto que poderia empolgar muito mais.


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