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13/12/2023

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Crítica do filme: 'Puan'


O desmoronar de um cotidiano monótono em paralelo ao caos também de um país. Desfilando o ‘filosofês’ de forma simples e inteligente, com muitos paralelos com a sociedade contemporânea, o longa-metragem argentino Puan fixa sua premissa no pensamento como ato de resistência. Seguindo os passos atrapalhados de um professor de filosofia que se depara com o caos em sua vida o filme, escrito e dirigido pela dupla María Alché e Benjamín Naishtat, rouba todas as nossas atenções ao refletir sobre nosso papel em um mundo longe do olhar apenas numa direção.


Na trama, conhecemos Marcelo (Marcelo Subiotto), um conceituado professor de filosofia de uma Universidade pública de Buenos Aires que vê uma oportunidade de assumir a chefia do departamento ao qual pertence após o precoce falecimento de seu mentor. Só que a chegada de um outro professor, o super carismático Rafael (Leonardo Sbaraglia), acaba frustrando seus planos ao mesmo tempo que sua vida pessoal e as escolhas que eram certas para toda uma vida começam a ir ladeira abaixo.


Exibido no Festival do Rio e no Festival de San Sebastian, além de ser selecionado para o Goya 2024, a produção propõe suas peças para um enorme tabuleiro onde é instaurado um duelo de reflexão com o espectador. Citações de Kant, Rousseau, Hobbes e outros viram parábolas dentro de uma mensagem indireta, fruto de uma narrativa detalhista que alcança seu clímax nas escorregadas e interações assustadas de um protagonista que resolve se mexer quando percebe as ruínas que se amontoam onde antes era sua fortaleza, seu castelo montado com um olhar obsoleto, apenas numa direção.


Existir é uma ação, um movimento. O roteiro é repleto de críticas sociais, os salários baixos dos professores, as intervenções estatais. Dentro desse contexto, o desabrochar dos novos olhares do protagonista ganham força na segunda parte da trama. Ao questionar sobre si mesmo, parece atravessar uma porta que estava lacrada, dando oportunidades para refletir e viver até mesmo sobre o papel do estado.


Puan é um belíssimo recorte social, derivado de uma narrativa dinâmica, nada redundante que duela o antes e o depois, o agora e o daqui a pouco, trazendo luz para novas formas de enxergar a vida em sociedade.



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23/10/2023

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Crítica do filme: 'Levante'


Os conflitos que mudam os caminhos. Abordando um dos temas mais polêmicos do planeta, o aborto, o novo trabalho da cineasta Lillah Halla nos joga para um olhar para a adolescência onde a chegada da maturidade, os embates com os conflitos que se seguem, e a força da amizade batem à porta a todo instante. Exibido no Festival de Cannes em 2023, inclusive vencendo um prêmio, Levante é um filme forte, profundo, que estaciona no seu principal conflito explorando os muitos olhares sobre uma questão muito sensível que no Brasil ainda é um enorme tabu.


Na trama, conhecemos Sofia (Domênica Dias), uma adolescente super alegre, entrosada com as amigas de longa data, craque do time de vôlei de seu bairro que após se destacar nas quadras recebe uma possível proposta irrecusável, sendo forte concorrente à uma bolsa de estudos para jogar seu esporte favorito em outro país sul-americano. Acontece que no mesmo período dessa grande notícia, uma outra abala suas estruturas emocionais, ela está grávida. Desesperada e querendo interromper a gravidez, ela busca forças nas amigas e no seu pai (Rômulo Braga) mas sem deixar de sentir a fúria de um grupo de pessoas que fica sabendo da tentativa de aborto e que começa a discriminá-la.


Mesmo estacionado no seu principal conflito, o que podemos entender como um clímax constante, o roteiro escrito por María Elena Morán (e pela própria Lillah Halla) ganha muito méritos ao conseguir prolongar esse momento, fato que nos leva a refletir cada vez mais sobre a discussão proposta.


Há muitos pontos de reflexões que se seguem pela dinâmica narrativa. Partindo de um choque entre a realidade e a oportunidade, a jornada de Sofia apresenta várias variáveis ligadas ao emocional, no início numa bolha em forma de isolamento buscando entender as variáveis que se apresentam no seu presente, depois na luta pelos seus direitos em ser ouvida. O aborto no Brasil vem sendo debatido mais a partir do final da década de 80, com a constituição federal brasileira juntamente com a luta das mulheres para serem ouvidas. A saga da personagem de alguma forma representa outros tantos casos espalhados pelo nosso país.


Ainda sem previsão de estreia no circuito de exibição brasileiro, Levante estende sua bandeira sem deixar de mostrar visões, verdades, dúvidas, opiniões de todos os lados.



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21/10/2023

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Crítica do filme: 'Mussum, o Filmis'


A arte de fazer emocionar pelo riso. Um dos longas-metragens brasileiros mais aguardados de 2023, Mussum, o Filmis nos mostra grande parte da trajetória de um ícone do humor, uma personalidade de nossa cultura que brilhou intensamente nos palcos, na televisão e no cinema. Ao longo de quase duas horas de projeção, o projeto apresenta fatos conhecidos e alguns nem tão conhecidos de sua vida pessoal que marcaram para sempre sua trajetória.  Primeiro longa-metragem como diretor da carreira do excelente ator Silvio Guindane, Mussum, o Filmis se consolida como uma das mais brilhantes cinebiografias já realizadas no nosso país.


Na trama, conhecemos partes da trajetória de vida de Antônio Carlos Bernardes Gomes, apelidado de Mussum, desde os tempos da infância pobre, passando pela esperança de estabilidade no serviço militar, seu amor pelo samba e pela Mangueira que o levou a ser integrante de um grupo chamado Os Originais do Samba, e sem esquecer do momento onde brilhou, quando se viu humorista por acaso, primeiro na saudosa Escolinha do Professor Raimundo e chegando até o ápice quando fora chamado por Renato Aragão para ser um dos integrantes de um dos programas televisivos mais vistos da história, os Trapalhões. Seus dramas na vida pessoal também contornam o brilhante roteiro assinado por Paulo Cursino.


Uma história muito bem contada. Partindo da infância humilde, seus fortes laços com a mãe, o longa-metragem nos traça um raio-x completo da vida pessoal e profissional de Mussum. Os conflitos ao longo de sua trajetória giraram em torno das escolhas que tomou a partir do seu gosto pela música. Quando abandona o serviço militar para cair na estrada com o grupo Os Originais do Samba, na vida pessoal seu casamento afunda em desilusões além de trocar a estabilidade pela incerteza. Com uma riqueza de detalhes encaixado em um dinamismo contagiante, o filme prepara o terreno para seu clímax, quando Mussum chega ao universo da comédia, quase sem querer em uma cena com o maravilhoso Grande Othelo. Aqui, seu leque de opções se chocam, pois encontrou seu brilhantismo onde menos esperava, tendo que abrir mão de seu grande sonho de seguir na carreira musical.


Grande vencedor do Festival de Gramado desse ano, com seis kikitos, Mussum, o Filmis navega por uma narrativa que empolga o público em muitos momentos, dosando fortes dramas existenciais com cenas que marcaram gerações e gerações de fãs. É preciso elogiar também a atuação de Aílton Graça, que interpreta o protagonista já na fase adulta. Impressiona em muitos momentos.


Com lançamento previsto para o início de novembro, Mussum, o Filmis deve ser uma das grandes bilheterias do cinema brasileiro em 2023. E merecidamente. Você chora e ri através da trajetória de um homem que marcou pra sempre seu nome na história cultural brasileira.

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Crítica do filme: 'Here'


Um olhar sobre aquilo que existe e poucos notam. Após o maravilhoso Trópico Fantasma, lançado em 2019, o cineasta Bas Devos volta às telonas, novamente escrevendo o roteiro e dirigindo, o curioso longa-metragem existencialista Here, ganhador de dois prêmios no último Festival de Berlim. Constatações sobre um lugar, um olhar para os detalhes que muitas vezes passam desapercebidos ganham contornos poéticos de imagens e movimentos em um filme que pode ser para alguns um deleite ao refletir.


Na trama, acompanhamos as idas e vindas de um imigrante romeno chamado Stefan (Stefan Gota) que mora no município de Jette, em Bruxelas (Bélgica), e ganha seu sustento através de trabalhos na construção civil. Sem conseguir se conectar com a cidade onde atualmente reside parece querer embarcar de volta à sua terra natal. Um dia ele conhece uma jovem (Liyo Gong), descendente de chineses, que para seu doutorado, estuda o universo dos musgos da região. Esse encontro fará Stefan enxergar com outros olhos um cantinho do planeta que parecia já ter conclusões.


A narrativa segue a linha contemplativa, parece se desprender de um roteiro que muitas vezes parece não existir. A cidade e seu movimento ganham holofotes com as surpreendentes descobertas de um protagonista que aos poucos consegue se conectar com um novo que sempre esteve no seu caminho. É preciso atenção do espectador, se conectar com as longas pausas pode parecer se distanciar de um objetivo mas na verdade é um interessante exercício proposto por Devos. As lições são inúmeras, principalmente no que diz respeito ao trato social, o enxergar o que a princípio não existe pelos olhos do outro enriquece as reflexões sobre sociedade.


Exibido nos Festivais de San Sebastian e Berlim, o filme ganhou suas primeiras exibições no Brasil no Festival do Rio. Existencialista, com a arte encontrando o viver, Here pode ser definido como um conto de fadas com personagens reais, repleto de encantamentos pelas descobertas que cruzam nossos caminhos modificando nossa forma de enxergar o mundo ao nosso redor.



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Crítica do filme: 'In the Fire'


Quando a narrativa se perde entrando em choque com a sonolência. Dirigido pelo cineasta texano Conor Allyn, In The Fire é um projeto que busca seu norte no bastante batido conflito entre o pensar empírico e o sobrenatural só que encosta na obviedade em uma narrativa rasa, nada empolgante, como uma piscina quase vazia, se seguindo o mesmo para o outro confronto que se segue, da ciência e a religião. Ao longo de quase 90 minutos de projeção (que parecem ser mais de duas horas), o espectador precisa de muita paciência para tentar se conectar com a história.  


Na trama, ambientada por volta de 1890, conhecemos a doutora Grace (Amber Heard), uma psiquiatra norte-americana que é convocada por uma família dona de terras para ir até a Colômbia investigar um caso de um jovem que está passando por dias nebulosos. Chegando nesse lugar, acaba descobrindo que o seu paciente é alvo de religiosos e vizinhos da região, acusado de possessão. Em busca de traçar caminhos para um tratamento, Grace precisará contar com a ajuda do pai do jovem, Nicolas (Eduardo Noriega).


A obviedade se torna um elemento frequente, mesmo que a primeira parte do arco narrativo seja promissor. A protagonista, personificando a razão, entra em gigantescos conflitos emocionais quando percebe ser minoria em uma aldeia dominada pela força religiosa, essa última se distanciando da moral e ligando o lado justiceiro. A narrativa se embaralha ao buscar encontrar soluções para mostrar os conflitos de seus personagens, tudo fica muito confuso na tela gerando um enorme desinteresse em quem assiste.


O suspense com pitadas dramáticas ainda consegue tempo para escorregar nos clichês, não se aprofundando nos confrontos que poderiam gerar mais reflexões, aqui mais precisamente na batalha de argumentos da ciência versus religião. Lançado semana passada nos Estados Unidos, e sem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, In The Fire é um dos piores filmes exibidos na edição 2023 do Festival do Rio.



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Crítica do filme: 'A Festa de Léo'


Conflitos que amadurecem. Exibido no Festival do Rio 2023, o longa-metragem carioca A Festa de Léo nos mostra um dia na vida de mãe e filho, moradores de uma famosa favela carioca, que precisam lidar com situações que fortalecerão o elo que possuem. Primeiro projeto longa-metragem do Grupo Nós do Morro para os cinemas, o filme transforma um lugar em personagem com uma série de reflexões sociais, onde as desilusões se convergem com os sonhos quando a realidade bate na porta mas sem se distanciar da esperança. O projeto é dirigido por Luciana Bezerra e Gustavo Melo.


Na trama, conhecemos Rita (Cintia Rosa), uma mulher batalhadora que luta diariamente para conseguir seguir em busca de dias melhores ao lado do filho Léo (Nego Ney), no Morro do Vidigal, Rio de Janeiro. No dia do aniversário de 12 anos do filho, Cintia passará por uma série de situações com enormes desgastes muitas dessas ligadas ao pai de Léo, Dudu (Jonathan Haagensen), um malandro com dívidas que rouba o dinheiro contado para a festa. Assim, ao longo de 24 horas, vamos conhecendo muitos conflitos e outros personagens que ajudam a contar essa história.


Como amadurecer em meio a conflitos que chegam em nosso destino? Algumas variáveis da vida não são possíveis serem controladas, sendo assim, como vencer em dias de fortes conflitos emocionais? A narrativa se coloca em duas estradas, a visão da mãe e a do filho. Na primeira, enxergamos uma visão geral da luta diária em manter o sustento do seu lar, as dificuldades financeiras, os fortes laços com os vizinhos, o cotidiano no Vidigal e situações que refletem à realidade. A visão de Léo sobre tudo que ocorre também é muito bem detalhada, percebemos os sonhos se chocando com a realidade quando a situação do pai é exposta aos seus olhos. Ambos embarcam em conflitos que geram dor mas que amadurecem. O roteiro é cirúrgico, a direção é certeira, conseguindo transmitir todas as emoções em uma narrativa que nos leva para o refletir constantemente.


Vale a pena falarmos do Nós do Morro, organização social que liga o jovem ao mundo das artes e ao longo de seus 37 anos de vida se tornou um grande formador de talentos em oficinas culturais. Um dos criadores da ONG foi o mato grossense Guti Fraga, diretor e preparador de elenco. A Festa de Léo tem em seu elenco uma maioria de artistas que tem sua formação ligada ao projeto. Ainda sem previsão de estreia nos cinemas, o filme é mais um ótimo achado na excelente seleção de uma das melhores edições do Festival do Rio.

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16/10/2023

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Crítica do filme: 'Othelo, o Grande'


Buscando por meio de imagens de arquivos e depoimentos sobre diversos temas, contar de forma breve a trajetória de um intérprete de vários sentimentos que logo se tornou um dos mais destacados artistas da história dos palcos e telas de nosso país, Othelo, o Grande nos declama a genialidade do improviso e o dom de fazer rir se tornando um projeto fundamental para quem ama a sétima arte. O documentário, dirigido por Lucas H. Rossi traz em seu paralelo importantes momentos do cinema brasileiro.


Ao longo de hipnotizantes 82 minutos de projeção, acompanhamos parte da história de Sebastião Bernardes de Souza Prata, nascido na hoje conhecida Uberlândia, em 1915, um homem que tinha a política de fazer rir! Lutando contra o preconceito em praticamente todas as fases de sua vida, logo ficou conhecido como Grande Otelo, sendo o grande responsável por dar vida à personagens com enorme apelo popular que estão nas memórias de muitas pessoas até hoje.


Trechos de muitos de seus trabalhos mais conhecidos ganham pequenos recortes e reflexões, como: Macunaíma do cineasta carioca Joaquim Pedro de Andrade e Fitzcarraldo, do aclamado cineasta alemão Werner Herzog. Entre os momentos mais marcantes, seu encontro com Orson Welles gera um depoimento sobre o sumiço de filmes que mostravam grandes verdades do Brasil na década de 40, fato que poucos conhecem. A dupla com Oscarito não foi esquecida, essa que marcou uma fase impressionante da comédia brasileira.


O início da Atlântida (famosa produtora de filmes), no início da década de 40, além dos rumos do cinema brasileiro ganham alguns depoimentos de Grande Otelo tiradas de algumas das inúmeras entrevistas que o documentário conseguiu em sua excelente pesquisa. Durante todo o tempo em que esteve ativo no mercado, o ator nunca escondeu o que pensava sobre os bastidores. As tragédias da vida pessoal também ganham espaço, flertou com esse momento inclusive em plena Avenida Presidente Vargas sem ser época de carnaval.


Othelo, o Grande venceu o prêmio de Melhor Documentário no Festival do Rio 2023, um merecido prêmio para um filme que mostra com muita riqueza de detalhes, a vida de um gigantesco artista brasileiro.

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Crítica do filme: 'Ana'


Atravessando o recorte na vida de uma jovem moradora da periferia carioca que vive um presente repleto de conflitos, o novo trabalho do cineasta Marcus Faustini abre seu leque de reflexões a partir do medo e insegurança amarrados em uma profunda crise existencial. O projeto de 75 minutos de projeção busca com os conflitos criar uma narrativa que foge do discurso de apresentar soluções, é um filme que vai de encontro às verdades dentro de um recorte real da sociedade onde o medo se acopla em sonhos e desejos.


Na trama, conhecemos Ana (Priscila Lima), uma jovem que está atualmente com a cabeça voltada para trabalhar. Ela mora com o único irmão (Gustavo Luz) em uma modesta casa na periferia do Rio de Janeiro e tem como ganha pão passear com cachorros na parte rica da cidade. Com saudades da mãe, falecida meses atrás, busca proteger o irmão contra o preconceito que bate à sua porta. Parece viver uma crise existencial profunda mas sem deixar de interagir com os amigos. E nesse presente repleto de conflitos, ainda tem a chegada de Cristiano (Vinícius de Oliveira), um ex que fugiu para a Bahia sem maiores explicações por quem ainda tem sentimentos.


Um abstrato retrato do medo ganha fortes expressões por aqui. O medo de uma sociedade desleal, da opressão de cada esquina. Ana parece viver os seus medos e os dos que ama, um jornada que paralisa seu sonhar. Ela parece detectar isso, se enxerga muitas vezes perdida, querendo resolver os problemas que a cercam mas seu dar os primeiros passos para soluções. Mas será que todos os problemas que a cercam tem soluções? As sessões com a psicóloga, com fitas gravadas para driblar a timidez, servem para revelar suas angústias a um outro alguém, assim entendemos melhor a intrigante personagem dentro de sua bolha existencial que não encontra caminhos para o sentimento que se vive e se torna difícil de falar.


Ana nos leva também a pensar nos problemas de uma periferia em crises sociais constantes, no preconceito de uma ainda sociedade conservadora onde a homofobia bate na porta de muitas pessoas que somente querem ser felizes. Longe do discurso de encontrar soluções, o longa-metragem é mais reto e direto, apresenta muitas verdades que acontecem por aí.



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Crítica do filme: 'O Mensageiro'


O diálogo em meio ao caos. Exibido na Première Brasil, entre os selecionados na competição de longa-metragem, o novo trabalho da ótima cineasta brasileira Lucia Murat explora os tempos difíceis da ditadura no Brasil trazendo um recorte de dois personagens que tem seus destinos cruzados trazendo suas visões dos dois lados de um conflito. O Mensageiro, independente de qualquer coisa, é mais um daqueles filmes que são necessários para que nunca caia no esquecimento as barbaridades desse regime autoritário instaurado no Brasil que sufocou a liberdade, explorou a censura e trouxe a violência e a repressão para o cotidiano do brasileiro.


Na trama, conhecemos um soldado Armando (Shi Menegat) que durante os tempos cruéis da Ditadura no Brasil esteve servindo em um lugar onde estavam prisioneiros políticos. Entre esses, uma jovem de classe média chamada Vera (Valentina Herszage) que sofre terríveis barbaridades durante todo o período em que fica presa. Um dia, o soldado resolve levar uma mensagem dela para a mãe Maria (Georgette Fadel), criando assim uma linha de diálogo com essa mulher.


Percorrendo uma trajetória de incertezas, o protagonista se choca a todo instante com as contradições quando começa a refletir sobre os dois lados da moeda de uma época que deixou marcadas intermináveis em um Brasil de pouco tempo atrás. Seus conflitos são a força motora dessa história. A narrativa conquista o espectador quando abre espaço para dois personagens que giram ao redor do epicentro, o foco aqui não é na jovem presa (como muitos filmes sobre o tema trilham suas jornadas, mostrar os conflitos dos presos nessa época) e sim um soldado e a mãe de uma presa. As lições que nascem desses encontros, nos fazem entender uma época e as dúvidas que chegavam para muitos durante esse período.


Ao longo de quase duas horas de projeção, o roteiro também abre olhares para os conflitos familiares, no caso a mãe e o pai da jovem presa, também para a visão cruel dos militares sobre toda a barbaridade cometida em lugares escondidos onde ocorriam situações absurdas ligadas a um pensamento desumano. As marcas de Vera representam a de milhares de outros presos durante a Ditadura, alguns inclusive que nunca mais encontraram suas famílias novamente. O Mensageiro reforça a reflexão sobre esse tempo sombrio, um filme importante para nunca esquecermos esses tempos.



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13/10/2023

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Crítica do filme: 'Estranho Caminho'


Pai, você foi meu herói...pelo menos no meu sonhar. Detalhar cinematograficamente uma conturbada relação entre pais e filhos não é algo muito raro de se encontrar nas centenas de filmes que chegam nas prateleiras invisíveis dos streamings ou mesmo na sala de cinema. Mas, caro leitor, tem filmes que mostram essa temática de maneira tão bonita que durante um quase óbvio devaneio nos sentimos lutando para que as verdades sejam ditas. Esse é o caso de Estranho Caminho, premiado filme do diretor cearense Guto Parente, que teve sua estreia nacional durante o Festival do Rio 2023, que ainda encaixa em sua poesia em forma de narrativa os tempos de incerteza na mais recente pandemia que abalou o planeta.


Na trama, conhecemos um jovem (Lucas Limeira) cineasta que após longos anos volta para o lugar onde nasceu e morou para apresentar o seu mais recente trabalho em um Festival de Cinema. Com a pandemia da Covid batendo na porta, ele busca se encontrar com seu pai (Carlos Francisco) com quem não fala faz mais de uma década. Após uma tentativa quase frustrada, já que o pai se tornou uma pessoa cada vez mais reclusa, algumas situações peculiares começam a atingir seu caminho.


Exibido no Festival de Tribeca e selecionado também para o Festival de San Sebastián, ambos em 2023, vencedor de um prêmio no primeiro, Estranho Caminho é objetivo, poético, busca em seus brilhantes 83 minutos mostrar sentimentos perdidos, até mesmo escondidos, com um estopim que chega como flecha na vida de um jovem que não sabia muitas coisas que queria na relação sempre muito distante com o pai. A relação entre pai e filho é o alicerce de um roteiro que navega sempre com uma belíssima fotografia, que vai muito além do contorno das emoções, nos levando para curiosas surpresas com o andamento dessa história.


Sem esquecer de um contexto importante que o mundo viveu curtos anos atrás, a problemática da Covid e seus desenrolares, situações nos mostram o caos e o desespero dos atendimentos de uma doença que mudaram rumos de muitos. De uma relação familiar, passando por um surpreendente devaneio, em seu oitavo longa-metragem, Guto Parente busca resgatar a essência de uma relação destruída pela distância, brinca com o imaginário trazendo elementos do cinema experimental, associando o estranho ao desejo de se encontrar. Não tenham dúvidas, a magia do cinema está contida em todos os cantos desse brilhante filme brasileiro.



 

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Crítica do filme: 'How to Have Sex'


Recortando a juventude e as badalações de uma fase de transição para a vida adulta com um alvo em expectativas, além de toda a frustração que chega de forma traumática, How to Have Sex é um poderoso drama que encosta no suspense, nos abalos psicológicos provocados pela violência contra a mulher. Dirigido pela cineasta britânica Molly Manning Walker, de apenas de 30 anos, em seu primeiro longa-metragem, o projeto tem uma reviravolta angustiante trazendo a reflexão sobre um forte tema.


Na trama, conhecemos três adolescentes britânicas que já pensando no futuro após a conclusão do ensino médio embarcam em uma viagem para Mália, na Grécia, um lugar paradisíaco de aventuras, bebedeira, possibilidades de relações. Só que uma delas, Tara (Mia McKenna-Bruce), começa aos poucos a perceber que a alegria e descobertas que esperava se transforma num enorme pesadelo com abalos traumáticos que levará por toda a vida.  


A narrativa esconde muito bem o que de fato traz pra refletir. O primeiro ponto é a amizade, um laço profundo aqui representado por três amigas que no meio do descontrole de um lugar sem limites vão descobrir mais sobre uma a outra. A sexualidade, a ação e inconsequência, a inveja, são tópicos que se somam. Poderia ser mais um filme sobre a juventude e o descontrole de ações impensadas. Mas o filme é muito mais que isso. Após um fato, a grande reviravolta do roteiro, começamos a caminhar no desespero de uma personagem que revela sua aflição pelo olhar e não se sente bem mais ali naquele lugar, transformando a alegria em uma marca para sempre de tristeza e aflição.


Um novo olhar para o mundo chega para Tara, a real protagonista dessa história. E tudo isso é mostrado com sequências que parecem confrontar sua nova visão sobre as relações, sobre os homens, o consentimento, o sexo, sobre o lugar onde está e também sobre as amizades com as duas amigas. A direção de Molly Manning Walker é estupenda, capta as emoções com maestria juntamente com uma trilha sonora que parece chegar como um complemento para tudo que assistimos.


Premiado no Festival de Cannes 2023, How to Have Sex estreia dia 15 de novembro nos cinemas e logo após entra no catálogo da MUBI.



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12/10/2023

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Crítica do filme: 'Assassino por Acaso (Hit Man)'


Exibido no Festival de Veneza e Toronto em 2023, com sua primeira exibição em solo brasileiro no Festival do Rio, o novo trabalho do excelente cineasta Richard Linklater usa, sem abusar, de um humor ácido, inteligente, para contar a trajetória de um enigmático protagonista, um matador de mentirinha em meio período, enxergando os paralelos que se cruzam entre a psicologia e a filosofia. Um brilhante projeto que promete muitos risos de plateias por onde for exibido.


Na trama, conhecemos Gary Johnson (Glen Powell), um professor de uma universidade norte-americana, pacato e tímido, que durante a outra parte de seu dia trabalha para a polícia, se tornando um habilidoso traçador de perfis com autoestima elevada para o convencimento na criação de outras versões de si mesmo. Se fazendo de matador de mentira, com o objetivo de prender quem o procura, certa vez acaba se envolvendo com uma cliente, fato que o faz balançar na linha tênue entre a lei e a criminalidade.


Baseada parcialmente na vida de um real professor Gary Johnson, que trabalhou com a polícia por um tempo, Hit Man consegue uma sintonia empolgante com o espectador que se delicia com uma explosiva narrativa nos levando para uma jornada engraçada, beirando ao inacreditável, direto para conflitos repletos de variáveis onde as inverdades te levam ao confronto com o mundo real e as constatações da verdade. O certo e o errado, entre outros sentidos antagônicos, se tornam elementos importantes dentro das estradas seguidas por um personagem que busca acima de tudo se entender.


O raio-x do protagonista é algo detalhadamente profundo. Como se passasse uma linha no seu cotidiano, de um lado um pacato e tímido professor, do outro um habilidoso traçador de perfis com autoestima elevada para o convencimento na criação de outras versões de si mesmo. Ele parece gostar de interpretar os outros, essa fantasia repleta de disfarces completa imagens com desenhos já criados. Os três complementos da personalidade o Id, o Ego e o Superego, ou melhor dizendo a libido, o impulso e a moral se embaralham direto para um clímax pulsante.


A verdade e suas diferentes perspectivas embaladas em mentiras se tornam combustível ao lado de ótimos diálogos e atuações fantásticas. Já adquirido pela Netflix, o filme deve ter estreia confirmada muito em breve. Um dos melhores filmes do Festival do Rio 2023.



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Crítica do filme: 'O Dia que te Conheci'


Os caminhos inesperados do conhecer um novo alguém. Produzido pela Filmes de Plástico, produtora mineira que vem trazendo lindos filmes para o público desde 2009, O Dia que te Conheci é uma espécie de crônica cotidiana que de forma simples, simpática e objetiva nos faz refletir sobre questões da sociedade, da classe trabalhadora, dos encontros e desencontros que o destino apronta. Dirigido por André Novais Oliveira, esse projeto se torna uma caixinha de surpresas transformando um drama em um romance que atinge nossos corações.


Na trama, ambientada em uma Minas Gerais na atualidade, conhecemos Zeca (Renato Novaes), um simpático homem, imaturo, por muitas vezes inocente, descompromissado com o que pode vir no futuro, que trabalha na biblioteca de uma escola pública localizado longos quilômetros longe de sua casa. Um dia, por conta de seus constantes atrasos por um presente ligado à crises de sono intensas, é demitido de seu trabalho. No mesmo dia, pega uma carona com Luísa (Grace Passô) e entre desabafos e papos sobre diversos assuntos aos poucos um vai abrindo o coração para o outro.


Diálogos que nos transportam para a realidade de muitos trabalhadores brasileiros com um forte olhar para o cotidiano, as angústias, as aflições, os desencontros, as segundas chances, são vistos ao longo de singelos 71 minutos de projeção. Mas tudo isso é envolvido, conectado, por um ponto em comum entre os personagens, uma curiosa problemática com os remédios. Aqui, nosso campo de reflexão se torna mais amplo, profundo, as agonias de um mundo cada vez mais concorrido no campo profissional, as dores, os traumas, emoções conflitantes que levam ao caos emocional estão implicitamente ligadas ao uso desses medicamentos. Essa é uma questão importante para refletirmos.


A virada para uma história de amor, ou pelo menos o início de uma, é uma consequência de duas almas que se conectam, que observam e tentam entender o outro. É muito bonito a forma como essa construção é feita, não há malabarismos quando o discurso vai na raiz das emoções em cima dos caminhos inesperados do conhecer um novo alguém. As produções da Filmes de Plástico retratam como poucos o cotidiano, O Dia que te Conheci é mais um filme que na sua simplicidade tem muito a dizer.

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Crítica do filme: 'Pedágio'


Pare, olhe, escute. Um embate familiar que se choca com a realidade de uma vida difícil, com o preconceito, com verdades impostas, com a absurda oferta de uma ‘cura gay’ se tornam os primeiros elementos de um longa-metragem exibido nos festivais de San Sebastian e Toronto, que contorna as duras camadas de momentos conflitantes com inteligência, com uma fotografia que escancara as emoções. Segundo longa-metragem da carreira de Carolina Markowicz, uma grande contadora de histórias com imagens em movimento (já tínhamos visto isso no excelente Carvão), Pedágio não é um filme fácil, necessita de atenção, há reflexões por todos os lados. Um dos melhores longas-metragens exibidos no Festival do Rio 2023.


Na trama, acompanhamos Suellen (Maeve Jinkings, em grande atuação) uma mulher batalhadora que trabalha como cobradora de um pedágio em Cubatão, São Paulo. Ela tem um filho, Tiquinho (Kauan Alvarenga), perto de completar 18 anos, que adora fazer vídeos e imitar divas da música. Ao longo do tempo, Suellen passou a se incomodar com algumas situações envolvendo o filho e de maneira inconsequente resolve ser parte de uma pequena gangue que rouba relógios, tudo isso para financiar a ida de seu filho à uma cura gay organizada por um pastor gringo.


Os protagonistas, mãe e filho não chegam a ser antagonistas, há sentimentos conflitantes mas não falta amor. Essa relação repleta de altos e baixos, acaba se transformando em mais um personagem que segue como uma sombra para todas as ações e consequências que se chocam no destino dos protagonistas. Suellen vive num presente perdida em um relacionamento abusivo repleto de falsas promessas em choque com a carência, com a solidão e parece despejar todas suas frustrações no único filho. Tiquinho sofre com as agressões por sua orientação sexual mas não deixa de seguir seu caminho driblando a bolha conservadora que sua mãe está estacionada.


Como percorrer uma distância entre dois pontos? Tem artistas que adotam o discurso reto e direto outros buscam as trajetórias mais difíceis por meio de profundas camadas dramáticas para trazer ao centro do palco (ou melhor, da telona) uma série de críticas sociais importantes para serem debatidas. Um relacionamento entre mãe e filho marcado pelo preconceito é o primeiro passo de um brilhante roteiro que detalha a vida como ela é, uma versão nua e crua de recortes de uma sociedade que algumas vezes buscam os caminhos mais difíceis em busca de algum sentido para verdades impostas. A narrativa é cirúrgica também ao relatar e se fazer refletir sobre a opressão sofrida pela comunidade LGBTQIA+.


Um dos seis filmes pré-selecionados para uma vaga no Oscar 2024 (acabou sendo escolhido Retratos Fantasmas), Pedágio estreia dia 30 de novembro. Um filme que marca mais uma vez o talento de Carolina Markowicz.



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07/10/2023

Crítica do filme: '20.000 Espécies de Abelhas'


A imaginação também é parte da realidade. Exibido no Festival de Málaga, San Sebastian e Berlim esse ano, o longa-metragem espanhol 20.000 Espécies de Abelhas traz para reflexão a identidade de gênero contando um recorte na vida de uma criança de oito anos, seus medos e suas descobertas. Escrito e dirigido pela cineasta espanhola de 39 anos Estibaliz Urresola Solaguren, em seu primeiro longa-metragem da carreira, o projeto foi o vencedor do Urso de Prata de Melhor Atuação Principal em Berlim.


Na trama, conhecemos uma criança (Sofía Otero) que ao lado dos dois irmãos mais velhos e sua mãe Ane (Patricia López Arnaiz), uma artista plástica que busca lecionar novamente, saem de viagem da França (região de Baiona) para um vilarejo nos países bascos em visita a parentes maternos. Essa criança durante a viagem irá passar por situações que irão lhe aproximar de sua feminilidade, fato que vai deixar em conflito sua família.  


O tocante longa-metragem parte de uma série de descobertas da protagonista sobre si através também do olhar do outro. A narrativa consegue transportar para seu contexto os medos e angústias que buscam virar certezas. Mas nada é tão simples para a protagonista. Como se encaixar em um mundo que parece não te enxergar? Os conflitos dos adultos que a cercam, para entender e apoiar, são cheios de obstáculos, passam pela fé, as interrogações, até mesmo o preconceito. Muitas vezes em um labirinto solitário, a criança se vê constantemente perdida.


A mãe aos poucos se torna peça chave nesse entendimento. A história também passa muito por essa personagem, em um casamento em ruínas, também num momento de total instabilidade financeira, a artista plástica busca soluções, e luta contra conflitos impostos por uma sociedade discriminatória, para ajudar a sua criança mais nova. Estibaliz Urresola Solaguren brilha na condução de uma narrativa com um forte conflito que impacta, cada qual de uma forma, todos os personagens.


Nada melhor do que as lindas mensagens de um roteiro, que trata de um tema ainda difícil para alguns entenderem sem o olhar preconceituoso, para se mostrar uma luta que pode ser a de tanta gente em busca do olhar para sua própria verdade.



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Crítica do filme: 'Perfect Days' (Festival do Rio 2023)


A arte de contemplar o momento, vivendo. Indicado do Japão ao próximo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o novo trabalho do aclamado cineasta alemão Wim Wenders, Perfect Days é uma jornada atenta aos detalhes que percorre o curioso recorte sobre um homem de poucas palavras, que contempla o momento na sua forma mais simples, chegando no olhar para o outro em meio as verdades do cotidiano. Uma empolgante trilha sonora aparece como algo complementar e nos momentos de reflexões também embarcamos nessa caminhada que vai ficar marcada em muitas memórias. Um primoroso trabalho de direção e uma atuação de um protagonista impecável.


Na trama, conhecemos Hirayama (Kôji Yakusho) um homem metódico, de uma simplicidade notável, que trabalha limpando banheiros públicos em uma tóquio atual. Avesso à tecnologia na contramão dos agitos de um Japão pulsante nesse sentido, seu cotidiano é regado por seu gosto por fotografia, leitura e música (com direito a uma bela coleção de fitas k7). Será ele um ser humano estacionado no tempo? Qual será sua história até ali? Alguns personagens que surgem em sua vida vão começando a remexer lembranças, encostando no seu passado.


As verdades do cotidiano as vezes são o que precisamos ter. Filmado em 17 dias e vencedor do Prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes desse ano, o longa-metragem de cativantes duas horas de projeção nos leva para uma análise profunda sobre uma bolha criada por uma pessoa que conseguiu se desprender de seu passado mas sem o esquecer. Será isso uma proteção? Talvez fruto de um vazio emocional? Um trauma? As perguntas são diversas nos levando da simplicidade para as inúmeras teorias sobre alguns porquês nos fazendo enxergar paralelos com a realidade.


O protagonista é intrigante. Ele contempla o momento, ele observa tudo atentamente. Sua quebra de rotina chega no caos emocional que se instaura quando lembranças de outros tempos (não apresentadas por completo) voltam como um raio, gerando um certo instante de instabilidade e desequilíbrio. Kôji Yakusho fala com o olhar, emociona num pequeno gesto, uma atuação para a galeria das melhores das últimas décadas.


O engraçado é que o espectador também encontra momentos de pausas para seu refletir. A narrativa não se desencontra do dinamismo, associa o passado ao presente, reflexões sobre a imagem, o movimento. Ainda por cima, temos canções na trilha sonora que são dicas para tudo que vemos, que sentimos. Perfect Days beira ao brilhantismo, do sorriso à angústia, num acordar e recomeçar tudo outra vez.



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Crítica do filme: 'Sem Coração' (Festival do Rio 2023)


Tempo bom, tempo ruim, nas duas situações se aprende. Com passagem pelo prestigiado Festival de Veneza em 2023, o longa-metragem brasileiro Sem Coração desembarcou no Festival do Rio 2023 para sua première nacional. O projeto ambientado em uma Alagoas dos anos 90 aborda a descoberta da sexualidade na visão de uma jovem adolescente com o destino traçado longe do lugar onde foi criada. Escrito e dirigido por Nara Normande e Tião, o filme reforça o discurso das fases conturbadas da adolescência por meio de uma narrativa com altos e baixos.


Na trama, conhecemos Tamara (Maya de Vicq), uma jovem alegre e repleta de amigos que vive seus últimos momentos numa cidade no litoral de Alagoas, onde nasceu e foi criada. Certo dia, ela escuta falar de uma outra jovem, conhecida como ‘sem coração’ (Eduarda Samara), uma menina solitária que ajuda o pai pescador nos trabalhos profissionais. Aos poucos Tamara começa a desenvolver uma atração por essa jovem.


O imaginar, o sonhar e a realidade entram em choque, numa zona de conflito que busca ser o combustível da narrativa, por vezes confusa, outras alcançando o refletir com certo brilhantismo. O projeto caminha sobre a descoberta da sexualidade por alguns pontos de vistas, não só da protagonista, reforçando o discurso das fases conturbadas da adolescência. A amizade se torna uma força dentro do roteiro, nesse olhar social de interação a troca de experiências abrem margens para longos debates sobre a vida. Nesse último ponto, brilham jovens atores, rostos ainda desconhecidos do cinema brasileiro mas que estarão em breve em outras produções.


Pais e filhos, amizade, dúvidas, a violência, o preconceito, a desigualdade social, o roteiro abre seu leque para personagens e seus conflitos. Oriundo de um curta-metragem premiado no Festival de Cannes, uma extensão dessa história, Sem Coração, mesmo sem alcançar um clímax, se perdendo muitas vezes nas constantes subtramas que o envolvem, o filme consegue chegar ao objetivo de refletir sobre a vida na visão imatura de uma fase repleta de medos e incertezas sobre o futuro.



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