17/11/2022

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Pausa para uma série: 'Reboot'


As redescobertas da vida com toques de humor. Chegou esse ano na Star+ um seriado que por meio de sua proposta de metalinguagem nos leva a reflexões sobre o antes e depois de algumas pessoas que trabalham no universo de um seriado que ganhou uma nova chance após 20 anos. Camuflado de comédia, o projeto é um poderoso drama que aborda conflitos diversos que caminham na imaturidade das relações humanas. Criado por Steven Levitan, um dos criadores do sucesso Modern Family, Reboot é uma aula de abordagem à temas tabus de forma leve e inteligente.


Na trama, conhecemos quatro artistas que são novamente chamados para revisitar seus antigos personagens de um seriado que estreou duas décadas atrás. Tem o Reed (Keegan-Michael Key), um ator que após largar a série original acabou não tendo mais sucesso na carreira. Tem a Brie (Judy Greer), uma artista de poucos trabalhos q largou a profissão para se casar com um Duque em outro país. Tem o Clay (Johnny Knoxville) que luta contra o alcoolismo em um momento onde busca redenção para todos seus dramas do presente que são ligados ao passado. Tem o Zack (Calum Worthy), um jovem de 24 anos, que na época do seriado original era apenas uma criança, e agora busca sua identidade em uma carreira de altos e baixos. Além dos artistas, há um foco grande também nos criadores da série: Gordon (Paul Reiser) e Hannah (Rachel Bloom).


Há uma harmonia muito interessante na narrativa que consegue explorar a cada episódio vários conflitos que seus ótimos personagens percorrem ao longo de toda a jornada de gravações e criações do seriado. Nada fica preso a um personagem, todos tem espaço. A metalinguagem aqui tem um papel de nostalgia, fazendo o público relembrar outros tipos de comédia que eram feitas em grande quantidade e muitos paralelos com as relações, ligados pela veia cômica, traçando assim debates sobre a carreira profissional, relações amorosas mal resolvidas, frustrações, imaturidade, as descobertas dos obstáculos para um primeiro amor, a sexualidade. Reboot navega com muito inteligência em assuntos tabus trazendo um frescor leve e contemporâneo para pontos de vistas diferente sobre vários assuntos.


Uma das gratas surpresas no universo das séries lançadas nesse segundo semestre de 2022, Reboot objetiva as polêmicas jogando no ventilador hilários debates num choque divertido entre o passado e o presente.   



 

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Pausa para uma série: 'Som na Faixa'


A força do algoritmo contra o pensamento obsoleto. Dividido em capítulos que mostram pontos de vistas diferentes sobre a criação e consolidação do serviço de streaming de música, Spotify, Som na Faixa é uma minissérie sueca que causa seu impacto através da profundidade com que consegue gerar reflexões sobre um modelo de negócios à princípio muito contestado mas que acabou sendo algo revolucionário na indústria fonográfica. As interseções da narrativa não deixam de ser grandes embates onde o público recebe bastante informações para tirar suas próprias conclusões.


Na trama, conhecemos Daniel Ek (Edvin Endre), um programador que mora em Rågsved, subúrbio que fica no distrito de Bandhagen, na capital sueca Estocolmo. Após passar por alguns empregos frustrantes e limitados para todo seu potencial sonhador e empreendedor, montou uma pequena empresa aos 22 anos e a vendeu por uma dezena de milhões. Com o dinheiro partiu para uma nova ideia, uma player de música diferente de tudo que se via na internet e no mercado do música. Assim, procuro uma sociedade com o investidor Martin (Christian Hillborg) que logo enxerga o potencial e juntos começam a montar as primeiras peças do que seria a hoje tão famosa Spotify. Mas essa caminhada não foi fácil, com bastante situações que colocaram a empresa em risco. Nesse contexto, conhecemos outros importantes personagens para essa história: Per (Ulf Stenberg), um alto executivo de uma poderosa da indústria musical. Petra (Gizem Erdogan) uma influente advogada que acaba se juntando à equipe. Bobbie T (Janice Kavander), uma artista que conhece Daniel desde os tempos de escola. O programador da equipe do Spotify, Andreas (Joel Lützow). Sob diversos pontos de vistas, vamos acompanhando essa história.


Daniel era um ser solitário, somente ele e sua mãe no mundo de família, sempre teve na nostalgia musical um certo alicerce para as duras rotinas como programador. Uma forte lembrança, é de sua mãe que amava dançar ao som de Aretha Franklin. Como toda mente empreendedora, encontrou soluções para uma oportunidade que muitos enxergavam como complexa por conta de questões na compra de direitos autorais (uma batalha que durou um longo período até uma fatia do bolo ser repartida). A narrativa se joga em cima do confronto entre a força do algoritmo contra o pensamento obsoleto de uma indústria que não acompanhava as mudanças tecnológicas e as interações digitais que avançavam na história da humanidade. O protagonista aos poucos foi conseguindo que as pessoas, investidores, funcionários, outros empresários da indústria fonográfica, enxergassem o negócio na sua perspectiva. Lembrando que a criação da empresa foi feita num período em meio a uma guerra entre o download gratuito e os detentores de direitos sobre as obras.


Mas a visão mais ampla sobre toda a criação e consolidação do Spotify não estaria completa se outras variáveis não fossem colocadas no tabuleiro. É o caso da visão do artista, a remuneração quando se está dentro da plataforma, algo que ficou em tamanha crescente quando até mesmo tribunais foram acionados e nomes importantes da indústria se manifestaram com questões em relação ao modelo de negócios de Daniel Ek e sua equipe. E por falar em equipe, a minissérie joga para o espectador pontos de vistas conflitantes, que vão desde o programador-chefe do projeto e seu desânimo pelos rumos do negócio até mesmo as decepções de Martin, o co-fundador e um dos primeiros a investir dinheiro na criação da plataforma.


Com intensos episódios que não deixam nossos olhos desgrudar da tela, Som na Faixa consegue em poucos capítulos mostrar um empreendimento e suas questões em relação à indústria fonográfica, conflitos de pensamentos que duram até os dias atuais.



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15/11/2022

Crítica do filme: 'Medieval'


Na contramão de qualquer lampejo de Estado de Direito, em uma fase da Idade Média bastante turbulenta, Medieval faz uma imersão histórica, buscando quase no rodapé de memórias um comandante tcheco pouco conhecido que ficou marcado como ‘o Invencível’ pelo fato de seus exércitos (muitos desses de mercenários) nunca terem perdido uma única batalha sequer. Escrito e dirigido pelo ator e cineasta tcheco Petr Jákl (que tem no currículo uma aparição no filme de comédia Eurotrip – Passaporte para a Confusão), baseado na obra do escritor Petr Bok, Medieval não se limita apenas às ótimas cenas de ação e aventura com uma narrativa empolgante, como também nos apresenta um recorte pouco conhecido de uma época marcada pela dança das cadeiras pelo poder.


No filme, disponível no catálogo da Netflix, conhecemos o comandante de um grupo de mercenários chamado Jan Zizka (Ben Foster), um homem de poucas palavras que embarca em longas jornadas por toda a Europa atrás de missões que de alguma forma batem com seu pensamento crítico sobre a situação do estremecido continente em questão. Após aceitar uma missão vinda do experiente nas artimanhas políticas da região, Lord Boresh (Michael Caine), acaba comprando guerra contra a Ordem Teutônica (ordem militar cruzada vinculada à Igreja Católica) e do Sacro Império Romano (união de alguns territórios da Europa Central durante o final da Idade Média). Assim, entre sangrentas batalhas, traições, manobras políticas, liderança, também conhece Katherine (Sophie Lowe), uma figura importante politicamente que se torna uma pessoa valiosa para o protagonista.


O épico, de pouco mais de duas horas de projeção, nos mostra um pedaço de uma época marcada por reviravoltas, portanto é bom situarmos sobre o contexto em que a trama do filme se encontra. Na parte final da Idade Média, após o falecimento do rei Carlos IV um caótico movimento de luta por posições políticas estratégicas tomam conta de toda a Europa com os defensores das intrigas e das dolorosas guerras dominando novos comandos no jogo pelo poder, deixando a população em várias batalhas diárias contra pragas e a fome. Até mesmo a Igreja Católica entrou em parafuso com o inusitado ocorrido de dois papas eleitos. Nesse mundo repleto de brutalidade se encontram em batalhas alguns lados e assim conhecemos a saga de Jan Zizka que inclusive perdeu um dos olhos num desses conflitos.


Pra quem curte filmes épicos que não pensam só em mostrar as cenas de batalhas, mas dão ênfase com grande profundidade histórica, tudo o que se cerca sobre os conflitos, Medieval apresenta sua visão à fatos conturbados de uma Idade Média que pegava fogo a cada novo nascer do sol, se transformando, por que não, num grande aulão sobre os primórdios da Europa.



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10/11/2022

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Crítica do filme: 'Aldeotas'


A longa caminhada de uma amizade por meio de memórias. Baseado em uma premiada peça teatral criada no ano de 2004 pelo ator e diretor Gero Camilo, Aldeotas se propõe a um exercício constante e bastante criativo de complemento com o imaginário apresentando em curtos recortes momentos chaves na vida de dois amigos que se reencontram no funeral de um deles. Dirigido e protagonizado pelo próprio Gero Camilo, ao lado de Marat Descartes, intérpretes da montagem original da peça teatral, Aldeotas busca nas memórias um alicerce para sua poesia sobre amizade.


Na trama, que teve sua estreia mundial na Mostra de São Paulo, vamos acompanhando algumas fases na vida dos amigos Levi (Gero Camilo) e Elias (Marat Descartes) que se reencontram por meio de memórias após o primeiro, depois de um longo hiato sem se falarem pessoalmente, volta para o funeral do segundo. Eles moraram na infância e adolescência na cidade de Coti das Fuças, no interior do Brasil, um lugar conservador em uma época de pouca liberdade para os sonhadores. As descobertas, os amores, as dores, as alegrias, as decepções, os sonhos, a opressão, os abusos, a busca pela liberdade, a vontade contagiante de conhecer o mundo são apresentados ao público através das lembranças.


O abstrato universo da saudade se mostra presente em cada cena mesmo que a troca de experiência seja a chave para se conectar com essa impactante narrativa. Se despedir de um amigo, dar cabo de uma saudade, joga Levi em uma estrada de retorno para a cidade onde momentos de todos os tipos reaparecem. A adolescência cheia de variáveis, escolhas que acabam sendo rupturas, os traumas por não ser aceito, a busca por explicações sobre o inexplicável. As visões de compartilhamentos de experiências em uma cidade conservadora são compostas por uma linha definida da linguagem exercendo forte preponderância dentro de uma função poética, aguçando assim o imaginário do espectador.


O uso de poucos elementos como base de algum tipo de expressão poética transformam a caminhada desse filme em uma interação para o espectador como se estivesse em um teatro, onde a imaginação nos leva ao refletir por meio de uma estrada de pensamentos sobre amizade e momentos chaves na vida de duas almas que de alguma forma se completam através das experiências que tiveram na infância e na adolescência. Emocionante em momentos pontuais, o filme gera reflexões sobre os tempos da imaturidade e a necessidade de se tornar uma fortaleza madura para se proteger dos avanços de conflitos que não se consegue enfrentar.


Aldeotas e suas diversas interpretações mexem com nosso refletir nos levando a pensar sobre memórias e saudade, até mesmo de tempos lá atrás, mostrando que a distância, o silêncio, podem ser uma enorme ferramenta de entendimento sobre as linhas de qualquer história.


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09/11/2022

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Crítica do filme: 'Nada é por Acaso'


Aprenda pelas experiências e siga o caminho do bem. Aguardada adaptação literária de um livro da escritora espiritualista Zíbia Gasparetto, Nada é por Acaso busca mostrar que um dos caminhos rumo ao equilíbrio é trocar os desconfortos da mentira pela paz da verdade. O filme gira em torno do sofrimento humano, das perdas, das fraquezas, da sensação de angústia, das barreiras criadas entre os seres humanos e muitos conflitos que surgem por situações mal resolvidas. Vamos vendo os desenrolares de uma série de situações presas à um passado que gera consequências num presente. Em busca de soluções, um laço oriundo de um outro plano mostra que destinos estavam cruzados em outras vidas e agora a espiritualidade dá a chance de esclarecimentos. A direção é de Márcio Trigo.


Na trama, começamos conhecendo Marina (Giovanna Lancelotti) que após um ano longe da família, volta à cidade de Castro, no interior do Paraná. Um ano depois já estão em Curitiba, monta um escritório voltado ao direito empresarial. Durante esse período seu irmão Cícero acaba sendo guiado para um centro espírita após uma situação onde recebeu uma mensagem para a irmã. Ela também conhece um terapeuta por quem se apaixona, Rafael (Rafael Cardoso).  Em paralelo, conhecemos uma outra mulher, Maria Eugênia (Mika Guluzian), rica, que mora em uma casa aconchegante, casada com o Henrique (Tiago Luz), namorado dos tempos de pré-vestibular e com um filho pequeno chamado Dionísio. Ambas começam a frequentar um centro de estudos espíritas e algumas questões do passado delas vão aos pouco se revelando.


Amar as verdades e as mentiras. Todos os personagens estão ligados de alguma forma em pontos de interseção que torna a narrativa repleta de conflitos cíclicos. Há muita informação sobre os muitos personagens que são bem desenvolvidos ao longa de toda a história. Aos poucos as peças vão sendo apresentadas através da angústia que todos sofrem, esse elo acaba sendo o ponto de união entre esses corações doloridos que buscam explicações no espiritismo.


Os caminhos da verdade pode ser uma jornada árdua mas libertadora. De forma muito honesta, a inserção de alguns conceitos do espiritismo aqui é feito de maneira bem delicada mostrando uma visão sobre as maneiras que a natureza humana reage quando se sente em confronto com traumas que num primeiro momento parecem sem solução.


Nada é por Acaso é a primeira adaptação de um romance de Zibia Gasparetto para os cinemas, um projeto que chega com seu refletir através das experiências de personagens que buscam seguir em frente através de laços que eles descobrem através de um novo caminho na eterna arte de entender a existência.



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Crítica do filme: 'Armageddon Time'


O amadurecimento e a estrada da vida. Exibido no Festival de Cannes (onde teve uma ótima recepção), chega aos cinemas brasileiros nesse começo de novembro um filme tocante que busca na força da família razões e emoções para um amadurecimento de um jovem que se vê rodeado de conflitos em um recorte norte-americano com o preconceito batendo forte de porta em porta e um cenário político em ebulição às vésperas da eleição do 40º presidente dos Estados Unidos. Escrito e dirigido pelo cineasta nova-iorquino James Gray, ambientado em uma Nova Iorque do início dos anos 80, Armageddon Time reflete sobre o sonho americano em uma estrada repleta de aprendizados em memórias que ficariam para sempre, jamais esquecidas. E em falar em memórias, o projeto é baseado nas da infância do próprio diretor.


Na trama, conhecemos Paul (Banks Repeta), um jovem, meio rebelde, de classe média, que adora o universo das artes, principalmente o desenho, a pintura. Ele mora com a mãe Esther (Anne Hathaway), uma dona de casa e representante de pais da escola, e o pai Irving (Jeremy Strong, em grande atuação), um homem que ganha a vida como encanador, consertando aquecedores. Uma figura presente em sua vida é seu avô, Aaron (Anthony Hopkins), com quem aprende muito sobre a vida em cada conversa. Paul estuda em um colégio público e se vê quase sempre em conflito com o professor (uma figura conservadora e muito rígida). Ele começa uma amizade com Johnny (Jaylin Webb), um jovem negro que mora com a avó, e dessa amizade Paul aprenderá lições que levará por toda a vida.


Essa jornada parte do retrato de uma família que busca se estabelecer em um Estados Unidos às vésperas de mais uma mudança presidencial, onde o conservadorismo engessa os sonhadores e os horrores do preconceito são vistos em cada esquina. A ótica aqui é toda de Paul, como esse jovem adolescente lida com os conflitos que aparecem em sua frente. Sua personalidade é uma mistura de ingenuidade e imaturidade num início, mas acaba passando por uma enorme transformação num curto período onde a perda de alicerces do seu cotidiano o fazem amadurecer, talvez até precocemente, em um mundo nada justo, às vezes vazio. Os excelentes diálogos entre pai e filho e entre avô e neto mostram o medo da realidade que o espera lá fora, quando precisará sair do ninho familiar e encarar a vida e todas as suas facetas, nem sempre felizes.


O preconceito racial é um assunto muito presente nas linhas do roteiro. A amizade de Paul com o amigo Johnny mostram os dois lados de uma história. Johnny é um jovem negro, sem oportunidades, que num momento acaba nem podendo voltar pra casa, enquanto o amigo mora em uma casa confortável, tem uma estrutura familiar, tem a possibilidade de estudar em um colégio particular em um segundo momento. A amizade entre os dois existe e as escolhas que cada um possui são desiguais, muitas para um, poucas para o outro. Um retrato de um mundo ainda muito preconceituoso é visto, e infelizmente até os dias de hoje, não só nos Estados Unidos.


Há também espaço para política. O título do filme, que aparece em uma fonte chamativa no início e no fim da obra, deixa claro uma referência à algumas falas do ex-presidente norte-americano Ronald Reagan que batia na tecla dessa palavra ‘Armageddon’ colocada em sua visão sobre alguns temas. Esse que seria o próximo presidente norte-americano após derrotar o democrata Jimmy Carter. Até o Pai de Trump, Fred (John Diehl) e a irmã Maryanne (Jessica Chastain) aparecem na história nessa visão sobre os Estados Unidos que ao longo da década de 80 sofreriam com uma instabilidade econômica com o avanço de outros mercados.


Armageddon Time ainda por cima reúne um elenco maravilhoso que ao longo de quase duas horas de projeção nos leva a uma caminhada pelo cotidiano do sonho americano mas mostrando verdades e obstáculos da vida por meio de memórias numa narrativa intimista que emociona do início ao fim.



 

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07/11/2022

Crítica do filme: 'Filhos de Istambul'


As dores de uma vida sem esperança. Disponível no catálogo da Netflix, o longa-metragem turco Filhos de Istambul nos mostra a dura trajetória de um personagem em eterno conflito que esconde de seu presente memórias dolorosas de um passado que o acompanha por todos os lados. Ao longo das quase uma hora e meia de projeção, com um plot twist no meio do caminho, somos surpreendidos com reflexões sobre a existência além do contraste de vida da cidade localizada em dois continentes. A direção é assinada por Can Ulkay (em seu quinto longa-metragem), com roteiro de Ercan Mehmet Erdem.


Na trama, conhecemos o esforçado Mehmet (Çagatay Ulusoy), um administrador de um depósito de resíduos sólidos em um bairro de classe média baixa em Istambul. Sua rotina é ajudar pessoas desabrigadas e dar um trabalho como catadores de papeis e outros objetos em determinadas zonas da cidade. Mas ele não anda bem de saúde, na fila do serviço público de saúde na espera de um transplante de rim passa seus dias em uma agonia sem fim. Certo dia, um menino chamado Ali aparece de surpresa no local de trabalho de Mehmet sem ter para onde ir. Mehmet então resolve ajudar o garoto e acaba entrando em uma jornada de autodescoberta.


Morrer antes de viver a vida. Lutando contra as dores de um tempo presente que não dá sossego, a necessidade de trabalhar mesmo não estando em totais condições, Mehmet sofre com o abatimento mental e físico, detalhe presente logo no início do arco narrativo, antes mesmo de entendermos direito o enredo. Essa reflexão sobre a sobrevivência nos leva a paralelos com as desigualdades sociais da única metrópole do mundo localizada em dois continentes (Europa e Ásia).


O sorriso emprestado em pílulas de felicidade. A chegada de Ali na vida do protagonista parece trazer junto uma esperança de felicidade, a oportunidade de viver momentos agradáveis em meio ao caos do cotidiano em uma cidade com poucas oportunidades, onde a desigualdade social está em cada esquina. Mas quem é aquele menino? Da onde ele veio? Quem são seus pais? Nessa busca por lacunas incompletas, Mehmet vai acabar descobrindo páginas de sua história que estavam guardadas em algum lugar da sua memória.


Os pontos de vista dos personagens nos levam para várias reflexões. O plot twist, mesmo previsível em um certo ponto, vira a peça que faltava para entendermos que esse projeto é sobre abandono, sobre rejeição, sentimentos dolorosos que podem ser uma âncora sem volta na vida de qualquer pessoa.  




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Crítica do filme: 'My Policeman'


As dores e as escolhas nas profundezas do sentido mais intenso da natureza humana. Disponível no catálogo da Prime Video, após ser exibido em algumas sessões no Festival do Rio desse ano, My Policeman nos apresenta de forma delicada e em sua busca constante pelo detalhes um ping pong na linha temporal que exercita as facetas de personalidades, o antes e depois, de um triângulo amoroso que se decompôs com o tempo. Baseado no livro homônimo, lançado em 2002, e escrito por Bethan Roberts, o projeto apresenta de forma muito objetiva as punições pelas escolhas mesmo se perdendo em uma narrativa que alcança a melancolia sem conseguir desenvolver por completo todos seus principais personagens.


Na trama, conhecemos Marion (Gina McKee) uma estudante de pedagogia (depois professora), rata de biblioteca, amorosa, sonhadora que nutre uma avassaladora paixão por Tom (Harry Styles), esse, um jovem policial que voltou da guerra e busca por meio de sua curiosidade o conhecimento sobre o universo das artes, da pintura, dos livros. Tudo caminha para um romance de cinema mas um terceiro vértice está presente nessa relação, Patrick (David Dawson), um pacato e solitário funcionário de um museu, que adora o clássico de Tolstói, Anna Karenina, pintor de rostos comuns nas horas vagas, que vive num confortável apartamento. Com um antes e depois na sua linha temporal, a narrativa nos mostra que Patrick e Tom eram amantes deixando Marion com algumas escolhas a serem tomadas.


Todas as histórias de amor são trágicas aos olhos dos sonhadores? Numa época de ainda mais preconceito o que os dias atuais, um amor proibido é a variável constante desse romance que percorreu pelo tempo sem deixar de ser intenso. Por meio de um diário encontrado, lembranças escondidas do início de um amor e segredos que foram fundamentais para o presente dos envolvidos são mostrados. O ritmo é lento, busca nos detalhes as razões, os seus porquês mesmo caminhando por uma linha de obviedade escancarada que acaba frustrando o olhar mais atento.


Uma espectadora dentro da própria relação. Vale a menção à visão de Marion, no roteiro deixada um pouco de lado, não ganhado as profundezas que o triângulo rumava. A personagem parece presa a um conflito no presente por conta de algo do passado e seu desenvolvimento na trama ganha contornos de mera coadjuvante em uma história que poderia ser mais parte do protagonismo. Afinal, um triângulo é um triângulo né?


Dirigido pelo britânico Michael Grandage, My Policeman mostra o conflito das razões e emoções, a imperfeição das escolhas, o preconceito de uma época onde o amor era limitado a um conservadorismo que até hoje busca se desfazer com o tempo.



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Crítica do filme: 'Sorria'


As peças espalhadas da mente. Com um trailer impactante que gerou muita ansiedade nos cinéfilos, Sorria chegou aos cinemas brasileiros no segundo semestre de 2022 trazendo uma história que se fortalece na mensagem indireta de conflitos ligados as emoções humanas. Um dos méritos do roteiro é o confronto da razão com as emoções profundas feito muitas vezes por metáforas e até mesmo elementos sobrenaturais, esse último acaba afastando um pouco dos trilhos da narrativa mas sem deixar de ter seus impactantes momentos de tensão. O projeto é escrito e dirigido pelo cineasta Parker Finn em seu primeiro longa-metragem de ficção.


Na trama, conhecemos Rose (Sosie Bacon) uma pacata médica que trabalha na parte de psiquiatria de um hospital. Sua rotina é exaustiva, tendo que lidar com muitos pacientes com diversos conflitos emocionais.  Ela tem um casamento estável com Trevor (Jessie T. Usher) e mora numa casa aconchegante. Certo dia, após uma paciente se suicidar na sua frente, um caos emocional começa a reinar em sua vida e ela se vê envolvida em situações assustadoras que não consegue associar com a realidade. Ela então acaba entrando em uma jornada de confronto contra as próprias ações e emoções fazendo desabar toda sua vida.


Esse é um filme bem amplo para uma análise. Pensando na questão dos confrontos emocionais é interessante a proposta do filme em trocar de posição médico e paciente, fazendo o primeiro grupo enfrentar caminhos nebulosos entre a razão e a emoção, algo que combatem diariamente em sua profissão. Nessa estrada, as linhas do roteiro nos mostram algo ligado ao sobrenatural que pode ser entendido como mensagem indireta sobre o inconsciente, indo na raiz do confronto que trazendo pra realidade é algo que diariamente o ser humano encara com suas frustrações, seus medos, suas angústias, suas agonias.


Na questão da vida que desaba a partir do desespero dos conflitos, há um foco pouco profundo na relação entre Rose e Trevor, que talvez tenha sido pensado para mostrar que aquele casamento não era tão perfeito assim. A busca da protagonista para encontrar o equilíbrio se perde em alguns momentos trazendo redundância mas sem perder os momentos de tensão.


Sorria é um filme que gera muitas interpretações, você pode se conectar pelos paralelos do sobrenatural ao emocional, da busca do equilíbrio através do confronto do trauma. É um enorme quebra-cabeça, de modificações constantes, e a quantidade de peças que surgem espalhadas pela mente e as maneiras que podemos montá-lo.



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Crítica do filme: 'Noites Brutais'


Quando o inesperado acontece. Com uma narrativa eletrizante com peças que vão se encaixando aos poucos, sempre guiado por um clima de tensão constante, o longa-metragem Noites Brutais, que estreou recentemente no streaming da Star Plus, é um filme para ser observado sob diversas óticas. Escrito e dirigido pelo norte-americano Zach Cregger, o filme traz uma certa originalidade no contraponto da perspectiva tendo como elemento o medo.


Na trama, conhecemos uma jovem chamada Tess (Georgina Campbell) que chega em Detroit para uma importante entrevista de emprego e aluga uma casa pelo Airbnb. Só que quando chega ao local, uma região bem complicada longe do centro da cidade, acaba dando de cara com Keith (Bill Skarsgård) que também fez a mesma reserva da casa para aquela noite. Eles entram em acordo e ambos dormem no lugar. No dia seguinte, ao voltar pra casa Tess acha um corredor no porão escondido e lá é surpreendida. Logo após isso, conhecemos um outro importante personagem AJ (Justin Long) que vai acabar encontrando Tess em um momento perturbador.


A desconfiança é o primeiro elemento a ser analisado. Na visão de uma jovem que chega em um lugar inóspito, em busca de um emprego dos sonhos, percebemos as primeiras linhas do roteiro a encostar no medo, na desconfiança, algo que está presente mas precisa ser confrontado de alguma forma. As escolhas aqui parecem óbvias mas nada acaba sendo simples. Quando há descobertas conflitantes em relação ao fator medo, uma chave se liga e um instinto de sobrevivência é colocado em prática testando a todo instante as linhas emocionais.


Outro ponto interessante é o caos emocional que se liga ao desespero. Aqui, conhecemos numa linha paralela de tempo (que logo se choca com o outro destino), um jovem ator que vê seu mundo desabar após uma denúncia que modifica sua vida acomodada e ao partir para encontrar soluções se vê de frente com o inusitado, com o aterrorizante, que traça paralelos com o seu modo de vida, onde escolhas novamente se jogam no seu caminho e suas verdades aparecem novamente em seu presente.


Em Noites Brutais, o elemento ‘natureza humana’ é muito bem explorado sob seus respectivos pontos de vista. O filme consegue gerar reflexão sobre o ser humano em meio ao caos da tensão, das escolhas e do medo. Interessantíssimo trabalho de Zach Cregger.



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Crítica do filme: 'A Mãe'


A força maternal numa busca imprevisível pela verdade. Premiado no Festival de Gramado e de Vitória, o novo longa-metragem do cineasta Cristiano Burlan, A Mãe, nos leva até a periferia da maior cidade do país onde somos guiados para momentos de tensão, dor, sofrimento, de uma busca desesperada de uma mãe por um filho que desapareceu do dia para noite e se vê em conflitos com vários lados de uma violência constante. No papel principal, a premiada atriz brasileira Marcélia Cartaxo mais uma vez comove o espectador com uma atuação emocionante.


Na trama, conhecemos Dona Maria (Marcélia Cartaxo), uma nordestina, de Cajazeiras (Paraíba) que mora em uma casa humilde na periferia de São Paulo faz alguns anos, lugar onde mora com o único filho, o adolescente Valdo, desde que ele tinha três anos. Ela é camelô pelas ruas do centro. Certo dia, após o filho sair para se divertir e ir tentar a sorte numa peneira de futebol, ele desaparece levando Maria a uma busca incansável para saber todas as verdades desse desaparecimento. Durante essa árdua estrada onde poucos a ajudam, acaba entrando em conflito com traficantes e com a polícia.


A narrativa navega por um recorte de um Brasil da burocracia, da insensibilidade, do medo, da mentira, do conflito de interesses. Dona Maria é uma nordestina que tenta sobreviver ao caos urbano da maior cidade do país, onde os preços só aumentam, onde o preconceito está por perto, onde a justiça se mostra para poucos, onde inocentes se veem presos em guerras urbanas, onde a polícia nem sempre protege, onde a violência é contínua e vem de todos os lados. Envolto a isso, Maria enfrenta o mistério de uma perda, um alguém que ela não poderá se despedir, mesmo assim não desgruda do pensamento de buscar a verdade que acaba culminando em uma espécie de grito de socorro em uma verdadeira reação contra a violência do Estado. No projeto, muito bem dirigido por Burlan, há menção a uma organização chamada ‘Mães de Maio’ composta por mães, familiares e amigos de vítimas de crimes cometidos em maio de 2006 em São Paulo, crimes esses ligados à violência policial.


A Mãe, que também foi exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é um retrato comovente de uma mulher que luta contra os absurdos da violência policial em busca de conseguir seguir em frente após parte dela desaparecer em uma cidade que para muitos é sinônimo de medo.



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Crítica do filme: 'Paloma'


O desabrochar de um sonho. Vencedor do Prêmio de Melhor Atriz e Melhor Longa-metragem da mostra competitiva da Première Brasil do Festival do Rio de 2022, Paloma nos leva para uma história, baseada em uma notícia de jornal, sobre uma mulher transexual que tem o sonho de se casar na igreja. Dirigido pelo experiente cineasta pernambucano Marcelo Gomes, o projeto apresenta uma forte protagonista em uma jornada de conflitos, incertezas, amores, traições, que fortalece a força da fé num recorte sensível e profundo sobre os desenrolares do desabrochar de um sonho.


Na trama, conhecemos Paloma (Kika Sena), mãe da pequena Jenifer que mora com o companheiro Zé (Ridson Reis) em uma casa humilde em Saloá, município de Pernambuco, uma pequena cidade nordestina com pouco mais de 15.000 habitantes. Paloma é transexual e trabalha diariamente como agricultora (numa colheita de mamão) e de vez em quando faz bico como cabeleireira. Ela tem um desejo dentro dela que acaba saltando em seu presente: ela quer se casar na igreja de véu e grinalda. Em uma conversa com o padre da cidade, ela fica sabendo que somente o papa poderia dar autorização para ela casar na Igreja. Assim, resolve escrever uma carta para a maior autoridade católica do planeta. A partir dessa iniciativa, conhecemos alguns conflitos que a protagonista atravessa na caminhada para seus sonhos e sem nunca perder sua fé.


Também exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Paloma contorna as linhas sempre dolorosas do preconceito mas aqui combatidas com uma força impressionante de uma alegria genuína. De forma contagiante parece convencer, até mesmo inspirar, a todos ao seu redor para embarcar no seu sonho. Mas a estrada é cheia de obstáculos, a impunidade de uma violência desumana está muito próxima. Essa filha de Deus como qualquer outra pessoa busca uma aceitação dentro de um cenário conservador que muitas vezes parece não enxergar que o amor está em toda e qualquer relação de duas almas que se amam. 


Sua relação com Zé também tem grande profundidade na narrativa. Há muito amor nesse lar mas também conflitos sobre o principal sonho de Paloma. Por exemplo: a mãe de Zé não aceita essa relação e isso vira um outro conflito com o circo midiático que acaba se estabelecendo com o casamento. Há também escolhas que a protagonista faz pelo caminho, como seu relacionamento relâmpago com um terceiro, erros e acertos que aqui são empurrados pela força dos seus desejos. Kika Sena se doa completamente a sua personagem em uma interpretação emocionante que ficará gravada para sempre na memória do cinema brasileiro.


Quando a realização chega em paralelo ao seu sonho (o sacramento sagrado do patrimônio), parece um momento de descobertas mais sombrias e preconceituosas de um entorno conservador, preconceituoso, que dilacera sua felicidade mas sem nunca deixar de seguir em frente como todos que sabem lutar pela sua verdade. Paloma chega ao circuito exibidor brasileiro em novembro, uma oportunidade para todos assistirem mais uma impactante obra-prima do cinema brasileiro.



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05/11/2022

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Crítica do filme: 'Diário de Viagem'


O grito que ninguém escuta. Abordando conflitos intensos entre a mente e o corpo na perspectiva de uma jovem adolescente, o longa-metragem brasileiro Diário de Viagem começa sua jornada em meados da década de 90, na época de criação do plano real. O recorte aqui é na fase adolescente, no ensino médio, aos olhos de uma personagem em conflito, que não sabe o que gosta, o que quer, se sente perdida em seu pensar com o peso de não conseguir se relacionar, como se todos não a entendessem. O epicentro desses conflitos é em relação ao transtorno alimentar. Viver essa fase em total solidão. É duro, angustiante, a narrativa caminha nessa estrada de forma profunda. Escrito e dirigido pela cineasta Paula Kim, o filme é baseado na adolescência da própria diretora.


Na trama, conhecemos Liz (Manoela Aliperti), uma jovem, filha única, que gosta de Nirvana, Paralamas e está prestes a embarcar para uma oportunidade que poucos possuem, a de um intercâmbio e conhecer culturalmente um novo país (no caso, a Irlanda), além de estar em uma reta de oportunidades para trocas de experiências com jovens de outros países e modos de pensar diferentes do dela. A protagonista possui um transtorno alimentar, fato que a faz, desde algum tempo, caminhar numa estrada de não aceitação do seu corpo. Quando ela retorna de viagem, a situação parece piorar e a protagonista acaba numa profunda tristeza que abala a si mesma e a todos ao seu redor.


A obra O Retrato de Dorian Gray, mencionada logo nos minutos iniciais, já mostrava, como uma espécie de abre-alas, que iríamos caminhar em uma história sobre a mente e os paralelos com o corpo num corredor de medo e aflição tendo a busca pela perfeição (no caso aqui: não engordar) sendo algo constante, intenso e muitas vezes inconsequente. A protagonista não sabe o que gosta, o que quer, se sente perdida em seu pensar com o peso de não conseguir se relacionar, como se todos não a entendessem. Viver essa solidão é duro, angustiante. Os conflitos há levam a estar rodeada de limitações, aos que se aproximam ela logo se afasta. Socializar acaba sendo uma grande dificuldade para a jovem que se fecha em seu próprio labirinto. Vale o destaque para a ótima atuação da atriz Manoela Aliperti.


As variáveis que cercam a protagonista acabam encontrando seu espaço na narrativa de forma contundente. O maior exemplo são os pais dela, que percebem que há algo de errado mas demoram pra agir, não sabendo na maior parte do tempo lidar com aquela situação, caminhando para um iminente conflito. Além disso, toda a situação abala a família, levando a mãe ao desespero e o pai a momentos de explosão e descontrole (o alcoolismo se mostra presente inclusive). Com o físico e o psicológico abalado, sua desgastante rotina a coloca em momentos de mais tristezas na escola, onde o bullying aparece.


Falado em português e inglês nos primeiros minutos (por conta da viagem que a adolescente faz), Diário de Viagem é um profundo drama, borbulha nas emoções dilacerantes de uma jovem com um distúrbio alimentar que paralisa sua vida. O objetivo de conscientizar para a anorexia nervosa, que afeta tantos na realidade, é atingido, deixando o público em uma reta de reflexões sobre o assunto.



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31/10/2022

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Crítica do filme: 'Reflect'


Se aceite e seja feliz! No ritmo da leveza e da delicadeza, o curta-metragem Reflect, disponível no catálogo da Disney Plus, nos leva a refletir sobre a aceitação do nosso corpo. Se formos pensar mais profundamente, encontramos uma relação com a sociedade que ainda massacra as emoções criando traumas através de um padrão. O trabalho é assinado por Hillary Bradfield, em seu primeiro projeto como diretora, antes ela realizou inúmeros trabalhos no departamento de artes em filmes como: Encanto, Frozen 2 e mais recentemente no aguardado filme de James Cameron, Avatar: O Caminho da Água. Reflect apresenta a primeira protagonista plus size da história da Disney.


Na trama, que explora os conceitos de disformia corporal, acompanhamos uma bailarina que tem um grande problema com o espelho por não se sentir bem com seu corpo. Nas aulas de balé, se sente com vergonha mas acaba descobrindo uma maneira de encarar essa situação quando se aprofunda nesse conflito. Ela se projeta para dentro de uma metáfora sobre o medo percebendo que pode reverter toda sua não aceitação e a jogar para escanteio.


A perspectiva é a de uma bailarina, uma grande ideia do roteiro. A importância da dança, uma arte cultural, chega quando pensamos que a personagem está em um ambiente em que ela tem que olhar para si, mesmo não querendo. Interessante aqui a questão do espelho, mesmo não querendo olhar para si, ao redor seus reflexos, o conflito chega e a protagonista precisa entrar em uma jornada de encarar esse trauma. Podemos ler que o sentido de corpo nesse projeto é um compartimento de emoções, muitas vezes conflituosas, deixando nas entrelinhas as verdades sobre o caminho do viver e que os momentos ruins vão existir mas a aceitação está dentro da gente.


Impressionante como alguns curtos minutinhos nos fazem pensar sobre traumas, aceitações, dentro de uma metáfora objetiva e com uma mensagem super positiva: Se sentir feliz é uma grande arma contra qualquer medo.


 

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28/10/2022

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Crítica do filme: 'Argentina, 1985'


Um dos mais aguardados longas-metragens argentinos de 2022 finalmente chegou ao catálogo da Prime Video. Em Argentina, 1985 voltamos cerca de 20 anos atrás para entender aquele que foi um dos mais históricos julgamentos de toda a história do país sul-americano, onde dois advogados representando a promotoria embarcam em uma jornada para provar a culpa de alguns militares de alta patente durante os aterrorizantes nove anos de ditadura na Argentina. Baseado em fatos reais, o projeto dirigido pelo cineasta de 41 anos Santiago Mitre tem como protagonista a lenda do cinema mundial Ricardo Darín.


Na trama, voltamos no tempo indo para um recorte importante na Argentina, em meados da década de 80 onde logo após um regime bruto de ditadura imposta no país, um promotor chamado Julio César Strassera (Ricardo Darín) tem a missão de juntamente com um grupo de jovens advogados liderar uma equipe de julgamento onde precisam reunir provas suficientes para condenar militares que impuseram o terror na população durante os tempos de ditadura. Strassera contará principalmente com a ajuda de outro promotor público, Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani). Durante todo os meses que cercaram o início, meio e fim do julgamento, sem poderem contar muito com a polícia, que em grande parte era a favor dos militares, os promotores sofrem ameaças e tem a rotina completamente abalada mas sem nunca deixarem de acreditar na importância do que faziam.


Relatos aterrorizantes, dor, sofrimento, tristezas sem fim de parentes de pessoas que sumiram durante a ditadura e nunca mais foram encontrados. A narrativa joga um olhar para o objetivo dos promotores, provar que fora um plano sistemático, que todos os acusados sabiam o que e como estavam fazendo por todo o país nos governos nos tempos de ditadura. Em poucos meses, o protagonista e sua equipe teriam que reunir provas contundentes contra acusados de alta patente do exército argentino que comandaram as ações nas quase uma década de ditadura no país sul-americano. Ao todo foram mais de 4.000 páginas de provas, centenas de testemunhas em mais de 700 casos denunciados durante esse período. A narrativa, de forma complementar, se aprofunda na vida do promotor Julio César Strassera responsável pelo caso mostrando suas dúvidas, medos, sua relação com a família, durante todo o período que está à frente desse caso de grande repercussão.


Há menção às ‘Mães da Praça de Maio’, importante organização criada nos tempos de ditadura que consistia em mães que tiveram seus filhos assassinados ou desaparecidos durante o terror desses tempos sombrios que iam para às ruas em busca de informações. Essas mulheres se reuniam, sempre com um lenço branco na cabeça, na Praça de Maio, em Buenos Aires, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino. Um movimento muito importante que sobrevive até hoje se expandindo para apoios pelos direitos humanos, políticos e civis por toda a América Latina e também em outros países.


Exibido no Festival de Veneza e no Festival do Rio desse ano, o longa-metragem argentino, com grandes chances de beliscar uma vaga no próximo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, é uma aula de reflexão, não só sobre o recorte argentino, mas sobre o recorte sul-americano e todos os países que enfrentaram uma ditadura cruel e covarde. Tempos que nunca devem voltar! A democracia deve sempre estar acordada!



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