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25/02/2024

Crítica do filme: 'Até Amanhã'


Quando a responsabilidade bate na porta. Exibido no Festival de Berlim, o drama iraniano Até Amanhã aborda as escolhas de uma jovem mãe e os dilemas que precisa enfrentar quando o destino e suas inconsequências se chocam em um dia intenso onde viverá horas de incertezas, descobertas e muitos aprendizados. Escrito e dirigido pelo cineasta Ali Asgari, o longa-metragem tem seu alicerce nas emoções conflitantes de uma forte protagonista na busca pelos seus sonhos e independência, driblando os olhares julgadores de um país onde a repressão contra a mulher ainda é um chocante retrato dessa sociedade.

Na trama, acompanhamos um dia tenso na vida da jovem Fereshteh (Sadaf Asgari), que vive sozinha na capital do Irã onde estuda e trabalha em uma gráfica para sustentar sua filha recém nascida de 2 meses. Quando um parente sofre um acidente e logo hospitalizado na cidade de onde mora, seus pais resolvem visitá-la. A questão é que eles não sabem da existência da criança. Assim, sem saber em quem confiar, ela precisa encontrar um lugar para a criança ficar enquanto seus pais estão por perto embarcando em uma série de conflitos que se seguem.

A responsabilidade, o papel de mãe, é algo que caminha durante toda a narrativa, que alcança um dinamismo eficiente detalhando as chocantes surpresas que a personagem principal encontra pelo caminho. A relação distante com o pai da criança (que não quis assumir a filha), o medo de contar a verdade aos pais, os absurdos que precisa lidar para manter sua mentira, o não saber em quem confiar, são alguns dos pontos que logo se tornam elementos importantes para uma desconstrução de um personagem que ruma para um desfecho emblemático que diz muito sobre tudo que aprende durante o intenso dia que vive.

O roteiro, também abre caminhos para uma reflexão mais ampla de um país que associado as suas tradições não se desgarra de limitações quando pensamos em igualdade entre homens e mulheres. Com a iminência dos seus segredos virarem certezas para os outros, a protagonista embarca em conflitos que esbarram nessa contextualização. Até Amanhã se consolida como um forte recorte de uma mãe em busca de certezas para seu futuro e o de sua filha em um país onde o olhar para a mulher é insuficiente, preconceituoso.

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22/10/2021

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Crítica do filme: 'Medo' (Strah)


Quando cansamos de sentir medo nossa existência faz mais sentido. Exibido na Mostra de SP em 2021, o longa-metragem Búlgaro, Medo, (Strah, no original), explora a natureza humana e suas relações girando em torno do tema sempre em pauta na Europa: a imigração. Escrito e dirigido por Ivaylo Hristov, o projeto expõe pontos de vistas, metendo o dedo na ferida sobre um assunto diretamente ligado aos direitos humanos. Há também espaço para reflexões sobre a solidão e um combate constante e intimista sobre o medo.


Na trama, conhecemos Svetla (Svetlana Yancheva), uma viúva de um pescador que morreu no mar que vive sozinha durante muito tempo em uma cidade no interior da Bulgária. Passa seus dias lutando contra uma solidão após ser mandada embora de seu emprego de professora (já que o colégio fechou) e combatendo com muita coragem um machismo vindo de todas as partes inclusive dos militares da polícia da fronteira. Tudo muda em sua vida quando um imigrante africano chamado Bamba (Michael Flemming), que queria chegar na Alemanha, aparece em seu caminho. Eles se comunicam sem muito se entenderem, em dois idiomas, mas o que entendem, basta. Aos poucos ela vai descobrindo mais sobre ele, um médico fugindo da guerra que teve a família perdida no conflito. Uma relação e afeto e esperança nasce entre os dois e em paralelo acabam sofrendo a rebeldia de seus vizinhos e conhecidos por Svetla deixar o imigrante ficar em sua casa.


Recheado de críticas com uma profundidade expressiva, o filme navega em partes nos conflitos que giram em torno do preconceito ao imigrante. Seja por meio de uma enrolada prefeita, marionete de influentes da área, pelos vizinhos sem a menor noção do que é humanidade, por uma força militar que parece viver em um mundo paralelo e querendo o menos responsabilidade pelo certo possível ou mesmo na crítica ao sensacionalismo televisivo da região.


Buscando expressar sentimentos e até mesmo emoções, o uso da fotografia em meio a estética em preto e branco pulsa aos nossos olhos como se conseguisse criar um clima de imersão a tudo aquilo que acompanhamos dentro das conflituosas relação humanas do pré conceito e preconceito.


Há também uma parábola bastante profunda sobre a solidão acoplada à uma crise existencial causada pela falta de perspectiva, isso fica muito claro conforme vamos descobrindo mais da protagonista e seu desabrochar para trilhar seu caminho longe do medo que de alguma forma sempre a acompanhou e a distanciou de muitos momentos de felicidade.


Strah é um filme que já circulou em alguns festivais na Europa e dificilmente chegará ao circuito brasileiro de exibição, uma pena, merecia. Que bom que a Mostra de SP colocou esse filme em seu catálogo, ótimo filme para refletirmos sobre várias aspectos da natureza humana.

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21/05/2021

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Crítica do filme: 'Trópico Fantasma'


Quando o acaso abre nossos olhos para o mundo. Escrito e dirigido pelo cineasta belga de 38 anos, Bas Devos, Trópico Fantasma, que estreia dia 20 de maio no ótimo streaming da Supo Mungam Plus, consegue em menos de 90 minutos ser intrigante em nos fazer encontrar sentido quando nada é o que parece. Somos testemunhas de uma metáfora social que complementa o preenchimento de espaço da vida, como tópicos contemplativos absortos de uma personagem que vira protagonista na vida de muitos dos que encontra pelo caminho. Planos longos, um abre alas e um desfecho estonteante, extático. Focado em uma personagem que está em um momento cogitabunda, andando pelas ruas frias da madrugada europeia, somos levados a uma viagem sobre a necessidade de conhecermos melhor o nosso entorno social.


Na trama, conhecemos uma esforçada trabalhadora, já com certa idade, chamada Khadija (Saadia Bentaïeb) que após sair do serviço tarde da noite acaba dormindo na condução de volta para casa e vai parar no ponto final da estação, a dezenas de quilômetros de casa. Sem ter como sacar dinheiro e sem condução por causa do horário, resolve ir a pé pra casa e assim conhece e aprende mais sobre a vida através de outros personagens e situações que cruzam seu caminho. Um homem morando escondido em uma casa que a protagonista já trabalhou, um morador de rua desacordado e um cachorro perto do dono, uma atendente separada com uma filha pequena que trabalha em uma loja de conveniência, são alguns dos que passam pelos olhos da personagem principal.


Dentro de um sensível olhar, colocando destaque para uma belíssima fotografia (tecnicamente o filme chama a atenção), percebemos a delicadeza em todos os cantos. Enxergamos esse universo através de Khadija, essa que vai descobrindo pelo trajeto transformações de uma cidade e também interagindo, com diálogos sempre com pontas sociais nas entrelinhas, com pessoas que nunca viu, serviços que nunca pediu. Uma faxineira, com dois filhos quase adultos que perdera seu marido faz 10 anos, se depara com pessoas e situações que a fazem pensar sobre a cidade que vive e um pouco também sobre a forma como vive seus dias quase sem tempo para si mesma, sem conseguir enxergar um novo mundo que está ali na sua frente.


Pode não ser um filme fácil para alguns, podem achar paradão, mas ao se conectar com ele o espectador recebe um grandioso e interessante presente que chega em forma de reflexão com os nossos paralelos cotidianos. Longe da vertente devaneadora, o que há mais de concreto em tudo que assistimos é a certeza de uma personagem em transformação tal qual o universo restrito (caminho de casa para o trabalho) que conhece ao seu redor.

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25/11/2017

Crítica do filme: 'Verão 1993'



Indicado ao Oscar 2018 de Melhor Filme Estrangeiro pela Espanha, Verão 1993, com elogiadas passagens no Festival de Berlim e Festival do Rio, é um filme que fala sobre a visão do luto pelos olhos de uma criança que não consegue se sentir aceita. Muito bem dirigido pela cineasta espanhol Carla Simón, em seu primeiro trabalho como diretora de longa metragem, o filme, com um ritmo bastante lento, navega no campo do descobrimento sobre as coisas no olhar detalhista da jovem protagonista.

Na trama, conhecemos a jovem Frida (Laia Artigas) que recentemente perdeu sua mãe, vítima de uma doença terrível, e assim, como um pedido dela, Frida vai morar com um de seus tios em uma casa afastado dos grandes centros. Querendo atenção e muitas vezes não se sentindo aceita, Frida embarca em uma jornada de descobertas onde as interpretações para as situações geram dúvidas na cabeça da jovem.

A dor da perda aos olhos de uma criança é sempre algo com variáveis muito complexas. A jovem protagonista enfrenta seu luto, de perder pai e mãe, com a ajuda da família, principalmente de seu tio, irmão de sua mãe, que leva Frida para morar com sua esposa e filha. É como se Frida vivesse uma nova infância, com novos pais mas sempre com lembranças dos que se foram. A religiosidade da avó, a não compreensão da doença que a mãe teve, as implicância com a nova irmã mais jovem, contornam as cenas que possuem um olhar sentimental e emotivo da diretora.


O roteiro se estrutura através das fases que a protagonista atravessa. No primeiro ato, tudo é muito novo para a jovem, não sabe direito como lidar com seus novos guardiões e possui uma relação de distância, nos atos seguintes acontece o desenvolvimento e a chegada de um início de maturidade, principalmente quando se vê perdida, cria um espírito de auto proteção (como a cena da tentativa de fuga de noite da casa onde está), camuflado pelas ingenuidades da criança que ainda é. Verão de 1993 é um delicado retrato sobre a visão de uma criança perante as dificuldades que o mundo coloca em sua frente.
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