23/02/2021

E aí, querido cinéfilo?! - Entrevista #287 - Paulo Rodrigues


O que seria de nós sonhadores sem o cinema? A sétima arte tem poderes mais potentes do que qualquer superman, nos teletransporta para emoções, situações, onde conseguimos lapidar nossa maneira de enxergar o mundo através da ótica exposta de pessoas diferentes. Por isso, para qualquer um que ama cinema, conversar sobre curiosidades, gostos e situações engraçadas/inusitadas são sempre uma delícia, conhecer amigos cinéfilos através da grande rede (principalmente) faz o mundo ter mais sentido e a constatação de que não estamos sozinhos quando pensamos nesse grande amor que temos pelo cinema.

 

Nosso entrevistado de hoje é cinéfilo, de São Paulo. Paulo Rodrigues nasceu em 31 de março de 1980 na cidade de Santos. Cresceu entre o Litoral Paulista e a Grande Capital. Fez de seus trabalhos uma referência à linguagem, aos modos e costumes da gente como a gente. Quem espera um Paulo de textos e linguagem ultrapassada, esqueça! Ele é essencialmente contemporâneo e dialoga com intervenções onde o verdadeiro sincretismo está ali. O sonho de ser cineasta concretizou-se em 2005 na Universidade Metodista de São Paulo. Valoriza as pequenas obras assim como as grandes, os graves e os baixos, tipo o jeito elástico de escandir os versos, com ironia, humor em roteiros e interpretações bem instigados e intimistas. Hoje tem como responsabilidade o cargo de diretor criativo na página Cine.RG (@cine.rg no instagram), dedicada ao universo do cinema, séries, livros e música. Um espaço aberto para o que há de melhor no entretenimento. Desde então o cineasta segue sua trajetória de olho em tudo e deixando a vida protagonizar os capítulos de sua história.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação?

Detalhe o porquê da escolha. O Cinesala é um dos últimos cinemas de rua de São Paulo. Ele funciona na Rua Fradique Coutinho há quase sessenta anos. Sua sala de projeção conta com sofás e revela o chão de taco. Eles possuem um bar bem bacana para quem está esperando o filme começar. Sua identidade visual faz referência aos antigos letreiros de cinema e aos jornais dos anos 60 e 70. É um excelente espaço que mantém viva a magia do cinema de rua. Um lugar pra lá de legal, com uma curadoria de filmes impecáveis, e um bar muito charmoso (lá você pode assistir ao filme bebendo um vinho). Para um amante do cinema como eu, a Cinesala representa história. Cinema de rua desde 1962, e o mesmo destaca-se por sua programação de boa qualidade, filmes tradicionais e também fora do convencional - sou apaixonado!

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente.

Lua de Cristal (risos), um dos maiores clássicos de Xuxa, chegou aos cinemas brasileiros há 30 anos. O longa de Tizuka Yamasaki trazia a eterna Rainha ao lado de Sérgio Mallandro e todas as crianças da década de 1980 e 1990 se cansaram de assistir a esse filme. Nessa época eu nem sabia do namoro com Pelé, fotos em revista masculina, filme com menor de idade, nada disso. No máximo uma ou outra acusação de pacto com o demônio que volta e meia aparecia na capa das revistas. É engraçado e triste acreditar que tem gente que ainda acha isso.

 

De todos os filmes fofinhos que você já viu na sua vida, nada pode ser mais romântico que ser atropelada por um entregador de pizzas que corta caminho pelo meio da calçada. E pra ficar perfeito mesmo, só sendo o Sérgio Mallandro! Que ainda vai pegar, como um verdadeiro cavalheiro, o tênis que ela esqueceu no chão e depois dar uma cheiradinha apaixonado.

 

Lua de Cristal está longe de ser o melhor filme da vida, e eu nem digo isso por apego sentimental e sim pelo fato de ter sido o primeiro filme que eu vi no cinema, no qual pela primeira vez um roteiro até fazia algum sentido.

 

3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Ang Lee se reinventa a cada trabalho, é muito habilidoso e gosta de experimentar novas tecnologias. Meus filmes preferidos se chamam: O Banquete de Casamento e As Aventuras de Pi, que lhe deu o segundo Oscar de direção, todo o cenário e os animais eram digitais, coisa que pra época ainda era um pouco ousado.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

O filme Central do Brasil! Essa obra de Walter Salles é um marco do cinema brasileiro. Eu classifico e aclamo a obra cinematográfica como um retrato fiel da situação social do país. Além de entretenimento de excelente qualidade, oferece subsídios para analisarmos diversos campos de atuação na sociedade brasileira, inclusive o campo social e econômico. Sabe aquelas histórias de crianças que além de buscar um pai que nunca conheceram, sonham com um país onde a paz, o amor e a compaixão sejam possíveis. Isso sim é retratar o cinema de forma honrosa!

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

Eu me lembro do primeiro filme que vi no cinema. Lua de Cristal, lá em Santos, eu tinha entre 9 e 10 anos de idade. Muitas das sensações que temos quando somos crianças mudam, enfraquecem ou simplesmente desaparecem quando crescemos, mas a mistura de batimentos acelerados, coração preenchido e frio na barriga que senti nesse dia nunca mudou e se repete até hoje. Um bom filme continua a fazer o meu coração disparar. Ainda desperta todos os meus sentidos e me faz sentir completo. Entrar numa sala de cinema sempre vai ser como pisar em um mundo de possibilidades onde, no melhor dos cenários, viajarei por universos paralelos e realidades distantes e, no pior deles, terei uma experiência diferente.

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Minha resposta será bem sucinta (risos) Não! Nosso circuito de cinema é extremamente comercial! Não que os outros países não sejam. Porém, nossa memória afetiva é apagada facilmente pelas novidades e os números de bilheteria! Hoje em dia acredito que para ser um curador de cinema, não basta somente entender de cinema, mas sim entender de números. Triste realidade.

 

7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?

O cinema não vai acabar, porém não será mais o mesmo. Quando essa turbulência passar as pessoas irão rever seus hábitos e passarão a exigir mais comodidade pelo fato de não saírem de casa. Até para grandes lançamentos. É triste isso, pois com essas medidas de redução o circuito cinematográfico perderá sua popularidade e não conseguirá levar cultura, entretenimento e informação a todos.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram, mas é ótimo.

Alabama Monroe. Com apenas dois minutos de projeção, ao ver a pequena filha daquele casal recebendo uma injeção como parte de seu tratamento contra a leucemia, eu já sabia que o filme iria doer. E doeu. Aliás, este trabalho do diretor belga Felix van Groeningen é uma daquelas obras que jamais sairá da minha cabeça.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Acho que mais do que estar pronto ou não para voltar aos cinemas, a pergunta mais válida seria: Está valendo a pena ir aos cinemas? Minha resposta seria: não, afinal protocolo de segurança não é vacina!

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

O cinema brasileiro cresceu no mercado mundial e concorre lado a lado com produções estrangeiras. Atualmente, o Brasil produz inúmeros filmes por ano que estão no mesmo nível dos internacionais. Apesar de às vezes parecer que temos um orçamento baixo, é preciso levar em conta que fora do país a produção é bem mais cara. Por isso, hoje pode-se dizer que nossos filmes têm um nível de qualidade tão bom quanto o internacional. Carlota Joaquina, a princesa do Brasil da diretora Carla Camurati é considerada a primeira grande produção da fase de retomada do cinema brasileiro. O longa-metragem levou 1,2 milhões de espectadores para as salas de exibição, isso foi um marco para a história cinematográfica nacional. Já Central do Brasil, feito em parceria com a França e dirigido por Walter Salles, foi o grande sucesso dos primeiros anos dessa retomada. O longa-metragem ganhou o Urso de Ouro de Melhor Filme, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e foi candidato ao Oscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira. Não acredito em premiações, mas é claro que, quando um filme nacional é indicado a prêmios internacionais, o mesmo ganha uma perspectiva que não teria por outros meios. A visibilidade alcançada por Central do Brasil foi um dos grandes responsáveis pelo aumento no número de produções e de investimentos no cinema nacional.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Quando se fala em carreira internacional, sem dúvida alguma, a atriz Sônia Braga é referência e sinônimo de sucesso pra mim. Ela coleciona atuações importantes em produções cinematográficas, por exemplo: Aquarius e Bacurau. A mesma desde os anos 80 conquista grandes indicações e espaço.

 

12) Defina cinema com uma frase:

O amor pelo Cinema nasce quando você atravessa a porta de saída da sala, e mesmo assim continua acreditando em tudo aquilo.

- Paulo Rodrigues.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema.

Não existiram muitas histórias inusitadas que eu me lembre! Mas no lançamento do documentário Bixa Travesty, ter a presença do corpo político de Linn da Quebrada, cantora transexual negra, pra mim foi muito forte e importante presenciar, sentir sua luta pela desconstrução de estereótipos.

 

14) Defina “Cinderela Baiana” em poucas palavras...

Uma obra mal compreendida que entrou para o hall do porque que existe.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Sim! Só que essa regra infelizmente não se aplica em nosso país!

 

16) Qual o pior filme que você viu na vida?

Sem dúvidas o filme O Fantasma do Louvre, do diretor Jean Paul Salomé de 2001. Já assisti vários filmes horríveis, mas nenhum se compara com esse.

 

17) Qual seu documentário preferido?

Saving the Amazon, para explicar a importância da vasta região, foi criado este documentário por Sophie McNeil. A obra pode ser assistida na Amazon Prime Video.

 

18) Você já bateu palmas para um filme ao final de uma sessão?

Já! E nem me importei com o que iam achar (risos). Foi no cinema do shopping Frei Caneca, no ano de 2002, assistindo ao filme As Horas. Eu amo muito esse filme e tinha que me expressar de alguma forma.

 

19) Qual o melhor filme com Nicolas Cage que você viu?

O filme Adaptação, do espetacular diretor Spike Jonze. É genial e inesperado como tudo se apresenta ali. Sua originalidade é impressionante!

 

20) Qual site de cinema você mais lê pela internet?

Acompanho várias na verdade! Gosta muito de conhecer e dar oportunidade a novas páginas e novos olhares. Hoje eu citaria 3 canais de cinema: Casa do Cinema Brasileiro (@casadocinemabrasileiro no Instagram), Guia do Cinéfilo (Não é média! Sua página é maravilhosa! Parabéns! - @guiadocinefilo no Instagram), Filmes 77 (@filmes77 no Instagram).