O filme de abertura da 26ª edição do Festival do Rio é uma constante explosão de brilhantismo que se joga em uma impecável estrutura musical, sem limites para profundidades de seus complexos personagens, conversando com um contexto repleto de variáveis que vão desde os fortes sentimentos que afloram, após uma radical mudança, até a ganância e o poder. Não há tempo para escantear a violência. A corrupção, os cartéis, ganham seus espaços e reflexões. Por esse caminho, chegamos na força de sentimentos que entram em conflito, que logo se tornam pulsantes, com números musicais inesquecíveis.
Vencedor de dois prêmios no prestigiado Festival de Cannes desse
ano, Emilia Pérez nos apresenta a brilhante
advogada dominicana - que mora no México - Rita (Zoe Saldaña), completamente infeliz por estar sempre em casos
duvidosos que mesmo com a vitória a deixa com a consciência nada tranquila. Um
dia, recebe uma proposta inusitada de um dos mais perigosos chefes da máfia do
país, Manitas (Karla Sofía Gascón),
que consiste em ela o ajudar a se tornar uma mulher e assim desaparecer, além
de abandonar a vida no crime. Mas o que será que o destino aprontará ao longo
dos próximos anos?
Livremente adaptada do romance Ecoute de Boris Razon,
nesse filme marcante podemos equilibrar a narrativa em dois momentos que logo alcançam
ações complementares, dentro do antes e depois de uma cirurgia de total mudança.
Criar a desconstrução proposta e manter o discurso afiado, imersos em dilemas,
é um caminho que o roteiro segue sem deixar as menções das emoções em cada
parte. Através de números musicais que ficarão marcados em nossas memórias, o
longa-metragem, fortíssimo candidato para o próximo Oscar – em algumas
categorias – conhecemos personagens fascinantes com uma série de descobertas
carregadas por sentimentos extremos.
Há um achado psicológico interessante, que navega por toda a
trama. Como não existe a transferência de consciência, o roteiro estabelece a
chegada da aceitação para se descobrir sentimentos próximos do amar, quase uma
reversão em relação ao caos de outrora. Quando nos enxergamos nesse ponto,
guiados por uma sensibilidade que salta ao exímio conjunto de imagens que
conversam com o abstrato do pensar, temos dois olhares: a de um óbvio álibi e
seus dilemas e o de um alguém em busca de mudanças mas não sabe muitas vezes
lidar com marcas que acumulou por toda uma outra vida.
Indicado da França para o próximo Oscar de Melhor Filme
Estrangeiro e dirigido pelo cineasta francês Jacques Audiard – diretor também do excelente Ferrugem e Osso – esse é um dos filmes imperdíveis da edição do
festival carioca.