Nós cinéfilos adoramos
listas. J Todo ano
olhamos nossas anotações e selecionamos os 10+ em várias categorias. Abaixo,
seguem os 10+ que vi esse ano na categoria: Filmes que vi em 2017 mas que
não foram lançados (alguns ainda serão) no circuito brasileiro
Me Chame pelo seu
Nome
Se você fosse uma música seria as
melhores notas. Baseado no livro homônimo, do autor André Aciman,Me Chame
Pelo Seu Nome é um daqueles filmes emblemáticos que nos leva a década
de 80, na belíssima riviera italiana e nos mostra em fragmentos poéticos todas
as belezas da descoberta do amor na visão de um jovem inteligente e apaixonado.
Dirigido pelo cineasta italiano Luca Guadagnino (Um Sonho de Amor) e com
um elenco inspirado, podemos afirmar que poucas vezes nos últimos tempos
assistimos uma obra tão delicada e profunda sobre o que com certeza é o amor.
Vai estar, com toda certeza, indicado em muitas categorias do próximo Oscar.
Na trama, ambientada no início da
década de 80 em algum lugar belíssimo do norte da Itália, conhecemos o jovem e
inteligente Elio (Timothée Chalamet), que está passando férias na enorme casa
que a família possui na Riviera italiana. Elio está na fase das descobertas,
tem amigos mas prefere os livros, a música e uma calma solidão. Certo dia
durante as férias, um estudante chamado Oliver (Armie Hammer), amigo de seu
pai, o Sr. Perlmann (Michael Stuhlbarg), que é professor, chega para passar
algumas semanas. Logo, Elio e Oliver começam a ver que possuem muitas coisas em
comum, rapidamente se aproximam e sentimentos afloram de maneira intensa
marcando para sempre as vidas dos dois.
A direção de Guadagnino beira a
perfeição, rico em detalhes, explora as características dos personagens de
maneira leve com ótimas pitadas cômicas aproximando o público do que acontece
na telona a todo instante. Por ter altas carga de drama, o romance florece de
maneira poética dando leveza as ações dos personagens. O roteiro inspirador,
levanta a bandeira de todas as formas de amar.
É uma trajetória de começo, meio e
fim de emoções viscerais onde somos testemunhas das belezas que é a sorte de
amar. Essa construção do sentimento é feita de maneira intensa, sensual e com
personagens carismáticos, inteligentes e com grande sede na arte do viver.
Impressiona a maturidade do modo de
pensar, principalmente da família do protagonista que apoia seu filho em todas
suas decisões. Em uma das cenas, talvez a mais impactante dentro do filme,
somos brindados com um diálogo de Elio com seu pai de deixar um nó na garganta
de tão profunda e emocionante. Michael Stuhlbarg larga na frente para a corrida
ao Oscar de ator coadjuvante, baita atuação. Me Chame Pelo Seu
Nome é um hino aos corações apaixonados e compreensão a todas as
formas de amar.
Loveless
Não se pode viver em desamor. Na era
dos selfies e das vitrines matrimoniais que a sociedade impõe para que a tal da
incerteza da normalidade fique evidente e você não seja alvo de fofocas ou
preconceitos, o novo trabalho do excepcional cineasta russo Andrey Zvyagintsev
(dos excelentes Elena e Leviatã), Loveless,
sensação nos festivais que fora exibido mundo a fora e um dos fortes candidatos
ao Oscar de melhor filme estrangeiro, é um filme que fala sobre acima de tudo
de família. Em uma Rússia dos tempos modernos, repleta de idas e vindas em
relacionamentos, Zvyagintsev faz o espectador navegar nas emoções mais
profundas quando nos sentimos olhando pelo buraco da fechadura.
Na intensa trama, conhecemos o casal
Zhenya (Maryana Spivak) e Boris (Aleksey Rozin) que estão se separando em meio
a muitas brigas. Eles tem um filho de 12 anos chamado Alyosha (Matvey Novikov)
que sofre bastante pelas discussões diárias dos pais. Zhenya tanto Boris já
estão em outros relacionamentos, o segundo inclusive já está esperando um outro
filho com a nova namorada. Em meio a essa tumultuada relação, Alyosha some
certo dia e os pais precisam reunir forças para enfrentar essa difícil
situação.
Entendemos melhor as características
emocionais dos personagens nos diálogos profundos que ambos possuem com seus
novos parceiros, principalmente Zhenya, que possui uma dificuldade de
relacionamento com a mãe, nunca amou o ex-marido e se joga completamente nessa
nova relação. Seu cotidiano com o filho é distante e agressivo, a impaciência e
o comportamento distante com o filho são reflexos da impaciência e solidão que
vivia com seu ex-marido. Quando o jovem desaparece, tanto mãe quanto pai se
sentem perdidos e começam a perceber aos poucos o quanto existia uma barreira
entre todos eles.
A frieza da polícia na condução do
início do caso chama a atenção. Durante o pequeno interrogatório com o grupo de
salvação e resgate, fica nítido o grande descaso e falta de observação dos pais
com o próprio filho, principalmente da figura materna. Alyosha sofria bastante
com as brigas e principalmente com o que escutava dos pais. A ausência de amor,
desafeição, desprezo, indiferença eram algumas das características que
distanciavam os pais do filho.
Com belíssimas cenas de fundo e uma
atmosfera melancólica que se envolve intensamente em pontos importantes, Loveless é
um retrato humano, que assusta mas acontece, das imperfeições na roda familiar.
Zvyagintsev se consagra mais uma vez com suas lentes que conseguem transmitir
com muita intensidade o que acontece entre quatro paredes e nos mostrando os
detalhes como se estivéssemos olhando pelo buraco de uma fechadura.
Her Love Boils
Bathwater
A mãe compreende até o que os filhos
não dizem. Chega do Japão um dos filmes mais sensíveis e emocionantes da
temporada, uma mescla de comédia delicada com drama intenso que entra em nossos
corações como uma flecha recheada de sentimentos bons. Her Love Boils
Bathwater, ou no original, Yu wo wakasuhodo no atsui ai, é o indicado
ao Oscar do Japão para a próxima cerimônia do Oscar e possui boas chances de
conseguir uma vaguinha na lista final. Escrito e dirigido pelo cineasta Ryôta
Nakano o filme apresenta a jornada de uma inesquecível personagem em busca do
preenchimento de lacunas esquecidas em seu passado depois que descobre uma
terrível doença. A sensibilidade que o filme preenche suas emoções é algo raro
e transforma esse trabalho em um dos mais bonitos desses últimos meses.
Na trama, conhecemos a super querida
Futaba (Rie Miyazawa, em uma atuação absolutamente fantástica) que mora sozinha
com sua filha Azumi em uma casa humilde no delicioso Japão. Certo dia, Futaba
descobre que tem uma doença terminal e quase paralelamente descobre onde seu
ex-marido, que a abandonara, está morando. Vendo que precisa ter o ex-marido
por perto, deixa ele voltar para a sua vida, sendo que o mesmo traz junto uma
outra criança fruto de um caso que ele teve. Assim, os quatro embarcarão em uma
jornada repleta de segredos para ajudar Futuba a realizar seus últimos desejos
em vida.
O roteiro possui uma sensibilidade
gigante. O primeiro arco, meio morno, na verdade é a construção inicial com
inserções de detalhes que serão descobertos apenas com o passar do pouco mais
de duas horas de projeção. Após a descoberta da terrível doença, Futaba começa
a abrir seus segredos mais escondidos e o filme ganha contornos emocionantes
(preparem desde já os lenços). Impressiona a qualidade dessa história que além
de emocionar, tem um poder de surpreender o espectador.
O papel da mãe é algo abordado no
filme nas óticas dos coadjuvantes em relação a protagonista. Mãe de muitos,
mesmo sendo de poucos, Futaba é o reflexo de todo o amor que pode ter uma
família quando tem uma figura carinhosa, forte, corajosa, para combater e proteger
todos ao seu redor. A relação que a personagem principal tem com todos que a
preenchem com amor é algo grandioso, sublime. Transborda na tela as razões de
todo seu amor e o público se sente próximo a personagem em todo momento. A
inesquecível atuação de Rie Miyazawa ajuda a deixar essa personagem na
prateleira do imaginário cinéfilo como sendo um dos mais belos do cinema
oriental contemporâneo.
A Ghost Story
É muito mais difícil um fantasma não
existir do que matar uma realidade. Escrito e dirigido pelo cineasta norte
americano David Lowery, A Ghost Story é uma fábula engenhosa
sobre a solidão da perda. O forte tom de sua sinistra trilha sonora, junto a
planos longos (alguns angustiantes) transformam a atmosfera do filme em algo
realmente impactante. Protagonizado por Rooney Mara e Casey Affleck, o projeto
é bem complicado de se entender, longe do trivial, um quebra cabeça
melancólico, minimalista e porque não dizer um exercício interessante sobre o
abandono.
Na trama, conhecemos o casal C (Casey
Affleck) e M (Rooney Mara), jovens com o futuro todo pela frente que moram em
uma casa um pouco isolada, provavelmente no interior dos Estados Unidos. Certo
dia, C se envolve em um acidente automobilístico e acaba falecendo. Mas, o
inusitado acontece, C vira um fantasma e acaba retornando para sua casa onde
sua esposa passa por dificuldades emocionais tentando seguir em frente com sua
vida. Assim, o filme embarca em uma série de situações, sem comunicação (ou
quase isso) entre o casal onde as dores da tragédia são uma estrada ilimitada
de emoções.
Esquecer de tudo? As dores do
mundo? Não quero saber quem fui mas sim quem sou. Quando o tabuleiro
começa a se juntar, as peças nos mostram as verdades e surpresas do roteiro. A
questão do fantasma, ou algo do tipo, do inusitado, é um mero detalhe
coadjuvante. A lógica desse roteiro complexo gira em torno da questão do tempo
e suas passagens rápidas em algumas situações e demoradas em outras, mas com
pouca alteração do ambiente. Os protagonistas vivem um primeiro ato de
felicidade que logo acaba em tragédia, e, assim, começamos a enxergar dramas e
sofrimentos através de uma figura incomum que parece não conseguir se libertar
de sua situação.
Você se sente a todo instante
assistindo a um filme do Terrence Malick, principalmente por conta dos
contornos da trilha sonora e seu impacto no ritmo da trama. Essa mescla de
drama e fantasia, ou algo que une isso como gênero, é um dos pontos peculiares
e diferenciais desse projeto que tem tudo para dar o que falar. Aos que tem
pouca paciência, um tédio terrível pode chegar. Aos que conseguem se conectar
com a essência da trama, o lado emocional dos personagens, A Ghost
Story pode ser um filme para se ver e rever, além de refletirmos
muitos sobre as dores do mundo.
Contratiempo
Se o mundo girasse ao redor de você?
Como seria o mundo para as pessoas que o cercam? Explorando as ambições,
instintos e os limites do bom senso do ser humano, Contratiempo foi
lançado na plataforma netflix alguns meses atrás e aos poucos vem ganhando uma
notoriedade importante. Dirigido pelo cineasta espanhol Oriol Paulo (do
ótimo El Cuerpo) o longa metragem é um daqueles suspenses
arrepiantes que a cada ato entrega mais peças para o tabuleiro instalado em
nossas mentes nos levando a uma jornada intensa de 106 minutos rumo as verdades
dentre muitas mentiras.
Na trama, acompanhamos Adrián Doria
(Mario Casas), um jovem homem de negócios que está na crista da onda profissionalmente
falando. Já em sua vida pessoal, há várias contradições. Acusado recentemente
de matar sua amante Laura (Bárbara Lennie), em um episódio que ele jura que não
é como todos estão pensando, ele tem a decisão dos rumos de sua vida quando
chega para entrevistá-lo uma das grandes advogadas de defesa da Espanha.
Durante as próximas horas, muitas idas e vindas nas versões do crime cometido
são detalhados e uma outra importante subtrama é jogada a limpa na mesa. Certo
dia, após passar algumas horas com sua amante em uma casa isolada em uma região
distante, acaba se envolvendo em um acidente de carro culminando fatalidade
para um outro jovem que estava no outro carro. Assim, aos poucos vamos
descobrindo e desmascarando a verdade que é chocante.
Nesse espetacular suspense,
tudo funciona cirurgicamente rumo a um final arrebatador. Começa com um
primeiro ato intrigante, onde descobrimos as primeiras versões do assassinato
cometido, mas obviamente deixando várias lacunas em branco. As subtramas são
apresentadas cercadas de muito mistério, principalmente a entrada dos pais do
jovem envolvido no acidente de carro. Tudo é cercado de mentiras camufladas de
verdades. A relação do protagonista com sua amante e todas as reviravoltas que
passam juntos é angustiante, somos testemunhas da ótica dos dois personagens em
relação aos acontecimentos, a parte de Laura detalhada pelas suposições da
advogada colocada para ajudar Adrián.
É muito difícil saber onde está a
mentira entre tantos argumentos fortes. Até as verdadeiras facetas de alguns
personagens serem reveladas vamos somando uma série de peças para tentar chegar
ao que de fato aconteceu. O engraçado e de criatividade sensacional é que uma
grande reviravolta acontece já no desfecho deixando parte da trama ainda em aberto
mas que nem importante mais pois um mistério maior ainda é revelado aos nossos
olhos e nos deixam simplesmente pasmos por essa revelação.
Contratiempo é um dos melhores
suspenses do ano, sem dúvidas. Reúne grandes atuações, um roteiro magnífico e
uma direção detalhista. Nem tudo é o que parece nessa arrepiante história. Não
percam, disponível na netflix.
The King (Deoking)
Quem abre o coração à ambição,
fecha-o à tranquilidade. Depois de um hiato de quatro anos depois de seu último
longa-metragem Gwansang (2013), o cineasta sul coreano Jae-rim Han volta as
telonas com um filme explosivo que abre feridas bastante expostas sobre a
corrupção no submundo jurídico/político de uma Seul repleta de polêmicas e
grandes trocas no poder. The King (Deoking) é um daqueles
filmes onde a adrenalina toma conta de várias sequências, aproximando o
espectador de subtramas repleta de gângsters, chantagens e muita ambição. O
filme, que estreou no oriente em janeiro desse ano, ainda não tem data para
desembarcar em nosso país.
Na trama, conhecemos, em um primeiro
momento mais jovem, o brigão e relaxado Park Tae-su (interpretado pelo ótimo
ator In-sung Jo), nascido na periferia da capital coreana, de família pobre,
sendo criado por um pai trambiqueiro e que sempre arruma uma confusão. Estamos na
década de 80 e aos poucos, via imprensa e por testemunhar seu pai desesperado
implorando para um, cresce um desejo no protagonista em ser um promotor de
justiça, cargo carregado de poder e influência em uma coreia recheado de casos
violentos e corrupção em todos os escalões do poder. Assim, de preguiçoso e
brigão, vira um estudioso intenso e consegue passar para a prestigiada
faculdade de Direito se tornando um promotor. Chegando na nova função, nada do
que sonhara (status, fama, dinheiro e poder) chega rapidamente e depois de
insistir em um caso de abuso de um professor com uma aluna, acaba recebendo a
chance de entrar para um grupo de promotores protegidos comandados por Han-Kang
Sik (Woo-sung Jung) que exalam poder, fortuna e o controle do poder jurídico
coreano. Vivendo agora do jeito que sonhou, acaba tendo também que sentir na
pele as consequências de um lado sujo de sua profissão.
Tudo funciona muito bem no filme. O
ritmo alucinante não deixa nem bebermos nosso refrigerante durante a sessão.
Dividido milimetricamente em arcos poderosos, repleto de cenas com tons de
humor dramático mesclando com dramas violentos, o filme conta em um pouco mais
de duas horas a história do seu protagonista em décadas e toda a corrupção que
a Coreia do Sul vive nesse tempo. O projeto não deixa de ser uma grande crítica
ao sistema coreano mas que também pode ser ampliado a uma crítica mundial do
setor. A troca de favores de pessoas influentes no campo jurídico/político, a
escolha a dedo dos casos, a ligação com bandidos de alta periculosidade, tudo
isso sabemos que acontece em muitas partes do mundo.
O filme tem méritos também por não
fugir das responsabilidades do protagonista, e impor consequências severas
pelos anos em que foi submisso a uma vida de riqueza de bens mas sem uma gota
de compaixão humana. A transformação do personagem chega em torno de vingança,
deixando o último arco com surpresas e cenas sensacionais, de tirar o
fôlego. The King (Deoking) , sem previsão de estreia no Brasil
(tomara que alguma distribuidora abra o olho para esse filmão) é um daqueles
filmes que podemos dizer ser um dos melhores trabalhos do ano.
Trapped
A luta pela sobrevivência é uma
questão de persistência. O drama camuflado de thriller Trapped (sem
tradução para o Brasil), dirigido Vikramaditya Motwane é uma daquelas histórias
inusitadas do cotidiano que acabam ganhando contornos épicos pelas lentes de um
bom diretor e um ator protagonista inspirado. O filme, basicamente, fala sobre
a sobrevivência, nossos instintos mais humanos e ainda provoca discussões no
campo religioso. Diretamente na Índia, esse belo trabalho deixará você com os
olhos grudados na tela e ainda imaginando teorias sobre seu final.
Na trama, conhecemos um jovem
trabalhador chamado Shaurya (Rajkummar Rao) que após criar coragem consegue se
declarar para uma outra jovem que trabalha em uma empresa com ele. Só que
tem um problema, a jovem está com data de casamento marcada com uma outra
pessoa (o famoso casamento arranjado). Para tentar continuar com seu grande
amor, o protagonista precisa encontrar um lugar para eles morarem em menos de
dois dias. Por circunstâncias do destino, consegue um apartamento no último
andar de um edifício em fase de espera do alvará para poder ser habitado. Na
primeira noite que se muda para lá, quando acorda, Shaurya deixa a porta da rua
bater com a chave do lado de fora. Totalmente sozinho, sem ter como sair do
apartamento e em um prédio desabitado, ele precisará de muita criatividade e
coragem para sobreviver.
O roteiro é cirúrgico. Define muito
bem seus arcos, deixando um grande espaço de clímax em seu miolo onde explora
as ideias criativas que surgem na cabeça do protagonista para sobreviver. Com
apenas uma garrafa de água, ele monta um engenhoso sistema de resgate da água
da chuva, faz um estilingue para tentar chamar a atenção dos vizinhos do
prédio, mesmo estando a dezenas de metros de altura, precisa definir se vai
contra sua religião ou sobrevive comendo um pombo. O filme não perde sua
angústia em nenhum instante e isso é algo excelente pois nos conectamos
rapidamente com o que acontece em cena tentando encontrar uma solução para o
protagonista. Aliado a tudo isso, uma atuação assombrosa do ator Rajkummar Rao,
praticamente sozinho em cena durante boa parte do filme, conquista a atenção do
público.
Não é possível entender porque tantos
poucos filmes indianos chegam no Brasil. Será falta de observação das
distribuidoras nacionais? O último filme indiano que entrou no circuito
exibidor que lembramos é o espetacular Lunchbox, lançado pela
Imovision anos atrás. Um mercado tão influente na indústria como o indiano, com
tantos cineastas excelentes, merece cada vez mais ter espaço por aqui. Pena que
a maioria dos nossos cinemas que ainda continuam muito norte americanizados.
Nocturama
Selecionado para alguns festivais
pelo mundo e absurdamente sem a mínima chance de ser exibido pelo circuito
exibidor brasileiro (talvez pela falta de faro de muitas distribuidoras),
exceto em um festival ou outro, o novo e impactante trabalho do excelente
cineasta francês Bertrand Bonello (L'Apollonide - Os Amores da Casa de
Tolerância), Nocturama, é uma trama cheia de reviravoltas que
expõe um confronto de ideias e a falta de limite que pessoas comuns podem ter.
O filme é uma grande crítica e expõe argumentos fortes que fala de maneira bem
efetiva sobre muitos dos conflitos que assombram países de todo o planeta.
Na trama, conhecemos jovens de
diversas etnias que se espalham por uma grande cidade francesa tramando alguma
coisa que é revelada aos poucos. Um pouco do cotidiano desses jovens, já no dia
da ação, mostram que são pessoas comuns que não geram nem tipo de alerta da
polícia. Com a chegada da noite, se reúnem em uma loja de roupas de vários
andares, onde é exposto um plano aterrorizante de diversos atentados em lugares
previamente estudados. Ao longo dessa noite, muitas questões serão abordadas e
o roteiro volta em algo parecido com flashbacks para explicar um pouco de como
eles chegaram até esse dia.
Fica claro, por diversos diálogos ao
longo das sequências, que os jovens não aguentam viver na sociedade onde vivem,
cada um com seu motivo. Isso gera um conflito interno muito grande, um jovem
segurança de um edifício com andares desativados, um casal de namorados que
tinham a vida toda pela frente, jovens com estruturas emocionais fortes outros
nem tanto. Cada um a sua maneira vai deixando de tentar viver a vida como ela é
e embarcam em um plano inconsequente. A ficha parece que só cai quando estão
confinados em uma loja no fim da noite, discussões e ações, além do conflito de
ideias, tomam conta dos diálogos e as incertezas e o medo apontam para todos
eles. Presos em seus próprios pensamentos, o não saber o que fazer dali
para frente é uma verdade que eles não conseguem esconder.
Bonello, que dirige e assina o
roteiro, mais uma vez volta às telonas com uma trama intrigante e corajosa que
expõe uma parte da sociedade em crise de consciência e totalmente inconsequente
que muitas vezes encontra refúgio no seu gritar em atitudes que impactam
negativamente ao todo levando o medo para outras pessoas. Nocturama é
um filme para ser visto, discutido e analisado. Uma aula de cinema desse
cineasta francês que possui trabalhos interessantes em sua vasta filmografia.
Bad Genius
Um dos filmes mais eletrizantes do
cinema asiático dos últimos anos e representante da Tailândia ao Oscar 2018 na
categoria Melhor Filme Estrangeiro, ‘Bad Genius’, dirigido pelo ótimo
cineasta Nattawut Poonpiriya, contorna as emoções de maneira
sublime para explicar uma história que envolve estudantes, as pressões pelas
provas que podem mudar uma vida e um outro lado que se descobre quando
determinadas portas de oportunidade se abrem. Tudo é muito bem encaixado no
excelente roteiro de assinado pelo diretor, Tanida Hantaweewatana e Vasudhorn
Piyaromna. Uma excelente surpresa e infelizmente ainda sem data de estreia
no circuito brasileiro de exibição.
Na trama, conhecemos a doce,
inteligente, concentrada e tímida Lynn (Chutimon Chuengcharoensukying)
uma estudante do ensino médio tailandês que consegue, depois de muito esforço
de seu pai (Thaneth Warakulnukroh), um professor de classe média baixa,
ingressar em uma famosa escola para terminar os seus estudos e conseguir uma
boa formação. Lynn é super dotada, tira notas altas e rapidamente vira bolsista
100% da escola. Em uma sessão de fotografias para livros da escola, conhece a
ingênua Grace (Eisaya Hosuwan), com quem logo começa uma amizade. Vendo
a dificuldade da amiga nos exames da escola, Lynn resolve ajudar em uma das
provas passando uma cola das respostas. Logo após esse episódio, Lynn encontra
Pat (Teeradon Supapunpinyo), um filhinho de papai rico que propõe a ela
um imenso plano onde a protagonista passaria as respostas das provas para um
grande número de alunos utilizando uma maneira criativa em troca de dinheiro de
todos eles. Com esse primeiro plano dando certo, Lyyn, Grace e Pat resolvem ir
além e burlar um dos exames mais difíceis do mundo que dá vagas em
universidades norte americanas. Só que para isso, precisarão contar com Bank
(Chanon Santinatornkul), um rejeitado bolsista, tão genial quanto Lynn. Assim,
o quarteto parte em busca do plano que pode mudar suas vidas para o bem ou para
o mal.
O longa tem mais de duas horas de
duração mas nem vemos passar o tempo. A adrenalina é absurdamente detalhista e
faz com que nós, meros espectadores, não tiremos os olhos desse complexo plano.
Para entender todas as ações do projeto, precisamos entender os porquês,
principalmente da protagonista. Lynn, é criada com todo esforço por seu pai,
não tem mãe. Tudo que conquistou veio da disciplina no estudo tendo pouco tempo
para amizades. Quando percebe as dificuldades do pai mais de perto para
sustentar os custos que possui isso inflama nela uma maneira de ajudar, aliando
a oportunidade na hora certa mesmo ela sabendo que a punição maior será de sua
consciência. Os detalhes e as angústias de Lynn durante todo o filme é muito
bem mostrada pelas lentes de Poonpiriya. Uma bela atuação de sua
intérprete, a jovem Chutimon Chuengcharoensukying.
Outra peça importante nesse tabuleiro
é Bank, talvez o personagem que mais apresenta transformações de caráter ao
longo do tempo. É nele que o plano corre o maior risco por conta de situações
que o levam a aceitar fazer parte dessa trama engenhosa. Do segundo arco em
diante, reviravoltas emocionantes acontecem no pré plano, na execução dele e no
pós plano, deixando o público surpreso em muitos momentos.
Bad Genius é um dos
fortes candidatos a conseguir estar entre os cinco finalistas ao prêmio de
Melhor filme estrangeiro da academia em 2018, um filme empolgante e com um
final pra lá de simbólico e surpreendente.
Loving
O casamento é o fim do romance e o
começo da história. Dirigido pelo excelente cineasta Jeff Nichols (dos
ótimos Midnight Special, Amor Bandido e O
Abrigo) Loving fala, além de qualquer outra coisa, de
maneira impactante, sobre o mais forte dos sentimentos humanos: o amor. O tom
do filme é algo lindo, gera metáforas fabulosas mas sempre com uma verdade
impressionante. A atuação dos protagonistas Ruth Negga e Joel Edgerton é algo
inesquecível, marcante. Exibido no último Festival de Cannes, o longa possui
alma e muita verdade também ao falar dos obstáculos que ambos precisam
enfrentar por conta de seu casamento, numa época de muito preconceito em boa
parte dos Estados Unidos.
Na trama, baseada em fatos reais e
ambientado no final da década de 50 no Estado da Virgínia nos Estados Unidos,
conhecemos o casal Mildred (Ruth Negga) e Richard (Joel Edgerton), dois
seres humanos apaixonados que resolvem oficializar seu amor se casando quase
que secretamente em uma cerimônia bem simples. Mas as autoridades do local onde
vivem começam a persegui-los, pois, por serem um homem branco e uma mulher
negra, naquela época o casamento entre eles, naquela cidade, era proibido.
Assim, enfrentando todo um preconceito de uma região, eles irão enfrentar a
todos sempre fortalecidos pelo maior de todos os sentimentos do mundo, o amor.
Produzido por dois grandes do cinema
da atualidade, o ator Colin Firth e o cineasta Martin Scorsese, Loving possui
personalidade própria principalmente por conta de sua narrativa deveras lenta
mas muito rica em detalhes e expressões. Jeff Nichols é um mestre em captar
sentimentos e detalhes de contextos dramáticos e/ou situações complexas. Mas
nesse filme seu principal papel foi dar o toque de genialidade em suas lentes
para as impressionantes atuações dos protagonistas. O Richard de Joel Edgerton
é comovente, com seu jeitão duro e ao mesmo tempo seu amoroso coração deixam o
público impressionado com tanta empatia. A Mildred de Ruth Negga é forte,
repleta de esperanças que busca todo seu refúgio nos braços do seu adorável
marido. Loving entrega ao espectador uma das duas melhores atuações do ano e
que deve ser lembrada na próximas lista do Oscar.
Loving ainda não tem previsão para desembarcar por aqui em
nosso país. É uma linda história de amor, com grandes atuações, uma
direção primorosa que fala com toda a verdade sobre a luta contra um
preconceito absurdo que existia (e infelizmente ainda existe) em alguns cantos
do planeta.