Amores platônicos, obsessões, amizade entre um inusitado ser vivo e um homem em caos emocional, uma jovem em busca de justiça contra o abuso masculino, um caótico restaurante que vira palco de sangrentos diálogos, uma jovem e seu estudo sobre o suicídio, um homem em meio a suas memórias e perdendo a noção da realidade, uma mulher que encontra o seu lugar pleno de felicidade roubando bancos e muitas outras histórias nos chegam nessa parte dois do nosso especial contínuo 10 Filmes para você que gosta de Psicologia para analisar o ser humano e seus caminhos rumo a um entendimento (ou não) sobre o viver.
Abaixo a lista dessa segunda parte, com filmes da França,
EUA, África do Sul, Alemanha, Brasil, Espanha.
Professor Polvo
Tudo na vida tem começo, meio e fim. Um homem e seus
conflitos em certa etapa da vida, consumido pelo stress de um cotidiano caótico
em não encontrar um oásis dentro das obrigações que se amontoam em sua vida. Durante
mais de 200 dias na África do Sul, resolve interagir todo esse tempo com um
polvo e assim acaba embarcando em uma série de descobertas sobre como vive esse
molusco de oito tentáculos e que possui uma série de ventanas. Uma narrativa
detalhista, emocionante, que mexe com nossos campos reflexivos nos paralelos
que encontramos entre as leis da vida de um polvo e nós que estamos fora da
água. Professor Polvo, produzido
pela Netflix, está concorrendo ao Oscar de Melhor Documentário em 2021.
Hipnotizante, inspirador. Uma história que pode parecer
quando a gente lê a sinopse meio sem sentido, começa a mostrar porque é tão
profunda quando começamos a entender as mudanças na maneira de pensar do
mergulhador que se sente outro planeta debaixo da água. Acaba criando uma inusitada
amizade com o polvo, esse que possui uma capacidade surpreendente e criativa de
enganar seus inúmeros predadores. Ricas imagens preenchem a tela a todo
instante, é como se estivéssemos dentro daquele pedacinho do oceano acompanhando
de perto toda essa saga sem objetivo específico mas sempre surpreendente.
A parte onde descobrimos a força de vontade de se
reconstruir é um clássico exemplo da vida, onde milhões espalhados pelo mundo
precisam diariamente buscar suas chances de uma confortável trajetória em uma
concorrência muitas vezes desleal mas mesmo assim, a maioria de nós, consegue de
alguma forma (ou faz de tudo) sobreviver. Há mais paralelos: o sacrifício, a
felicidade, as dificuldades, os obstáculos, nada de novo mas sempre com o olhar
do inacreditável pelas intensas imagens que conseguimos acompanhar.
História de amizade, leis da vida, paralelos com os
cotidianos espalhados por aí. Um dos grandes documentários dos últimos anos,
despretensioso mas que consegue emocionar até os corações mais distantes de
emoções.
Meu Pai
Como superar o
que para você mesmo é insuperável? Indicado a seis Oscars em 2021, Meu Pai, é uma espécie de um jogo de suposições dentro
de um labirinto de situações. Um vai e vem emocional constante, do êxtase à
amargura. Um engenheiro aposentado cheio de manias, apreciador de ópera, dentro
de um apartamento em Londres com um quebra-cabeça para resolver, um jogo de um
jogador apenas, mesmo com personagens surgindo a todo instante, passa seus
dias, de alguma forma, bastante solitário. Nossos olhos são Anthony, vamos
descobrindo onde cada peça se encaixa junto com ele. Um roteiro primoroso onde não
conseguimos tirar os olhos da tela. Magistral atuação de Anthony Hopkins. Roteiro e direção assinados pelo
cineasta francês Florian Zeller, seu primeiro
longa-metragem como diretor.
Na trama, conhecemos Anthony (Anthony Hopkins), um
homem já no terço final de sua vida, perto dos 80 anos, que vive seus dias em
um apartamento confortável em Londres onde recebe a visita constante de sua
filha Anne (Olivia Colman). Quando essa última conta para ele que
está indo morar em Paris, situações diferentes começam a aparecer nos seus
dias, até mesmo personagens diferentes mas que significam algo ao redor da vida
dele, e assim conflitos familiares são trazidos à tona. Alucinações?
Lembranças? Quais peças não estão lugar?
Guiado por uma trilha sonora bastante incisiva (assinada pelo compositor
e pianista italiano Ludovico Einaudi), o
filme é a constatação do tempo em poucos momentos no sofrido acesso às memórias
de um homem que nunca conseguiu se desvencilhar dos traumas de sua vida,
principalmente uma tragédia com uma de suas filhas. Lutando contra a própria
mente, buscando ao equilíbrio entre a razão e emoção para entender tudo que
projeta com vida nesse momento, Anthony embarca em uma viagem com objetivo de
desatar algumas amarras de consternação das lembranças de sua alma detalhista.
Paranoico? Medo de ficar sozinho? Aos poucos, junto com o inesquecível
personagem, vamos percebendo que algumas coisas não fazem um certo sentido, há
muitas coisas estranhas acontecendo ao seu redor, o que faz a passos largos caminhá-lo
para um ato final angustiante. Vale novamente destacar a maestria de um ator
que possui um domínio impressionante de seu espaço cênico, o inesquecível Anthony Hopkins em uma de suas melhores
performances na carreira.
Palm Springs
Uma grande e
ilimitada sessão de terapia. Indicado a dois globos de ouro nesse ano, Palm Springs, dirigido pelo cineasta Max Barbakow e com roteiro assinado por Andy Siara, é uma comédia disfarçada, há um abalo
emocional reflexivo para os personagens em constante loop. Melancólico até
certo ponto, caminha nessa linha que flerta com o desesperante só que de
maneira inteligente, com questões da ciência envolvida pela física, e com
carismáticos personagens. A dupla Andy Samberg e Cristin Milioti mostra grande sintonia em cena.
Grata surpresa.
Na trama, conhecemos Nyles (Andy Samberg) um
convidado distante de uma festa de casamento em um lugar isolado que após
entrar em uma caverna misteriosa, durante o casamento, acaba acordando no mesmo
dia do casamento infinitamente. O filme começa já com ele desiludido e meio que
desistindo de tentar algo pra mudar isso, mas tudo muda quando num desses
cenários repetitivos ele acaba puxando Sarah (Cristin Milioti), a
irmã da noiva, para o mesmo loop.
Aceitar o fato? Procurar sentido nas coisas? Há um choque entre os
sentimentos dos dois personagens, muito porque Nyles já está acomodado naquela
situação faz bastante tempo e Sarah, por conta de uma situação que vendo o
filme vocês saberão, quer correr desse loop o mais rápido possível, lutando
bravamente contra esse ‘poder’ inusitado. O interessante é que o ponto de
interseção acaba sendo dois, dependendo do ponto de vista: a eterna arte de
fugir da solidão e um intenso amor que surge entre os dois. Acompanhando o
filme de qualquer uma dessas óticas, você vai se divertir.
O que você faria se pudesse fazer o que quiser sem consequências, pois,
o dia seguinte seria o mesmo que hoje? Uma premissa maravilhosa para mentes
criativas e Siara consegue com suas linhas de roteiro nos fazer rir, refletir
sobre a vida e torcer constantemente para os personagens encontrem uma saída
mas sem esquecer de um duelo quase vital nesse jogo do loop que se torna a
batalha da ética interpessoal misturada com a índole, isso, contra a
inconsequência.
Banklady
Quando a
adrenalina e o prazer acionam um gatilho em forma de transtorno de
personalidade. Dirigido pelo cineasta alemão Christian Alvart,
em Banklady voltamos para meados da década de 60, em
Hamburgo na Alemanha onde uma mulher trabalhadora dentro de uma rotina monótona
vira a primeira mulher assaltante de banco da Alemanha. O filme tem vários
caminhos interessantes, desde a conturbada linha do bandido carismático, o foco
da mídia, até uma psicologia complicada, desiludida no amor. A protagonista,
interpretada pela ótima atriz Nadeshda Brennicke,
parece viver em outro compasso do que a realidade que a cerca.
Interessantíssimo filme alemão.
Na trama, conhecemos Gisela Werler (Nadeshda Brennicke),
uma batalhadora que trabalha em uma fábrica de impressão e vive, além de
sustentar, os pais já bem idosos. Sem propósitos na vida, vivendo uma solidão
evidente desencontrada com seus sonhos de ser popular, ou mesmo, ter a mesma
vida das modelos de revistas que sempre observa, a protagonista conhece Hermann
(Charly Hübner), um ladrão de bancos que após algumas
situações resolve desafiar Gisela para um assalto a banco. A partir desse
ponto, a vida de Gisela muda e ela se torna impulsiva e imprevisível. Dentro de
um universo machista, acaba sendo elemento surpresa durante um bom tempo.
Quando se impor as inconsequências que chegam em nossos caminhos? A
transformação da personagem principal é algo bem notório. Quando vira uma
assumida ladra de bancos, divide seu tempo em manter um emprego que já não
precisa mais, entrar em conflito com os sentimentos que nutre quase
obsessivamente por Hermann e planos cada vez mais audaciosos no seu rentável
trabalho criminoso. Além disso, muda a atitude, ganha ares de preocupação com a
vaidade principalmente quando percebemos que seus troféus são capas das revistas,
quando vira quase uma figura carismática na mídia fervorosa da época.
O filme é dividido em arcos explosivos, tensos com um quê de insensatez
psicológica. A chegada da investigação policial quando os crimes se tornam
assuntos nacionais fazem o confuso e inexperiente Kommissar Fischer (Ken Duken), responsável pela investigação dos bancos
roubados, um grande achado para o roteiro.
Quais os limites da razão e da emoção? Passando por cima dessa pergunta,
a protagonista tem sonhos simples com obsessões sendo nutridas dentro dos seus
diários choques com o perigoso jogo que sustenta seu ego.
Loucura de Amor
A difícil
ponte entre os clichês e as inúmeras formas de emocionar o espectador. Simples,
objetivo, dinâmico, aventureiro, curioso, amoroso, emocionante. Uma série de
adjetivos saltam em nossas mentes logo na abre alas eletrizante, antes mesmo
dos créditos, dessa pequena joia divertida espanhola, disponível no catálogo da
maior dos streamings, Loucura de Amor.
Contando a saga de um homem em busca das descobertas, às vezes hipócritas e
desencontradas, para definir o amor acaba se vendo em uma jornada rumo às
profundidades desse sentimento, aliado a isso noções quase que educativas sobre
a arte de nunca pré julgar a ‘loucura’ alheia. Dirigido por Dani de la Orden com roteiro assinado por Natalia Durán e Eric Navarro.
Na trama, conhecemos Adri (Álvaro Cervantes),
um jornalista que trabalha em uma revista badalada escreve sobre os mais
diversos e muitas vezes polêmicos temas. Certa noite, saindo com dois
inseparáveis amigos e acaba conhecendo Carla (Susana Abaitua) da
maneira mais inusitada possível e ambos resolvem curtir aquela noite sem
compromisso e depois não se verem mais. A questão é que a tal noite é intensa e
inesquecível, deixando Adri desesperado nos dias seguintes atrás daquela mulher
que acabara de mudar sua maneira de enxergar o mundo. Ele acaba a achando, e
descobre que Carla é paciente em uma clínica psiquiátrica. Assim, o
protagonista precisará bolar um plano bem fora do comum para tentar passar mais
alguns dias perto do amor de sua vida.
No fundo dos meus olhos, pra dentro da memória te levei. O amor é um dos
pilares desse despretensioso filme, lançado sem alarde. Pisando sem medo em
diversos clichês, o longa-metragem consegue se enrolar (no bom sentido) em uma
fórmula carismática de nos convencer no seu arco principal e nos encher com
quebras de paradigmas sociais (dentro de discursos super simples),
principalmente a questão sobre a ‘loucura’. Há tempo também para lindos arcos
sobre amizade e carinho ao próximo. As emoções e sentimentos são tratados de
forma leve e que nos da muita vontade de assistir cada vez mais o desenrolar
dessa fábula sobre os incompreensíveis caminho para se chegar ao tão sonhado
estado de amor.
O Animal Cordial
O recorte
impactante do psicológico em contraponto à normalidade. Um cenário, personagens
intrigantes, violência e doses consideradas de descontrole comandam o
clima de O Animal Cordial, longa-metragem lançado anos atrás
no circuito brasileiro que consegue impactar e nos chocar através das linhas de
seu poderoso roteiro. Escrito e dirigido pela cineasta Gabriela Amaral Almeida, o filme, bastante sangrento, é
uma caixinha de surpresas que flerta com um efeito parecido que um plot twist
pode conseguir.
Na trama, conhecemos Inácio (Murilo Benício), o
dono de um restaurante que está prestes a encerrar mais um dia de trabalho ao
lado de seus funcionários, principalmente o cozinheiro chefe Djair (Irandhir Santos) e a faz tudo Sara (Luciana Paes), além de um cliente jantando sozinho, o
ex-policial Amadeu (Ernani Moraes) e em seguida chega o
casal Veronica (Camila Morgado) e Bruno (Jiddu Pinheiro). Em certo momento da noite, uma dupla
de assaltantes invade o local fazendo todos os personagens citados acima de
refém. Só que a noite reserva muitas surpresas e somos testemunhas de algumas
inversões sobre quem está realmente no comando das ações.
Uma equação sobre as hipocrisias da vida passada a limpo caminhando na
linha do controle sobre o descontrole transforma o longa em uma imprevisível
sequência onde ninguém é herói de nada mas há vilões por todas as partes. O
roteiro é muito inteligente, transforma o espectador em testemunha, como se
estivéssemos sentados em uma das mesas observando o desenrolar dos fatos. Não é
moldada uma teia de mentiras para serem decifradas e sim um espinhoso caminho
rumo à psiquê humana com traços de guerras entre classes. Gabriela Amaral Almeida é um nome para anotarmos
em nossas agendas e sempre assistirmos aos próximos filmes dela.
Eu me Importo
A linha reta e obsessiva do
inescrupuloso egoísmo em uma sociedade cheia de brechas. Caminhando na tênue
linha do non-sense, Eu me Importo é
profundo em uma crítica social constante sobre os valores do ser humano e as
brechas da lei dentro das ações de uma sociopatia escancarada de uma mulher
malévola. Acoplado a isso, subtramas desinteressantes e personagens distantes deixam
na superfície os porquês, fatores importantes para entendermos fatos e ações.
Em seu terceiro longa-metragem como diretor, o cineasta J Blakeson (que também assina o roteiro)
busca na sua forte personagem o pilar para contar sua história. O filme, disponível
na Netflix, foi indicado ao Globo de Ouro 2021 na
categoria Melhor Atriz em filme Musical ou Comédia pela interpretação da ótima
atriz britânica Rosamund Pike.
Na trama,
conhecemos Marla Grayson (Rosamund Pike), uma
mulher de forte personalidade que achou uma mina de ouro em um negócio (nada
ético) bastante rentável de guardiã de legal de pessoas idosas que não
conseguem mais tomar atitudes. Com esquemas com uma médica, casas de saúde para
idosos e enrolando juízes, ao lado de sua parceira de vida e sócia Fran (Eiza González) estão sempre planejando o próximo golpe.
Um dia aparece a ficha de Jennifer Peterson (Dianne Wiest) e
assim Marla rapidamente vira sua guardiã legal. Só que dessa vez, o alvo tem
muito mais segredos do que aparenta e trará graves problemas para Marla e seus
integrantes do esquema.
Podemos
dividir o projeto em duas avenidas: a das críticas em relação a tudo que
envolve esse esquema desleal e a da vida pessoal e com pouca relevância de
alguns dos personagens. O longa-metragem tem ritmo por mais que pareça sempre
como faltando alguma peça do quebra-cabeça. A inversão dos valores sociais (ou
algo parecido com isso) é um contraponto interessante e faz refletir, nessa
terra sem lei onde tudo é egoísmo, Marla é mais vilã do que um gângster que
mexe com tráfico de pessoas?
A sociopatia
da personagem é muito bem definida e constante, fruto de um bom trabalho da
ótima Rosamund Pike. Pena que o relacionamento com Fran é
pouco explorado, a coadjuvante vira uma peça inconstante dentro de um roteiro
que possui falhas mas busca na sua protagonista o brilhantismo do todo. Dianne Wiest, por exemplo, passa quase desapercebida,
uma pena. Mas é você leitor quem precisa tirar suas próprias conclusões, o
filme está disponível no mais famoso serviço de streaming disponível no
Brasil.
Promising Young Woman
Os traumas que
nunca saem de nossas mentes e mudam radicalmente uma trajetória. Selecionado
para dezenas de festivais e muito cotado para algumas categorias do Oscar 2021,
escrito e dirigido pela cineasta e atriz britânica Emerald Fennell (em seu primeiro longa-metragem
atrás das câmeras), Promising Young Woman é
pulsante, intenso, usa do impactante, do sarcasmo, para criar um raio-x
profundo para quem ainda tem dúvidas sobre o assédio, o machismo que acontece
muito por aí. Mostrando o caminhar de alguns em cima da linha tênue do
‘benefício da dúvida ou acreditar em quem diz ser vítima?’ O projeto conta com
uma atuação marcante da excelente atriz britânica Carey Mulligan.
Na trama, conhecemos a ex-estudante de medicina Cassie (Carey Mulligan) que mora com os pais em uma confortável
casa. Ela trabalha em um café da cidade e passa suas noites indo a boates e
points de pegação onde se finge de bêbada para dar lições em homens que dão em
cima dela nesse estado. Há algum trauma, um gatilho para fazer o que faz e
vamos entendendo melhor os seus porquês principalmente quando sabemos do
suicídio de uma grande amiga nos tempos de faculdade. Mas tudo muda com a
chegada novamente em sua vida de Ryan (Bo Burnham), um
cirurgião pediatra que estou tempos atrás com ela.
Promising
Young Woman é o
caminho conturbado de uma protagonista, brilhante nos tempos de faculdade, que
após o assédio e exposição de uma grande amiga resolve abandonar tudo e viver
uma vida em busca de vingança contra o machismo descarado mesmo que isso a faça
viver situações constrangedoras e perigosas. Sua única saída é a vingança e ela
chega de maneira como se estivesse em um túnel onde é impossível enxergar o fim
dele. O projeto não deixa de ser uma análise profunda sobre a sociedade que
vivemos. As conturbações psicológicas da protagonista, na verdade, podemos
enxergar também como uma série de gritos de indignação com as ‘absolvições’ de
quem merece a punição.
Nos tempos atuais onde a luta contra o assédio se torna cada vez mais
importante e dominante em diversos segmentos empresariais e da sociedade como
um todo, o papel da arte em mostrar espelhos da sociedade é fundamental para
consolidar esse pilar. Ótimo filme.
O Porco Espinho
Toda família
feliz é igual mas toda família infeliz é única. Escrito e dirigido pela
cineasta francesa Mona Achache, com
roteiro baseado na obra A Elegância do Ouriço de Muriel Barbery, O Porco Espinho,
lançado no ano de 2009, é um belíssimo filme que usa de diversos contrapontos
para nos fazer enxergar todo um contexto sob a ótica de duas solitárias (cada
uma à sua maneira): uma jovem super esperta que está decidida a se matar e uma
solitária zeladora leitora assídua. Diálogos sobre livros, questões
existenciais, cotidiano estressante, impossível não abrir um sorriso e também
não ficar com o coração apertado após assistir a esse belo trabalho que diz
muito sobre amizade e esperança.
Na trama, conhecemos Paloma (Garance Le Guillermic),
uma jovem inteligente, muito à frente do seu tempo, que está decidida a se
matar por não mais conseguir aturar sua vida e se sentir deslocada em uma
família egoísta, rica e distantes entre si. Mas no prédio que ela mora, não é a
única que se sente solitária. Reneé (Josiane Balasko) é a
zeladora do prédio e precisa aturar todo tipo de situação no seu dia a dia.
Amante dos livros, conversa com os poucos amigos que tem. A chegada de um novo
vizinho, Sr. Ozu (Togo Igawa), acaba mexendo com a
vida não só de Paloma mas também com a de Reneé, criando inclusive uma amizade
entre as duas.
Uma rigidez no pensar e a infelicidade no contraponto. Há duas
protagonistas nessa história, o que torna essa jornada ainda mais interessante.
Paloma é inteligente, estuda japonês e ama cinema. Com sua câmera portátil,
filme situações ao seu redor e toda sua família, além dos moradores do prédio
onde mora. Está envolvida de alguma forma no pensar da parábola do aquário,
onde se sente limitada, sem saída em muitos momentos. Os desabafos dela são
feitos virados para sua câmera, uma espécie de consulta a um psicólogo. Já Reneé
impõe no seu lindo pensar limitações por conta de sua classe social e medos,
principalmente com a chegada do novo vizinho que mexe muito com sua vida.
Quando Paloma e Reneé se aproximam, conseguimos sentir a força da solidão das
duas mas também que quando estão conversando a alegria e riso fácil as
acompanham. Uma faz a outra ver algum lado bom da vida.
A vida e a morte, a eterna desconfiança sobre o destino. Há uma solidão
evidente por trás do conhecimento mas quando esses se aproximam, tudo começa a
fazer mais sentido. O Porco Espinho,
filme que deveria ser visto por psicólogos e estudantes, é um fábula urbana
muito interessante sobre a roda gigante de emoções que é viver.
Undine
O enigmático
mundo entre o que pensamos e como sentimos. Exibido no Festival de Berlim, onde
inclusive ganhou o prêmio da crítica (FIPRESCI) e ainda levou o concorrido Urso
de Prata de Melhor Atriz, Undine possui
um engenhoso roteiro que nos leva a um profundo drama, obsessões, palavras ao
vento, perda, como o ser humano reage em momentos difíceis. Escrito e dirigido
pelo cineasta Christian Petzold (um dos bons
nomes na direção quando pensamos em cinema europeu, com ótimos trabalhos
recentes) o projeto nos leva a uma jornada de conhecimento de uma personagem
forte e muito complexa que possui um modo de pensar confuso, altera realidade
com imaginação como se estivesse perdida dentro das interseções dos seus
intensos relacionamentos e sentimentos. Cheio de simbolismos, o roteiro brinca
com o espectador a todo instante.
Na trama, conhecemos Undine (Paula Beer), uma
historiadora, que está à beira de uma certa loucura, discutindo sobre o
iminente término de relacionamento com o namorado Johannes (Jacob Matschenz) que a traiu recentemente. Mas, por
coincidência do destino, no mesmo dia que termina o relacionamento, encontra
com o mergulhador industrial Christoph (Franz Rogowski) e
logo surge uma paixão intensa entre os dois. Com o passar do tempo, idas e
vindas de trem (a distância que separam os dois pombinhos), Undine encontra
Johannes certo dia e esse momento poderá mudar pra sempre o provável final
feliz dessa história.
Nos guiamos pelas ações de Undine a todo instante. Historiadora,
obsessiva, uma solidão com a estranheza de não entender muito bem certas
situações ao seu redor, muitas vezes introspectiva, vivendo uma fuga atrás da
outra dentro de uma lógica fora da realidade. Uma alma carente que não sabe se
definir fora de um relacionamento. Personagem extremamente complexa, um grande
desafio para a competente atriz alemã Paula Beer.
O interessante e porque não dizer bastante original roteiro não fala
somente sobre a complexidade psicologia por trás da sua protagonista, há espaço
também para recebemos uma grande aula sobre Berlim e parte da história alemã
através dos estudados momentos de palestras que a personagem ministra a muitos
visitantes de um ponto turístico de Berlim. Há um vão entre a relação desses
momentos com a maneira de pensar de Undine mas nada que atrapalhe o bom filme
que se apresenta.