A crença das tradições e o confronto com a realidade. Abordando várias questões femininas por meio de duas irmãs oprimidas pelo machismo de todo um entorno onde vivem, sem esquecer de alcançar novas possibilidades através das tradições e fantasia, a cineasta chilena Laura Donoso apresenta um filme objetivo que consegue chegar em várias camadas de reflexões. Em 77 minutos de projeção, com o místico encontrando a fantasia num certo momento, Sariri é um filme que atravessa qualquer melodrama com a rigidez de um forte discurso.
Na trama, num povoado isolado chamado La Lágrima, em uma
casa simples, moram duas irmãs de idades diferentes, a mais velha Dina (Catalina Rios) e a mais nova Sariri (Martina Gonzalez). Muito próximas, as
irmãs tem sonhos e dúvidas sobre o futuro por viverem num lugar dominado pelas
ações opressoras dos homens da região. Certo dia, após uma gravidez indesejada,
Dina resolve planejar uma fuga e entra num dilema para saber o que fazer com a
irmã. Ao mesmo tempo que essa última precisa enfrentar um desafio.
Há uma personificação do estado de espírito que caminha
muito bem de forma complementar à narrativa. A mãe representa o passivo em meio
a uma bolha machista, Dina os sonhos interrompidos mas não esquecidos, e a
personagem título a esperança. Pelo olhar das duas irmãs a história vai se
moldando através de ações e descobertas através de uma constante busca por
mudanças, na constatação da infelicidade. Nesse ponto o protagonismo de Dina já
se mostra evidente mas sendo Sariri o fator chave dos dilemas.
Buscando um enriquecimento na exploração das infinidades da
linguagem, o roteiro mergulha no misticismo, nas crenças, para conversar com as
tradições. Essa composição é muito bem elaborada, se torna interessante dentro
do contexto de forte presença da razão emocional. Quando sai do campo da
realidade e encontra elementos de fantasia, a narrativa se arrasta para o campo
interpretativo para se chegar aos dilemas. Esse pode ser o divisor de águas
para parte do público, é preciso embarcar nas importantes e reflexivas
mensagens contidas.
Selecionado para a Mostra Território do CineBH 2024, Sariri também elabora a solidão de
várias formas, seja na razão de existência, seja no palco onde se desenrola
esse drama que costura os lapsos de esperança com a dor da opressão. Tomara que
esse filme algum dia chegue no circuito brasileiro.