21/04/2014

Crítica do filme: 'Pelo Malo'



“Eu não te amo.” “Eu também tão pouco.” Ouvir esse pequeno diálogo já causaria certo espanto de qualquer pessoa que preza pelo carinho, pelo amor. Saber que isso é fruto de uma discussão entre uma mãe e seu filho causa espanto, causa dor. Vem da Venezuela um dos filmes mais impactantes dos últimos tempos quando pensamos em relações familiares, Pelo Malo.  Dirigido pela cineasta Mariana Rondón, o longa-metragem venezuelano é uma excursão rumo ao mundo dos sonhos daqueles que possuem uma realidade dura, cheia de preconceitos. Nesse caso, o sonhar é viver.

Na trama conhecemos Junior e Marta, filho e mãe que nunca se entenderam. Junior tem nove anos e acha que tem cabelo ruim, e por isso quer alisá-lo para sua foto no álbum de formatura principalmente para ficar parecido com um cantor famoso. O problema é que isso gera mais conflitos com sua mãe, uma mulher sofrida que sofre por angústias e atos do passado. Quanto mais Junior tenta melhorar o visual pelo amor da mãe mais ela o rejeita. Até que a criança é  forçada a tomar uma decisão extremamente dolorosa.

Olhando da sacada do conjunto habitacional onde mora, Junior observa os vizinhos, brinca com sua realidade e sonha. O jovem tem um inusitado desejo de se tornar um cantor de músicas dançantes e de cabelo liso. Seus lapsos de alegria ocorrem quando encontra sua vizinha e quando visita sua avó: alisando o cabelo, cantando e dançando ao melhor estilo Simonal.  O olhar do menino para sua mãe é um olhar de medo, apreensão, em busca sempre de qualquer tipo de aprovação.

A mãe é uma figura importante na trama. Desiludida com a vida que leva, recém-desempregada, viúva, parece muitas vezes descontar todas suas angústias em seu filho mais velho. Ela possui um grande preconceito para com esse filho (pensa que o menino tem tendências homossexuais), e ao mesmo tempo que tenta combater esse sentimento, se sente culpada por não poder ser uma figura materna mais presente na vida dele. A atriz Samantha Castillo está espetacular neste papel, passa uma frieza absurda e deixa o público com o sentimento dividido de raiva e pena.

Andando pelas tumultuadas ruas de Caracas, mãe e filho tentam buscar uma solução para essa relação tão instável. A morte de um sonho, dá um ponto final emblemático e chocante a essa história, deixando apenas os créditos finais dizerem, com uma espécie de final alternativo, o quanto crua e fria pode ser uma relação entre mãe e filho.
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Crítica do filme: 'Getúlio'



Será que o Golpe de 64 poderia ter sido dado em 54? O novo trabalho do diretor brasileiro João Jardim, que dirigiu o ótimo Amor?, é uma viagem histórica até a década de 50, onde uma figura taxada por muitos como ditador, enfrentava seus últimos minutos de vida defendendo com unhas e dentes suas ideias, seus ideais. Getúlio (que teve a maioria de suas locações no palácio do Catete, onde o presidente residiu e comandou o país) entre muitas coisas, mostra que temos um dos melhores diretores de fotografia do mundo (Walter Carvalho) e um dos grandes atores em atividade, Tony Ramos.

Na trama, acompanhamos os últimos dias de governo do ex-presidente Getúlio Vargas, tumultuados por grades acusações de corrupção e uma tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda (seu grande inimigo político) pelo chefe de segurança presidencial Gregório Fortunato. Nesse furacão de informações, surpresas e dificuldades, o espectador faz uma verdadeira jornada pelos bastidores da política brasileira pré-golpe militar e pela vida pessoal de um homem que gravou seu nome na história do Brasil. 

Getúlio pegou o trem de Porto Alegre até o Rio de Janeiro para se sentar no maior cargo deste país. Sua trajetória durou 15 anos, todos esses sem saber amarrar seus sapatos. O longa-metragem tenta preencher certos contextos complexos de forma mastigada, trivial para o público, méritos do roteiro de Jardim e George Moura. Para dar vida a essa figura emblemática de nosso Brasil, somente um grande ator como Tony Ramos para dar conta do recado. A elegância, emoção, dedicação e lucidez que o global aplica em seu personagem causa uma reação instantânea verossímil de empatia desde o primeiro olhar nos primeiros segundos de fita.

O filme fica em cima do muro em relação a muitos assuntos políticos daquela época. Isso é, de certa maneira, uma forma inteligente de dizer ao espectador que os argumentos pesquisados serão apresentados mas quem define quem foi o certo ou o errado somos nós mesmos. Um exemplo disso é o quarto poder se manifestando quase que por completo na figura de Lacerda. A manipulação da informação, levava o povo a apoiar ou desgostar de uma figura pública a cada nova manchete (fato que ocorre, se bobear de forma bem pior, até os dias de hoje).

 Um ditador que enfrentou tudo e a todos? Uma figura carismática, aclamada e jogada nos braços do povo? Um pai e político importante que de repente se viu encurralado por militares? Acompanhando passo a passo desta rica história, o público chega às suas próprias conclusões no desfecho. Getúlio chega aos cinemas brasileiros no dia 01 de maio e merece ser conferido por todo mundo que ainda acredita que o cinema nacional sempre pode surpreender positivamente.
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15/04/2014

Crítica do filme: 'Noé'



Um certo escritor paraibano escreveu uma vez: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso .” Pensando em cima dessa linha de raciocínio, o novo e polêmico trabalho do cineasta nova-iorquino Darren Aronofsky, Noé, transforma um conto bíblico em uma experiência Mainstream repleta de hiperbólicos efeitos especiais e um protagonista completamente descontrolado que não consegue nos guiar com eficácia na construção dessa fábula moderna.

Na trama, acompanhamos o famoso Senhor Noé que vive bem antigamente em um mundo devastado/dominado pelo pecado humano. Certo dia, o pai de Ila (Emma Watson), Shem (Douglas Booth) e Ham (Logan Lerman) recebe uma missão vinda diretamente de Deus que é a difícil tarefa de construir uma arca para salvar a criação do dilúvio. Assim, lutando contra tudo e contra todos, o implacável e intenso personagem principal fará de tudo para cumprir seu objetivo.

A não definição do gênero do filme já mostrava o Pot-Pourri que veríamos em cena. O roteiro, escrito pelo diretor e por Ari Handel, deixa muito a desejar. A história em seu início é muito mal construída não dando as bases para que o público possa entender todas as ações dos personagens que se perdem por completo em muitas cenas. Do meio para frente, com a estabilidade do seu protagonista, Noé ganha força em emoção, justamente quando começa a explorar as relações de carinho, raiva e afeto entre os integrantes da família.

Aronofsky é conhecido por cinco belíssimos trabalhos no cinema (Pi, O Lutador, Fonte da Vida, Cisne Negro e Requiem para um Sonho), esses, que contaram com um orçamento reduzido e onde a força do roteiro e direção sempre tiveram papel fundamental para o êxito perante público e crítica. Com um orçamento de US$ 130 milhões nas mãos para trabalhar Noé, Aronosfky parece que se perdeu na hora de aplicar em efeitos especiais e escolher elenco. Muita coisa dá errado ao mesmo tempo nesse projeto. Para citar apenas um exemplo, as cenas de ação beiraram em uma mistura bizonha de O Senhor dos Anéis: As Duas Torres e Gladiador.

Irritando o Vaticano e sendo banido em diversos países do Oriente Médio, Noé segue conquistando dinheiro ao redor do mundo, até o presente momento mais de US$ 180 milhões já foram arrecadados no mundo todo. Como investimento de um grande estúdio, o filme é um sucesso. Como cinema e para os que conhecem os outros trabalhos de Aronofsky, o filme é um verdadeiro Titanic.
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