30/07/2014

Crítica do filme: 'Instinto Materno'



A força do amor de uma mãe por seu filho é diferente de qualquer outra coisa no planeta. Ele não obedece lei ou piedade, ele ousa e extermina sem remorso tudo o que ficar em seu caminho. O ganhador do Urso de Prata, no concorrido Festival de Berlim do ano de 2013, Instinto Materno é um daqueles filmes impactantes, inteligentes, nu e cru, que deixarão os cinéfilos instigados do início ao fim. Partindo em uma jornada sentimental profunda, de uma relação nada prazerosa entre mãe e filho, o cineasta Calin Peter Netzer dirige com brilhantismo todas as cenas deste magnífico retrato familiar protagonizado por uma das melhores atrizes do mundo atualmente, Luminita Gheorghiu.

Na trama, acompanhamos a relação alvorotada entre Cornelia Keneres (Luminita Gheorghiu) e Barbu (Bogdan Dumitrache), mãe e filho que há tempos não se entendem. A rejeição profunda que Barbu tem pela sua mãe fica à prova quando esse é acusado pela morte de um jovem em um acidente de carro. Assim, Cornelia busca evitar a todo custo que ele seja indiciado por homicídio usando sua posição social e suas profundas relações com a alta sociedade romena.

Quem disse que as relações entre mãe e filho são que nem na maioria dos filmes blockbusters norte-americanos onde tudo são flores e os finais felizes se tornam eminentes? O trabalho de Calin Peter Netzer chega maneira avassaladora para mostrar outras verdades por trás desse relacionamento. O ponto principal dessa trama é exatamente o desdém que o filho tem pela sua mãe superprotetora que tenta a todo instante mandar nas ações e escolhas dele. Os árduos diálogos entre os dois, que aparecem constantemente no filme, são tensos e o público se vê envolvido do início ao fim por essa história. Talvez, por mostrar a realidade de muitas famílias e bater duro nas hipocrisias da sociedade, o filme absurdamente quase não teve espaço no minúsculo circuito carioca de cinema.

Pra quem não conhece o cinema romeno, corram para as locadoras urgentemente e aluguem 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias de Cristian Mungiu e A Morte do Sr. Lazarescu de Cristi Puiu. Ambos com participação de Luminita Gheorghiu. Essa, com mais essa espetacular atuação, se torna uma das grandes atrizes de sua geração. A mais Meryl Streep europeia, impressiona como domina cada sequência deste excepcional trabalho. Bravo!
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Crítica do filme: 'Sem Evidências'



Indicado ao Oscar pelo maravilhoso trabalho no sensacional O Doce Amanhã (1997), o cineasta egípcio Atom Egoyan, bastante conhecido pelos cinéfilos, volta aos cinemas com o misterioso filme de tribunal Sem Evidências. Reunindo dois rostos famosos, ganhadores de Oscar, Colin Firth e Reese Whiterspoon, o drama é baseado em uma história real que aconteceu em 1993 nos Estados Unidos. Por mais que seja um filme com muitas cenas no tribunal, Egoyan consegue com muita habilidade não deixar o longa-metragem maçante. Todos os elementos dessa conturbada história são expostos na tela, deixando o espectador dar seu veredito final. 

Na trama, voltamos ao ano de 1993, onde os jovens Damien Echols (James Hamrick), Jason Baldwin (Seth Meriwether) e Jessie Misskelley Jr.( Kristopher Higgins) foram acusados de assassinar três crianças. Durante o julgamento, os advogados de defesa contam com a ajuda de um investigador criminal chamado Lon Rax (Colin Firth) que, totalmente contrário a sentença de morte, começa a juntar peças soltas deste complicado quebra-cabeça. 

O grande divisor de águas deste trabalho é a maneira como Egoyan apresenta os fatos, não focando exclusivamente em um possível filme sobre tribunal. O olhar e desconfiança da mãe de uma das vítimas (muito bem interpretada por Reese Whiterspoon), os argumentos inteligentes do investigador criminal, toda a problemática politicagem em torno das ações da polícia neste caso, preenchem lacunas e/ou nos fazem pensar que muitas peças deste famoso caso não se encaixam. 

Baseado no livro Devils Knot: The True Story of the West Memphis Three de Mara Leveritt, Sem Evidências teve um modesto lançamento no circuito nacional, principalmente no Rio de Janeiro. Uma grande pena, é um trabalho que, sem dúvidas, merece ser conferido pelos cinéfilos. Egoyan mais uma vez mostra que sabe, como poucos cineastas, retratar com muita verdade os dramas de nossa sociedade.  
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Crítica do filme: 'Sobrevivente'



Se a sua vida for a melhor coisa que já te aconteceu, acredite, você tem mais sorte do que pode imaginar. Baseado em uma inacreditável história real, o novo trabalho do bom diretor Baltasar Kormákur, Sobrevivente, é a jornada de um homem em busca de sobrevivência em uma situação deveras extrema. Mas se vocês pensam que o filme se resume a um homem jogado ao mar pela força da natureza, estão enganados! Na verdade o grande clímax do filme acontece quando ele sai das águas geladas e enfrentam o conturbado mundo da ciência. 

Na trama, acompanhamos o tímido e querido pescador Gulli (interpretado pelo inspirado ator Ólafur Darri Ólafsson), um homem que durante o inverno de 1984 na Islândia se vê em uma situação delicada quando o barco onde estava naufraga nas águas do atlântico norte. Após nadar por inacreditáveis seis horas e enfrentar vários percalços nessa desumana trajetória pela sobrevivência, consegue chegar são e salvo em casa. Mais a dor de Gulli não termina por aí, agora precisa enfrentar a dor da perda dos amigos nesse acidente e a curiosidade de cientistas que insistem em fazer testes para descobrir como foi possível um ser humano viver 6 horas nas águas mais geladas do mundo.

O que mais impressiona neste belo trabalho, é a impecável direção de Kormakúr. As cenas do naufrágio são pensadas de maneira inteligente. Nessas tensas sequências, o espectador praticamente é transportado para dentro do atlântico norte e acompanha as dores do protagonista. Tudo foi filmado de maneira tão real que impressiona. Mesmo tendo um consequente spoiler no seu título, Sobrevivente ganha o coração do cinéfilo quando chega ao seu clímax quando, passado pela situação extrema, seu personagem principal enfrenta o insensível mundo da ciência que praticamente quer fazer de Gulli uma cobaia. Nesse momento o ator Ólafur Darri Ólafsson toma conta da tela e nos mostra uma viagem de autoconhecimento inspiradora. 

O filme, que se passa na década de 80, consegue fazer um retrato fiel ao que eram as condições que os tripulantes dos navios de pescas daquela região, praticamente esquecida pelo planeta, viviam. Talvez por isso, ao final do longa, juntamente com depoimentos do verdadeiro Gulli, uma bela dedicação a esses bravos trabalhadores é colocada em aberto ao público. Indicado ao Oscar pela Islândia no ano passado, Sobrevivente é um filme que você precisa conferir.
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27/07/2014

Crítica do filme: 'Miss Violence'



O famoso Carl Gustav Jung dizia: “O sofrimento precisa ser superado, e o único meio de superá-lo é suportando-o”. Será, Jung? E vem da Grécia, um dos filmes mais chocantes que entrarão em circuito neste ano aqui no Brasil, Miss Violence. Vencedor de alguns prêmios no último Festival de Veneza, a história impactante dirigida por Alexandros Avranas (que também assina o roteiro) fala sobre a violência absurda embutida em uma família grega de classe média cheia de regras e punições. Esse é um daqueles trabalhos que deixarão o público assustado.

Na trama, sem nenhum tipo de introdução, somos guiados para dentro do dia do aniversário de 11 anos da jovem Angeliki, que de repente e sem ninguém entender, se joga da janela da casa onde mora com sua mãe, seus irmãos e avós. A polícia e o serviço social são chamados e tentam a todo custo descobrir a razão desse suicídio. Assim, somos guiados para o cotidiano tenebroso dessa estranha família que tem na figura do avô (interpretado de maneira brilhante pelo ator Themis Panou) a razão de seu mistério.

Miss Violence é um filme muito forte que vai causar indignação de grande parte do público. Coloca em questão assuntos polêmicos, como: a prostituição infantil, a violência doméstica e o suicídio. É um trabalho de direção muito interessante de Avranas que praticamente coloca os olhos do espectador dentro do dia a dia dessa família. Talvez por isso, seja tão chocante. A passividade do restante da família em relação as ações absurdas do Avô, causam espanto de todos.  

Os cineastas gregos, volta e meia, chegam com filmes impactantes, que incomodam. Lembram do tenebroso Dente Canino? Miss Violence com certeza terá uma classificação de 18 anos, realmente as cenas são fortes, chocantes. Esperamos que esse detalhe da classificação não atrapalhe alguns cinemas de exibir esse grande filme aqui no Brasil. Por mais fortes que esses filmes sejam, não há como negar a qualidade no cinema deste país. Esses dois trabalhos, que muito se assemelham, são uma brilhante crítica social.
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Crítica do filme: 'Omar'



O destino é uma fábula quando não se encontra uma saída para sua própria sobrevivência. Um dos filmes indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro do ano passado, é um retrato marcante e emocionante sobre um tema atemporal que causa dor e sofrimento ano após ano. Omar é muito mais que uma história de amor, é muito mais que um conflito sobre raízes, é um filme sobre traição que mostra que alguns destinos já estão traçados. Dirigido por Hany Abu-Assad e com uma atuação inspirada do ator Adam Bakri, o projeto foi o primeiro filme palestino a ser indicado ao Oscar.

Na trama, acompanhamos a vida de Omar (Adam Bakri), um padeiro que vive com a família na Cisjordânia, ocupada. O protagonista e seus dois amigos de infância, fazem parte de um movimento de libertação e lutam à sua maneira pela liberdade de seu povo. Omar é apaixonado por Nadia, irmã de um desses amigos, e isso sempre o coloca em dúvida de como seguir lutando. Quando uma traição ocorre nesse grupo revolucionário, Omar é preso e precisa decidir de qual lado ele está nesse grande conflito.

O filme navega em temas polêmicos que giram em torno do conflito milenar entre Israel e Palestina. A violência a todo instante, os julgamentos premeditados da comunidade, as traições que ocorrem a todo instante, a detenção e o tratamento desumano, torturas e rebeliões por uma causa. Ninguém é inocente nessa história. Por lutarem pelas convicções que acham as corretas, não há como ter um dia de paz nesses lugares.

A grande sacada do filme é o desdobramento da história de amor que lhe é embutida. Mas vocês pensam que isso deixa a história mais leve? Bonitinha? Nada disso. Não há clichês, percebemos novas verdades cruéis a cada sequência. Omar é um sobrevivente em um mundo de dor e violência, como milhões de pessoas que sofrem por conta desse imbecil conflito entre Israel e Palestina.

Já em seu desfecho (que final espetacular, emblemático!), com os créditos aparecendo na tela sem nenhuma trilha sonora, começamos a raciocinar e abrir os olhos de que o filme terminou mas o conflito infelizmente continua e cada vez mais sem finais felizes.
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