27/11/2014

Crítica do filme: 'Os Amigos'



As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável. Exibido no Festival de Gramado do ano passado e com algumas passagens em outros festivais aqui no Brasil, o simpático filme Os Amigos é uma fábula moderna sobre um homem e suas depressões cotidianas causadas por abalos emocionais em muitos campos de sua vida. Protagonizado pelo competente Marco Ricca, e com a maravilhosa Dira Paes como coadjuvante, o trabalho dirigido pela cineasta Lina Chamie é uma jornada inteligente sobre as reflexões que passamos ao longo de muitos momentos de nossas vidas. É o tipo de filme que faz constantes paralelos com a realidade de cada um de nós. 

Ao longo dos 90 minutos de fita, acompanhamos um momento de incertezas e depressões sociais na vida do arquiteto Téo (Marco Ricca), um homem solitário que sofre um grande abalo quando sabe do falecimento de seu melhor amigo de infância. Téo é um ser sozinho, divide suas angústias apenas com sua melhor amiga Majú (Dira Paes) que vive tentando arranjar uma companheira para ele. Enfrentando seu passado e tentando achar alguma luz em seu futuro, o protagonista leva o público em uma jornada sobre os momentos de reflexões sobre a vida, situação em que todos nós já estivemos, estamos ou vamos estar.

O roteiro, assinado pela própria diretora, um dos bons destaques dessa produção,  teve altas influências do poema Fábula de um Arquiteto, de João Cabral de Melo Neto e do romance Ulysses, de James Joyce. Com essas referências, foi moldada uma história que mais parece aqueles livros adolescentes que falam sobre complexos pensamentos de maneira poética, beirando a trivialidade e deixando o espectador argumentar sobre os inúmeros assuntos colocados à mesa. 

Os Amigos não é só um filme só sobre amizade, é um trabalho que busca uma lógica para a arte do sonhar.  As cenas do zoológico, os paralelos com o cotidiano agitado do protagonista e os inúmeros raciocínios feitos ao longo da fita, tiram o público da zona de conforto. Para contextualizar alguns pensamentos, a diretora afasta o público da realidade, com cenas que parecem desenhos animados, mas sempre falando sobre ela. É uma criatividade que produz a originalidade. Mais filmes nacionais deveriam seguir esse caminho, o do tentar apresentar uma história original que realmente nos fazem pensar sobre as nossas próprias vidas.  
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26/11/2014

Crítica do filme: 'Allegro'



O passado nunca reconhece o seu lugar, está sempre presente. Dirigido pelo competente cineasta dinamarquês Christoffer Boe (do ótimo thriller “Alting bliver godt igen”), e praticamente desconhecido do público brasileiro, o complexo filme Allegro é uma mistura de realidades utópicas, definidas pela paixão de um homem, que se perde em seus mais secretos desejos de amar. Protagonizado pelo espetacular ator Ulrich Thomsen, o longa-metragem de modestos 88 minutos é uma versão metafórica do amor.

Na trama, conhecemos o brilhante pianista Zetterstrøm (Ulrich Thomsen), um homem que desde criança foi um prodígio da arte de tocar piano. Ao longo de sua vida, poucos outras coisas tiveram espaço. Um certo dia, conhece Andrea (interpretada pela belíssima Helena Christensen) , uma mulher misteriosa que aparece em sua vida e modifica toda a rotina do pacato músico. Ao longo do tempo, nasce um amor intenso e precocemente há uma ruptura. Anos se passam e Zetterstrøm fica muito famoso em todo o mundo e acaba perdendo suas memórias passadas. Sem voltar para Dinamarca a muito tempo, recebe um inusitado convite que o fará mais um vez reviver lembranças já esquecidas.

A direção de Boe é algo fabuloso. Tenta cercar o espectador de angústia e mistérios com captação de imagens belíssimas que descascam todas as emoções dos personagens. O corajoso roteiro, percorre o consciente humano e se aproxima da lógica que vimos em filmes como Matrix e A Origem.  Taxado como Sci-fi pela crítica internacional, Allegro é muito mais que ideias inovadoras na arte de figurar o sentimento, é uma história sólida sobre a redescoberta das emoções. Há uma raiz filosófica e dá muita margem para discussão.

Esse projeto é um daqueles filmes bem difíceis de digerir. Talvez por isso, não teve muito interesse das distribuidoras brasileiras. No circuito nacional raramente se viu uma sessão do filme que depois de 9 anos (o filme é de 2005) estreou no Rio de Janeiro.  O cinema dinamarquês possui essa marca de tentar criar a fábula cinematográfica com muita criatividade e competência, esse é um dos fatores que validam a ideia que há o interesse dos cinéfilos em conferir suas histórias.  Se tiver oportunidade, não pense duas vezes, vá conferir esse belo trabalho.
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24/11/2014

Crítica do filme: 'Boa Sorte'



O coração do homem pode estar deprimido ou excitado, em qualquer dos dois casos o resultado será fatal... ou não. Baseado em uma história de Jorge Furtado, o mais novo pocket blockbuster nacional, Boa Sorte, apresenta uma roupagem agradável aos velhos tons que contornam o melodrama nas telonas quando o assunto é o velho e rotineiro problema da existência. Dirigido por Carolina Jabor – seu primeiro trabalho sem ser um documentário ou série de televisão – o filme conta com uma atuação inspirada da atriz global Deborah Secco que consegue com muito carisma chamar a atenção do espectador em todos os instantes em cena. 

Nessa fábula sobre a inconsequência, conhecemos João (o estreante João Pedro Zappa), um jovem deprimido que após uma série de atos que fogem da normalidade, é enviado por sua família a uma conceituada clínica psiquiátrica que tem o comando da Doutora Lorena (Cássia Kiss).  Totalmente sem rumo e sem nenhuma expectativa sobre seu futuro, João acaba fazendo amizades dentro dessa clínica e também descobre o amor e as fortes emoções que esse sentimento pode gerar, principalmente quando conhece a complicada Judite (Deborah Secco).

Deborah Secco usa e abusa de sua sensualidade. Sem dúvidas é um dos grandes trabalhos da bela atriz no mundo do cinema. Só não ganha destaque completo, talvez culpa da diretora, por usar e abusar da exposição do nu em algumas cenas que não acrescentam em nada à trama. Usar do silicone para contextualizar as ações de sua ótima personagem foi uma decisão nada acertada. Deborah é muito mais que um corpinho bonito, é uma atriz madura que entende, do início ao fim, completamente, sua personagem. 

Existem vários tipos de amor, qual você prefere? O longa-metragem tenta preencher a tela com respostas diversas para essa pergunta. Os amores diferenciados que vemos ao longo dos 90 minutos de fita, encostam na esfera familiar, na amizade, na paixão e no simples sentimento do viver. A vida é uma eterna arte do se reencontrar, talvez, sob essa ótica, o espectador se sente mais confortável para compreender e analisar esse bom trabalho.
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20/11/2014

Crítica do filme: 'Ventos de Agosto'



Uma abertura simples em um barco subindo rio acima, com uma fotografia que chama a atenção, é o start do novo trabalho do competente cineasta Gabriel Mascaro. O filme chama a atenção pelas imagens, somos testemunhas de uma beleza natural em todas as sequências. Isso por um lado é bom, por outro é ruim. O lado bom é mais uma vez acompanhar a competência de Mascaro com a câmera nas mãos. O lado ruim é que isso acaba se tornando maior que a própria história, o que distancia o público até certo ponto do que acontece no andamento dos personagens.

Na trama, conhecemos a bela Shirley (Dandara de Morais) uma corajosa mulher que largou a cidade grande para cuidar de sua avó. Ela trabalha em uma plantação, ouve música alternativa e vive de seus sonhos de ser tatuadora. Morando em uma vila, a rotina desses habitantes é bem simples e nunca há nada de novo, até a chegada de um pesquisador de ventos que faz o despertar de muitos dos personagens.

Mascaro disseca com profundidade os personagens de forma tão honesta e verdadeira que impressiona. Mas não pensem que é uma história comum, vista muitas vezes no cinema. Ventos de Agosto é uma mostra do cotidiano de pessoas que se limitam a viver na escassez até do próprio sonhar, onde qualquer situação fora do normal daquela rotina se torna um grande acontecimento no lugar onde eles vivem. 

É um retrato do Brasil que não aparece nos noticiários, um Brasil que não conhece o Facebook nem vai perder seu tempo querendo saber o que é whatsapp. Ventos de Agosto é uma tentativa válida de mostrar que o cinema também pode ser visto como poesia. Para ajudar nessa validação, a fotografia do filme beira ao espetacular o que nos proporciona flashes de um nordeste lindo. Esse trabalho merece ser visto pelo público, precisamos conhecer nossas belezas e nossas histórias. Esse também é o nosso Brasil.
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17/11/2014

Crítica do filme: 'Uma Passagem para Mário'



A amizade e a lealdade residem numa identidade de almas raramente encontrada. Com um relato extremamente emocionante sobre o poder e carinho de uma amizade entre dois grandes amigos, o longa-metragem Uma Passagem para Mario, ao longo de seus curtos 77 minutos, promete deixar dezenas de olhos cheios de lágrimas. O diretor Eric Laurence consegue criar um documentário inovador, com peças que se encaixam perfeitamente e deixando o projeto praticamente impecável tecnicamente, levando a fita a ser um dos grandes títulos nacionais lançados no Brasil neste ano. É o Elena deste ano.

Na trama, conhecemos mais sobre a vida de Mário, um aventureiro gente boa que mora em Recife. Mário faz tratamento contra o com câncer semanalmente mas mesmo assim resolve planejar uma viagem com seu melhor amigo. Assim, somos jogados em várias passagens de tempo que mostra os preparativos dessa grande excursão que parte do Recife, atravessa a Bolívia, até chegar ao deserto do Atacama, no Chile.

Todos nós já tivemos ou temos uma grande amizade, é algo instintivo de todos nós seres humanos. Talvez, por isso a história de Uma Passagem para Mario chegue bem forte em nossos corações. Mário domina a tela como se tivesse o talento de um grande protagonista. Os diálogos com a família, os carinhos com a sobrinha, os desabafos quase cômicos sobre seus relacionamentos, todos esses elementos se encaixam de maneira sincronizada com o andamento das sequências. Eric Laurence mais parece um mecânico que consegue encontrar cada peça para construir uma máquina. Nesse caso, foi construída uma super máquina de emocionar.

O filme nunca vai deixar de ser uma enorme homenagem à Mario. Na verdade, o poder do cinema vai além, torna qualquer mensagem infinita. O desfecho dessa história é algo inovador, criativo, uma ideia que vai ficar guardada para sempre na memória de todos nós que tivemos a sorte de conhecer um grande ser humano na telona. Bravo!
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