As dores de uma vida sem esperança. Disponível no catálogo da Netflix, o longa-metragem turco Filhos de Istambul nos mostra a dura trajetória de um personagem em eterno conflito que esconde de seu presente memórias dolorosas de um passado que o acompanha por todos os lados. Ao longo das quase uma hora e meia de projeção, com um plot twist no meio do caminho, somos surpreendidos com reflexões sobre a existência além do contraste de vida da cidade localizada em dois continentes. A direção é assinada por Can Ulkay (em seu quinto longa-metragem), com roteiro de Ercan Mehmet Erdem.
Na trama, conhecemos o esforçado Mehmet (Çagatay Ulusoy), um administrador de um
depósito de resíduos sólidos em um bairro de classe média baixa em Istambul.
Sua rotina é ajudar pessoas desabrigadas e dar um trabalho como catadores de
papeis e outros objetos em determinadas zonas da cidade. Mas ele não anda bem
de saúde, na fila do serviço público de saúde na espera de um transplante de
rim passa seus dias em uma agonia sem fim. Certo dia, um menino chamado Ali
aparece de surpresa no local de trabalho de Mehmet sem ter para onde ir. Mehmet
então resolve ajudar o garoto e acaba entrando em uma jornada de
autodescoberta.
Morrer antes de viver a vida. Lutando contra as dores de um
tempo presente que não dá sossego, a necessidade de trabalhar mesmo não estando
em totais condições, Mehmet sofre com o abatimento mental e físico, detalhe
presente logo no início do arco narrativo, antes mesmo de entendermos direito o
enredo. Essa reflexão sobre a sobrevivência nos leva a paralelos com as
desigualdades sociais da única metrópole do mundo localizada em dois
continentes (Europa e Ásia).
O sorriso emprestado em pílulas de felicidade. A chegada de
Ali na vida do protagonista parece trazer junto uma esperança de felicidade, a
oportunidade de viver momentos agradáveis em meio ao caos do cotidiano em uma
cidade com poucas oportunidades, onde a desigualdade social está em cada
esquina. Mas quem é aquele menino? Da onde ele veio? Quem são seus pais? Nessa
busca por lacunas incompletas, Mehmet vai acabar descobrindo páginas de sua
história que estavam guardadas em algum lugar da sua memória.
Os pontos de vista dos personagens nos levam para várias reflexões.
O plot twist, mesmo previsível em um certo ponto, vira a peça que faltava para
entendermos que esse projeto é sobre abandono, sobre rejeição, sentimentos
dolorosos que podem ser uma âncora sem volta na vida de qualquer pessoa.